Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

29/02/12

Frutos e Sementes de D. Manuel Falcão

Faleceu há poucos dias D. Manuel Franco da Costa de Oliveira Falcão, bispo emérito da Diocese de Beja. Se, para muitos cristãos, o desaparecimento físico deste prelado é assunto que diz apenas respeito aos diocesanos do Baixo Alentejo, para quantos no nosso país costumam lançar um olhar atento sobre o mundo e sobre os homens que o habitam e melhoram a partida deste “pescador de homens” não os deixou indiferentes.

No segundo mais extenso bispado português (e também no Patriarcado de Lisboa, onde foi bispo auxiliar), os méritos deste antigo engenheiro serão recordados de forma poliédrica, dada a importância do trabalho pastoral que desenvolveu. Entre os restantes portugueses, se a justiça não for completamente cega, deixará memória duradoura enquanto promotor pioneiro de uma prática consequente de conhecimento, salvaguarda e divulgação do património religioso nacional.
Ao fundar, em 1984, o Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, poucos anos depois de tomar posse plena desse território cristão, o panorama não era animador, para não dizer aterrador:
“[…] Diversas igrejas jaziam ao abandono, devido ao desinteresse ou à míngua de recursos, enquanto outras eram alvo de intervenções pouco criteriosas que afectavam a integridade material e cultural tanto da arquitectura como dos bens móveis nela integrados. Em certas circunstâncias, ainda se procedia à venda de obras de arte existentes nas paróquias como uma forma de obtenção de fundos para a reparação do telhado ou para a aquisição de um órgão electrónico. Ao mesmo tempo, várias imagens seculares eram confiadas a ‘curiosos’ que as pseudo-restauravam com purpurinas e tintas plásticas ou partiam para reparações em oficinas de santeiros do Norte, voltando desfiguradas ou substituídas por réplicas. A questão dos furtos tornava-se também acutilante com a presença de antiquários e coleccionadores no terreno que aliciavam tanto os sacristães a venderem como os delinquentes locais a roubarem. E, com o pretexto do abandono, alguns serviços estatais e autárquicos começavam a promover a incorporação nas suas colecções de objectos que se sabia pertencerem à Igreja.”
Estas palavras – saídas da mão de José António Falcão, director do Departamento então criado, onde se mantém até aos nossos dias – não descrevem, infelizmente, factos exclusivos de uma única região portuguesa. O quadro encontrado por D. Manuel correspondia ao que se podia observar um pouco por todo o país, mesmo em zonas a que nunca se poderia colar a etiqueta (cómoda) da “descristianização precoce”, como se tem feito em relação ao distrito de Beja. Como refere aquele historiador da arte no catálogo da exposição “Rosa Mystica – Nossa Senhora na Arte do Sul de Portugal”(Regensburg, 1999-2000), “Tal como sucedia em muitas outras áreas do país, a Igreja ainda não tinha despertado então – pelo menos no tocante a uma sensibilização alargada das comunidades – para a necessidade de defender os seus valores com todas as consequências que isso implicava.”
O bispo de Beja teve a coragem de pensar de maneira diferente. Tal atitude, movida por clarividência ousada, concretizou-se na acção de uma equipa formada sobretudo por leigos comprometidos, que desde aí tem sabido olhar para o património histórico e artístico religioso como um fenómeno teológico, filosófico, antropológico e sociológico abrangente e revelador. Pastor enraizado e conhecedor profundo das suas ovelhas e da história delas, revelando um entendimento inteiro da paisagem, do povoamento e das suas tradições espirituais, D. Manuel não se limitou a delegar competências, mas soube acompanhar e estimular a descoberta, a inventariação, a salvaguarda e a divulgação de múltiplas manifestações de um património material e imaterial que é muito mais do que um simples conjunto de “bens culturais”. Por detrás da sua acção directa e indirecta esteve a consciência de que a Memória e a Criação, concretizadas em História e Arte, não são apenas fenómenos humanos, ainda que superiores, mas manifestações de um devir e de uma Transcendência que nos leva a Deus. Nos seus fundamentos esteve ainda a assunção de que a Ética e a Estética não devem ser separadas nem na preservação do património histórico e artístico nem no acolhimento que é preciso dar às manifestações válidas da nossa contemporaneidade. Consciência e acção parecem ter sido as sementes lançadas à terra portuguesa por D. Manuel Franco Falcão – e que tão bons frutos têm dado na prática multiplicada e multiplicadora do Departamento por ele criado. O trabalho vem sendo reconhecido dentro e fora de portas – sinal de que não tem sido feito em vão.
Nenhuma semente, contudo, se prolonga no tempo se não partilhar os seus genes. O trabalho do bispo de Beja poderia ter ficado confinado às (largas) fronteiras da sua diocese. Tal não parece ter acontecido. Embora lentamente, um pouco por todo o país as sementes vindas da antiga Pax Iulia começaram a dar origem a novas plantas. São ainda frágeis, é certo, mas o Espírito Santo não as deixará fenecer. Onde, antes, algumas Comissões de Arte Sacra mandavam esculturas a Braga, a Fátima ou à casa de “habilidosos” (e de lá vinham estrábicas, com estranhos e desajustados olhos de vidro, com cabeças novas, sem a policromia original; ou de lá não vinham, porque regressavam apenas em cópias nem sempre fiéis), há agora regulamentos de intervenção rigorosos – ainda que a sua aplicação plena se veja prejudicada pela extensão territorial e pela falta de acolhimento de leigos inteligentes, conhecedores e comprometidos. Onde, antes, se demoliam igrejas seculares ou se deitava para o lixo (ou para as mãos de compradores de velharias e antiguidades) peças únicas só porque não caíam no goto de Comissões Fabriqueiras, de Irmandades, de beatas ou de párocos, há agora uma sensibilidade acrescida e, a pouco e pouco, mais atenta e respeitadora.
Será ainda pouco – mas Roma e Pavia não se fizeram num dia. O exemplo de D. Manuel não terá sido a única semente (lembro, por exemplo, o trabalho meritório que tem desenvolvido o Secretariado para os Bens Culturais da Igreja), mas não seremos justos se não dissermos que – por caminhos tortos ou direitos – o bom trabalho de Beja, visível até fora de portas, serviu de adubo ou de água que fez rebentar vontades adormecidas, consciências acomodadas. Seja como for, teve um efeito de bola de neve, que a emulação, em muitos casos, estimulou.
O filósofo francês Henri Bergson defendeu sempre que a memória não consiste num regresso ao passado, mas na entrada de uma herança infinita no presente de cada um de nós, tornando-o livre das necessidades da existência e elevando-o até uma vida projectada no futuro, enquanto Esperança. D. Manuel Franco Falcão terá percebido a importância desta doutrina, concretizando-a numa obra exemplar. Isso lhe devemos e deveremos. Isso lhe deve e deverá Portugal.

