Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

22/06/10

De loucos - Poética da Economia

…neste complexo ajuste de contas, surge como extremamente necessário evitar que, no arrastar da lixeira, se perca a humanidade que ainda nos vai distinguindo dos demais seres.

Num tempo extremamente difícil, não deixa de ser desconcertante que em nome das aparências, como revelou a DECO, milhares de portugueses prefiram poupar na comida e nos medicamentos do que nos telemóveis, na TV Cabo, na Internet e nos carros. Por vezes, diante da tão grande irresponsabilidade e insensatez, vai-se a vontade de fazer alguma coisa por quem tem falta de pão em casa, mas não abdica das mais luxuosas extravagâncias. Na verdade, não é fácil introduzir, neste contexto, aquela a que chamaria de poética da economia, quando justamente uma ala mais neoliberal se insurge contra a distribuição de riqueza por quem não a produz e não se adapta, nos seus modos de vida, a novas circunstâncias socioeconómicas, de forma mais consciente e ponderada. Se a exigência de uma mais justa distribuição da riqueza se coloca ao momento actual e futuro, como um caminho obrigatório, ela não conseguirá justificar-se e até vingar no tempo, se o remar de milhares de nós for na direcção da evasão, do parasitismo, do esbanjamento ou de uma vida acima das nossas possibilidades.

Dádiva
Ouso, mesmo assim, e ainda que saiba que a economia não se rege pela mais rigorosa justiça, honestidade e transparência, contrariar a convicção ou mesmo a prática de que ninguém dá nada a ninguém. O que tenho em mente reflectir e sugerir não é a veracidade do que podia ter aqui como exemplo, leve dois pague um ou o corte radical no preço dos produtos, em tempo de promoções ou de saldos – até porque bem sabemos que tudo isto não é mais que uma mera estratégia de marketing, escoadora de bens, e muito pouco transparente. Tenciono, isso sim, referir que, ao contrário do que alguém poderia pensar, são infinitas as vezes em que a dádiva é alicerce da vida humana.
Sei que o acesso a bens e serviços se faz habitualmente pelo trabalho. Sem o valor que nos atribuem, por um serviço prestado, dificilmente conseguiríamos viver com alguma dignidade. O dinheiro tornou-se imprescindível, ao ponto da vida humana se sentir ameaçada sem ele.
Mas o que seria de cada vida que nasce se apenas se tornasse possível através do cálculo matemático, insensível e frio da economia de mercado? O que seria de nós, humanos, se a economia perdesse de vista a dimensão da dádiva? Não é pela dádiva que a economia se humaniza? Não é pela dádiva que o ser humano é princípio e fim do seu agir? E não será a dádiva o que hoje carece grandemente nos mercados económicos, ainda que fora deles, em economias familiares ou de grupo, as pessoas se ofereçam dádivas, sem nada cobrar, sem condições, que não seja continuar a viver na interdependência, ou seja, na reciprocidade?

Perdão
Sei que será pura loucura, propor o perdão como forma de resolver a crise económico-financeira mundial. A ideia não é nova. Na verdade, ela já foi diversas vezes sugerida por manifestantes, nas cimeiras dos países mais ricos do mundo, com o objectivo de ajudar a resolver a situação de países extremamente pobres. Mas as regras que presidem ao neoliberalismo acabam sempre por se impor também na economia, talvez por não se conseguirem fazer devidamente as contas ou por haver, entre os credores, demasiados perdedores, ou porque, simplesmente, o perdão não seria por nada pedagógico. Assim, aqui, quem deve, tem de pagar. Por isso, diante do incumprimento, fogem os investidores, sobe o preço do dinheiro; a uns é negado qualquer tipo de crédito, a outros os bens são penhorados ou simplesmente confiscados. Sobre o país, tratando-se de uma pesada dívida pública, cai o dever de um esforço fiscal maior. O défice, como já foi dito repetidamente, terá de ser pago por todos, e de acordo com as possibilidades de cada um.
Mas, e se pela loucura do perdão, os países, com todas a suas agências e instituições financeiras, decidissem perdoar-se o défice público? Não sou um economista, muito menos matemático, por isso, não coloco esta hipótese sentado sobre cálculos matemáticos precisos e seguros, que me permitissem também defendê-la. Mas representaria este perdão global um desastre económico-financeiro irremediável? E ainda que o fosse, o que diria de nós, humanos, o risco do perdão, como evento mundial? E ainda que não seja possível ou até não queiramos este perdão à escala planetária, o que seria de uma economia mais nacional, regional, a do nosso dia-a-dia, se lhe faltasse a dimensão do perdão? O que seria de nós, se não nos fosse dada diariamente a possibilidade de começarmos sem dívidas, sem ofensas?
Sempre tivemos consciência que aos avanços científico-tecnológicos nunca correspondeu o avanço humano. Na verdade, às mais altas tecnologias de hoje não corresponde um ser eticamente mais avançado ou evoluído. Haverá até quem defenda que o ser humano está em regressão. Por isso, quem sabe, por estas e outras razões, se uma experiência planetária do perdão, não constituísse, no desenrolar da história humana, esse momento de humanidade que os seres humanos ainda não conseguiram viver entre si.

Sei que as dificuldades por que passamos nos levam frequentemente a trancar portas e janelas, e a vivermos barricados. Há muito que a guerra do salve-se quem puder começou. Creio até que nunca lhe conheceremos a origem. Lá fora, as leis apertam o cerco, numa caça impiedosa ao imigrante, pobre, desempregado, devedor, incumpridor.
Numa altura em que continuam a apurar-se responsabilidades e a fazer-se justiça, a dádiva e o perdão, como chaves importantes na resolução dos problemas, parecem ser economicamente impossíveis. Mas neste complexo ajuste de contas, surge como extremamente necessário evitar que, no arrastar da lixeira, se perca a humanidade que ainda nos vais distinguindo dos demais seres.


Henrique Pinto



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21/06/10

José Saramago: foi-se o homem... ficaram os livros

Eram 12,45 do dia 18 de Junho, quando Saramago se finou para este mundo e fechou os olhos e a boca para sempre.
Por todo o país e por todo o orbe, se ergueram logo diversas vozes a elogiar o falecido, enaltecendo a sua vida, a sua obra e o seu carácter.

Acorreram os nossos comentadores e políticos a “beatificar” o senhor e a pô-lo no “altar” da pátria, como se fosse um ilustre benemérito do povo, um notável educador da juventude ou um grande herói da nação. E estão no seu direito, reconheça-se, pese embora o oportunismo de alguns e a hipocrisia de muitos.

Correndo o risco de ser a única voz desafinada e até de ser mal interpretado, mas sem querer ofender alguém ou tirar a razão aos outros (quem sou eu?), permito-me entretanto dar a minha opinião sobre o escritor e discordar de muito do que se diz e se faz. É também um direito meu, que ninguém me irá negar certamente.

Não me afecta qualquer ressentimento pessoal a seu respeito (nunca o vi nem ele me fez qualquer mal alguma vez), nem nutro qualquer sentimento fundamentalista em relação às suas ideias ou ao seu modo de estar na vida. Ele, eu e os meus leitores temos todos igual direito.

