Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

26/01/10

Igreja em campo aberto

A Igreja sempre esteve em campo aberto. É de sua natureza e, por isso mesmo, essa é a sua missão e seu modo natural de agir. Em campo aberto: ao calor do verão, ao frio do inverno, à beleza da primavera, à serenidade do Outono O Vaticano II veio dizer que assim é.

Porém, houve tempo, já lá vão séculos, em que a Igreja caiu na tentação de construir palácios com muralhas. À maneira de reis e fidalgos. Umas mais ostensivas a denunciar poder. Outras mais discretas, com frestas estreitas para poder espreitar, guardando da tentação de sair para o vento. Visto de longe, tudo parecia bem e iluminado. Assim, se tornou mais difícil entrar e sair, e mais cómodo estar de ouvidos cerrados ao rugir de vendavais e ao cair da chuva. O mesmo é dizer, estranho às intempéries da vida que geram sofrimento, e à luta inglória de muitos sem saberem como enfrentar o abandono.

As verdades foram ganhando bolor, as gargantas ferrugem, e o povo a ter de se contentar com a esmola ocasional e fugidia das palavras piedosas de algum frade pregador, que passava, de tempo a tempo, pelo povoado. Muitas casas paroquiais já nem eram do padre, mesmo com ele a viver lá dentro. E, onde ele ainda mandava, não raro as propostas de religião que apontavam para Deus eram limitadas, sempre iguais e de alcance reduzido para àqueles a quem chegavam, que, mesmo estes, iam escasseando, a pouco e pouco.

Um dia os maiores se aperceberam que, lá fora, em campo seu, se moviam outras forças e nelas estava o inimigo que era preciso esconjurar. Saíram, então, das muralhas para fazer guerra ao intruso. De defesa da fé e da verdade, dizia-se. Tarde de mais. Com a luz debaixo do alqueire não se pode estranhar que, na noite da vida, surjam lampiões. Os de fora equiparam-se com armas depreciadas pelos de dentro. A estas, outras se juntaram, de novo cariz e não menos poderosas. E a guerra de oposição não terminou mais.

Avisos do céu foram abafados. Palavras de profetas, não ouvidas. Sinais de novos caminhos, rejeitados. O bem que os outros faziam, desfeiteado…
Mas o Espírito ia trabalhando. Onde era maior o sofrimento pela injustiça dos pecados sociais, surgiam novos apóstolos; onde o tesouro da verdade estava aberto só a iniciados, alguns mais ousados penetraram nele e apresentaram-no como bem de todos os que a ele tinham direito; onde o medo imperava, uma coragem inesperada tornou-se expressão de vida; os humildes vieram à ribalta e soaram palavras novas…
Já nada era igual na Igreja, nem modo havia de retroceder. Uns perceberam que era necessário abrir caminhos novos e uniram-se para tal tarefa. Outros não temeram a tempestade e enfrentaram-na corajosamente. Outros, ainda, avançaram sem intuitos de guerra, dispostos a falar a todos da “liberdade com que Cristo nos libertou”, mesmo onde já se hasteavam bandeiras de outras liberdades de sinal diferente.

Muralhas foram caindo; incómodos por novo rumo foram crescendo; a noite dando lugar a dias de esperança; as lutas perderam o sentido; a paz foi mais desejada; os ouvidos mais atentos às vítimas das mentiras e injustiças; os corações sensíveis à dor.
E a Igreja viu-se, como nos seus princípios, no Cafarnaum da confusão, na feira franca das ideias e das opções, no campo aberto onde todos entram. Surge, então, João XXIII com um sorriso de esperança. Carregava as preocupações de muitos, era eco da voz do grande Profeta. E disse assim: a Igreja de Cristo é luz das nações e sinal de salvação para todos, se for, de novo, serva e pobre; ela é povo de irmãos com vocação de fraternidade universal; edifica o Reino e é sinal de que Ele já está entre nós; é mãe e mestra, serviço e não poder; tem na pessoa humana é o seu caminho e o seu lugar é o lado da verdade e da justiça; tem de deixar de vez o trono dos grandes e estar, disponível para o lava-pés; falará com o mundo e ouvirá dele as alegrias e esperanças…

Outra vez Igreja no campo aberto de uma sociedade plural. Aí tem de ser ela mesma: fermento, sal, luz, proposta de amor e aberta ao diálogo, disposta ao sofrimento, fiel à verdade e ao encontro das pessoas. Igreja votada, a tempo inteiro, ao essencial, o projecto de Cristo. Igreja no mundo, sem ser do mundo, deixando que o Espírito a conduza.

António Marcelino


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25/01/10

Mudanças no mundo ou mudança de mundo?

1. A pergunta não é retórica, a curiosidade não é ociosa e a preocupação não é despicienda.
Sempre houve mudanças no mundo. A questão que, desde há uns anos, se coloca é saber se não estaremos no limiar de uma mudança de mundo.
É um facto que aquilo que tem acontecido e o que está a acontecer não estão em linha com o que estávamos habituados.
Sejamos realistas e não percamos a serenidade. A mudança está inscrita no coração do mundo. O que não é habitual é esta aceleração da mudança.
Nova, de facto, não é a mudança. Mudar é conatural ao Homem. Desde o plano biológico até ao âmbito espiritual, a vida humana é uma sucessão de começos e uma sequência de mudanças.
Esta percepção nem sequer é de agora. Já na antiguidade clássica, Heraclito acentuava que tudo está em devir, que tudo está em mudança.
Nicolau Maquiavel sublinhava que «uma mudança deixa sempre patamares para uma nova mudança».
No século XVI, Luís de Camões proclamava que «todo o mundo é composto de mudança». Com efeito, se, como alertava Bernardim Ribeiro, «até o mudar mudou», porque é que o mundo não haveria de acolher a mudança?

2. Vergílio Ferreira dava conta de que «a História é feita de intervalos».
Desde há uns anos que não sabemos em que época nos encontramos.
Temos a percepção de que estamos numa época nova, mas não temos a devida noção acerca da sua identidade.
É a época mais nossa e, ao mesmo tempo, parece ser a menos nossa, aquela cuja compreensão mais nos escapa.
O mais que conseguimos é dizer, com Alvin Toffler, que «somos a última geração de uma civilização velha e a primeira geração de uma civilização nova».
É por isso que o nosso tempo se descreve tendencialmente como estando depois de outro.
Como referiu Hans Küng, a pós-modernidade é uma designação heurística, serve, acima de tudo, para dizer que estamos numa era que vem depois de outra.
É um mínimo, mas, à falta de melhor, constitui o máximo que conseguimos produzir.

3. No entanto, neste tempo tão complexo, vão acontecendo coisas que estão a mudar — definitivamente? — a nossa forma de ser, de estar e de pensar.
Olhemos para o que é mais básico, estruturante: a vida e a família. O que está a acontecer não é uma simples mudança na concepção. É uma autêntica desconstrução.
De resto, é consensual entre os autores apontar a desconstrução como uma das vértebras deste tempo híbrido a que se convencionou denominar pós-modernidade.
Luc Ferry faz uma síntese bastante luminosa do percurso do pensamento humano em torno da desconstrução. Esta ocorre quase sem darmos por ela.
A ciência é pilotada — e engolida — pela técnica com o consequente esbatimento da questão do sentido.

4. Sempre houve atentados contra a vida. O que é novo é haver atentados contra a vida encarados não como atentado, mas como norma a ponto de estarem previstos na lei.
A família sempre foi constituída por marido e esposa e filhos. Colocar outras formas de organização no mesmo patamar não alarga o leque de opções; afunila o conceito de família.
Como todos sabemos, a vida e a família são os alicerces da sociedade.
O que estamos a ver não é uma alteração de modelos; é uma desconstrução das estruturas.
Não se trata, pois, de simples mudanças no mundo. Trata-se, sim, de uma verdadeira mudança de mundo.
Ainda recentemente, o Santo Padre, referindo-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, afirmou: «O Homem não é Deus, mas imagem de Deus. O caminho a seguir não pode ser fixado pelo que é arbitrário ou apetecível, mas deve, antes, consistir na correspondência à estrutura querida pelo Criador».
Já não está em causa a prioridade da pessoa. O que está em jogo é apenas uma sua parcela.
Ao aplicar o mesmo conceito — casamento — a situações diferentes, o Estado, como adverte José António Saraiva, está a dar um sinal errado. «Está a dizer que é “tudo a mesma coisa”. Que tanto faz um homem casar-se com uma mulher como com outro homem. Ora, isso não é verdade».
Estamos, assim, a mudar de mundo. Será melhor o mundo que nos espera?
Não nos limitemos a acompanhar a mudança. Procuremos construir a mudança, ser a mudança. Como aconselhava Gandhi, «é preciso que cada um seja a mudança que gostaria de ver no mundo».

João António Pinheiro Teixeira
padre


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Proclamai a Boa Nova

"A Igreja é por sua natureza missionária. Pois ela se origina da missão do Filho e da missão do Espírito Santo, segundo desígnio do Pai" (AG 2)."Aprouve a Deus chamar os homens não só individualmente, sem nenhuma conexão mútua, à participação, mas constituí-los num só povo, no qual seus filhos, antes dispersos, se congregassem num corpo" (AG2).

A obrigação do "Ide fazer discípulos meus todos os povos...) deve ser cumprida por todos os que seguem Jesus Cristo, pois "Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (AG7).

Por isso mesmo, embora respeitando todas as religiões, "cabe à Igreja o direito sagrado de evangelizar" (AG 5). E mais: por esta necessidade de anunciar a salvação a todos, "a Igreja, que dele dá testemunho através da pregação evangélica, transcende todo particularismo de raça e nacionalidade - nenhum homem ou terra podem considerá-la estranha" (AG 8).

A Igreja sabe ainda que lhe resta realizar uma ingente tarefa missionária. São muitos os que não ouviram a mensagem evangélica: grandes povos, antigas civilizações e tradições religiosas. Outros negam a existência de Deus.
Como anunciar a mensagem de Deus? " pelo exemplo da vida e pelo testemunho da palavra".
"Ligando-se aos demais homens com estima caritativa... com alegria e respeito, descobrindo as sementes do Verbo aí ocultas..."
"Mediante um diálogo cheio de sinceridade e paciência, venham a conhecer quantas riquezas Deus prodigalizou aos povos".
"Ao mesmo tempo, à luz do Evangelho, procurem iluminar, libertar e submeter essas riquezas ao domínio de Deus Salvador" (AG 11).Através da caridade e da promoção da justiça:
"A caridade cristã se estende a todo sem distinção, de raça de condição social ou de religião".
"Trabalhem, portanto, os cristãos e colaborem com todos os outros para estruturar com justiça a vida económica e social" (AG 12).
Embora respeitando todas as religiões, "cabe à Igreja o direito sagrado de evangelizar" (AG 5).
Pela missão Deus realiza a história da salvação. Pela missão se realiza a epifania do plano divino e o seu cumprimento do mundo e na história.