Ruy Ventura



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Uma caminhada de seis horas e mais um santuário na revisita a Timor

Uma bolsa de apoio à Conferência Global das Políticas do Álcool em Banguecoque deu ao autor a oportunidade de revisitar Timor e ter ali algumas actividades, contactos e peregrinação de montanha de 26 de Janeiro a 7 de Fevereiro de 2012.
Em Dili, como há quatro anos (2008) o mesmo redemoinhar das agências da NU, dos organismos governamentais e das ONG. Na ida para Laclubar quase os mesmos buracos na estrada; e as mesmas cinco horas para percorrer uns 80 quilómetros.
A grande diferença em Laclubar é o funcionamento do Centro de Saúde Mental de S. João de Deus e a sua originalidade de magníficas instalações e modelo funcional comunitário. Com ele Timor passa à frente dos modelos portugueses. Nele na manhã de 28 o autor orientou o encontro dos 17 auxiliares de internamento sobre: princípios e acção de ajuda para a reabilitação e o empowerment, como motivar e como reduzir os medos e influências do animismo e feitiços. O Enf. Silvestre, de grande polivalência e dedicação foi o facilitador da comunicação.
De tarde uma sessão de formação para os 14 professores da escola secundária, o Irmão Vitor e o Padre Domingos estimularam o diálogo. O tema foi como ser professor motivado para motivar os próprios alunos; o segundo tema foi a excelência como proposta pedagógica; havendo oferta de um prémio para o melhor aluno de português de cada ano.
No domingo 29 o autor aceitou o desafio de uma subida de uma hora de jipe e três horas a pé até à montanha de Sassá-hí a 1600 metros para celebrar a missa bilingue e para receber a “entrega” à Ordem Hospitaleira de S. João de Deus do jovem aspirante Domingos Silva. A missa foi celebrada com solenidade apesar da modéstia da Igreja. As professoras esmeraram-se na animação. As intenções da mesma foram os dois timorenses que no dia 2 de Fevereiro iam professar no noviciado de S. Paulo, Brasil. Após o almoço de festa para toda a família e para todos os que fomos de Laclubar, a que assistiu a autoridade da aldeia, o Liurai, procedeu-se a uma reunião de “entrega” moderada pelo Irmão Vitor. Tratava-se, dizia este Irmão, de ficar bem esclarecido para o pai e a mãe e demais familiares o que era passar à fase de pré-entrada e preparação do filho para os Irmãos de S. João de Deus. Os filhos são da família e o mais velho está mais vinculado à casa sagrada (uma lulik). É importante que os pais se envolvam na “oferta” do filho à Igreja como um dom de generosidade.
No dia 30 com o Silvestre rumou-se rumo a leste visitando as Irmãs Vitorianas e as Canossianas de Baucau, onde se dormiu. No dia 31 houve concelebração na catedral na festa de S. João Bosco com uns sete sacerdotes, e participação de uns dois mil alunos. Após a missa uma troca de impressões com o Padre Mário da Gráfica diocesana sobre a pressão dos australianos para imporem o inglês em vez do português. Após tentar circundar a Lagoa Tra Lulara em Los Palos um encontro com enfermeira de “Médicos do Mundo” e dormida no único hotel da área.
Continuando-se pelo sul no dia 1 de Fevereiro a caminho de Natarbora onde vive uma das doentes tratadas no centro, enfrentaram-se caminhos desconhecidos por Iliomar, Uato Carbau em que a ameaça era de não encontrar ponte nas ribeiras. Visitou-se na área de Uato Corbau majestosa gruta-santuário do Sagrado Coração de Jesus com mais seis imagens de Nossa Senhora, benzida por D. Basílio em 13 de Junho de 2011.
Em Viqueque (sede de uma provável futura diocese) compraram-se velas para o dia do Consagrado e houve uma conversa animada com o Padre Dionísio Sarmento, sobrinho neto da mártir” da fidelidade conjugal Virgínia Sarmento no tempo da ocupação japonesa. Um dos temas da conversa foi o uso do português em Timor com um dos professores presente; o outro foi sobre um australiano benfeitor da paróquia que se curou de um cancro e já tinha visitado os Santuários de Lurdes e Fátima para agradecer a Nossa Senhora, o qual construiu ao lado da casa paroquial um pequeno santuário de Lurdes. Em Natarbora não se visitou a família da doente tratada no Centro S. João de Deus por ausência do enfermeiro do centro de saúde; e não se pôde fazer o regresso a Laclubar por Soibada precisamente por falta de ponte na ribeira que seria preciso atravessar e que nesta época leva mais água. O remédio foi rever Soibada da encosta fronteiriça, a leste, e voltar por Lei, mais ao norte, a Laclubar onde no dia seguinte se celebraria o dia dos consagrados na grande igreja paroquial, com Irmãos e Irmãs.

Timor, 7 de Fevereiro de 2012
Aires Gameiro



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23/02/12

Família em crise ou crise da família?

Administração e economia de valores

Como ponto de partida para reflexão, vem-nos à memória a tese, defendida por um economista, do casamento como fenómeno despido de fundamentos éticos/morais/religiosos, para dar lugar a um conceito basicamente económico: o contrato matrimonial e, por isso, a família, existe e subsiste enquanto for economicamente vantajoso para cada um dos seus membros, realçando assim a eficiência económica do casamento e da família que por este se constitui.
Ainda em sede de sínteses do ano que findou, foi noticiado que o ano de 2011 assistiu a um decréscimo do número de divórcios, fato que, em concordância lógica com aquela tese, foi relacionado com a situação de crise financeira que as famílias portuguesas experienciam, como resposta das mesmas à necessidade, num contexto de crise, de aproveitamento dos recursos económicos, evitando a dispersão de meios com agravamento de custos individuais.
O sobreendividamento das famílias é uma realidade nacional, e uma realidade da qual as próprias famílias (só) agora, postas a descoberto pelo contexto da crise financeira, da dívida soberana e do euro, tomaram consciência: disso é cabal manifestação o crescente número de apresentações de pessoas singulares à insolvência que a atividade judiciária revela e que, no ano de 2011, ultrapassou o número de processos de insolvência de pessoas coletivas.
Quer se entenda como um risco natural da economia do mercado associada à expansão do mercado de crédito, quer se enverede pela teoria da responsabilização do devedor como alguém que se excedeu (ressalvadas circunstâncias imprevisíveis, como o desemprego ou a doença), o dito sobreendividamento teve e tem como efeito, inevitável, a redução, senão mesma privação, das disponibilidades financeiras a que as famílias se (auto)habituaram, coadjuvadas então pela massiva publicitação e quase venda forçada do falacioso crédito fácil (com reduzida ou mesmo nula análise de risco e, por isso, alienada da capacidade de endividamento do mutuário).
Esta realidade, de cariz económico-financeiro, produz imediatamente problemas sociais; na sua maior profundidade, quando faz perigar a subsistência condigna e o acesso à educação e à saude.
Mas outras realidades sociais sobressaem. As alterações forçadas no habitual – ainda que a crédito - nível de vida material induzem à exclusão do convívio social e também familiar dos sobreendividados que, afastados do mercado de crédito e do mercado de bens e de serviços a que acediam e frequentavam, se colocam ou são colocados à margem dos padrões, espaços ou níveis que até aí partilhavam - diga-se, em boa verdade, numa coexistência circunstancial do acaso, centrada na materialidade das coisas, independentemente da sentida felicidade por elas proporcionada, desprovida, a mais das vezes, do sentido do dar e receber próprio do conceito de partilha (não vamos mais longe: o que é que tantos pais, mães, filhos, e até avós, fazem, reunidos, num sábado ou domingo à tarde, dentro de um centro comercial?, em busca da pílula dourada da felicidade?).
Confrontadas com a impossibilidade de manterem e prosseguirem o estilo de vida que para si (e para os outros) vinham hasteando, desponta e cresce o desânimo, a falta de autoestima, sentimentos negativos com forte pendor destrutivo no plano individual e que, qual doença contagiosa, se propaga à família – pais e filhos -, acabando por influenciar negativamente a capacidade e a vontade de reorganização financeira e profissional da pessoa e da família que com ela se constitui. O desânimo conduz ao isolamento, à ausência de esforço, aspirações e projetos de vida.
Num raciocínio de silogismo, somos então levados a concluir que as famílias estão fragilizadas pelo isolamento em boa medida em consequência da sua viciação nas propostas e ofertas de um consumo para satisfação de desejos imediatos, despidos de projeções no futuro.
Da repetição de comportamentos para a habitualidade, e desta para o comodismo reivindicativo de pretensos direitos adquiridos, facilmente se caiu – e assim nos encontramos - na faliciosa construção da perca de status como fator de risco para a dignidade humana assim concebida - consumista, imediata, de facilidades adquiridas, num contexto de multiplicação de necessidades artificialmente criadas, à margem do originário projeto da evolução qualitativa do homem (a escravidão sem realização).
Naturalmente que todos temos consciência que aqueles não são os ingredientes para a construção ou reabilitação do futuro. É tempo então para reflexão, uma que afaste os sentimentos de miserabilismo, comiseração e fatalidade que tende a enraizar-se, até porque se assim pensarmos, assim nos convencemos, e temos instalada a depressão nacional.
No plano da imediatez das soluções, a apresentação à insolvência representa, para os que assim se dispõem, ao aliviar da (de)pressão – muito (mas muito) mais do que a satisfação dos interesses dos credores, visa promover a reabilitação do endividado, desde logo como agente económico. O chamado fresh restart, alcançado pelo perdão das dívidas que permanecem por cumprir depois de esgotado o património do devedor e de decorrido um determinado período de provação (5 anos).
Importaria então por em prática e em toda a linha todo o conteúdo que ao fresh restart pode imputar-se, encarando o sofrimento pessoal e coletivo como a febre denunciadora de um mal sistémico e corrosivo que se impõe corrigir, tratar, curar, pela diferença de comportamentos, de atitudes, de revitalização dos valores que justificam a humanidade. Muito mais do que pelas medidas exógenas que nos são impostas, importaria evitar a repetição do fenómeno, sobretudo pela mudança que vem de dentro, construída em cada família e por ela alargada à sociedade enquanto célula que a sustenta.
E quanta esperança no futuro se razões houvesse para assumir que a redução do número de divórcios radica já nessa mudança, da família como núcleo de afeto e solidariedade gratuita – na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza – e não meramente assente em princípios económicos racionalistas e individualistas!