Para dizer a verdade, logo que ouvi a notícia do seu passamento, rezei a Deus pelo senhor e pedi-Lhe perdão para as suas faltas, caso ele esteja na disposição de o aceitar.

Porém, com o mesmo direito que os outros têm de o idolatrar e exaltar, ouso eu perguntar a quem tiver a amabilidade de me ler: que fez o homem pelo país e que herança deixou ele à nação?

Ganhou uma medalha de valor internacional? Sem dúvida, e isso foi muito importante para o nosso país. Consta-me porém, desde há muito, que quem ficou de parabéns foi o Partido Comunista Português e os seus congéneres da Europa: pelo que se diz, através da sua poderosíssima máquina editorial, impuseram-no no mundo inteiro publicando as suas obras em diversas línguas, com traduções incomparavelmente melhores do que o próprio texto original. Conhecendo, como conheço, outros homens e mulheres de vulto na literatura portuguesa contemporânea que, em minha humilde opinião, escreveram e escrevem muito melhor do que ele, que valor posso eu reconhecer à medalha que lhe deram?

Deixou uma volumosa obra na literatura portuguesa? É verdade. Mas, de que tipo são as suas obras, que contributo deram à língua portuguesa e que influência positiva tiveram na mentalidade e nas atitudes dos nossos concidadãos?

Dir-me-ão que não se esperava de Saramago uma nova “Cartilha Maternal” como a de João de Deus… Certamente, até porque o homem era ateu, por credo, e controverso e resmungão, por natureza. Mas também, sendo assim um escritor tão excelente, tão excepcional, não precisava, para se impor, de falsear, macaquear e ridicularizar o grande património universal da literatura e da fé dos crentes que é a Bíblia. Não precisava de ofender a moral pública, usando como usava nos seus livros uma linguagem soez, baixa, pornográfica algumas vezes. Não precisava de inventar devassidões e vícios para conspurcar os personagens reais e históricos dos seus romances com quem não simpatizava ou que detestava de todo, como os reis, os padres e ou as freiras. Não precisava de desrespeitar as regras elementares da escrita e da gramática portuguesa.

Se calhar, foi tudo isso o que o tornou tão famoso! Provavelmente, no tipo de sociedade que temos… são esses os condimentos do caldo que mais se aprecia e mais se gosta!

Não me levem a mal, mas, sinceramente, eu não gosto da sua escrita.
Também nunca consegui entender, e continuo a não entender agora, o que levou o nosso Ministério da Educação a pôr como livro de texto obrigatório, nas escolas do país, “O Memorial do Convento”.

Terá sido pela qualidade da escrita? Que rica escrita os nossos estudantes aprendem no livro! Assim (sem pontuação, sem parágrafos, com períodos que enchem páginas inteiras e nos fazem perder o sentido do texto, sem distinção entre o discurso directo e indirecto….etc. etc.) toda a gente sabe escrever. Não é preciso chegar ao 12º ano! Isso é quase escrita de telemóvel! Isso é o que a nossa juventude sabe fazer melhor! É com exemplos desses que se desenvolve a Língua Portuguesa? A escrever cada um como lhe apetece… sem regras… sem normas… sem princípios?
Terá sido por causa das boas normas de educação que os nossos jovens aí podem receber e aprender? Como diria a minha saudosa mãe, “abrenúncio”!

Terá sido pelas saudáveis e correctas orientações morais e éticas com que o escritor procura influenciar os seus leitores? Onde estão elas? Não as consigo lobrigar!
Tirando uma imaginação inovadora e fecunda que é talvez o melhor dom que o adorna, e uma ou outra imagem estilística interessante, considero a sua escrita extremamente negativa e até prejudicial em toda a linha.

Seguramente, não é a sua escrita que contribuirá para o bom uso da língua portuguesa, nem os seus textos para educar correctamente a nossa juventude, nem os seus livros para elevar a moral e as atitudes da nossa população. E é por isso também que não gostei nada que o senhor presidente da República, no seu texto de pesar, recomendasse a leitura dos seus livros ás futuras gerações. Na minha óptica, uma estranha recomendação da parte do maior representante da nação.

Que Deus perdoe ao escritor… e que ele me perdoe a mim…
…se não estiver de acordo com o que acabo de escrever.

Resende, 19 de Junho de 2010
J. CORREIA DUARTE


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19/06/10

Ao compasso do tempo - 18 de Junho de 2010

Há anos escrevi um artigo intitulado «Tudo se vem a saber». Referia-me a escritos que diziam respeito à vida de cada um, a qual, nunca clandestina, foi (e é) do alcance de meia dúzia de pessoas.

Nos últimos meses vivi essa sensação, com o acrescento de que já tinha perdido o rasto aos acontecimentos. Confessando-me: já me tinha esquecido dos factos que passo a narrar.
Não cultivo nem nunca cultivarei auto-biografias. Acho-as detestáveis. Mas, sadiamente, não é disso o meu assunto.
Ao ler com o maior gosto e proveito o livro de Irene Flunser Pimentel (Cardeal Cerejeira - O Príncipe da Igreja, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010), deparo-me com a página 248, onde a autora relata a vigília da paz celebrada na igreja de S. Domingos, em Lisboa, em 31 de Dezembro de 1968, organizada por um numeroso grupo de católicos, secundando o apelo do Papa Paulo VI que, em 8 desse mês, sublinhara “a paz é possível, a paz é obrigatória”. O episcopado português emitira, a 13, uma pastoral a apelar à celebração do “Dia Mundial da Paz”, em 1 de Janeiro de 1969.
O Senhor Cardeal Cerejeira acabaria por aceitar a realização dessa cerimónia, apesar de algumas “objecções” (sic, no texto), desde que fosse respeitado o carácter sagrado da celebração.
Pois a citada vigília é historiada, pormenor a pormenor, por um membro da JUC (Juventude Universitária Católica), o qual, a meu pedido, me escreveu para a casa paroquial da “Basilique”, de Argentevil, nos arredores de Paris.
E cito a autora: “Segundo uma carta apreendida pela Pide/DGS, dirigida (…) ao padre Januário Torgal Mendes Ferreira, então a residir em França, aquela (vigília) tinha começado com o canto “onde haja caridade e amor” (…). E a narrativa prossegue.
Ao fim de 41 anos agradeço ao António Melo (por onde andará ele?) a amizade desse relato, o qual só agora li!
Já é fonte de História mais uma carta de quem “viu, ouviu e leu”).
A outro documento tive acesso há dias, quando li com muita saudade a obra “Artur Santos Silva – uma vida pela Liberdade”, Porto, 2010, Grgal Impressores, (da responsabilidade da Família, com numerosos testemunhos, entre os quais tive o gosto de marcar presença).
Mas já me tinha esquecido de uma carta trocada com o Senhor Drº Artur Santos Silva (Pai), após o enterro de seu filho Nené, ao qual presidi em Outubro de 1970.
A queridíssima Família “Santos Silva”, teve a bondade de dar à estampa esse momento tão doloroso da nossa vida!
Tudo se vem a saber. A História devolve-nos textos e acontecimentos. Para além deles, permanecem intraduzíveis os sentimentos da altura. “Malhas que o Império tece”.