Armando Soares


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Exibicionismos despudorados e atrevidos

Ouvi dizer há dias que uma certa rapariga se masturbou pública e demoradamente no palco de um famoso festival de música e que a multidão presente admirou a coragem da moça, ovacionou o seu gesto e riu desbragadamente, alcançando assim mais vida, animação e colorido o referido festival. A notícia acrescentava ainda que, dado o êxito conseguido, organizadores de outros festivais se preparam para proporcionar de novo o gesto, desta vez com alguém do sexo masculino.

Estranharemos talvez a notícia e consideraremos possivelmente o facto raro, insólito, malcriado e atrevido.
Com razão.
Não é só este, todavia. Infelizmente.
Há outros do mesmo jaez, que se vão repetindo diariamente neste país, embotando a nossa consciência e destruindo o pudor que ainda resta.
Depois que acabou a “maldita censura” dos tempos do Estado Novo (dava cabo da cultura portuguesa…- dizem os libertários da nossa democracia, orgulhosamente), nós vemos todos os dias e a todas as horas, nos filmes, nas telenovelas e nos anúncios, casais a beijar-se sofregamente na boca e a ter relações sexuais na cama de um quarto, na esquina de uma rua ou no banco de um jardim.
Praga maior ainda, nas nossas televisões, nos próprios telejornais (com todas as crianças do país a ver e a assistir), os beijos demorados, descarados e indecorosos de pares homossexuais.
Os libertários que controlam a comunicação e o seu poder, na mira de conseguirem dinheiro e audiências, vêm construindo aos poucos uma sociedade sem regras, sem valores e sem respeito, explorando sordidamente tudo o que é instinto baixo, não se coibindo de pôr em evidência actos e atitudes que deviam ficar rigorosamente na intimidade das pessoas. Para essa gente, não há nem pode haver tabus! É tudo para se ver e para se mostrar!
Peço aos meus leitores que me desculpem se eu estiver a ser demasiado rigorista ou puritano…mas, sendo eu perfeitamente capaz de compreender todos os desvios e desvarios humanos, a verdade é que tenho um nojo irreprimível de exibicionismos deste género.
No caso dos pares homossexuais, aquele aparato todo, de dia de noivado, aquelas vestes brancas, decotadas e brejeiras, a lembrar-me as velhas macumbeiras das praias de Copacabana, aqueles toques de corpo carregados de ostentação e de volúpia e aqueles beijos manducados e lascivos frente às câmaras de televisão, nos degraus do Parlamento - a casa - mãe da democracia que também o devia ser da dignidade e do respeito - cheiram-me a podridão indecente e a miséria humana, e a uma enorme degradação moral e civilizacional.
À força de se repetirem esse gestos, nos canais de televisão e nas revistas da moda, ao longo de anos e quase diariamente, grande parte das pessoas a quem isso repugnava tempos antes, já vão dizendo e repetindo agora que tudo isso é normal e natural, e que não vem nenhum mal daí ao mundo.
Que em relação a casais heterossexuais, tais actos sejam normais e naturais, não tenho dúvida, na condição de serem sinal de um amor comprometido e sério e não apenas objecto de exibição ou de prazer leviano e irresponsável. Em relação porém aos pares homossexuais, assim não é. Tais actos, mesmo que sejam praticados na intimidade e no recato, como sempre deviam sê-lo, nem são naturais, nem normais. Qualquer pessoa inteligente pode entender que cada órgão do nosso corpo tem uma função específica. Não falamos com o umbigo nem comemos com as orelhas…Se o fizermos, ninguém dirá nem achará que somos pessoas normais e que tais usos são normais e naturais…

Mas, mesmo que naturais e normais fossem, não são para ser feitos na rua ou no jardim…e muito menos perante máquinas fotográficas ou câmaras de televisão. Há coisas que, por mais naturais e normais que sejam, são do foro da intimidade de cada um e não podem nem devem exibir-se no meio de uma rua, numa capa de revista ou num canal de televisão. Urinar e defecar são coisas normais e naturais, mais naturais, mais normais e até mais indispensáveis do que as outras a que atrás me referi, e nenhum de nós o faz na rua ou no jardim, à vista de toda a gente, ou perante as máquinas fotográficas ou as câmaras de televisão…

A desfaçatez e a desvergonha com que esses pares o fazem, em público, perante as câmaras ou as máquinas fotográficas, parecem querer dizer a todos que eles é que são exemplo e modelo, eles é que são heroicidade e coragem e os outros…nós, os que não procedemos como eles ou não achamos bem o que eles fazem, não passamos de pessoas atrasadas e de moralistas retrógrados.

À sombra da liberdade de expressão, que bela educação se está a dar à nossa juventude! E que belo futuro vai ser o da nossa sociedade!
Uma sociedade sem pudor e sem vergonha, não é mais uma sociedade civilizada. É um regresso à selva e à barbárie.
E é pena que assim seja.

Resende, 15.01.10
J. CORREIA DUARTE (Pe.)


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22/01/10

Em contexto do «Ano sacerdotal» - Desafios da cultura actual... à mensagem cristã

A cultura actual é caracterizada do seguinte modo: uma cultura impregnada de narcisismo; uma cultura que privilegia a individualidade (individualismo); uma cultura que promove a libertação (libertinagem) sexual; uma cultura que debilita o sentido de pertença; uma cultura que acentua a satisfação dos desejos; uma cultura que não consolida a confiança básica; e uma cultura de Deus à margem.

Esta citação foi apresentada nas jornadas de formação do clero da diocese de Setúbal, que decorreram nos dias 18 a 20 deste mês.
Aquele resumo foi publicado na revista ‘Vida nueva’ pelo recente bispo de San Sebástian (Espanha).
Tentemos, agora, olhar aqueles ‘ismos’ e ajudemo-nos a discernir a sua influência na nossa cultura actual, questionando, por ocasião do «Ano sacerdotal» os ministros ordenados, vulgo, padres.
* Narcisismo – Na senda da mais elementar identidade, podemos ver, nos nossos contemporâneos (e em nós mesmos), uma necessária capacidade de auto-estima... muitas vezes com uma exaltação eivada de auto-idolatria.
- Como são vistos os padres: eles têm de nos servir ou vemo-los como ‘pais de família’ a quem reconhecemos autoridade espiritual?
- Como lemos, habitualmente, os erros dos padres: à luz meramente natural ou com visão sobrenatural?

* Individualismo – Na tentativa de afirmação do ‘eu’, vemos proliferar uma tal veneração do indivíduo – reduzido, quase sempre, a números – que a relação de pessoa se esboroa... perigosamente. Quantas vezes para se realçar nessa individualização vemos certas ‘cenas’ que têm mais de ridículo do que de personalidade.
- Como são lidos os padres nos nossos dias: pela distinção quanto aos outros ou na conformidade com seus irmãos na fé?
- Certas regalias de antanho não terão incentivado algum anti-clericalismo ainda hoje remanescente na sociedade portuguesa?

* Erotismo – Perante uma certa tendência de libertação de preconceitos, vemos um desencadear libidinoso da fragrância do eros... interesseiro, onde cada pessoa (só) vale se dela tirarmos (algum) proveito. Quantas vezes as pessoas se tornam descartáveis, após terem sido usadas senão mesmo abusadas.
- Será que os padres, vivendo o carisma do celibato, são entendidos e dão-se a entender pela forma casta e pura de entrega a Deus pelos outros?
- A indumentária clerical ajuda ou complica a vivência do ministério pelo compromisso exteriorizado na Igreja e no mundo?

* Egoísmo – Diante das agruras e tentativas de acerto para sabermos estar com os outros, vemos surgir a falta de sentido comunitário, pois os outros/as quase funcionam mais como inimigos do que como companheiros. Mesmo que se reclame solidariedade, esta e, normalmente, mais dos outros para connosco e não vice-versa. Quantas vezes sabemos o que está a acontecer nos nossos antípodas e desconhecemos (ou fazemos por ignorar) aquilo que se vive ao nosso lado, no nosso prédio e na nossa rua.
- Como é que os padres criam, sobretudo no contexto das paróquias, a comunhão na diversidade e a diversidade para a comunidade?
- Não seremos demasiado afectivos para com aqueles com que simpatizamos e poucos abertos aos adversários por que um tanto diferentes?

* Consumismo – Na febre de ter mais, ter muito, parece ter, mostrar que se tem... muitos dos nossos contemporâneos (e, tantas vezes, nós próprios) vivem como que obcecados com a tentativa de satisfazer o desejo do materialismo prático de vida... com todas as consequências de nos irmos afastando das realidades espirituais. As romarias às catedrais do consumo substituem a prática da missa dominical e, com a agravante, de tudo ter de ser pago... no acto ou a crédito.
- Será que os padres vivem uma vida de desapego e de autêntica pobreza evangélica?
- As coisas da pobreza serão opção ou rótulo de circunstância? Até onde irá a ousadia pessoal e comunitária?

* Neo-paganismo – Efectivamente, Deus não conta para muitos dos nossos contemporâneos. A indiferença tem, hoje, mais seguidores do que a maioria das religiões tradicionais. A questão torna-se ainda mais grave quando esses indiferentes ocupam os espaços das (nossas) celebrações: a doença contagia por osmose e alguns dos ainda praticantes tornam-se frios, calculistas e agnósticos de profissão sem fé.
- Estarão os padres conscientes da praga do neo-paganismo por entre os que lhes estão confiados?
- Não teremos de esquecer o pretensamente já sabido para investirmos no cuidado com o primeiro anúncio de Jesus?

Queira Deus sacudir-nos da mediocridade, já!