Amélia Rebelo
Juiz do Tribunal do Comércio | Comissão Justiça e Paz (Aveiro)


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20/02/12

Reuniões menorizam os participantes?

Segundo um estudo feito numa escola superior americana, citado pelo jornal ‘Daily mail’, chegou-se à conclusão de que as reuniões de trabalho – assim denominadas, mas talvez nem sempre eficazes, de fato – têm um impacto negativo no coeficiente de inteligência (QI) dos trabalhadores. Com efeito, o (dito) trabalho em equipa faz com que as pessoas tenham piores resultados em testes de inteligência, dado que o cérebro está mais preocupado com a imagem, isto é, em fazer boa figura perante o grupo... do que em manifestar quem é realmente. Do mesmo estudo se pode ainda concluir que as reuniões tornam como que os cérebros inertes, manifestando, nalguns dos participantes nesta amostra de trabalho, dificuldade em revelarem as suas capacidades em contexto social.

É atribuída a um ex-governante português a frase: ‘se quiser resolver, eu decido; se quiser adiar nomeio uma comissão’!
Partindo da análise um tanto negativa do citado estudo, queremos, no entanto, tentar abordar aspetos que reportamos de importantes a partir da vivência da reunião... detetando o que há de positivo e denunciando aquilo que pode ser (mais) negativo.

= Reunir – uma graça de comunhão?
Se atendermos à composição da palavra ‘reunião’ podemos encontrar o prefixo ‘re’ e o termo ‘união’, podendo significar: voltar à união, criar laços... As razões para a reunião podem ser: debater questões, tomar decisões, trocar impressões, gerar consensos, celebrar algum acontecimento, seja humano, seja cultural ou mesmo religioso... As consequências da reunião podem ser: gerar novo espírito entre os participantes, fortalecer os laços da amizade e de comunhão, envolver todos nos projetos comuns...
Partindo cada qual da sua experiência – tendo em conta os vários tipos de reuniões – qual é a nossa avaliação das reuniões em que participamos? Será que aprendemos algo com as reuniões e nas reuniões? Haverá sinceridade nas reuniões? Saberemos conduzir e deixar-nos conduzir nas reuniões? Acreditamos que as reuniões são perda ou ganho de tempo no presente e para o futuro? Cristamente: acreditamos que as reuniões são momentos da revelação de Deus para nós e de uns para com os outros?
Estas e outras questões podem fazer do tempo de uma reunião como que um espaço de aprendizagem com utilidade para todos os participantes ou simplesmente uma escola de cinismo e mesmo de maledicência...

= Força da reunião: processo e etapas
Por que acreditamos que uma reunião – com os necessários efeitos psicológicos e espirituais – tem de ter critérios e modos de ser feita corretamente, apresentamos breves propostas para o desenrolar de uma reunião, como algo de divino em condição humana.
- Traçar objetivos precisos, concisos e exequíveis;
- Marcar hora de começo e de termo, podendo e/ou devendo haver um relógio bem visível para todos;
- Convocar as pessoas – as necessárias e suficientes – que podem fazer da reunião algo mais do que mero passatempo;
- Quem conduz a reunião deve explicar, com clareza, os objetivos a atingir;
- Acolher as opiniões de todos, sabendo distinguir entre quem propõe e é capaz de fazer (se tal lhe for proposto) e quem propõe para que outros façam... ficando-se pelas palavras;
- Registar a reunião para memória, através de ata ou de outro registo;
- Avaliar o processo desenvolvido e quais as consequências... após esse momento de reunião.
Certamente teremos sempre de distinguir o que é uma reunião e um tempo de convívio ou de simples confraternização, bem como um ato religioso, tanto celebrativo como sacramental... Com efeito, nada que envolve situações humanas pode ser desperdiçado... sem deixar marca em quem nele participa, ou será futilidade sem nexo nem interesse!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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Quem semeia ventos...

No dia 17 de Fevereiro, preocupado com a baixíssima natalidade e o envelhecimento da população portuguesa (somos o país da Europa com a mais baixa percentagem de nacimetos), o senhor presidente da República reuniu em Cascais diversos especialistas em assuntos demográficos para lhes perguntar o que se deveria fazer para inverter no país esta situação, de gravíssimas consequências.

Efetivamente, o último Censo veio dizer que, em todo o país, a população diminuiu assustadoramente, que as camadas jovens são já uma pequena percentagem e que existem muitas zonas do território onde os óbitos superam em muito os nacimentos em cada ano, pondo à beira do fim inúmeras aldeias e vilas do interior.

Basta dizer que, só no último mês de Janeiro, naceram no país menos 750 bebés do que no mesmo mês de 2011.

As estatísticas dizem também que, desde 2007, data em que foi aprovada a lei do aborto (enganei-me…”lei da interrupção voluntária da gravidez” é que se deve dizer!!!), foram mortos, antes de nacer, 85 mil bebés, ou seja, uma média de 17 mil em cada ano!

Um verdadeiro massacre nacional…pago pelo povo com os seus impostos, com acesso imediato e sem lugar ao pagamento de taxas moderadora por parte das abortadoras, algumas a abortar uma e outra vez, como se de um simples método anticoncetivo se tratasse!

Uma vergonha nacional!

Não se lembrará o senhor presidente de que, enquanto esteve no governo, e já antes, desde o 25 de Abril, quase se obrigavam as mulheres portuguesas a evitar os filhos, e que foi ele quem, em 2007, promulgou a lei do aborto, sem sequer a enviar ao Tribunal Constitucional para saber da sua constitucionalidade?