MDN, Capelania Mor, 18 de Junho de 2010
Januário Torgal Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança



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15/06/10

Fátima, Roma e Bento XVI com 15 mil sacerdotes

Quantas divisões militares tem o Vaticano? É conhecida a tirada de Estaline em relação a Pio XI: quantas divisões tem o Vaticano?

A cultura actual enxameia de receitas de “salve-se você mesmo”. São às centenas os livros e as mensagens da internet a apregoar uma salvação do mal, do pecado e da morte, fácil e sem Deus. E são muitas as tentativas de resolver os problemas do mal com a força, as armas, com o próprio mal e mil perversidades…
Bento XVI, o Pastor, segue outras vias: pede perdão do pecado de alguns padres perverterem o princípio de o Reinado de Deus ser feito de “pequenos”, abusando desses mesmos pequeninos, fracos e indefesos. Institui um ano sacerdotal com um patrono, S. João Maria Vianey, que viveu o básico, o abc da sua vida de sacerdote. O Papa usa uma linguagem teológica simples e profundíssima de fé e vida na coerência.
Consagrados na vida religiosa, para quê? Que sacerdotes e para quê? Bento XVI respondeu a ambas as questões em Fátima e em Roma. Em Fátima afirmou que os cristãos são consagrados “para viverem na fidelidade e em intimidade com Cristo”, “com um amor coerente, verdadeiro e profundo a Cristo Sacerdote”, “ a caminho para a oblação pura e santa nas mãos do Pai”.
No encontro de encerramento do ano sacerdotal em Roma deu a essência do ser sacerdotes. A sua identidade parte de Deus. São configurados com Cristo, Cabeça da Igreja ao serviço do seu Corpo: quem vos ouve a Mim ouve; a quem perdoardes os pecados serão perdoados; fazei isto (a Eucaristia) em memória de Mim; como Eu fiz (lavar os vossos pés) fazei vós também…
Disse o Papa:“ o sacerdote faz algo que nenhum ser humano, por si mesmo, pode fazer: pronuncia em nome de Cristo a palavra da absolvição dos nossos pecados e assim, a partir de Deus, muda a situação da nossa vida. Pronuncia sobre as ofertas do pão e do vinho as palavras de agradecimento de Cristo que são palavras de transubstanciação – palavras que O tornam presente a Ele mesmo, o Ressuscitado, o seu Corpo e o seu Sangue, e assim transformam os elementos do mundo: palavras que abrem de par em par o mundo a Deus e o unem a Ele. Por conseguinte, o sacerdócio não é simplesmente «ofício», mas sacramento: Deus serve-Se de um pobre homem a fim de, através dele, estar presente para os homens e agir em seu favor. Esta audácia de Deus – que a Si mesmo Se confia a seres humanos; que, apesar de conhecer as nossas fraquezas, considera os homens capazes de agir e estar presentes em seu nome – esta audácia de Deus é o que de verdadeiramente grande se esconde na palavra «sacerdócio».
O sacerdote vive as prioridades de Cristo contra a agitação e o stresse. Aceita com humildade a palavra de Cristo: deixem o activismo, vamos descansar e orar ao Pai. Para o sacerdote a Eucaristia e os sacramentos são o centro da sua vida; perdoa os pecados dos outros, pede e recebe o perdão dos próprios; anuncia a Palavra e quem o ouve, ouve a Cristo; age com caridade para os pequenos. Daí o pecado enorme de sacerdotes que abusam de crianças.
É um espanto que Deus opere coisas inauditas pelo sacerdote configurado com a pessoa de Cristo, “in persona Christi”. O sacerdote fala não apenas com Cristo mas no lugar d’Ele; não em seu nome de homem de barro, não com poder próprio, não separado d’Ele. Não se guia por uma teologia arrogante, sem Deus, feita de opiniões humanas mas mergulhada na fé da Comunidade, iluminada pela luz da Bíblia e pelo Catecismo da Igreja Católica.
O sacerdote deixa-se tomar por Deus no celibato, entrega-se ao “escândalo” de viver para Deus e não para uma vida vazia e egoísta de homem solteiro. Vive centrado na entrega da sua vida na Eucaristia e convidado a sair de si mesmo até à morte na cruz, “ao modo de Cristo”.
Ao contemplar no dia 11 de Junho a mancha branca dos mais de 15 mil sacerdotes na Praça de S. Pedro, face visível dos 400 mil no mundo, dos 350 bispos e de 80 cardeais, veio-me a resposta certa à questão de Estaline: afinal a Igreja de Cristo têm algumas divisões de largos milhares de “militares” do Reino de Deus. Armados com a cruz de Cristo. Chegam? São poucos? O Supremo General actual, BXVI, que Cristo pôs à frente do seu “ Exército” afirmou na vigília do dia 10 de Junho que são precisos apenas os que aceitam marcar presença “ao modo de Deus”, na intimidade com o Coração de Jesus, consagrados ao Imaculado Coração de Maria (em Portugal e Roma), como os escolhidos para vencer os madianitas e filisteus. “Facilitar o acesso às fileiras não resolve nada”, sem qualidade de fé cristã só vai complicar.
Roma, 11 de Junho de 2010
Aires Gameiro



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14/06/10

Ao compasso do tempo - 11 de Junho de 2010

É uma atitude rara, em meios culturais que fecharam os olhos à história, que um dos jornais menos apreciados, mas mais vendidos em Portugal, tenha dado o relevo merecido (porque já esquecido ou desconhecido) à Igreja do Sowetto, chamada de “Regina Mundi” (Nossa Senhora, Rainha do Mundo), na África do Sul.