A. Sílvio Couto


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20/01/10

Adiar Portugal

Um erro que não podemos continuar a cometer

Narrar 2010
2010! Um ano ainda por escrever, qualquer que sejam os desejos, os prognósticos, as profecias, os horóscopos ou as expectativas de cada um. Um ano que será, no final, o que letras como estas ousarem contar, sobre um fictício fundo branco de papel. 2010 será a bio-história que uma agonística e interminável relação de forças destilar em qualquer tempo e lugar. No fundo, ele poderá ser a coragem de quem vê nesta dádiva do existir, não uma repetição segundo uma pré-ordenação, mas a possibilidade de uma total reinvenção. Por conseguinte, 2010 pode ser o ano em que somos finalmente a forma que nunca tínhamos pensado ser. Apesar de tantos constrangimentos, creio estar sempre ao alcance de cada um, a encarnação da diferença que nunca se corporizou, tornando, desta forma, possível a transformação de um repetitivo e indesejado estado de coisas.

Fado e desresponsabilização
Perante cada nova possibilidade, patente em cada dia que nos vem como um dom, não fará sentido chorar a vida, como se esta não fosse mais que um fado inevitável e necessário, como se torna desadequada e inaceitável a desresponsabilização de quem ainda aguarda um messias, de cabeça enfiada na areia ou de braços cruzados, sem nada fazer. Sendo um ano ainda por escrever, 2010 não pode estar condenado à escrita que deu corpo ao ano de 2009. Se indigna e escandaliza a corrupção, a pobreza, a violência, o crime, a qualidade da justiça, do ensino, o desemprego, o acesso à saúde, o endividamento público e privado, a distribuição da riqueza, a subserviência do poder político ao poder económico, então, o ano de 2010 não tem que ser forçosamente uma repetição agravada do que há muito não desejamos para nós mesmos.

Educar para o outro: o caminho da transformação pessoal e social
Esta é a hora, e é já, de percebermos que a resolução destes e de outros problemas sociais, de que tanto nos lamentamos, com os dedos apontados na direcção de infinitos outros, passa, obrigatoriamente, pela nossa transformação pessoal. A quem vivia revoltado com a realidade do seu tempo, Mahatma Gandhi costumava dizer, que ao exigirem uma nova ordem social, eles mesmos deviam ser a transformação por que tanto ansiavam. 2010 surge assim, neste sentido, como uma verdadeira possibilidade, na medida em que esta estiver ligada a um processo de transformação que tenha sido iniciado no ventre de uma mãe, no interior de uma família e de uma escola. Flagelos sociais como a fome, o desemprego, a iliteracia, o tráfico de influências, o fosso entre ricos e pobres, e tantos outros, nunca serão erradicáveis no mundo adulto, se não tiverem sido antes indesejados, neutralizados e aniquilados no interior do mundo de cada um, e desde o seu mais tenro florescer. 2010 não poderá tecer-se como a diferença do que fomos e do que não desejamos voltar a ser, sem que seja precedido de uma escrita pessoal e familiar que reflicta uma séria e honesta educação para o outro. Só assim a anarquia dará lugar ao consenso, a competição à colaboração, o partido político à pátria que é bem de todos, a economia a uma politica ética e reguladora, o dogma à solidariedade e fraternidade, o eu, egocêntrico, ao tu, próximo ou longínquo.

Adiar Portugal
São muitos os dias pela frente, os meses e os anos que hão-de suceder-se na vida dos que hão-de viver mais do que outros, mas a inércia, o adiamento, a indiferença ou a falta de vontade política diante de um chamamento que torna hoje intolerável a repetição da pobreza, do desemprego, da exclusão, da indigência, da fome, da violência, não podem alicerçar-se na sucessão de bondade intrínseca à noite que se abre ao dia, ininterruptamente. 2010, como possibilidade de superarmos o sofrimento e as assimetrias resultantes da construção de Portugal, em anos precedentes, exige que não se deixe para depois o que é de hoje. Adiar Portugal é um erro que não podemos continuar a cometer. O país vive sedento de reformas profundas, nas mais diversas áreas. A reinvenção da sociedade, porém, não pode abandonar-se nas mãos de quem o povo elege como seu representante.

Portugal incoerente
Portugal não pode continuar a assistir, na praça pública, a um murmúrio de descontentamento sobre si, permanecendo fiel aos mais funestos comportamentos sociais. Portugal não pode combater e amar ao mesmo tempo a corrupção, a violência e o crime. Não pode encrespar-se diante de uma crise financeira internacional e continuar refém dos que a provocaram. Não pode concordar com o facto da pobreza ser uma violação de direitos fundamentais e fazer parte do grupo dos que se banham e banqueteiam diariamente em lucros milionários, incapazes de perceber, nas negociações sobre o salário mínimo nacional, por exemplo, que o lucro não é só pertença das entidades patronais, mas dos trabalhadores que o produzem, todos os dias. Portugal não pode acreditar na solidariedade e reduzi-la, depois, na prática, aos cabazes de alimentos, à roupa que não lhe serve, ou ao donativo que cumpre apenas o objectivo de trazer algum alivio a um eventual sentimento de culpa.

Intolerância como vontade
A mediocridade, o deixar andar, a total ausência de espírito crítico, a tolerância como razão justificativa da nossa própria mediania, não são a atitude que o ano de 2010 exige como resposta à dádiva de si mesmo, como nova oportunidade. A intolerância nunca foi tão urgente e necessária, nas lides connosco e com os outros. Uma vontade maior, que nos liberte da incoerência dos comportamentos, gerando diferença, é a intolerância que 2010 reclama. E é quando ela se substitui à vida que pouco ou nada exige de si, que o caminho se faz e a diferença de 2010 acontece, porque tal como dizem os ingleses, where’s the will there’s the way.

Henrique Pinto



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Parlamento Europeu preocupado com os danos causados pelo álcool a não consumidores

No dia 2 de Fevereiro de 2010 realiza-se em Bruxelas um seminário no Parlamento Europeu em que vão ser debatidos os custos sociais do álcool dos bebedores aos não consumidores e as politicas para os reduzir.

A redução dos danos do “beber” passivo é uma fonte de preocupação dos promotores e motivadores da saúde e do bem-estar dos cidadãos. Em Portugal a atenção aos danos do beber “passivo” está a dar alguns passos mas a indiferença é grande; a distracção com os efeitos sociais empolados por interesses alheios ao bem comum é mais frequente. A indústria e o comércio das bebidas mantém um lobby permanente desses interesses e lucros à custa de milhões de euros.
Mas que danos serão esses?
O álcool e violência interpessoal dos embriagados, o vandalismo, os assaltos sexuais com que a policia lida todos os dias; os comportamentos agressivos nas urgências hospitalares enfrentadas pela enfermagem; a violência doméstica, e os acidentes rodoviários são alguns dos temas debatidos no seminário do dia 2 de Fevereiro. As situações e sequelas das crianças que vivem em famílias com problemas de álcool constituem outra enorme fatia das vítimas invisíveis do álcool. Não é, porém, menor o dano do consumo de álcool para as crianças ainda não nascidas.
Donde vem estes danos?
De uma cultura e hábitos de consumo que andam pela média de 11 litros de álcool puro por cada habitante/ano o equivalente a mais de 100 litros de vinho ou 300 de cerveja.
É esse consumo que vai muito para além dos danos da saúde e do bem-estar do bebedor. Incluem vandalismo, assaltos sexuais, acidentes rodoviários , danos às crianças que estão para nascer, e outros.
Tem-se encolhido os ombros a estes danos. Os políticos e mesmo os institutos de investigação passam ao lado deles para se dedicarem a temas mais da moda do momento.
E contudo cada ano na Europa o álcool está na origem de verdadeiras barbaridades.
Como seja metade de todos os crimes de violência com mortes, ferimentos a pessoas que na maioria dos casos não consomem. E estamos apenas a falar de crimes cometidos nas ruas e nos lugares públicos. A estes somam-se 40% dos crimes e violências domésticas causadas pelo álcool dos agressores.
Infelizmente o quadro é ainda mais negro, quando se verifica que 4 em cada 10 dos assassinatos são cometidos por assassinos “bebidos”, atingindo 2.000 na Europa por ano. Somemos agora 10.000 mortes de álcool nas estradas regadas com álcool dos condutores.
É ainda o álcool que está na origem de cerca de 16 em cada 100 das crianças batidas, abusadas, abandonadas, oprimidas.
Mas o que devia impressionar e fazer agir são os 5 a 9 milhões de bebés que nascem ou são afectados por nascerem e viverem em ambiente de famílias alcoolizadas.

19.01.2010 A.G.-SAAP
(com dados da EUROCARE)

Aires Gameiro


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18/01/10

Deus anda pelo Haiti

1. Este é um daqueles momentos em que ficamos (mesmo) sem palavras.
E ainda que as houvesse, mais valia que as guardássemos para nós.

Que palavras haverá para descrever um horror desta magnitude? Que palavras sobrarão para amenizar uma tragédia desta dimensão?
A morte pertence ao silêncio. Aliás, nas línguas semitas, as letras com que se escreve palavra são as mesmas com que se escreve peste: d, b, r.
Isto não deixa de ter um significado acrescido nos tempos que correm. Não são, tantas vezes, as palavras que empestam a nossa convivência?
Pode a morte ser dita? Como falar do que aconteceu no Haiti?
Bastaram 35 segundos para ceifar dezenas (quiçá centenas) de milhar de vidas!

2. Quando a terra treme, o coração estremece. São bem frágeis, de facto, os tentáculos que nos ligam à terra e nos prendem à vida.
Muitos projectos podem ser feitos. Muitos sonhos podem ser sonhados. Basta que a terra abale e tudo cai. Literalmente.
É bem pertinente o que disse Fernanda Winter: «Deus perdoa sempre, o Homem perdoa às vezes, a natureza não perdoa nunca».
E não selecciona ninguém. Devora grandes e pequenos. Engole idosos e crianças. É cruel o seu império. É sumamente impiedosa a sua eficácia.
Mas é nestas alturas que mais vêm ao de cima as desigualdades que nos envolvem.
Fazemos todos parte da mesma (e única) humanidade, mas, nesta aldeia em que se transformou o mundo, parece que há homens mais iguais que outros.
Já tem havido terramotos com maior intensidade que o ocorrido no Haiti sem qualquer vítima.
Como é óbvio, um país pobre e desgovernado, com construções vulneráveis, fica muito mais exposto.