Não saberá Sua Ex.cia que, durante dezenas de anos, nas instituições estatais ligadas à saúde pública, as mulheres portuguesas eram vivamente aconselhadas por médicos e enfermeiros a evitarem os filhos, em alguns casos chegando ao ponto de pôr a ridículo aquelas que não seguiam os seus conselhos?

Não sabe Sua Excelência que, enquanto os medicamentos necessários à saúde das pessoas são tão caros que muitas pessoas não os podem já comprar, os contracetivos habituais, as pílulas do dia seguinte e os preservativos de ocasião são postos ao dispor dos jovens e toda a gente nas instituições públicas ligadas à saúde, sem custos e sem obstáculos ?

Não sabe Sua Excelência que, por todos o país, ao longo destes 35 anos após o 25 de Abril, se criou de norte a sul a mentalidade do filho único, a ponto de serem consideradas tolas e apelidadas de atrasadas as mulheres que desejavam ou desejam ter mais algum?

Não sabe Sua Excelência que os filhos dão despesas e exigem sacrifícios e trabalhos e que, nesta sociedade individualista e consumista que os políticos favoreceram e criaram, se rejeita tudo o que pode impedir o prazer e o bem-estar, e se abraça com ânsia e sofreguidão tudo o que é conforto, luxo, vaidade e abundância? O facto de quase todos os casais atrasarem o nascimento do primeiro filho, anos e anos após o casamento, não terá a ver com isso?

Não vê Sua Excelência que, nos meios de comunicação social, nomeadamente nos programas de televisão, os entrevistadores e os assistentes se riam e continuam a rir, como bacocos levianos e irresponsáveis, quando alguma senhora tem a coragem de dizer que tem mais do que um filho?

Dir-se-á que neste tempo de crise e recessão não há possibilidades de ter filhos e de os criar. É um pouco verdade. Mas o problema não é só esse. A grande baixa de natalidade aconteceu nos tempos de fartura e abundância que houve no país.
Neste tempo de economicismo cego e de ambições desmedidas, como trabalham fora de casa, para o Estado ou para as Empresas, quase sem o direito de faltarem…, as mulheres nem têm tempo para ter bebés, nem para estarem com eles. Nem o Estado nem os patrões querem empregadas e trabalhadoras de parto, ou ocupadas na criação dos filhos!

Ao que se chegou! O que antes se considerava uma alegria e uma honra, hoje julga-se um empecilho, uma desgraça e uma vergonha!

O que será mais importante num país? Trabalho, mais trabalho…dinheiro, mais dinheiro…ou crianças alegres e pessoas mais felizes?

Todas as asneiras que a gente faz, acaba por pagá-las caras mais tarde. Com tantos idosos a receber pensões estatais (alguns recebem pensões de luxo e espavento!) e tão pouca gente nova a descontar para a Segurança Social, daqui a uns anos, vai ser um enorme problema. Muita gente se pergunta se, quando chegar a hora da sua aposentação, ainda lá haverá alguma coisa!

Há no país inúmeras aldeias, onde não há sequer uma criança a brincar nas ruas e nos caminhos, a alegrar e a dar vida! Só velhos tristes! Só velhos cansados! Só velhos abandonados!

Alguns autarcas, coitados, aflitos por verem as suas freguesias e concelhos a morrer aos poucos, têm vindo a dar subvenções e prémios às mulheres que ainda ousam ter filhos, acenando às outras para fazerem o mesmo.

Ao que se chegou! – repito.

Depois de tudo o que se fez e vem fazendo, que esperávamos nós?

-Quem semeia ventos, só pode colher tempestades!

Resende, 18.02. 2012
J. Correia Duarte


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17/02/12

A verdade da Igreja ... e as opiniões dos teólogos

Este é o início da minha postagem.

Um sacerdote amigo residente em Lisboa, sábio, e também santo no meu parecer, enviou-me há tempos um e-mail de protesto e desabafo, dizendo-me que tivera conhecimento das afirmações de alguns teólogos (incluídos uns espanhóis que tinham estado numa ação, aqui no norte, ali para os lados de Gaia), que repudiava os “seus dogmas”, que já não estava em idade de entrar por esses caminhos, e que o seu “Credo”, sem qualquer dúvida, era e seria sempre o que aprendeu na Catequese da sua aldeia e estudara nos livros do seu Seminário.

Efetivamente, eu tenho vindo a reparar, há uns anos a esta parte, que andam por aí alguns teólogos a interpretar as Escrituras a seu gosto e bel-prazer, dando-se ares de progressismo e novidade, a explicar a Bíblia toda e também o Evangelho com lucubrações ditas “científicas”, sem admitir intervenções divinas ou milagres de fé (na linha dos racionalistas enfatuados de séculos anteriores e dos atuais defensores da “Teologia da Libertação”, de cariz marxista e materialista), contestando presunçosamente a longa Tradição da Igreja, ignorando os profundos escritos dos Santos Padres, e desconhecendo os textos oficiais dos Concílios, que nunca citam nem referem.

Os dogmas e verdades que sempre constituíram o esqueleto da nossa Fé têm vindo a ser postos em causa por esses teólogos, e dizem-me que alguns deles até lecionam na Universidade Católica e em Seminários Diocesanos, o que, a ser verdade, além de estranho e lamentável, me parece muito perigoso, pela perniciosa influência que têm nas futuras gerações de pastores da nossa querida e amada Igreja.

Entre outras coisas, ouço-os negar o Pecado do homem e a Redenção realizada por Jesus, contestar a Virgindade de Nossa Senhora, explicar a Ressurreição de Cristo como uma mera convicção dos seus apóstolos que O dizem vivo apenas na Sua obra e no coração dos que O seguem, pôr em causa a virgindade e o celibato de Jesus, e pôr já também em questão a Sua própria Divindade…

Com que provas? Com que argumentos?

O “CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA”, aprovado pelo Papa João Paulo II, em 11 de Outubro de 1992, como resumo e explicitação do depósito da Fé, foi o fruto de um trabalho profundo e aberto de uma equipa de teólogos, peritos em teologia, presididos pelo então Cardeal Ratzinger. O “YUCAT”, catecismo elaborado para os jovens, foi publicado em Português no início do ano que terminou. Um e outro documento afirmam e reafirmam as verdades que aprendemos e que sempre professamos. Que categoria especial terão esses tais teólogos para inovar e defender doutrinas novas?

Admito que cada um possa ter a sua própria opinião e fruir da liberdade de pensar que é um direito fundamental inquestionável. Como agora já não heresias (segundo parece…) nem também Inquisição (felizmente!), tudo bem! O que eu não percebo são duas coisas: a primeira é que, sendo eles sacerdotes e estando dentro da Igreja alguns deles, como podem continuar a recitar o CREDO da Missa, onde se diz, afirma e proclama que Jesus é o “Filho Unigénito de Deus”, que “por causa de nós e da nossa salvação desceu do Céu”, que “encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria”, que “também por nós foi crucificado, morto e sepultado”, e que “ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”; a segunda é como se deixam andar por aí esses teólogos, em jornais, em aulas, em debates, em conferências, em seminários e em congressos, a afirmar opiniões pessoais como se fossem dogmas, a tentar lavar o cérebro dos católicos e a confundir crentes de boa fé, sem ninguém que reaja e os contradiga, sem ninguém que lhes chame a atenção.

Ou andamos com medo… que nos chamem “dogmáticos” e outras coisas mais, ou já estamos a ficar anestesiados!

Esses mestres e doutores que tenham ao menos a ombridade de dizer que as suas afirmações são apenas opiniões e teorias suas e dos mestres que seguem como cães de fila, mas que não é essa a doutrina da Igreja!