Qual a importância?
No meio de lutas tribais entre brancos e negros, estes acharam que só havia um refúgio (ou um “colo”): o de Nossa Senhora, Mãe da Igreja!
Onde? Na igreja, situada no Sowetto, sob a designação de “Nossa Senhora, Rainha do Mundo”, não poderá haver perseguições, nem tiros, nem violência, nem buscas de “assassinos perigosos”, pela simples razão de não terem a pele branca.
Lá tive a graça de estar há poucos anos, na companhia do Padre Rui Pedro, ao tempo Director da Obra Católica das Migrações, numa visita ao serviço de emigrantes portugueses, na África do Sul.
Vi, “com os olhos que a terra há-de comer”, as cicatrizes deixadas pelas balas, disparadas pela Policia local, contra os africanos indefesos.
O refúgio e a paz, assim o pensaram, residiram numa Igreja Católica!
Sem comentários. Ou apenas um: a Igreja foi entendida pelos perseguidos e injustiçados como “o colo querido da Mãe”. Ninguém mata, ninguém fere, ninguém age contra o menino… Mas a Policia local, instigada por políticas informais, não teve nem respeitou os mais elementares sentimentos.
Oxalá que no Mundial de Futebol, a África do Sul não permita divisões entre epidermes nem os fanatismos do lucro, envolvendo o tráfico de mulheres e a exploração da sua dignidade.
Uma chamada de atenção para quem, habitualmente, defende tais princípios, esquecendo selvajarias e demais vitupérios contra a mulher!
Foram princípios destes que o Padre João Manuel Resina Rodrigues (1930-2010), do Patriarcado de Lisboa, há dias falecido, sempre defendeu, numa coerência de atitudes, numa luminosidade impar, numa ciência colectiva, de cujo currículo, ao contrário de “pés em bico”, nunca teve necessidade de mostrar diplomas nem currículos, como professor do Instituto Superior Técnico.
Viveu nas margens ao serviço dos habitantes das mesmas. Nunca teve considerações da parte de quem lhe era devedor. Recebeu a Justiça sem duma certa opinião pública, que aprendeu a nunca confundir o poder com a sabedoria. A categoria de cargos com cargos de categoria.
Foi, entre vários serviços à Igreja, Capelão da Academia Militar. Pessoalmente devo-lhe uma carta de solidariedade que conservo, quando repudiei, nos princípios da década de 90,a perseguição aos direitos humanos na China, que não foi tema do devido interesse / ou considerado politico de primeira mão, de Portugal, que então aí esteve, em visita oficial.
Na altura, não havia, na China (e no coração de políticos portugueses!), uma Igreja de “Regina Mundi”, na China!

MDN, Capelania Mor, 11 de Junho de 2010

Januário Torgal Ferreira

Bispo das Forças Armadas e de Segurança



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07/06/10

Ao compasso do tempo - 04 de Junho de 2010

Confesso que não entendi. A notícia, assinalando a inconveniência (ou impossibilidade?!) de ser vetada a aprovação parlamentar do casamento homossexual por motivos das razões de crise, patentes em Portugal, não me convenceu.
Não se pode pugnar por razões, dado o ambiente irrespirável do ponto de vista social? Haveria perturbações de ordem pública? Assistiríamos a desmandos e à anarquia? Haveria marchas de protesto, legitimadas pelo poder constituído, conforme ocorreram, sem um arranhão, no passado 29 de Maio? Agravar-se-ia a medonha crise financeira?
Se pensar é proibido, cá estou eu a transgredir e a aumentar a balbúrdia, sem quaisquer danos.
Tolerância, sempre! Mas, de braço dado, com a inteligência!
A transferência anormal do conceito de casamento para a situação do enlace conjugal entre homem e homem e mulher e mulher, à luz do direito natural e das liberdades sociais, deveria ter motivado discussão pública, troca de razões, sem receio de assembleias gerais ou de paixões partidárias. É normal em regime democrático. Mais: é obrigatório e pedagógico (a falar é que a gente se entende… ou não). Mas nada desses procedimentos normais. O melhor é passar entre a chuva e não ficar molhado.
Sem a mínima ligação do afundar da crise com uma hipotética recusa de aprovação (embora não seja desta a minha ocupação, agora), vá de “fechar a torneira”, face a uma presumível inundação…
Para mim, de forma primeira, o ofensivo reside no desrespeito pela arte de pessoa. Desculpem-me: qualquer burro come palha. Mas nunca com trejeitos de tão farta desqualificação!
Não se resolve o problema do recto entendimento em procurar um “site” e aí ler (e reler) uma comunicação.
Por que razão o construtor do documento não o explicou, desprendido do texto decorado, com argumentos devidos, nada difíceis para quem é seguidor do bem superior e comum dos portugueses (as)?!
E já que me aventurei por estes caminhos, não poderei deixar sem resposta duas situações, nascidas desse parto.
A primeira é atinente a previsões da próxima Campanha presidencial. Essas previsões, ou esses dados futuros, nunca deveriam ter sido objecto de menção. A crítica merecia ser dirigida à falta de cabeça e não a meras consequências utilitaristas. A insolência lógica e a perversidade ética (qualquer motivo basta para nos desembaraçarmos – mesmo no sentido espanhol – de princípios rigorosos) constituíam as personagens únicas e tristes da cena!
A segunda situação, derivada da primeira, consistiu no “assalto” a alternativas de pessoas (só por troça ou brincadeira de péssimo gosto foram publicitados certos nomes).
E os analistas arrumaram logo a questão: “isto” é obra de um sector Católico radical! Já temos um espelho da deriva perigosa islâmica.
E, assim, se vai cumprindo Portugal!
Lisboa, MDN, 04 de Junho de 2010
Januário Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança



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Ano sacerdotal - Critérios para um renovado ministério dos padres

Durante um ano – desde 19 de Junho de 2009 até 11 de Junho de 2010 – a Igreja católica tentou reflectir sobre a vocação, o ministério e a compreensão sócio/eclesial do ser padre... hoje.

Houve muitas iniciativas, algumas delas saídas do âmbito eclesiástico, com um certo sabor a auto-promoção, outras com teor de defesa e outras ainda com intenções saudosistas de um certo modelo de padre... com a colaboração de alguns clérigos e de uns tantos leigos.
Agora que está prestes a terminar o ‘ano sacerdotal’ como que nos surgem várias inquietações, tanto sobre o futuro – sobretudo na temática que há-de dinamizar a Igreja universal – como sobre as consequências que nos ficaram deste ano mais ou menos intenso da Igreja católica.
Sobre o primeiro aspecto – o do futuro – ousamos sugerir que o Papa possa lançar um ‘ano de São João’, pois, à semelhança de São Paulo, aquele eminente apóstolo e evangelista anda um pouco desconhecido da teologia, da reflexão e da espiritualidade dos nossos cristãos e mesmo dos responsáveis da Igreja. Seria muito útil e necessário dedicarmos um ano a estudar São João, tanto na versão do evangelho como na dimensão do apocalipse e cartas.
Relativamente àquilo que nos fica do ‘ano sacerdotal’ – para além de alguns lugares comuns, que pouco mais serviram do que para acirrar um certo clericalismo de acção e de intenção – fomos sentindo que falta interesse em abordar, de verdade, aspectos que atingem os actuais padres e aqueles que se sentem chamados ao serviço de Deus, na Igreja, pelo ministério sacerdotal.
Eis breves perguntas, que, posteriormente, tentaremos responder:
* Como é cuidado o acompanhamento humano, psicológico e espiritual dos padres no exercício das suas funções, sobretudo, paroquiais?
* Teremos comunidades cristãs onde o padre se sinta homem de Deus mais do que gestor de coisas humanas (talvez mais mundanas) que podiam ser exercidas por não-clérigos?
* Temos sabido fazer surgir condições mínimas nas paróquias ou nos outros sectores da vida pastoral para que os padres se sintam estimados mais do que tolerados pela necessidade sacramentalista de cariz social?
* Mesmo na dimensão económica, com especificidade evangélica, teremos encontrado desafios de partilha ou ter-nos-emos acomodado a sistemas de pagamento de serviços mais ou menos concordantes com a compreensão de cada lugar ou tempo?
Passaremos, agora, a esmiuçar cada um destes itens.