3. Muita gente, em ocasiões como esta, volta-se — e, por vezes, revolta-se — contra Deus.
Porque é que Deus não intervém? Porque é que não avisa? Porque é que consente tudo isto?
Nem os que estavam a rezar escaparam. A catedral de Port-au-Prince foi devassada tendo morrido quantos lá se encontravam.
Também não escapou o bispo da diocese. Como não escaparam os sacerdotes, os religiosos, os seminaristas e tantos leigos.
É nestas alturas que mais dói o silêncio de Deus. Apetece-nos interpelar com S. Gregório de Nazianzo: «Oh Tu, o além de tudo, não será tudo o que se pode dizer de Ti?»
Não nos esqueçamos que o próprio Papa deu voz a todo este clamor numa pungente alocução que proferiu em Auschwitz.
«Porque é que Deus Se silencia? Como pode tolerar o excesso de destruição e o triunfo do mal? Desperta, Senhor, porque dormes? Desperta e não nos rejeites para sempre! Porque escondes a Tua face e Te esqueces da nossa miséria e tribulação?».
Como sucedeu na segunda guerra mundial, também no drama do Haiti é a humanidade que atravessa um espesso «vale escuro».

4. Onde esteve Deus em Auschwitz? Onde estava Deus no Haiti?
Deus quanto mais Se revela mais Se esconde e quanto mais Se esconde mais Se revela.
Apesar da obscuridade que, muitas vezes, adorna a Sua presença, eu vi Deus no Haiti.
Vi Deus no Haiti, perdido nas ruas, a embalar as crianças, a afagar o pranto, a acariciar as feridas, a receber os mortos.
Vi Deus no Haiti a tentar semear um sorriso em tantos rostos magoados de dor e regados de lágrimas.
Vi Deus no Haiti. Vi Deus a correr. Vi Deus a chorar. Vi Deus a soluçar. Vi Deus de joelhos, a sangrar, entre os escombros.
Deus não precisa de sofrer. Ele sofre porque quer, porque ama. Ele não sofre por carência de ser. Ele sofre por superabundância de ser. Ele pode tanto que, por amor, pode fazer Seu o nosso sofrimento, a nossa penúria.
Dói muito estar no fundo do poço. Mas, como afirmou Etty Hillesum, na humanidade, «há um poço muito fundo. E lá dentro está Deus, soterrado. Então é preciso desenterrá-Lo».
Deus também ficou soterrado no Haiti. Desenterremos Deus com a nossa oração, a nossa solidariedade, o nosso amor.
Sejamos humanos uns para com os outros enquanto podemos. Pois não sabemos por quanto tempo podemos.
O amor não pode esperar!

João António Pinheiro Teixeira
padre



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Solta a alegria do teu coração

Estamos vivendo num mundo que me parece cada vez mais triste. Os rostos das pessoas manifestam claramente um "vazio" que está invadindo a sociedade.
Creio bem que o tecnicismo e o materialismo, o indiferentismo, são as grandes causas desta trágica situação. Somos todos convidados a viver e a partilhar a alegria. Alegria que vem de dentro e que não parte do ter tudo, do ter muito, dos "berros" mais ou menos controlados e alguns "bem afinados" nos palcos deste país, que aliás se tem tornado palco em pleno em programas TV que são de louvar.
Lá está a alma do povo, do povo crente, do povo que sabe o que anda a fazer nesta vida terrena, num tempo de peregrinação que nos é dado por Deus para viver. O grande mal, já dizia e repetiu, o italiano então Padre Bruno, hoje Bispo, em várias conferências do Congresso Missionário Mundial, em Roma, no ano 2000, no qual tive ensejo de estar presente com representantes de 123 países: "Este mundo caminha para o abismo porque rejeitou Deus e sem Deus a vida não tem sentido".
Numa das minhas passagens pelo Japão senti que as pessoas iam apressadas na rua como autênticos "robots". Se impera a técnica e se se rejeita Deus, o outro homem não passa de um inimigo a abater quando nos incomoda ou tenta superar-nos. Infelizmente é o que vemos numa Europa sem Deus, sem princípios, desnorteada, transgressora dos que a pensaram e estão na base da União Europeia. O homem abaixou-se e degradou-se até se ouvir dizer: "O que era imoral há 40 anos, hoje declara-se moral". Declara-se moral porque é agradável e até se fazem leis contra os princípios da natureza humana. Não esqueçam, os que têm os "neurónios afinados", que essas leis aprovadas por Assembleias, que de modo algum estão nesses casos a representar o povo e a fazer uma sociedade saudável, não estão obrigados a aceitá-las. Devem respeitar a vida e o casamento, por exemplo. O resto é o agradável e o prazer transformado em lei. Todos temos dentro de nós a capacidade de libertar a alegria numa vida pautada pelas leis da natureza. Agredir a natureza é ferir essa capacidade de ser alegre. E como diz , e muito bem, o nosso povo: "Deus perdoa e esquece sempre, o homem às vezes, mas a natureza vinga-se". E já se estará vingando com tantas centenas de milhares de mortos como nestes dias no Haiti, um dos países mais pobres do mundo.
Participemos do que dá verdadeira alegria, integremo-nos em movimentos de ajuda e solidariedade, demos até do que nos faz falta e não roubemos as pessoas nem a nação. Façamos algo que alegre e encante e oremos a Deus com profundidade. Sentir-nos-emos bem. O nosso coração precisa de alegrias intensas e celebremos as festas familiares, as festas dos santos nas aldeias, o convívio das romarias, a penitência das grandes peregrinações, as horas litúrgicas e os momentos de lazer
e repouso. O coração quer a felicidade, precisa das emoções fortes da alegria, quer usufruir ao máximo da paz a que tem direito.
Solte a alegria do seu coração. A alegria que pulsa no coração é fonte de vida eterna.

Armando Soares



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15/01/10

futuro sem projecto ou projecto sem futuro?

O futuro ou é um projecto que se constrói tendo em conta o passado e a reflexão no presente sobre o que nos foi transmitido e a realidade que se vive, ou então é um vazio e apenas se traduzirá uma sucessão de acontecimentos, imediatos e sem nexo.
Quando se diz “ano novo, vida nova”, não estamos a auspiciar um resultado automático. A vida nova é construída por nós com atitudes e gestos que exprimem vida.

O confronto sério entre o já vivido e o que se deseja viver é fundamental para projectar o futuro, com critérios válidos, tanto para as pessoas, como para as instituições. A menos que se pense que tudo esteve e continua bem e não vale a pena mudar nada, nem sonhar nada diferente. De uma atitude de morte não se pode esperar vida. Cada um sabe de onde parte e o que é que anima os seus votos e desejos de futuro.

Há, porém, um espaço comum de que todos podemos falar, com os elementos públicos de que dispomos e a seriedade que o tema comporta. Falo do futuro do país que somos.
O passado recente traz até nós a percepção de que ele não constituiu, a seu tempo, um futuro programado. A não ser que a programação tenha sido inspirada numa cultura à revelia da vida e da realidade, só ao gosto de alguns, para os quais o bem comum e as suas indeclináveis exigências nada dizem.

O passado recente deu ao país um presente sem solução para o aborto, mesmo o clandestino; uma escandalosa facilidade de divórcio, nunca vista nem imaginada; um menosprezo pela instituição familiar, com consequências dolorosas que se multiplicam em espiral incontrolável; muitas escolas com professores agastados, alunos desinteressados, pais preocupados; o emprego, um bem cada vez mais efémero quando ainda se tem e mais difícil de se conseguir, quando se perde ou se procura pela primeira vez; uma pobreza sem caminhos de solução ou de diminuição; uma insegurança pessoal, nalguns sítios em cada esquina, e de bens a ponto de nada estar seguro; uma falta de respeito pelos outros, gesto que se vai tornando raro, a ponto de muitos já nem saberem o que isso é; uns meios de comunicação social a deformar novos e velhos pelo ideal de vida das telenovelas em série; uma vida cada vez mais difícil para famílias sem grandes recursos, para pobres sem sorte, para os idosos que os filhos abandonam, para doentes que esperam em vão; uma corrupção sem sanções e um proteccionismo descarado.

Mas serão os governos os culpados de tantas desgraças, se vemos que hoje e pela acção dos mesmos se vive melhor do que há quarenta anos e com mais oportunidades?
Ninguém terá bom futuro se não colaborar na construção do mesmo ou se apenas pensar no seu próprio bem, esquecendo que onde muitos se omitem, todos ficam prejudicados.
Porém, os governantes têm uma parte de que ninguém os pode dispensar: ver o bem comum, como bem ao alcance de todos e o único projecto que avaliza o governo; não pôr os interesses partidários acima dos nacionais, pois o programa partidário é esquecido ou alterado, segundo os seus interesses; respeitar nas decisões as prioridades justificadas e exigidas, com maior atenção em tempos de crise social; ter em atenção os direitos fundamentais, como exigência indiscutível da democracia que, apesar das suas limitações é a que temos, enquanto não houver coragem para corrigir os seus defeitos mais graves; atender às minorias, sem se desprezarem as maiorias…

Sabendo que não é fácil governar, temos, por vezes, a sensação que o país vai “sem rei nem roque”, de tal maneira o pragmatismo e imediatismo imperam e as opiniões de passagem abafam as razões permanentes.

Um projecto sem futuro nasce sempre de um futuro sem projecto. O tempo passa, queiramos ou não, e é na sabedoria do presente que se pensa e se programa o futuro.
Se governar não é isto, então a vida pessoal, familiar e nacional é um contínuo pesadelo.

António Marcelino


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Solução ou subversão?

O dever dos governantes, e também dos legisladores, como é óbvio, é encontrar soluções válidas para que cada cidadão, tendo em conta a sua realidade, circunstâncias que o envolvem, exigências do conjunto nacional, se sinta acolhido no seu país.

Porém, não se fazem leis para pessoas singulares ou pequenos grupos, mas sempre para o conjunto dos cidadãos, tendo em vista o bem comum. Esquecer esta exigência é subverter e não solucionar, porque um erro atrai sempre outros erros mais gravosos.
A capacidade de quem governa e de quem legisla, ao ter em conta a realidade presente, não se pode separar da história e do maior bem da comunidade, porque sem memória jamais haverá projecto válido e consistente para todos. Quem governa e legisla não pode agir por mimetismo preguiçoso ou seguidismo acrítico. Recebeu mandato para o país e não para favorecer correligionários ou para copiar o que se faz noutros lados. Seja a que pretexto for. Quem governa e legisla não pode prometer o que o ultrapassa, o que não é seu, faz parte de um património nacional a respeitar e a promover. Nenhum poder é arbitrário, nenhum poder gera moralidade.
Enquanto tivermos entre nós, como caminho único e, por si, mais que empobrecido, o sistema partidário, frequentemente ao sabor da corrente, de programas eleitoralistas, de interesses pessoais e de grupos, de carneiros submissos mais que de pessoas livres e críticas, de ideologias de última hora, nunca testadas e sempre efémeras, de gente que se veste e traveste, teremos menos soluções racionais e mais subversão por abuso de poder. A nossa democracia exige uma revisão urgente, honesta e séria.