É que as suas afirmações, repetidas aqui e ali, agora e logo, como se fossem dogmas, quer queiramos quer não, abalam e enfraquecem a fé de todos. Até eu, que nesse aspeto sou e quero continuar a ser um “verdadeiro reacionário”, sem saber como nem porquê, já começo a sentir a tentação e o receio de afirmar ou ensinar algumas coisas!...

No célebre e tão discutido “Segredo de Fátima”, nossa Senhora terá dito que, apesar da enorme e terrível apostasia que haverá no mundo e sobretudo na Europa, “em Portugal se manterá sempre o Dogma da Fé”?

Quem põe em causa o Dogma da Fé e a Verdade do Evangelho, senão esses teólogos que vagueiam pela Europa, alinhando e dando as mãos a todos os maçons e laicos que controlam a comunicação e o poder, que são seguidos fielmente em Portugal por esses nossos teólogos “inovadores”, e que têm até assento no próprio Vaticano, com desgosto e muito sofrimento para os Vigários de Jesus?

Que autoridade, santidade ou sabedoria especial têm esses teólogos, para contradizerem essas figuras de tantos séculos – grandes sábios e grandes santos – que, ao longo dos tempos, amaram tanto a Deus e serviram tão bem a Igreja? Esses inúmeros sábios e santos do passado e do presente andaram e andam enganados até hoje? Estão ou estiveram impedidos de descobrir a verdade e de denunciar os enganos ou os erros?

Claro que, pensando bem, logo se conclui que essas novas teorias, não passam mesmo de novas e pretensiosas opiniões da responsabilidade dos seus autores, e assim devem ser consideradas. Uma doutrina e uma tradição tão profundas e tão sérias da Igreja, só podem ser postas em causa por teses confirmadas e provadas por a + b, e sem qualquer possibilidade de discussão. Não chegam as opiniões inchadas e presunçosas de teólogos de agora, para pôr em causa verdades sempre eternas e doutrinas sempre bem fundamentadas.

Pela minha parte, enquanto Deus me der alguma lucidez, alinharei com o meu amigo de Lisboa: seguirei dedicadamente os Pastores da Igreja, aqueles que receberam o encargo e a responsabilidade de conduzir e guiar o Povo do Senhor; não os chamados “teólogos” que estudam nos gabinetes e ensinam nas cátedras, mas que, frequentemente, têm um enorme “deficit” de seriedade, de santidade e de responsabilidade.

É assim que eu penso.

Resende, 16.02. 2012
J. Correia Duarte


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14/02/12

Paróquias e Dioceses, grandes ou pequenas. Que problemas para a Igreja?

A realidade ai está. Não se pode iludir. Tempos houve com muitos padres. criavam-se paróquias para lhes dar lugar. Agora, diminuiu a população, há paróquias desertas, que permanecem entidades canónicas, mal servidas por padres que correm, porque o seu número diminuiu. Há dioceses com menos população que grande paróquias das zonas urbanas, ao lado de dioceses normais e de outras, com uma extensão geográfica e populacional, que não lhes é fácil a ação pastoral renovadora, recomendada pelo Vaticano II.

Tornou-se difícil operar a renovação da Igreja, mediante a ação direta junto das pessoas e a sua participação nas comunidades. Por razões óbvias, nas dioceses e paróquias com pouca gente, manter ou edificar comunidades vivas, com uma população residente diminuta, envelhecida e pouco dada a “novidades” na religião, parece pesadelo ou ideal sem consistência Gente a mais por um lado, gente a menos por outro, num país pequeno, onde a mesma Igreja tem a responsabilidade de evangelizar, alimentar a fé e ajudar a crescer, onde quer que as pessoas vivam e qualquer que seja a sua idade e capacidade… Nesta Igreja, que deve ser uma comunhão efetiva de Igrejas Irmãs, subsistem comunidades, umas ricas com meios e recursos de sobra e onde se esbanja, e outras empobrecidas de pessoas e de meios, onde cada dia tudo se torna mais difícil, e onde a solidariedade se devia sentir. Esta, desde longe, uma realidade da Igreja em Portugal..
Na sociedade sente-se igual problema em relação a freguesias e municípios, o que levou o poder político a tomar medidas de solução não pacífica. Se a situação é semelhante, em regra as freguesias são paróquias, na Igreja e no Estado as propostas variam pela natureza das entidades, havendo, porém, vantagem de alguma reflexão em comum, não para reivindicar, mas para abrir caminhos. Diferentes, embora , os problemas não são separáveis. As respostas, dado o objetivo prosseguido, é que não são coincidentes. Enquanto no Estado se tenta um caminho que responda às necessidades dos cidadãos, suprimindo e anexando, na Igreja, o caminho deve ser outro. Há paróquias já anexadas e padres ao serviço de várias, que, todas juntas, nem sempre somam mil habitantes. Esta uma solução fora do tempo, pela referência e tónica clerical, que, além de transitória, nada tem de tranquilizadora, por estar cheia de novos problemas, sobretudo no que se refere ao equilíbrio humano e espiritual dos padres e à dificuldade de satisfazer direitos e deveres dos cristãos.
Todas as estruturas da Igreja estão ao serviço das pessoas, são transitórias e duram enquanto promovem e não dificultam nem impedem a vida dos cristãos e das comunidades. Ao longo da história, muitas delas foram fruto de pressões e de interesses, estranhos ao sentido eclesial e ao bem espiritual . Passados séculos e, mais recentemente, dezenas de anos, o erro mantém-se e, apesar da vida que mudou, estruturas caducas permanecem intocáveis. O que se inova é tirado a ferros, e logo se fecham portas, não venha aí a tentação de mais novidades pastorais. A criação de seis novas dioceses no século passado, nunca foi pacífica, dado interesses tocados e prestígios beliscados. A história está feita. Entretanto, houve um concilio, muitas coisas mudaram na Igreja e na sociedade, deram-se orientações… Mas o povo continua sem voz e o zelo e o bom senso, apenas privilégio de alguns.
O problema das paróquias e das dioceses, grandes ou pequenas, não é questão de números e territórios. Presente a necessidade de acertos, por vezes urgentes, o problema é de bairrismos ferrugentos, da mentalidade de quem preside, das pressões corporativas, da pouca liberdade de participação, permitida aos cristãos afetados. O padre é indispensável para o que lhe é específico, mas a solução é eclesial, não clerical. Há capacidades não aproveitadas no Povo de Deus, frente à realidade e urgência da missão. Criam-se, mundo fora, dioceses com um enorme território e um número diminuto de padres. E funcionam, crescem e geram comunidades. Contam com o que têm, abertas à solidariedade de outras, nem sempre das mais ricas. Na Igreja, como na vida, quem mais ajuda os pobres, são os pobres.
No caso das paróquias do interior, há caminhos em aberto para explorar: unidades pastorais de espírito conciliar e prática sinodal; equipas eclesiais, com lugar de direito aos leigos e, com eles, em atitude ativa de procura e experiência; abertura a novos ministérios e a experiências válidas, já testadas noutras zonas; programação realista, olhando as pessoas, a sua capacidades e necessidades; reflexão aberta sobre os problemas, a nível diocesano e nacional, com gente que conheça, pense e deixe pensar… O que se está a fazer, na maioria dos casos, não vai além de uma pastoral de conservação, sempre com base no padre, pronto para celebrar muitas missas, mas sem tempo para rezar, estudar, acolher, educar na fé, e abrir horizontes de vida, àqueles a quem sempre foram fechados.
A Igreja em Portugal precisa de parar e repensar, não a partir das franjas pastorais, incómodas para quem vê de fora, mas da vida das pessoas e das comunidades. Precisa de conversão dos responsáveis, a exemplo de João XXIII e de Paulo VI, que se negaram a privilégios de séculos e escolheram o caminho de Paulo (Fil 2, 3-4), considerando os outros superiores a si próprios, procurando não o seu próprio interesse, mas o dos outros. Isto exige descer, voluntariamente, do carro do poder e das honras, e trilhar o caminho pedregoso dos pobres e falar aí a sua língua. O carro triunfal não volta. Acabou o tempo dos senhores e dos donos das pessoas e do templo. O lugar de Cristo só a Ele pertence. Agora, é o tempo, evangélico e privilegiado, da Igreja serva e pobre, que, de pés no chão, luta e sofre para dar testemunho da verdade e ser sinal de salvação e de esperança. Poderá haver sempre e mais ainda em tempos de crise, algo de mais fascinante para um servo do Povo de Deus e que sente, dia a dia, as urgências do Reino?