= Acompanhamento dos padres em funções paroquiais
De facto, um padre, sobretudo, em funções paroquiais é um celibatário solitário. Já lá vai o tempo, como dizia Camilo Castelo Branco, em que uma irmã se casava com o celibato do irmão padre. Hoje é, normal, vermos um padre sozinho que cuida desde a alimentação (comprar, cozinhar e comer... a sós) até às mais elementares regras da gestão de uma casa, como se fosse um ‘dono de casa’. Ora, digo por mim, o Seminário não deu noções de gestão doméstica. Temos de aprender ou, então, andamos a reboque de que quem seja mais ou menos generoso e nos faça algo de boa vontade ou a baixo preço.
O pior é a solidão com que tantas vezes nos temos de confrontar dentro das paredes de uma casa paroquial. Tristemente o dizemos: muitos e muitas dos que nos rodeiam não são gente de grande confiança, tanto ao nível humano (a cultura e a instrução deixa um pouco a desejar), como na dimensão espiritual (muitos e muitas abeiram-se do padre com múltiplas intenções... sobretudo para se promoverem diante dos outros paroquianos) e, por vezes, se nos damos com alguém, outros e outras ficam na retranca, na maledicência e, desgraçadamente, na coscuvilhice...
Sugerimos, por isso, que seja incentivado, desde a educação dos padres e, posteriormente, na vida pastoral, a que possa haver, ao menos, um casal – sensato, equilibrado, de boa formação humana, intelectual e espiritual – que possa enquadrar a vida do padre, dentro ou fora do espaço paroquial, mas com quem ele possa desabafar – há coisas que nos ocupam interiormente porque não temos com quem as partilhar! – e até vivenciar uma simples refeição, onde o comer não é razão mas oportunidade de sentir-se aconchegado e acompanhado.
Basta de heróis secos e de solteiros rezingões. Basta de padres tristes e amargurados. Basta de padres anódinos de afectos e em busca de compensações afectivo/emocionais. Basta de tanto desinteresse, pois se os padres não forem felizes (por dentro) não ajudarão os outros (por fora) a viverem na fidelidade a Deus... na Igreja.

= Gestão de coisas mundanas ou força espiritual?
No actual contexto de gestão paroquial – onde o ónus do trabalho e da responsabilidade cai, essencialmente, sobre o pároco (seja qual for a capacidade de desenvolvimento dos projectos) duma forma exigente e moralmente atroz – torna-se fundamental que sejam avaliadas as possibilidades de centrar o padre na sua função de mestre (pai ou irmão) espiritual, libertando-o das tarefas administrativas e organizando os serviços com pessoas capazes dentro da qualidade humana, técnica e, sobretudo, espiritual/cristã.
Sabemos que estes desideratos não são fáceis nem, muitas vezes, exequíveis a curto e a médio prazo. Mas temos de investir na promoção de pessoas adultas na idade e na fé, pois com certos aduladores/as não sairemos da gestão de conveniências mais ou menos controladas! Torna-se, por isso, urgente que saibamos gerar, mais do que gerir, novos cristãos convertidos à Pessoa de Jesus... continuamente.

= Dinâmica de evangelização pelo compromisso com os valores do Evangelho
Muitos dos actos do padre são mais questões de carácter social do que situações de vivência em favor dos outros, pelos outros e para os outros. Muitos/as daqueles/as que se aproximam da Igreja – paroquial ou menos formal – vêm em busca da solução de problemas imediatos, mais do que em razão de quererem crescer na caminhada da fé. Raramente quem procura o padre é para aprofundar – activamente ou pondo-se ao serviço dos outros – as razões da sua fé. Enquanto estivermos (como que) reduzidos a sermos uma espécie de estação de conveniência pouco ou nada faremos pela evangelização séria e consistente.
Urge que tenhamos bons cristãos para termos melhores padres. Urge que saibamos promover a família com dignidade para poderem surgir padres bem alicerçados no Evangelho.
O caminho tem de ser feito connosco e para aqueles a quem Deus nos enviar.

A. Sílvio Couto



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Profetas sem mordaça

A vida nunca foi fácil para os profetas. Perseguidos, amordaçados, calados, apedrejados, eles remam sempre contra a maré. A consciência da responsabilidade nunca os deixou sucumbir ante as dificuldades. Proibidos de falar, respondem, convictos e decididos: “Não podemos é ficar calados”.

Ser profeta não é vida para os ambiciosos de poder, os obcecados por carreiras vistosas, para os que só se ouvi a si próprios. Só para os que cultivam um ideal elevado, têm uma personalidade forte, estão marcados pelo sentido do dever, são humildes e corajosos.
Os profetas incomodam sempre o poder, tanto o civil, como o religioso. Jogam fora do sistema. Não o canonizam, nem o favorecem. Os guardiães do sistema não gostam de quem levanta problemas, denuncia mazelas, aponta caminhos novos A gente do sistema quer ficar na história, sonha e prepara o pedestal da sua estátua. Os profetas olham o futuro dos outros, sonham uma sociedade mais justa e fraterna, resistem ao tempo.
Ao sistema, qualquer que ele seja, agradam mais os trauliteiros que se tornam coroa de defesa de senhores intocáveis, os acomodados com pruridos de uma cultura que não têm, os incapazes de contrariar quem manda ou preside e de quem esperam favores.
Os favores, recebidos ou esperados, são mordaças que tornam o profetismo impossível.
O tempo que tudo relativiza e banaliza, e em que só se sonha com êxitos e interesses pessoais, é tempo sem futuro. O presente fica vazio de ideal, cresce nele a selva dos parasitas, proliferam os videirinhos só úteis aos senhores da corte, sem um futuro procurado e desejado com a gratuidade de quem só quer o bem dos outros.
O sonho de uma Europa unida foi sonho de profetas, como Adenauer, Schumann, De Gasperi, Jean Monet. O carvão e o aço não eram um fim, mas o primeiro passo dos interesses comuns num continente que ainda sangrava de guerras, para se poder caminhar para novos rumos, humanos, morais e sociais Chegaram depois os que secaram a alma da Europa. Entrou em campo a burocracia do cifrão, dos prestígios e das disputas. Aí está o resultado: uma Europa asfixiada por leis e por crises económicas.
Em tempos que ficam na história, não faltaram profetas como Gandhi, Luther King, Nelson Mandela, Oscar Romero, Hélder Câmara. Homens para os outros. Esquecidos, presos ou mortos, eles continuam vivos e a ser ouvidos por quem está atento à vida.
A Igreja é um povo de profetas. Uns activos, outros anestesiados. O papel dos activos não se esgota no religioso. Passa às fronteiras do humano, onde a vida, riqueza e projecto, é muitas vezes amarfanhada e impedida de ser vida. A Doutrina Social da Igreja é assim, para os tempos que correm, Evangelho traduzido em propostas de vida é linguagem de profetas insistentes e incómodos. O mesmo para os Direitos Humanos
Bento XVI, na alocução aos bispos portugueses, em Fátima, deixa esta recomendação:
“Mantende viva a dimensão profética sem mordaças, no cenário do mundo actual, porque a Palavra de Deus não pode ser acorrentada” (2 Tim2,9) E acrescentou, como condição para um profetismo útil e fiel à Palavra, “conhecer e compreender os diversos sectores sociais e culturais, avaliar as carências espirituais e programar eficazmente os recursos pastorais…”
É verdade que, no contexto actual em que os valores morais e éticos se esfumam depressa e as instituições fundamentais da sociedade são denegadas, se os profetas se calam, a destruição aumenta e os problemas, como os falsos profetas, multiplicam-se.
Os profetas cristãos, quando o são de verdade, nada têm a temer, porque não esperam mais que a consciência pacificada pelo dever cumprido e o bem a que todos têm direito.
O maior profeta da história foi Jesus Cristo. Não o foi no templo, mas frente à vida dos mais pobres e excluídos sociais. Nenhum poder humano conseguiu calar a sua voz. Levado à morte pelo mais escandaloso processo histórico, como jamais houve outro. Também, dentro na comunidade cristã, não é fácil a vida dos profetas. Os perseguidos antes do Concílio, foram nele os mestres mais ouvidos. É preciso ser semente disposta a morrer para dar fruto. Na Igreja de hoje, como na sociedade, os profetas são necessários. Quem inova e comanda a vida com futuro é o sonho dos profetas, não o dinheiro.
Multiplicam-se os problemas sociais, os pobres tornam-se mais pobres, disparam as injustiças e os escândalos da corrupção, as comunidades perdem horizontes largos e vontade de ir mais além.
Profetas sem as mordaças! O que já se recebeu ou que ainda se espera, é sempre mordaça num mundo de intocáveis e poderosos.
Os verdadeiros profetas da história, porque assim entenderam, nunca as aceitaram.