Não basta dizer que “o eleitorado nos julgará em próximas eleições”. Quantas vezes é já tarde. Entretanto, semeou-se desinteresse e revolta, disseminaram-se injustiças, acumularam-se desprezos, espezinharam-se valores, destruíram-se princípios, forçaram-se etapas, alteraram-se prioridades nacionais com consequência irreparáveis, impuseram-se caminhos por onde o povo, no seu conjunto, não quer andar.
Um acontecimento nacional recente, conhecido de todos, é o do casamento dos homossexuais. A técnica usada foi a marxista. A imposição sobrepôs-se à liberdade A praxis precedeu a teoria. Facto consumado, é tudo mais fácil. Chama-se a isto, no caso presente e quando se trata de servir, ser pouco honesto. O povo não deu maioria para governar a um partido que se assumia marxista, mas a quem se professava socialista democrático. Sabemos bem que o cavalo de Tróia não é apenas figura lendária. É e será sempre uma realidade, para aqueles que sabendo que não terem méritos para entrar às claras, escolhem a confusão da noite para se introduzirem nas muralhas do sistema.

Com hombridade, cultura, sensatez e imaginação criativa, atitudes necessárias a quem governa e legisla, encontram-se sempre soluções para os problemas humanos e sociais emergentes, sem derivar para a subversão. Mesmo para os homossexuais.
O casamento e a família fazem parte de um património que, entre nós, a história e os textos legais, desde sempre, consagraram e respeitaram. Defendê-los é defender o país. Os cidadãos serão respeitados quando se respeitam as referências que permitem soluções válidas para cada caso. Nada impede que se tutelem direitos dos cidadãos homossexuais, sem que seja necessário destruir a família, tecido social essencial, escola de valores e espaço permanente dos afectos mais sãos. Querer votos não justifica tudo.

Destruiu-se o casamento, por pressões, as mais diversas, quando se banalizou o divórcio. Se o casamento civil nada vale, não há por que respeitá-lo. Procuram-se justificações pessoais que calar a inteligências e os corações perturbados. Não se trata de um problema religioso, mas humano e social e a Igreja, na sua missão humanizadora não pode ficar calada. Respeitar a autonomia de poderes não é ficar indiferente ante o desrespeito por coisas essenciais para a vida das pessoas e a consequente e programada subversão da sociedade. Um problema de cultura e de civilização que muitos não entendem e que outros nunca entenderão.

António Marcelino


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13/01/10

Por uma Igreja missionária

A universalidade da salvação em Cristo não significa que ela se destina apenas àqueles que, de maneira explícita, crêem em Cristo e entraram na Igreja. Se é destinada a todos, a salvação deve ser posta concretamente à disposição de todos. É evidente, porém, que, hoje como no passado, muitos homens não têm a possibilidade de conhecer ou aceitar a revelação do Evangelho, e de entrar na Igreja. Vivem em condições socio-culturais que o não permitem, e frequentemente foram educados noutras tradições religiosas. Para eles, a salvação de Cristo torna-se acessível em virtude de una graça que, embora dotada de uma misteriosa relação com a Igreja, todavia não os introduz formalmente nela, mas ilumina convenientemente a sua situação interior e ambiental. Esta graça provém de Cristo, é fruto do Seu Sacrifício e é comunicada pelo Espírito Santo: ela permite a cada um alcançar a salvação, com a sua livre colaboração.

Por isso o Concílio, após afirmar a dimensão central do Mistério Pascal, diz: «isto não vale apenas para aqueles que crêem em Cristo, mas para todos os homens de boa vontade, no coração dos quais opera invisivelmente a graça. Na verdade, se Cristo morreu por todos e a vocação última do homem é realmente uma só, isto é, a divina, nós devemos acreditar que o Espírito Santo oferece a todos, de um modo que só Deus conhece, a possibilidade de serem associados ao Mistério Pascal». (RM, 10).

Sempre, através dos tempos se colocou o problema da salvação para aqueles que não conhecem Jesus Cristo nem a Igreja, nem a sua mensagem de salvação. E muitos, talvez, com um espírito fechado, tipo judaico, afirmaram categoricamente que «fora da Igreja não há salvação». Isso já passou, é certo, mas ainda há muito s que se preocupam com o problema. Como diz o Concílio Vaticano II salvação é só uma e o Mistério da salvação é para todos, por isso o Espírito Santo oferece a todos os homens de boa vontade, não tenho a mínima dúvida de que são associados ao Mistério por obra e graça do Espírito Santo.

Nós católicos não somos melhores nem piores que os membros de outras religiões ou filosofias orientais que substituem a religião. O importante é seguir a lei natural que Deus semeou no coração de cada homem. Estão em situação diferente aqueles já conheceram Cristo e O abandonaram seguindo teorias obtusas ou os governantes que propõem leis que estão positivamente contra a natureza. Esses não terão desculpa nenhuma porque seus corações não quiseram acolher o Espírito de Deus e a sua mensagem. Combatem Deus. Mas não se admirem porque quem lutou contra Deus na história, foi finalmente vencido e os reinos ou seus países destruídos. O que é pena é que paguem todos por meia dúzia, uma minoria que sob pretexto de tolerância segue o materialismo, o indiferentismo religioso, e combate a sanidade mental das pessoas.

por Armando Soares


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12/01/10

Para vencer a injustiça é preciso vencer o medo

1. A esta hora já nos apercebemos de que não é a simples passagem de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro que opera a mudança por que tanto sonhamos.
A mudança no tempo não introduz, por si só, a mudança na vida. No fundo, o futuro acaba por ser uma sucessão do presente, quando devia ser uma construção do presente.
Já há muitos anos, Albert Camus nos alertara: «A verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo no presente».
Hoje em dia, o sentimento geral é de resignação. Basta olhar para a face das pessoas e para o esgar de abatimento que se desprende do olhar.
Tudo somado, acabamos por ser o que não queremos e por não querer o que somos.
A nossa maneira de ser — e de estar — é como o clima nesta época: frio. Aliás, não é preciso fazer grandes balanços. O nosso rosto diz tudo.

2. Sentimo-nos pequenos diante do peso da realidade. Arrepiamo-nos perante o mal e sobretudo perante a injustiça, mas que fazemos?
No fundo, entramos na engrenagem. Lamentamos a situação, mas a filigrana com que nos é apresentada invade-nos e como que nos entorpece.
Temos uma espécie de calculadora interior que nos dita as regras. Ela diz-nos que, se não queremos ser postos de lado, temos de aceitar as regras do jogo. Mesmo que se trate de um jogo tecido pela iniquidade.
José Gil disse, há não muitos anos, que, «sem justiça, não é possível a democracia». Não é possível a democracia e é impossível a vida.
No entanto, que estamos dispostos a fazer para terminar com a justiça? Muitas vezes, acabamos por contribuir para que ela se difunda.
Umas vezes, é a indiferença filha do cálculo. Achamos que o mundo é uma máquina e não um corpo. Um corpo tem coração. Uma máquina tem peças. Quando as peças não funcionam, deitam-se fora e substituem-se por outras.
O pragmatismo impõe-nos que aceitemos as coisas tal como elas aparecem. Nada disto é sadio, mas tudo isto é aceite.
Quem ergue a voz fica marcado e é rapidamente silenciado. O mais que fazemos, então, é partilhar as nossas mágoas em privado, deixando-nos vergar pela injustiça em público.

3. Edgar Morin afirmou que cada progresso acarreta sempre um retrocesso. Salta à vista que o portentoso progresso tecnológico tem acarretado um perigoso retrocesso espiritual.
André Comte-Sponville adverte-nos que, na actualidade, a questão prioritária é a espiritualidade. É ela que nos leva a aterrar na nossa humanidade e na humanidade dos outros. Mas o imediato não se compadece com estas considerações.
Para vencer a injustiça, é preciso, acima de tudo, vencer o medo. É preciso, com feito, vencer o medo de perder o lugar, o medo de perder o prestígio, o medo de perder o aplauso.
Muita gente me tem dito, certamente com o melhor propósito, que não vale a pena incomodarmo-nos com o mundo. Primeiro, porque somos poucos e pequenos para tarefa tão grande. E, depois, porque tudo acabará por melhorar.

4. Acontece que este é um grande equívoco. A injustiça não acaba por inércia. É preciso fazer muito para que ela termine. Já para que a injustiça continue, basta uma coisa: não fazer nada.
Nunca é demais lembrar a severa admoestação de Edmund Burke: «Tudo o que é preciso para que o mal triunfe é que as pessoas de bem nada façam».
Como referia Luther King, o que dói não é só o grito dos maus; é também — e bastante — o silêncio dos bons, das pessoas de bem.
Para vencer a injustiça é preciso vencer o medo. O medo de falar, o medo de sofrer, o medo de ser criticado.
Ninguém, por si, é capaz de acabar com a injustiça. Mas todos podemos contribuir, pelo menos, para que ela não fique no esquecimento.
Pertinente é, pois, o apelo de Shirin Ebadi: «Se não podeis eliminar a injustiça, pelo menos contai-a a todos».
A injustiça gosta do silêncio, da cumplicidade. Calar diante da injustiça é ser conivente com ela.
Ergamos a voz contra a injustiça. Ergamos a voz pela justiça. E pelas vítimas da injustiça!