António Marcelino, bispo emérito de Aveiro


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13/02/12

Ao Compasso do tempo - 10 de Fevereiro de 2012

Em 13 de Julho de 1958 foi dirigida ao Presidente do Conselho esta consideração: “Se eu pudesse pensar que o espírito de luta e o ódio não estão a subir tremendamente e se não estivesse convencido que essa subida resulta de erros substanciais podia decerto dormir tranquilo (…) Porém (…) as tensões sociais e políticas estão a subir perigosamente (…) Tenho procurado debruçar-me sobre a doutrinação do Santo Padre (…) bem como sobre o ensino dos bispos do mundo (…) Os frutos do trabalho comum devem ser divididos com equidade e justiça social (…).
Um individuo ou (…) uma classe, nunca estarão satisfeitos enquanto não experimentarem (…) que são sujeitos e não objectos (António Ferreira Gomes, Antologia do seu pensamento, I vol., Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1990, pp 129-130).

No Expresso (4.02.2012), o ex-presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral, “Um país triste e assustado”, do qual destaco: “Com um horizonte tão cerrado, ninguém se atreve a anunciar o fim da crise, sob pena de cair no ridículo. Continuaremos a aguardar a necessária agenda para o emprego e o crescimento, única via para cumprirmos os nossos compromissos internacionais”.
E, na óptica do criador da Comunidade de Taizé, Roger Schutz (Violence des pacifiques, Taizé, Les Presses de Taizé, 1968, pp. 195-198):
“Depende dos cristãos que a nova sociedade se edifique com eles, e não sem o seu concurso. Mas nesta sociedade a tensão é muito forte. No seu fanatismo, alguns querem impor uma solução exclusiva (…) Não é inútil lembrá-lo: os mais marcados na sua história pela intolerância tornam-se muitas vezes capazes de uma intransigência próxima da inquisição”.
A efervescência no âmbito das Forças Armadas não resulta da Associação de Oficiais. Decorre, a meu ver, da opinião comum dos militares. Mas esta intranquilidade não vem de hoje. Tem a sua fonte, de que múltiplos capítulos da sua insatisfação são um espelho, em razões de há longos e longos anos. Mas a complexidade do problema reduz-se hoje a um dado elementar: não há dinheiro.
Porque não são mais nem menos, no tocante aos outros cidadãos, e se trata de gente limpa e sã, continua a parecer-me que algumas visões diferentes, no confronto com o Ministério da Defesa, hão-de encontrar solução, se forem sepultadas as arrogâncias e a insensibilidade, praticando-se um honesto exame de consciência sobre as pessoas, os meios e os objectivos. Há gastos em excesso, opulências, sumptuosidades, hábitos imemoriais?
Há retórica e discursos de publicidade? Há unidades a mais? Há panóplias de instrumentos e ferramentas? Há instâncias a “emagrecer”? (colégios, hospitais, números de sítios e espaços, etc, etc?) Há resistências à mudança?
Vem para a opinião pública um tema de discussão, porque não foi devidamente acautelado em diálogo interno e privado. E depois… as pessoas, sempre concretas e com histórias de dignidade e de devotamento, sentem-se defraudadas e diminuídas. Sem corporativismos nem brios sectoriais, com verdade, justiça e fraternidade, é possível alterar situações e comportamentos.
As pessoas são rectas e fiéis ao rigor do que deve ser. Ninguém se propõe como excepção em referência com outros “mártires” de cortes e infortúnios. Mas, quando em outros sectores do Estado, o dinheiro aparece e é gerido sem equidade, um servidor militar sente-se molestado, enquanto instituição.
Estamos a construir um Estado pobre e disforme. E, por via disso, injustificado. Há valores na instituição militar que não brilham na sociedade em geral. Esta moléstica ética tem transformado em “fraca”, a “forte gente” do nosso país.
Os sinais da derrocada são mais do que menos. Por isso, conforme afirmei (e não me alterem a frase…) “isso (a queda do Governo) seria uma tristeza para um país que não sabe consolidar e fomentar a devida estabilidade”. (entrevista à TSF, citada com exactidão no Diário de Notícias em 9 de Fevereiro de 2012). O que eu gostava era de dialogar sobre tudo isto!


MDN – Capelania Mor, 10 de Fevereiro de 2012
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança



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09/02/12

Uma fonte de esperança

Um dia com D. José do Patrocínio Dias

No dia 4 de Fevereiro foram evocados, em Beja, os 90 anos da entrada do Bispo D. José do Patrocínio Dias nesta diocese. Nesses tempos conturbados política e socialmente, a diocese de Beja não tinha Bispo residente desde o início da República. Na reorganização da Igreja no sul do país tinha sido proposto para Beja o dominicano D. Domingos Frutuoso, e D. José do Patrocínio Dias para Portalegre. Melhores avisos e conselhos levaram à sua troca em nome de mais paz eclesial e social, e maior adequação de cada um às paixões políticas e ideológicas do momento. D. Domingos havia sido preceptor dos príncipes, filhos do rei D. Carlos, o que ampliaria as hostilidades republicanas contra a Igreja no ambiente já muito crispado de Beja. A entrada de D. José na Diocese também não foi fácil nem serena. Mas ele trazia consigo as medalhas e o prestígio de Capelão Militar na I Grande Guerra. E também a experiência de lidar com situações de conflito e confrontação. A sua entrada na cidade esteve longe de ser triunfal. Com alguma estratégia e prudência, conseguiu amenizar tanto as paixões exacerbadas dos seus adversários como as daqueles que o apoiavam. Organizados para o receberem nos locais mais previsíveis, tiveram aí a notícia de que D. José já se encontrava na cidade e na igreja destinada ao bispo. Ainda não tinha casa onde residir, mas dava início à sua enorme tarefa de reorganizar uma diocese devastada pelo abandono, celebrando no coração da cidade de Beja a sua primeira missa.

Este “dia com D. José” evocou toda a sua vida, desde o seu nascimento numa família de firme fé cristã, aos estudos no colégio jesuíta de S. Fiel, ao ambiente cultural e boémio de Coimbra onde tirou curso na faculdade de teologia, aos meses de solidão após o curso que o levaram a perseguir o apelo da vocação sacerdotal. E depois os tempos como Capelão Militar e o posterior acolhimento da mitra episcopal. A exposição evocativa desta vida dedicada às populações do Baixo Alentejo é composta de fotografias, documentos escritos, objectos pessoais ou da época. Destaca-se pela estética o espaço referente ao tempo de capelão, em que a colaboração do Regimento Militar de Beja prestou um generoso contributo para a reconstituição, em miniatura, do ambiente nas trincheiras.