António Marcelino


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Avanço ou retrocesso civilizacional?

É minha convicção, em si e pelas sua consequências, de que as páginas mais negras e negativas da história de Portugal, já escritas e que continuam a escrever-se no tempo que corre, se traduzem na legislação orientada para o ataque, senão mesmo para a destruição programada, da instituição familiar.

O último passo dado neste sentido, já estava previsto e mostrava-se irreversível. A não promulgação da lei votada no Parlamento e depois nas mãos do Presidente da República, juridicamente nada adiantava. Mas seria isso suficiente? O grito veemente e o veto do Supremo Magistrado da nação, quaisquer que fossem as consequências, ao afirmar o valor da instituição familiar, não dava o facto por consumado e acordaria a consciência de muitos cidadãos. A crise moral de um povo leva à subversão de todos os valores consistentes e é a mais grave das crises. É ela que está em causa. Mais grave que a crise económica, embora esta seja real e a condicionar a vida de muita gente
O não veto deu azo a que se verbalizassem, em tom de vitória e mais uma vez, as razões de quem proclama que a lei uma “vitória civilizacional” e põe Portugal na “vanguarda da igualdade”.O país pode assim tomar consciência de quem o governa e quem influencia o legislador maioritário com arranjos que nada têm a ver com o país real.
O pluralismo parlamentar não é espaço vazio que permite leis coloridas de interesse partidário. Nem é espaço destinado à emergência de outros interesses, alheios ao bem comum. A verdadeira liberdade é criadora de vida e de soluções válidas para situações diferentes. Não é promotora de caos onde deve haver vida. Países atentos e com história encontraram soluções, sem agredir a família. Aqui se viu a cultura de muitos deputados.
À revelia de tudo o que se pode legitimamente classificar de humanização e de bem comum, as minorias classificadas e as esquerdas partidárias, divididas e atacando-se mutuamente dentro e fora do Parlamento, estão sempre unidas e disponíveis para a defesa dos interesses ideológicos e das situações que as afectam. O país, através de gente previamente escolhida para o efeito e com assento parlamentar garantido, passou a andar a reboque em situações e assuntos muitos sérios, que são do interesse de todos ou, pelo menos, de uma verdadeira maioria dos portugueses. Esses que não abdicam do bom senso, do reconhecimento das raízes históricas, do seu património cultural, do sustentáculo da sua vida e garantia do seu futuro. Gente animada pela voz do sangue, quando a sanha destruidora da família não a conseguiu ainda calar, é gente que nunca se calará, nem deixará de se indignar, até poder dizer: “Basta!” Somos um país de raízes e sentimentos cristãos, não de ontem, mas de há séculos. Não somos apátridas. Somos cidadãos portugueses. Se outros lêem a história de outro, nem por isso são donos do país
È ante este conluio, já indisfarçado, que surgem as afirmações antagónicos, que não são simples opiniões divergentes, sempre legítimas num espaço democrático, mas denunciam um mundo diferente de valores e de apreço pela instituição familiar. Opiniões, por isso mesmo, inconciliáveis. A democracia não cria valores. Respeita-os.
A família é património cultural e histórico do país. Neste sentido se pode considerar um padrão civilizacional de muitas gerações. A Igreja não está nesta batalha por razões religiosas. Está por razões humanitárias, pela defesa dos valores e das pessoas.
Assistimos, de há tempos, a leis loucas sobre a facilitação do divórcio; à desconsideração pelo valor da vida e à liberalização prática do direito de abortar ou seja de matar inocentes; à desvalorização do papel dos pais, em aspectos fundamentais da opção educativa; à promulgação de leis fiscais que oneram quem persiste em viver uma vida de família a sério; à sórdida poluição pornográfica que enche impunemente, páginas de jornais “respeitáveis”; à minimização dos laços conjugais e parentais com medidas avulsas ; por fim e por agora, já com outras loucuras à espreita, à proclamação pública e legal de que “família” é o que cada um quiser.
Quem acompanha o evoluir actual da vida nacional vê que o caminho de alguns é para o apagamento da história e da dignidade de um povo que soube humanizar e se está agora desumanizando. A crise económica desviou o olhar de muita gente da liberdade de pensar, opinar e respeitar, para o fixar no peso diário de quase só sobreviver.
Avanço civilizacional? Não se vê. Retrocesso? Esse, sim, aí está e só os cidadãos distraídos lhe passam ao lado. Continua a dizer-se que “o povo é quem mais ordena”. Que povo? A ditadura amordaçou-o. Os democratas de circo apagam-no.

António Marcelino


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Semente lançada que acolhe o tempo do fruto

Bento XVI regressou a Roma. Não veio a Portugal como turista, nem à conquista de simpatias, nem a procurar ou evitar proventos de manifestas diferenças. Veio como peregrino e profeta, como irmão mais responsável numa obra apostólica - a missão evangelizadora - que a uma grande maioria dos portugueses diz respeito.