João António Pinheiro Teixeira
padre

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Erros grosseiros a propósito da união de pessoas do mesmo sexo

Começamos exactamente pela afirmação de que não se trata de casamento, na verdadeira acepção da palavra. Com a aquisição de muitos séculos de civilização e cultura, não seguimos a precipitação de grupos minoritários que pensam ter descoberto agora a pólvora!
Não duvidando da sua inteligência, manifestam falta de humanidade e liberdade, pelo menos. Casamento autêntico terá que entender-se na compreensão íntegra da sua verdade histórica, ainda que numa grande variedade de expressões. A supressão à partida de algumas características essenciais mina completamente o seu sentido. Não digam que é possível afirmar-se que “dois parafusos casam” um com o outro, ou não será mesmo necessário o parafuso casar com a rosca?! Que se possam unir duas pessoas do mesmo sexo, podem, pois há muitas formas de união, mas não lhe chamem casamento, porque não é a mesma coisa. E com reconhecimento legal, sim, com tantas formas de contrato, mas dentro da incidência do que lhe é específico. Todas as pessoas têm direito à expressão do seu afecto e união sem se imporem a uma sociedade organizada. Para o casamento, homem e mulher completam-se, no que cada um tem de específico, abrem-se e superam-se com algo de novo que se constitui. Tal não é possível quando é um mais do mesmo, fechado, sem horizonte, destinado à morte. Homem e mulher, estruturalmente diferentes e em complementaridade de funções e missão, implicam-se mutuamente para o casamento.
Não nos engana a precipitação com que se quis aprovar tal disparatada união, a que tiveram o atrevimento de chamar casamento. Que falta de bom senso e de respeito! Mesmo legal, tal união não deixa de estar desprovida de fundamentos essenciais, e por isso sem sentido. Diz muito mal dos que a fizeram aprovar , à pressa. Afasta cada vez mais as pessoas dos políticos. Degrada uma instituição que devia enobrecer o País. Não foi devidamente aprofundada e debatida, como aliás afirmam claramente analistas e constitucionalistas. Quando os eleitores votaram num partido, não o fizeram na aceitação explícita de todas as propostas com o mesmo peso, ou com justificação cabal de uma medida particular. É uma vergonha o que acaba de passar-se! Será que mais de noventa mil assinaturas, conseguidas em tão breve espaço de tempo, não mereciam mais respeito? De que tiveram medo? Do debate sério. Do Povo. Este não deu mandato expresso para uma medida particular fracturante, que é retirada dum vasto programa, e agora é imposta num total desprezo pelo país real, de costas voltadas para o povo, sem sentido de Estado e nobreza de sentimentos.
Por favor não venham insistir com alinhamento a outras nações, ditas evoluídas, como expressão de modernidade e defesa das liberdades democráticas, e outras palavras gastas, porque o que se trata é de tacanhez, de falta de abertura de espírito, de mediocridade, e expressão de quem prova não ser capaz de se reger pela sua cabeça, de viver em verdade, na abertura ao outro, de dar as mãos e de construir a vida, com futuro, como pessoas, como nação e como humanidade. Naturalmente que há quem confunda tudo isto com os interesses do seu grupo, com tendência a não sair e morrer no seu casulo, envaidecendo-se com a sensação de estar na moda, mas não passando da limitadíssima experiência de viver medidas a prazo, defendidas por políticos de turno. A seu tempo, estes irão para casa, e as suas propostas vão morrer, porque nada acrescentam à civilização, não modificam a cultura, não ajudam ao bem comum. O progresso da história vai assumir apenas o que contribui para a construção e o bem da pessoa humana, a correcta evolução da sociedade, e a abertura ao bem universal. Pode haver fracassos e retrocessos, como o que agora acontece, mas a humanidade prossegue com a aprendizagem das quedas, rumo aos melhores caminhos de realização e felicidade.
Diz S. Basílio Magno, em celebração conjunta com S. Gregório de Nazianzo a dois de Janeiro, que “a capacidade de ver só se exerce em olhos saudáveis”. Aceitando contudo as limitações da natureza, desejamos também essa visão para a análise que fazemos. É muito interessante o testemunho da amizade e ligação entre ambos, que Liturgia das Horas nos propõe. O “amor da sabedoria” foi o “mais profundo ideal” que partilharam: “éramos um para o outro o mais possível companheiros e amigos, sempre de acordo, aspirando aos mesmos bens e cultivando cada dia mais fervorosa e firmemente o nosso ideal comum... Parecia que tínhamos uma só alma em dois corpos”.
Afinal, é possível a união entre pessoas do mesmo sexo, sem que tal tenha de descambar na estreiteza sexual para justificar aberrante casamento.

P. Armando Duarte


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11/01/10

Levar as pessoas a Cristo

«Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos.»
São Mateus 28, 19-20

Acabamos o tempo de Natal. Entramos no tempo comum, na vivência quotidiana do evangelho incarnado na nossa vida pessoal e comunitária. E, ao fazer a passagem de um tempo para o outro temos a festa do Baptismo do Senhor, recordando o início da vida pública de Jesus.
Também nós, depois de termos nascido pelo Baptismo (o nosso Natal) e de apresentados nos braços dos pais (a exemplo da Sagrada Família) a toda a comunidade (uma Epifania), entramos na vida pública, na missão continuadora do Mestre – levar a Boa Notícia a todas as pessoas, comunicando que Deus é Amor e que nos ama a todos.
É aqui que se insere a missão de cada cristão: levar os outros a acreditar que Deus nos ama e vivenciar esse amor na relação com todas as pessoas que se cruzam connosco nos caminhos desta vida.
Ao levar o anúncio, fazendo discípulos de Jesus Cristo e não nossos, as pessoas pedem o Baptismo ou assumem, conscientemente, o Baptismo que receberam em crianças. Com esta adesão livre e mudança de vida, cumprindo os mandamentos que Jesus nos deixou, vamos construindo na nossa vida e na nossa terra o Reino de Deus, colocando tudo nas mãos de Jesus, pois Ele está sempre connosco até ao fim dos tempos. Jesus nunca nos abandona.
Assumindo esta consciência de baptizados, como discípulos do Mestre e empenhados em anunciar a sua Palavra e não perdidos em questões mais ou menos burocráticas, invejas e mesquinhices que o homem velho teima em fazer transparecer em nós, vamos criando um Mundo novo, criando Novos Céus e uma Nova Terra.
São estes os Novos Tempos que se avizinham… Cada qual, com os seus dons pessoais colocados ao serviço de todos, vai transfigurando o homem velho no homem novo, filho de Deus e irmão de todos os homens.
Com esta consciência de que todos são filhos do mesmo Deus as nossas comunidades começam a sair de si mesmas e das suas preocupações e abracem-se ao anúncio do Evangelho.
Assim seremos verdadeiros cristãos quando conseguirmos que os outros se sintam atraídos por Jesus, pelo nosso exemplo e pelas nossas palavras, e não se afastem d’Ele pelo nosso mau exemplo e más palavras.

* Jornalista e Professor de Moral
www.novos-tempos.blogs.sapo.pt
sergio.carvalho77@gmail.com



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Ao Compasso do Tempo - Crónica de 08 de Janeiro de 2010

Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja

“Se os homens soubessem meditar no mistério da vida, se soubessem sentir as mil complexidades que espiam a alma em cada pormenor da acção, não agiriam nunca, não viveriam até. Matar-se-iam de assustados, como os que se suicidam para não ser guilhotinados no dia seguinte”
“Afinal eu quem sou (…)? Um pobre órfão abandonado nas ruas das sensações, tiritando de frio às esquinas da realidade, tendo que dormir nos degraus da tristeza e comer o pão dado da Fantasia. De um pai sei o nome; disseram-me que se chamava Deus, mas o nome não me dá ideia de nada”
“Nunca tive alguém a quem pudesse chamar “Mestre”. Não morreu por mim nenhum Cristo. Nenhum Buda me indicou um Caminho” (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)
É um português que fala. Um cidadão, do nosso país, alçado a intérprete quase oficial da intrincada ou simples maneira de ser nossa. A confusão, o abandono, a expectativa de um guia de sabedoria…
Não tenho a certeza que haja muitos buscadores do que nos falta… A sabedoria, a arte de pensar e de decidir, a independência diante de grupos e pressões, o medo de perder “o ganha pão”, as hesitações face a quem “paga” melhor… É uma manta de retalhos. Nem sequer aquece. “É assim”, como se repete para aí sem pensar no que se diz. Corrijo: não “é assim”,,,. Mas… “somos assim!”

Nota: Deixarei de aparecer nas próximas semanas. Mas voltarei. É assim…

Lisboa, 08 de Janeiro de 2010

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança

http://castrense.ecclesia.pt


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08/01/10

Ano sacerdotal: Será a Igreja católica, realmente, ‘perita em humanismo’?

Nos últimos quatro meses senti de forma assaz difícil de gerir (humana e espiritualmente) a morte de dois padres: com idades diferentes (52 e 90 anos), em dioceses muito afastadas (Braga e Setúbal) e em circunstâncias quase antagónicas – um só foi encontrado três dias depois de morto, outro foi assistido, cuidadosamente, até exalar o último suspiro; um era um intelectual de rasgos impressionantes, o outro sem grande alarido soube converter-se ao Concílio Vaticano II; um destoava pela verborreia inflamada e saber, o outro cativava pela simplicidade e cordialidade...

Partilho, humildemente esta minha leitura – feita neste ano sacerdotal, que ainda vai decorrer até meados de Junho – ao ter-me angustiado sobre a forma como os padres são, hoje, vistos, acolhidos e acompanhados: somos, de verdade, pessoas sós – muito para além de celibatários, por vocação, temos de interiorizar que somos, por ministério, homens quase solitários por missão – e muitas vezes mal acompanhados – quase sem família de sangue, por opção, somos votados à apatia, por imposição, de tantos a quem nos damos... sem pouco (ou nada) receber em troca.
Iremos – como agora se diz – esmiúçar alguns destes aspectos, tentando ser positivos e não meramente denunciadores de vertentes menos agradáveis... pessoalmente.