Mas a evocação de D. José leva-nos a outras memórias. O bispo que deu início a um novo tempo da Igreja no Baixo Alentejo trabalhou arduamente para reconstruir a sua diocese. Quando chegou tinha 17 padres para 144 paróquias, metade deles já incapazes para o extenso campo que lhes correspondia. Durante a sua vida como bispo ordenou mais de setenta. Mas isso é apenas um sinal do grande trabalho que também dinamizou ao nível social. Muito do que ainda hoje existe na área da saúde, da assistência social e da solidariedade no seu conjunto, vai enraizar em instituições ou espaços que tiveram início nessa época: a construção do Seminário, lar para idosos, hospital, acolhimento de crianças, a distribuição diária de muitas centenas de sopas e durante décadas aos mais pobres, a construção de casas, a fundação das irmãs Oblatas. D. José despertava paixões, reunia vontades, organizava sentimentos, tudo em nome da reorganização da Igreja na diocese e do socorro aos mais carenciados e abandonados. Em 1953, trinta anos depois de dar início à sua enorme tarefa, publicou uma carta pastoral muito importante para a diocese e o distrito de Beja. Nela refere, ao mesmo nível, que é preciso dar de comer a quem tem fome, construir casa a quem não tem, espalhar a fé. Isso incluía também a saúde e a escolaridade. Essa carta era um ponto de chegada de muitas realizações, mas era também um ponto de partida. Impunha-se continuar a enfrentar os males que a maioria da população alentejana padecia, pois as carências sociais eram muitas e a Igreja tinha que mostrar aquilo para que está no mundo: a salvação a partir dos mais pobres. D. José é uma figura discreta na história geral dessa época, mas uma grande figura na vida concreta do seu Alentejo. Hoje pode ainda ser uma fonte de esperança.

Frei Augusto José Matias, op
Irmã Teresa, odc (Oblatas do Divino Coração)



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08/02/12

O dinheiro e a educação dos filhos

«Por muito que me esforce, não consigo evitar que a minha casa se encha de coisas inúteis. Quando as vi pela primeira vez — tenho de o reconhecer — não duvidei de que eram necessárias. Com o passar do tempo, pelo contrário, vejo que poderia viver perfeitamente sem ter comprado muitas dessas coisas. O problema é que no momento não me lembro disto. Ou melhor, até me lembro, mas convenço-me de que necessito mesmo daquilo — e compro.
«Gostaria, sinceramente, de aprender a comprar com mais sensatez. Ainda mais agora que estamos a viver uma séria crise económica. Há tanta gente a passar necessidades! Gostaria de ter um estilo de vida mais simples, mais austero. No fundo, mais cristão. E ensinar esse estilo de vida aos meus filhos. Dou-me conta de que o excesso de bens estragou-lhes um pouco a educação. A minha mulher pensa o mesmo. E também estamos de acordo em que o exemplo é o primeiro modo de educar. Acho que ainda estamos a tempo de mostrar-lhes na prática que é possível viver melhor com menos coisas».
Palavras de um pai de família que nos fazem pensar. A ideia de consumir com mais ponderação parece estar na mó de cima. Sobretudo em virtude da crise que estamos a atravessar. Muita gente tem o desejo real de controlar melhor as suas despesas. Seria uma pena, no entanto, que fosse somente por este motivo. O consumo prudente não é uma simples medida para economizar — é uma condição fundamental para sermos felizes! Oxalá estas circunstâncias sejam um momento ideal para redescobrirmos isso.
Necessitamos do dinheiro para viver. Disso, ninguém tem dúvidas. Mas identificar a capacidade de gastar com a felicidade é um erro funesto. Uma vida feliz está muito mais relacionada com a qualidade das nossas relações com Deus e com os outros do que com as coisas que tenhamos ou que possamos vir a ter. Para um cristão — e também para qualquer pessoa sensata — não se trata somente de reduzir o consumo, mas de aprofundar em como vai a nossa relação com os bens materiais. Descobrir modos de usá-los como aquilo que são: instrumentos, não fins. Pedir a Deus que o nosso coração não se apegue àquilo que por definição é passageiro e caduco.
O dinheiro não garante a qualidade de vida. Nem garante, evidentemente, a qualidade da educação. Quantas vezes, na educação dos filhos, o problema não é a falta de dinheiro mas o excesso dele? Quantos pais enchem os seus filhos de presentes porque não têm tempo para estar com eles? Talvez a motivação para actuar deste modo seja boa — longe de mim pôr isso em causa! No entanto, não é um modo correcto de educar. Na educação, o tempo não se pode substituir pelo dinheiro nem pelos presentes.
O dinheiro mal gasto estraga a educação dos filhos — e estraga a capacidade dos pais para educarem correctamente. Quantos pais dizem que é preciso ter poucos filhos — um, no máximo dois — para poderem gastar mais com eles e dar-lhes assim uma melhor educação! Mais tarde, dão-se conta de que essa atitude complicou — e muito! — a educação dos seus filhos. Começam a pensar que os filhos teriam sido mais bem educados com menos dinheiro e mais irmãos.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria


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06/02/12

‘Famílias com esperança’ – projeto e desafio

Atendendo às circunstâncias dos nossos dias e, sobretudo, aos momentos de debilidade em que muitas das famílias se encontram, surgiu, em consonância com a auscultação daqueles problemas, um projeto de resposta, intitulado: ‘famílias com esperança’.
Tem este projeto um espaço concreto: a Moita (paróquia, concelho e, talvez, a sua envolvência sócio-cultural)... embora aberto e, tanto quanto exequivelmente, atento à realidade expectante...

Embora possa não trazer grandes inovações, poderá, no entanto, colocar lembranças noutros grupos – sobretudo relacionados com as questões da família, tanto movimentos como iniciativas esporadicamente organizadas – em ordem a sabermos interpretar o mais ousadamente possível os sinais de cada tempo e a necessidades de cada lugar.

= Linhas do projeto
Partindo do diagnóstico feito às questões relacionadas com a família, o projeto ‘Famílias com esperança’ pretende apoiar famílias carenciadas com crianças até aos cinco anos, envolvendo ainda mães jovens e/ou adolescentes, através da oferta ou empréstimo de bens materiais para bebé e criança, bem como apoio jurídico, moral e espiritual.
Constituem ‘Famílias com esperança’ aquelas pessoas que sentiram a necessidade de dar resposta às carências de determinadas famílias com crianças e com problemas de solução mais adequada.
Bens que podem/devem ser entregues, doados ou emprestados: cama de bebé/criança, alcofa de bebé, banco de automóvel, calçado, roupa, carrinho de bebé/criança, material escolar, descartáveis, etc. Em geral, aqueles bens que ainda se encontram em bom estado e que sobram dos mais pequenos, que, entretanto, crescem...
A forma de participar neste projeto de ‘Famílias com esperança’ pode acontecer através da entrega e doação de bens, empréstimo, bem como através de donativos em dinheiro ou disponibilizando algum do seu tempo.

= Caridade inventiva e interventiva
Na linha dos ensinamentos do magistério da Igreja católica, este e outros projetos podem inserir-se na perspetiva da caridade inventiva, pois se os problemas são, cada vez mais, diversificados, também as respostas podem e devem ser melhoradas, tendo em conta os desafios de cada tempo, de cada terra e, mesmo, de cada sensibilização aos problemas próprios e alheios.
Temos – urgente, serena e habilmente – de criar novos espaços em que a linguagem da proximidade seja capaz de fazer milagres, pois, do coração atento, surgirão sempre novos sinais de caridade à maneira dos primeiros cristãos... tinham tudo em comum e não havia necessitados entre eles.
- Em cada rua temos de estar mais atentos uns aos outros, respeitando a vida de cada, mas interessando-nos muito para além do mero egoísmo bisbilhoteiro.
- Em cada prédio precisamos de viver mais em consonância – muito para além dos interesses do condomínio ou do controlo do barulho fora de horas – com as pequenas proximidades de vizinhança, dando e recebendo sem nada esperar em troca.
- Se tentarmos resolver os problemas à nossa porta, toda a aldeia, vila ou cidade poderá ser mais harmoniosa, pois do bem-estar de todos também nós colhemos os frutos e do sucesso alheio pode beneficiar cada um.