O leque abriu-se: uns sentiram-se conquistados e emocionados; outros continuaram a olhar para trás e a fazer comparações; para outros, vir ou não vir, era e foi indiferente; outros, poucos mas livres para opinar, não deixaram de protestar pelos incómodos causados à sua ideologia, ao trânsito ou à economia débil do país; muitos, finalmente, acolheram com alegria a visita e a mensagem de Bento XVI e têm agora na sua mão a sorte do futuro com a semente lançada e acolhida no terreno preparado do coração.
A verdade é que ele veio, esteve e partiu. Diz a comunicação social que partiu muito contente. Falou a grupos e a multidões, a crentes, a menos crentes e a descrentes. Cada qual o ouviu a seu jeito Não polemizou com ninguém. Não atacou ninguém. Não desfiou verdades abstractas. Não fez imposições, mas propostas
Prisioneiro dos protocolos, sujeito a seguranças exageradas e vistosas que não desejou. Como primeiro responsável espiritual da Igreja realizou a sua missão, mas também foi capaz de se sujeitar ao que lhe foi imposto. O Papa era um visitante qualificado a um país tradicional e sociologicamente católico, que, pelos seus responsáveis o quis acolher e guardar, longe de perigos e sobressaltos. Esteve à vista. Eu desejava de outro modo, mas não era de mim que se tratava, nem tinham que me pedir opinião.
Teve a coragem de dizer, em cada lugar, a verdade em que acredita, com realismo e sem orgulho. De falar da Igreja a que preside e da sua realidade, santidade e mazelas, com realismo, sem triunfalismo, nem complexos de culpa.
Apontou caminhos a seguir, deixando-os em aberto para gente corajosa. Suscitou opiniões, provocou aplausos, desencadeou críticas, inquietou consciências, estimulou seguidores.
Pôs Cristo no centro e convidou ao seu conhecimento. Falou de esperança e exorcizou medos. Aliou o passado ao presente para quem procura e quer ter futuro. Enalteceu o diálogo sem ambiguidades. Realçou o valor de cada pessoa. Disse que “um povo que não sabe a sua própria verdade, perde-se nos labirintos do tempo e da história, sem valores claramente definidos, sem grandes objectivos claramente enunciados.”
Deu valor na liturgia ao silêncio orante. Disse que a Igreja tem de entrar no diálogo com o mundo. Sublinha a importância e a actualidade do Vaticano II e como este Concilio “ pôs em evidência os pressupostos de uma renovação do catolicismo e de uma nova civilização - a “civilização do amor” - como serviço evangélico ao homem e à sociedade.”
Para Bento XVI, assim o disse expressamente, se Deus é Amor “ então a lei fundamental da perfeição humana e, consequentemente, também da transformação do mundo é o novo mandamento do amor”.
Realçou o papel dos cristãos leigos na acção social e política, chamados a “promover organicamente o bem comum, a justiça, e a configurar rectamente a vida social”. Pediu às instituições sociais da Igreja que “procurem o bem das populações carenciadas, seja clara a sua orientação, deixem bem patente a sua identidade na inspiração dos seus objectivos, na escolha dos seus recursos humanos, nos métodos de actuação, na qualidade dos seus serviços, na gestão séria e eficaz dos meios”.
Disse isto tudo e muito mais. Uns ouviram bem. Outros com olhos tortos e ouvidos retorcidos. A mensagem ficou e agora é tesouro para fazer render.
Falou aos bispos. Palavras que fazem pensar. Mas como é mensagem para toda a Igreja, a ela voltaremos.

António Marcelino


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Eu gostava de ver o Papa...

Mas se eu vou ser, como espero, dos privilegiados que, em Fátima, vou estar perto do Papa, concelebrar com ele, almoçar com ele, participar na reunião destinada só aos bispos, como venho aqui dizer que gostava de ver o Papa?


Bento XVI, sou testemunha disso, gosta de perguntar, de escutar, de sentir a vida real na comunicação directa, de se abrir a todos, como irmão mais velho que tem alguma coisa de importante a comunicar, de não fugir aos problemas difíceis e incómodos que lhe são postos, sempre com o grande respeito que tem às pessoas e à verdade que liberta,
Assim o conheci eu em dois sínodos da Europa (1991 e 1999), nas visitas dos bispos a Roma, e, de modo ainda mais gozoso, na recepção pessoal com o meu sucessor, em 2007. Quando pela primeira vez o cumprimentei como Papa, na Praça de S. Pedro, ele quis saber o que me tinha levado a Roma. Quando lhe disse o motivo – o encontro de responsáveis das Escolas Católicas nos diversos países da Europa – porque não pôde receber os participantes devido ao Sínodo que então se realizava, logo ali quis saber, com perguntas concretas, como tudo se tinha passado, acrescentando, ainda, que lhe falasse também da situação das mesmas escolas em Portugal. Parece que não havia mais ninguém à espera. Falava sem olhar ao tempo.
E pensar eu que um guarda do Vaticano não me deixava aproximar do Papa, porque não ia de batina e solidéu, mas apenas vestido à homem, embora com cruz e anel. Forcei a entrada e a aproximação. Guardo, numa bela fotografia do momento, a recordação de encontro tão rico e pessoal.
Eu sei bem que, na visita que o Papa faz a um país, como agora a Portugal, a partir de determinada altura, mais tem de fazer o que as circunstâncias exigem, que aquilo que ele mesmo, bispo e pastor, gostaria.
Já se fala mais por aí da sua condição de Chefe de Estado do Vaticano, que da sua missão espiritual, como primeiro Bispo da Igreja Católica. A comunicação social já está mais interessada na cadeira do Papa, no que come e no talher que usa, no quarto onde dorme, nos presentes que vão dar, nas audiências devidas e nas intrometidas, na sua comitiva, na publicidade que se gerou à sua volta… Ser só Papa, parece ser pouco…
Eu sei que as visitas pastorais do Papa, também dos bispos nas suas dioceses, tanto podem servir para abafar com um programa que não deixa respirar e semeia ilusões, como para proporcionar momentos privilegiados de encontro com os cristãos nas suas comunidades, com as realidades sociais e religiosas, com os doentes e os mais pobres, os que não podem ir ao encontro de um visitante que também lhes diz respeito, dando tempo para escutar, animar e dialogar serenamente. O bispo ainda pode organizar nesta óptica as suas visitas, mas o Papa, depois de dizer que vai, mais tem de ser obediente que decisor, perante programas propostos e negociados com colaboradores que gostam talvez mais de espraiar os olhos em multidões, que dar rosto aos problemas das pessoas e aos gritos do tempo. Mas ele não pode discordar? Poder pode…
Já se entende agora o que digo quando escrevo “ Eu gostava de ver o Papa…”. Vê-lo de outro modo, sem estar pressionado e esmagado pelas horas e pelo tempo disponível, para que se possa sentir ao perto o seu olhar de esperança e escutar a sua palavra corajosa de defesa da verdade, testemunho de serenidade e indicadora de rumos. Algo se acautelou agora de meritório com encontros com o mundo da cultura, os agentes da pastoral social, os presbíteros, diáconos e consagrados. E, também, terão consolo os jovens e as multidões numerosas que o aguardam em Lisboa, no Santuário de Fátima e no Porto. Mas ainda por aqui, quem mais tem, é sempre quem mais pode e manda. Cristãos que amem o Papa e testemunhem Jesus Cristo na Igreja e no mundo estão por todo o país…
Impressionam-me menos os ataques de fora, que nestes tempos se multiplicam em relação ao Papa, que a repetição menos inovadora nestes acontecimentos. Deviam ser mais ocasião privilegiada para mostrar um novo rosto da Igreja e da sua missão, dos seus problemas e desafios, das suas preocupações e caminhos, e o empenhamento real das pessoas que a servem.
Seremos nós capazes, ao menos, de escutar, guardar e tornar vida tudo o que o Papa nos vai dizer a todos?...