* Como são vistos, acolhidos e acompanhados os padres?
Efectivamente, o mistério do padre é algo que o acompanha, desde a escuta da vocação – quantas vezes em tenra idade ou noutros casos em idade mais adulta – passando pela formação, tanto no seminário como na Igreja em geral, e amadurecendo o chamamento cada vez mais e, sobretudo, cada vez melhor.
Na medida em que o dom da vocação vai sendo burilado, assim se pode perceber que ele não pertence ao chamado, mas é dom da misericórdia divina.
Já lá vai o tempo em que ser padre – ou até de pertencer à sua família – era título de promoção social ou mesmo intelectual. O candidato, primeiro, e o ordenado, depois, tem de ter uma forte motivação espiritual e cultural para se ver quase no role dos inúteis, se não mesmo dos ‘mentecaptos’ para alguns intelectuais da nossa praça e de certos órgãos de comunicação social. Quantas vezes é prejudicial ser padre ou até ter alguém que seja seu amigo, pois pode denegrir a reputação dos interlocutores!
De facto, só por especial graça divina, um rapaz/homem pode entregar a sua vida a uma causa: a de ser ministro – isto é, servo e instrumento – de Deus na comunhão de Igreja católica.
Mais do que um simples ‘Cura d’Ars’, o padre dos nossos dias precisa de ter uma cabeça bem formada nas ciências humanas, teológicas e bíblicas, um coração fortemente alicerçado na entrega a Jesus e deixando-se conduzir pela mobilidade do Espírito Santo com humildade na Igreja a quem serve e ama.

* Celibatários por vocação – solitários por missão?
Afectivamente o padre sabe a Quem se consagrou e através de quem o fez. Desde a primeira hora tinha/tem como orientação – pessoal e emocional – viver em celibato consagrado por amor do Reino dos Céus. Ninguém foi enganado nem o mais incauto ou inconsciente. Por isso, certas notícias – reais ou mais exploradas – só servem para distrair do essencial ou disfarçar o mais básico... das questões. Com efeito, num tempo bastante erotizado nas intenções e no comportamento, a consagração celibatária do padre é, desde logo e quase sempre, motivo de escândalo e de controvérsia. Na medida em que o padre se sentir fundamentado teológica e espiritualmente nas palavras da consagração da missa, ele será capaz de confundir pela vivência e seduzir pela contemplação... dentro e fora da missa.
No entanto, o ferrete da solidão é ainda mais atroz, quando o padre tem de sorver as lágrimas das (in)confidências, de engolir as alfinetadas da inconveniência ou até as setas inflamadas da provocação... quantas vezes daqueles/as com que vive e é posto, continuamente, à prova... de fé, de confiança e de amor.
Nem sempre o acompanhamento dos superiores é o mais atento. Nem sempre a partilha dos companheiros é a mais solícita... Tão pouco a compreensão dos pastoreados/as é a mais adequada!

* Sem família por opção – votados à apatia por imposição?
Desgraçadamente o padre tem de viver um quase contínuo paradoxo: de falar de família – na correcta acepção do conceito: núcleo constituído na base de um compromisso estável entre um homem e uma mulher – e ele não a tem nem de sangue e talvez nem psicológica; de propor a noção da vida – rejeitando tanto o aborto como a eutanásia – mas ele não a transmitiu de forma biológica, embora a cuide denodadamente ao nível espiritual; de anunciar a proposta dos valores da compreensão e da comunhão entre as pessoas e as gerações, mas ele vive numa espécie de redoma... onde a solidão o pode tornar mais azedo e um pouco menos afectivo do que seria desejável.
Qual espécimen rara, o padre aponta para grandes desafios e corre o risco de tropeçar em pequenos engulhos; de pretender ser querido – mesmo sem a bajulação do populismo – de todos, mas sentir uma quase rejeição de muitos mais; de pensar que vale alguma coisa, mas ninguém lhe reconhecer qualquer autoridade...
Que a Igreja – dita perita em humanismo – não deixe esvaziar a sua materna solicitude para com cada padre, sobretudo tendo em conta os mais tentados e em crise.

A. Sílvio Couto


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05/01/10

Só promessas, não

1. Ainda ecoam, no nosso espírito, os votos que trocámos na viragem de 2009 para 2010.
Muitas foram as promessas que nos fizeram. Bastantes foram as promessas que nós mesmos fizemos.

No alvorecer de um ano novo, é muito forte o desejo de uma vida nova. Mas já estamos precavidos e é quase certo o resultado do embate que tal desejo vai ter na realidade.
Esta, com a sua incoercível inclemência, acaba por trucidar sempre os sonhos mais ousados e a vontade mais decidida.
No dia 2 de Janeiro (ou, talvez, no dia 4, segunda-feira), já acordámos para os problemas habituais e para as dificuldades de sempre.
As expectativas são tão baixas que qualquer melhoria será apontada como um enorme êxito.
A sensação que dá é que todos estamos à espera do pior. Precisa-se, pois, de um suplemento de esperança.
E, neste particular, valerá a pena parafrasear a célebre recomendação de Kennedy: «Não perguntes apenas ao mundo o que pode fazer por ti; pergunta sobretudo a ti o que podes fazer pelo mundo».

2. O cenário não é entusiasmante e a tarefa não será fácil. Não são as promessas que, por si só, alteram a realidade.
Aliás, numa época dominada pelo efémero, as promessas depressa se esfumam. A esta altura, os votos de bom ano novo parecem já imolados pelas agruras do quotidiano.
As promessas tornaram-se uma espécie de balão de oxigénio que nos remetem para um mundo de ilusões que depressa se desfazem.
A vida tornou-se uma rotina em que cada fracasso gera propósitos de mudança. Que, rapidamente, verificamos que não se cumprem.
Dostoiévski bem alertava: «Prometer uma mudança, no fundo, resume-se a mentir, por mais respeitável que seja quem promete».
Talvez haja, aqui, algum excesso, mas não deixa de sobrar uma nesga de verdade.
Não basta prometer. É preciso, acima de tudo, realizar. O maior poder, como nos adverte José Antonio Marina, é precisamente este: tornar real o possível.

3. Sempre ouvi dizer que o demónio se alimenta de propósitos. No início de um ano, não faltarão.
Ninguém questiona que muitos deles são formulados com a melhor das intenções. Mas não podemos viver ao ritmo dos propósitos que nunca se realizam.
Sábia é, por isso, a recomendação de Santo Inácio de Loyola. Trata-se da recomendação dos três p’s.
Dizia o fundador da Companhia de Jesus que os propósitos devem ser poucos, pequenos e possíveis.
É que, se forem muitos, facilmente nos dispersamos. Se forem grandes, dificilmente os fixamos. E se não forem possíveis, instintivamente os pomos de lado.
Na verdade, somos muito ambiciosos na formulação de propósitos, quando devíamos ser mais ambiciosos na sua concretização.
Ainda me lembro do primeiro retiro em que participei e da cara de espanto do seu orientador quando leu o propósito que alguém tinha feito: «Prometo fazer tudo o que ouvi aqui»!
Há quem diga que o Islão mobiliza muita gente por causa da simplicidade da sua doutrina. O próprio Cristianismo, que, por vezes, se nos afigura tão complicado, também é luminosamente simples.
Jesus tudo resumiu numa única lei: a lei do amor. Amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a nós mesmos é a súmula da mensagem e a chave do seguimento de Cristo.
Curiosamente, Sebastião da Gama percebeu isto muito bem quando escreveu: «Tenho muito que fazer? Não. Tenho muito que amar».
O Evangelho desponta, por vezes, como uma proposta muito bela, mas também como um caminho que teimamos em não trilhar.

4. No início de mais um ano, não prometamos fazer muita coisa. Sem dúvida que muito é preciso fazer. Mas seleccionemos uma coisa de cada vez.
Achamos que é necessário mudar muito lá fora, nas estruturas. E é verdade. Mas comecemos a mudança por nós.
Não é mais fácil, mas sempre será mais exequível, basicamente porque depende de nós.
O que nunca podemos presumir é que a mudança ocorre por inércia. Já, há séculos, dizia Francis Bacon que, por inércia, as coisas só pioram.
Se queremos que as coisas melhorem, temos de fazer alguma coisa. A começar pela nossa vida.


João António Pinheiro Teixeira
padre


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04/01/10

Enganei-me! Ou talvez não!...

No decurso da nossa vida, há momentos mais ou menos marcantes, pessoas com maior ou menor significado, acontecimentos de boa ou de má memória, situações com repercussão positiva ou negativa, etc.

Ora, acabado um ano (civil) segue-se outro e na rotatividade das horas e dos meses os itens referidos causam-nos regozijo e – mais vezes do que seria desejável – arrependimento, levando-nos a dizer: ‘enganei-me’!
Sem outro propósito que não seja o de um simples elencar de ‘boas intenções’ para o novo ano – pesem embora a repercussão deste quadro as vivências do passado – ousamos apresentar as seguintes dimensões.

* No contexto social
Nós, portugueses, continuamos a ser um povo triste e mesmo rezingão, capaz de fazer tudo muito melhor do que os outros, mas incapazes de darmos um passo quando temos de ser nós a resolver as questões sobre as quais tão eloquentemente opinámos. De facto, enganei-me, pois pouco melhorou o nosso país por entre e depois de tantas eleições... em 2009.
- Para quando estará a assumpção em sermos um povo que, tendo sol todo o ano, viva alegre com o clima e as condições (mínimas) de paz... exterior?

* No aspecto político
Notou-se, recentemente, que mais do que a resolução dos problemas reais do país – de emprego, de economia e finanças ou de união entre todos sem ligarmos à partidarite – foram introduzidos temas de apêndice, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, distraindo-nos com outras lutas sem nexo ou razão (clara) de ser. De facto, enganei-me, pois fomos gastando tempo e energias com aspectos que poderiam ser resolvidos sem tanto alarido e razoável confusão.
- Para quando teremos actores políticos que se rejam mais pelo bem comum e menos pelos seus interesses ou em favor dos lóbis que representam... mesmo no Parlamento?

* Na área da justiça
Quando se esperava que o terceiro poder fosse regenerado pela sua qualidade e creditação – social, equitativa e moral – fomos vendo arrastar processos pelos tribunais, por entre fugas de informação e magistrados em conflito mais ou menos latente. De facto, enganei-me, pois fomos criando algumas expectativas, que foram defraudadas pelos executores – a montante e a jusante – da barra de julgamento.
- Para quando teremos uma justiça rápida e credível, sem quaisquer interferências de outros poderes... alguns dos quais sub-reptícios e encriptados... dentro e fora dos círculos de juízo?

* Na dimensão da família
Por entre tantos e tão dispares ataques ao núcleo da sociedade – fundado no compromisso estável entre um homem e uma mulher – que é, indiscutivelmente, a família – muito para além das pretensões do Estado – tem vindo a ser posto em causa por tendências poderosas para que tenha o mesmo valor aquele vínculo de família com o de A com A ou B com B... isto é, do mesmo sexo... só diversificando no género. De facto, enganei-me, pois percebi que há forças que não olham a meios para atropelarem os fins... nem que sejam os mais abjectos segundo a natureza das pessoas humanas... normais.
- Para quando estará uma moral/ética que não olhe aos raciocínios em razão das consequências, mas faça-o em determinação das causas, tanto da felicidade (pessoal) como da complementaridade (de sexos e não só de géneros)... agora e para o futuro?