Não resistimos a citar, mesmo que de cor, esse pensamento lapidar do Padre Américo, da ‘Obra da rua’: cuide cada terra dos seus pobres... e teremos menos empobrecidos!
Basta de fazer do Estado o pai – mal-amado, defunto e enterrado – coletivo e social, pois com tal padrasto continuaremos a ser mal-tratados e andaremos em resmungice permamente.

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)




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A sociedade das incertezas...

Todos sabem que Eduardo Lourenço, um dos grandes pensadores do nosso tempo e um dos melhores expoentes da nossa cultura, foi galardoado recentemente com o “Prémio Pessoa”.
Não sendo propriamente um católico assumido, bem ao contrário, ouvi-o há tempos afirmar numa rádio, assumidamente, a seguinte mensagem que me permito redigir ao meu jeito:

Até ao protestantismo do século XVI e ao racionalismo do século XIX, havia regras de vida, certezas de pensamento, esperança no futuro, consolação nas tristezas e força nas dificuldades. Tudo tinha sentido. Tudo estava explicado.
Nesses tempos, os portugueses tiveram força para ir pelo mundo levar a Fé e construíram igrejas por todo o lado.

O homem vivia mais sereno e mais feliz: tinha consigo as certezas da Fé… as verdades da religião…e a esperança da eternidade.

Quando o racionalismo pôs em causa essas verdades, contestou esses dogmas e fez ruir essas certezas, retirou às pessoas as referências fundamentais e lançou a humanidade numa era de dúvida, de incerteza e de vazio.

Pensando bem, que nos deram eles em troca? Nada!

Agora, não há certezas…não há verdades…não há Deus…não há nada de verdadeiramente seguro e certo. Estamos condenados ao vazio, mergulhados na incerteza, e somos herdeiros da desesperança.

A confirmar estas afirmações, veio um estudo recente dizer-nos que cerca de 25% dos portugueses, incluídos muitos que católicos praticantes, já não acreditam na vida para além da morte.

À dúvida metódica dos filósofos, sucedeu depois a dúvida existencial do homem da cátedra e da pessoa da rua. A verdade porém é que, se nos falta esta visão do futuro e esta perspetiva do amanhã, ficamos sem horizonte no viver e sem esperança no morrer. Se perdemos a fé em Deus, Criador, Pai, Amigo e Redentor, e desprezamos a Sua Mensagem e a Sua presença em nossas vidas, ficamos à mercê das opiniões dos filósofos, vamos a reboque dos nossos efémeros instintos, e caminhamos na obediência às nossas pobres veleidades. Se entretanto falharmos na vida e precisarmos de alento e de perdão, quem nos virá ajudar? E quando a nossa saúde se esvair, as nossas vaidades se diluírem, e os nossos anos se aproximarem do fim, o que vai esperar cada um de nós?

Uma personagem de Hemingway, perplexa, perguntava a um dado momento: “Agora que não há Deus, quem nos perdoará? Agora que não há Deus, quem nos vai salvar e acolher”?
Nós que temos a graça de acreditar em Deus e nas verdades eternas, sabemos de quem viemos, para onde nos dirigimos e por onde devemos caminhar.

Nós, os que continuamos a crer e a adorar, sabemos que Deus existe, que Deus nos vê, que Deus nos ama, que Deus nos ajuda, que Deus nos perdoa, que Deus nos espera, e que Deus nos irá acolher um dia como um Pai acolhe um filho que regressa a sua casa.
Como nos sentimos bem assim!

Para mim, as opiniões dos filósofos não passam de opiniões: só as acompanho por curiosidade intelectual. Ao contrário, as verdades da Fé são a minha certeza profunda, o meu arrimo reconfortante, e o penhor seguro do meu presente pleno de sentido, e do meu futuro cheio de esperança.

Dou graças a Deus!

E sinto-me bem assim!

Resende, 2 de Fevereiro de 2012

J. Correia Duarte



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04/02/12

Ao Compasso do tempo - 03 de Fevereiro de 2012

No seguimento da última semana, cumpro o prometido sobre dificuldades decorrentes do recente estatuto dos capelães hospitalares.

Crentes ou descrentes (e de qualquer confissão religiosa) devem ser gratos a quem sempre foi samaritano junto de gente caída.
Bem sei que há sombras nesta função eclesial. Noutras, a luz também tem eclipses. Mas, num hospital (laboratório da humanidade) reside um crucificado(a) na maioria das vezes. Mesmo errada que tenha sido a nomeação para a trincheira de tal combatente, uma cruz provoca sempre a razão e a emoção. A sabedoria de um coração amigo e civilizado, convicto e pleno de fé, nunca fugirá.
A quem serve um doente, ser-lhe-á solicitado sempre o que foi registado por um autor, que não deixou rasto e se assinou “anónimo”:
“Não vos peço nada fora de comum. Só ouso solicitar-vos um pouco de humanidade. Nisso mostrareis de que espírito sois”.
Decorrentes do estatuto regulamentador dos capelães hospitalares (o mesmo sucedeu com os prisionais e militares) nascem concretas dificuldades, já expostas por mim a quem de direito (pela experiência e saber).
Em nome da prática da liberdade religiosa, o capelão só pode agir, se lhe for solicitada a intervenção. Nada poderá ser imposto nem organizado a favor de pessoas (doentes e família) que não requereram a sua presença. E muito bem. Por via disso, a prática do seu ministério deverá ser pedida, que nunca ofertada ou exibida, por muito que o “marketing” seja ou tenha sido conveniente e sagaz.
Só que nunca poderei compreender que tenha sido possível processar juridicamente um sacerdote com tal missão. Pelo simples motivo de, em diálogo com o enfermo, ter pronunciado… o nome do “seu” Deus.
Não resultou em nada. Mas deu origem ao absurdo, um princípio legal mal digerido… Em nome de regulamentação tolerante, possibilita-se a “caça às bruxas” e o furor da delação?
Nesta mesma lógica, um Capelão não poderá “passear-se” ao longo do estabelecimento hospitalar, como quem “vende um produto” ou publicita a salvação. Neste caso, será um intruso, um propagandista, um habilidoso.
Bem sei que, em muitas situações, não é tomada à letra como “subversivo”, o seu deslocamento geográfico. Mas, no rigor da lei, podê-lo-á ser. É proibido fazer comícios ou trazer para o grande público, a banca da feira missionária…
Relevem-me a linguagem. Mas num hospital, se não lhe for requisitada a presença, o padre deve limitar-se à sacristia (ou ao seu gabinete), como o senhor bombeiro deverá ser o cidadão de seu quartel…
E, por último, nem sequer pode afixar-se na porta da capela ou do gabinete o número de telemóvel daquele servidor do Evangelho. Seria um perigo noticiar-se, para além muros, o seu contacto. Seria o risco de expor alguém a pressões desrespeitadoras. E a liberdade, pelos vistos, dá-se mal com a publicidade…
Nem acredito no que acabo de escrever. Só gostaria que me esclarecessem. Acho tudo isto, conforme me foi explicado, uma tristeza obscurantista, quando um doente, como Goethe no seu leito de morte, o que deseja é mandar abrir as janelas do quarto e exclamar: “Luz, mais luz!”


MDN – Capelania Mor, 3 de Fevereiro de 2012
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança



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