* Por ocasião do ano sacerdotal
Foi-me assaz difícil de gerir (humana e espiritualmente) a morte de dois padres – com idades diferentes, em dioceses muito afastadas e em circunstâncias quase antagónicas – no decorrer dos quatro últimos meses: um só foi encontrado três dias depois de morto, outro foi assistido, cuidadosamente, até exalar o último suspiro; um era um intelectual de rasgos impressionantes, o outro sem grande alarido soube converter-se ao Concílio Vaticano II; um destoava pela verborreia e saber, o outro cativava pela simplicidade e cordialidade... De facto, não sei se me terei (totalmente) enganado na leitura – feita neste ano sacerdotal, que ainda vai decorrer até meados de Junho – ao ter-me angustiado sobre a forma como os padres são, hoje, vistos, acolhidos e acompanhados: somos, de verdade, pessoas sós – muito para além de celibatários, por vocação, temos de interiorizar que somos, por ministério, homens quase solitários por missão – e muitas vezes mal acompanhados – quase sem família de sangue, por opção, somos votados à apatia, por imposição, de tantos a quem nos damos... sem pouco (ou nada) receber em troca.
- Para quando estaremos – sobretudo, quem já se confrontou (pela idade ou por circunstâncias espirituais) com esta vivência, bem como os responsáveis eclesiásticos – na disposição de reflectir sobre perspectivas de solução... onde se criem hipóteses com mão humana e não só estruturas frias (embora talvez confortáveis) sem alma?

Outros aspectos poderíamos abordar, como a saúde, o desporto, as artes, etc. Será que me enganei em ter escolhido estes que tentei tocar?

A. Sílvio Couto



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Quem nos representa?...

Não irás atrás da maioria para o mal, e não intervirás num processo para te inclinares atrás da maioria, violando a justiça.
Êxodo 23, 2

No início deste novo ano seremos confrontados com o valor da democracia. Será ela o poder do Povo ou a vontade da maioria? Ou está reduzida a satisfazer os caprichos de minorias barulhentas e que reclamam direitos, mas que eles próprios não os reconhecem à maioria?

A pretexto de cumprir o programa eleitoral, o Governo português prepara-se para fazer aprovar pela Assembleia da República, uma proposta de lei que legaliza os casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo. (Agora diz-se assim… pois estamos reduzidos a eufemismos. Já não há aborto, há interrupção voluntária da gravidez, como não há casamento homossexual, mas casamento de pessoas do mesmo sexo, e não há eutanásia, mas interrupção voluntária da vida, e por aí adiante…).
O pretexto é falso pois, se assim fosse, haveria muita coisa para cumprir antes deste compromisso eleitoral. Na verdade, acho que a questão não foi debatida na campanha eleitoral, como quase tudo… Passou-se o tempo a falar de coisas triviais.
E para quando o cumprimento das promessas inscritas na Constituição da República de estender os cuidados de saúde a todos os cidadãos, possibilitar condições de vida condignas e erradicar a pobreza? Nisto ninguém fala ou faz propostas ou projectos de lei.
Agora combater os alicerces da civilização, tal como os conhecemos e como a maioria vive e acha que é o modo correcto de estabelecer a sociedade, com a sua base que é a família, fundada no casamento de homem e uma mulher, que recebe a vida e a transmite, é o que está na mira.
Os cristãos e aqueles que partilham muitos dos nossos valores civilizacionais não podem ficar indiferentes. Têm de reagir ao ataque organizado e planeado à cultura judaico-cristã ocidental.
Será que os deputados da Nação vão fazer aprovar a proposta de Referendo, pedida por mais de 90.000 portugueses? Vamos a ver…
E porque não fazer mais pressão? Ir aos contactos de fax e email dos deputados eleitos pelo nosso distrito e enviar um pedido de fidelidade aos valores dos eleitores. Os deputados são isso mesmo, pessoas deputadas (mandatadas) pelo Povo para os representarem, no Parlamento.
Quem representa os valores cristãos no Parlamento? Onde estão? Que se afirmem e mostrem a sua fidelidade aos eleitores que lá os colocaram e não às máquinas partidárias que os asfixiam.
Se continuarmos impávidos e tranquilos, qualquer dia destes mandam entaipar as igrejas, mudam os nomes às localidades e às ruas, mudam a forma das quinas na bandeira nacional e até o Palácio de São Bento passa a ser de qualquer outra coisa.
É preciso reagir.

* Jornalista e Professor de Moral
sergio.carvalho77@gmail.com


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75 anos da Acção Católica

Fábrica, meio, comércio, ribeira, militância, mulheres, ver...; operários, evangelho, vida, família, mudar, julgar...; ambiente, trabalho, oração, igualdade, testemunhar, paróquia, incarnar, agir...!
Cresci saudável entre muitas palavras repletas de vida, densas de significado humano e atitudes consequentes; descobri que a fé se desenvolve, como fermento, bem longe do adro da igreja; aprendi a respeitar as margens do mesmo lago que teimosamente buscam diálogo; abracei histórias de vida, sofrida, simples e vizinhas que, apaixonadas por Jesus Cristo, homem novo, me levaram distante; decidi partir em missão para que todos os meios e ambientes possam ser transformados pela Boa Nova de Cristo.

De facto, escrevo de lá, da “terra de missão” onde o Evangelho me enviou a trabalhar. Desejo também eu, unindo-me a outros, agradecer os 75 anos da Acção Católica em Portugal! Assim testemunhando. Sem triunfalismos políticos, nem lamentações eclesiásticas, nem suspeitas ideológicas. Com muita gratidão na minha alma inquieta!
Em família, com os pais e irmãos que Deus me regalou, provei uma bebida inebriante – talvez o leite e mel de que fala a Bíblia?! - que me tem mantido fortemente vulnerável e sabiamente ignorante ao longo da minha existência: a militância evangélica! A paixão pela justiça e pela condição trabalhadora da pessoa marcam-me como a água do baptismo. Quanto o trabalho não diz de cada um de nós, da sociedade e da própria Igreja! Quanto o trabalho e decisivo para a vida e para a morte! Quanto o trabalho dignifica e da felicidade!
Procuro, mas não encontro! Vejo cristãos a levantar a voz, com grandes apoios mediáticos e hierárquicos, e a organizar-se em plataformas de elite contra o aborto, os casamentos homossexuais, a laicidade, e bem! Mas, parecem aparecer apenas em certas estações do ano com as andorinhas! Anunciam uma moralidade sem ética do viver quotidiano que reduz o viver a uma questão relativa a minorias quando a maioria carece do essencial!
A verdade é que me sinto sempre mais estrangeiro na Igreja quando vejo outros leigos - poucos e com apoios e meios menores – a querer intervir na sociedade em prol dos direitos humanos essenciais – básicos! - única garantia de paz, coesão social e da vida “em abundância”. Reclamam uma vida sóbria, popular, poupada, amiga do ambiente, solidária, tolerante, com uma dignidade cristã ao alcance de todos os que vivem do trabalho humano.

A JOC continua a ser sinal da Igreja solidária com os reais problemas das pessoas, jovens e famílias excluídas de forma crescente do moderno “estilo de vida luso-europeu”. Modelo económico de vida que, não dignificando o trabalho como actividade humana, as deixa na margem rochosa do lago, onde é cada vez mais difícil fazer-se ao largo... Uma das causas é a omissão em paróquias e recentes movimentos de leigos – alguns muito “espiritualistas” e burgueses! - da prática da “revisão de vida” que deu à Igreja uma militância de santos e santas sob os mais variados regimes políticos e pontificados.
Procuro, mas não encontro! Onde estão os militantes cristãos a defender o trabalho digno, a casa digna, a saúde digna, o bairro digno, a escola digna, a política digna, a economia digna, o município digno, a segurança social digna, o partido digno, a imigração digna, o lazer digno, as eleições dignas... ? Onde estão?
Muitos me dizem para não usar a palavra militante pois já não diz nada. Acautelam-me sobre as conotações políticas. Mas, o problema é que não encontro outra para falar de cristãos no mundo, de pessoas que se empenhem na transformação das estruturas sociais, algumas pecaminosas e degradantes. Não encontro outra palavra com a idêntica força e profecia bíblica segredada pelo Espírito, em 1925, ao padre belga Joseph Cardijn, fundador da Juventude Operária Católica (JOC). Não encontro outra para proclamar a novidade luminosa que continua a ser o Vaticano II para o mundo de hoje, em que o trabalho irmana todo o género humano num único projecto civilizacional!
Como filho de uma militante da Juventude Operaria Católica sou fiel ao testemunho que vi, julguei e me levou a agir. Com o Cardeal Cardjin e prior da terra aprendi a fidelidade que tem rosto e se incarna na história que não se repete, nem se arrende diante do mal.
Continuam a ser precisos militantes cristãos, como a minha mãe, antiga dirigente, eleita - como ela gosta de sublinhar – presidente da JOC paroquial. Trabalhadora e militante numa vila constituída por pescadores empobrecidos pelas próprias duras condições laborais que viviam sem jeito em terra firme, que acreditavam, mas de maneira pouco canónica, pois sua labuta era o mar salgado que, sem avisar, engolia camaradas e embarcações, homens reféns de uma profissão desprotegida, indigna para muitos, sem direitos humanos e familiares. Trabalhadores que, nos anos quarenta e cinquenta, não sentiam por perto o carinho de Deus, nem a solidariedade da Igreja. Foram precisamente mulheres, como a minha mãe Maria, que levaram a dignidade a esses trabalhadores, operários do mar e as suas esposas e filhas, operárias da indústria da conserva de peixe. Foram elas que estimularam a criação da secção masculina da JOC para que os rapazes também se organizassem em movimento.
Com o Evangelho no coração, sem sair do lugar onde Deus as colocara, os jocistas ao longo destes 75 anos anunciaram Cristo na rua onde todos passam, nas ribeiras do mar salgado, no salões de baile e cinemas, nas igrejas e lojas, nas fábricas e armazéns, e transformaram o mundo semeando os valores que mudaram inevitavelmente também a minha própria vida.

Um sacerdote missionário


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