António Marcelino


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Jardim de narcisos, sociedade empobrecida

Não sei se há muitos narcisos nos jardins, pois não conheço a flor. Mas sei que há por aí muitos a jardinar-se em público, julgando que todo o mundo é seu e ninguém merece mais ser visto e ouvido que eles próprios, e sempre e só eles.

O horizonte da sua vida é o do espelho, onde se miram e remiram. Aí se inspiram para terem opinião sobre todas as coisas e acontecimentos, soluções para tudo, recados e conselhos para todos os lados, e até para lançarem anátemas tenebrosos os que dissentem, se negam a fazer corte ou não se desvanecem com as suas evidências.
Se fossem pessoas normais, a normalidade seria a sua grandeza. Como se pensam únicos e intocáveis, a singularidade é a expressão da sua pobreza.
Dedo no ar para serem vistos, cunhas organizadas para que se lhe peça opinião, grupos comandados que os tornem figuras de ecran, banca montada, com produtos próprios, para a sua promoção. Heróis sem pedestal a exigir estrados que os tornem mais altos, ou escadinhas que permitam subir à medida sonhada. É este o mundo dos narcisistas. Nem entendem outro. Gente que não assume o que manda, nem gasta do que exporta.
O narcisista tem inimigos de estimação, que apedreja para mostrar coragem e conquistar gente ressentida que só se move por sentimentos. Serve-se da palavra de outros, porventura mais ilustrados e sabedores, que faz descaradamente sua.
Não alarga, nem revela sempre o leque dos inspiradores, porque é interessado e selectivo nas escolhas de que se aproveita. Mostra ilustração de livros que não lê, mas cita, porque citar confere estatuto.
Há narcisistas na sociedade, na cultura, na política e até nas igrejas Procuram parecer e aparecer, ao lado dos grandes e nos momentos privilegiados em que não falta televisão, ou, então, expendendo pareceres que se apresentam como a última palavra lúcida e digna de ser ouvida e seguida.
Alguns dizem-se da Igreja. Por certo, com outro evangelho que não o de Cristo. Este privilegia o amor, manda não julgar nem condenar, convida a olhar mais para quem precisa que para se inebriar a si próprio, abre caminho andado por Cristo, propõe a humildade como senda de verdade, traduz o poder por serviço…
Os narcisistas vêm à tona se o ambiente é favorável e o espaço convidativo a críticas, ataques, juízos e esconjurações aos outros e se o engodo pesca para o seu lado.
Não se importam de apedrejar a Mãe Igreja que os formou e a que voltaram costas por via de opções que exigem ser respeitadas, mas eles próprios não são disponíveis para respeitar quem, na vida, opta de modo diferente. Antes humilhados, depois orgulhosos.
Para muitos o espaço agora aberto incita-os a fazer do Papa o bombo da festa e da Igreja a madrasta desprezível e a esposa infiel. Em relação a estes despreziveis, multiplicam-se anátemas, duplicam-se conselhos, fazem-se profecias, antecipam-se certezas. Tudo ao sabor dos alheios ou como meio de abafar remorsos próprios, tão vivos, que nem o tempo os consegue calar.
Todo o individualismo, e o narcisista é sempre individualista, empobrece a vida em sociedade e cria espaços de incomunicação. Para comunicar é preciso escutar e respeitar o outro. Para ser pessoa responsável é preciso “ser-um-com-os-outros”. O mundo não é só de alguns, nem regalo saboroso de uns poucos. É espaço de todos, construção de todos, dom a todos. Não é palco de palhaços, nem pista de marionetas. Há lugar para todos que não queiram ser sozinhos e não amuem por outros também serem gente.
O narcisismo tem ares de doença, talvez do foro psíquico. As doenças tratam-se. Se acaso têm remédio e o doente se dispõe a colaborar.



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Democracia, sob o signo da desilusão?

A democracia vai aparecendo estropiada por interesses partidários e outros, e para muita gente é já uma desilusão.

Nem faltam políticos de nome a dizer desta sua crise. Há razões para assim se pensar: o bem comum é uma ficção de que já nem se fala, as desigualdades são afrontosas, os favores a uns tantos sobrepõem-se aos direitos de todos, não se entende o rumo da justiça, nem da educação, a atenção ao que dá nas vistas sobrepõe-se a carências básicas de muitos cidadãos, agradar aos de fora parece mais importante que o respeitar os de dentro, constroem-se pedestais para estátuas de pés de barro, chega-se à ribalta e põe-se tudo em causa, a corrupção é um facto descoberta diário e sem limites, os programas partidários se interessam ao partido são intocáveis, mesmo quando a vida diz que são um disparate, os jovens ambiciosos, ainda que pouco válidos, estão sempre com o pé do ar para subir pela mão de padrinhos que não são os do baptismo, grupos corporativos reivindicam sempre a olhar para o bolso e para o umbigo, a resposta às dificuldades só toca a alguns, os cidadãos sentem-se enganados com sorrisos descarados, a ética na vida é adereço que não interessa, as instituições essenciais, como a família, entraram em leilão, as minorias são o poder…
É assim que vão surgindo nostalgias do passado, se multiplicam as anedotas políticas, se propalam escândalos reais ou inventados, se volta ao medo das recriminações e das vinganças, se vive na insegurança, uns contam os tostões a olhar para os milhões de outros…A política deixou de interessar ao cidadão normal, as pessoas interrogam-se sobre onde tudo isto vai parar, os mais válidos emigram ou tratam da sua vida…
Gerou-se um clima de desagrado que já nem deixa ver o que de bom se alcançou ao longo das últimas décadas, e que não foi pouco, porque se fala muito de direitos e pouco de deveres. Todos, porém, reconhecem que agora se pode opinar sem medo e votar em liberdade. No leque democrático, porém há espaço para mais e é preciso preenchê-lo.
Não conheço, nem há, por certo, regime democrático que tenha sido de implementação fácil e rápida. Não anda a esse ritmo a capacidade de mudança de mentalidades, interesses e atitudes, nem por ele se deixam conduzir grupos unidimensionais, de direita ou de esquerda. Tudo difícil se se falar mais de direitos a exigir, que de deveres a cumprir. Não faltam escolhos para a democracia, se esta não for de fachada.
À Europa Unida, sonhada por fundadores de países democráticos, foi-se matando a alma, destruindo os valores, secando as raízes vitais, apagando a memória histórica, nivelando por baixo. Não se compadece com uma democracia a sério uma cultura superficial, dominada pelo descartável e pelo efémero. A verdade objectiva e sólida é impedida por projectos pobres, culturalmente vazios. O novo tempo é o do reino do dinheiro e do poder, do circo e da publicidade, enfim, dos interesses nacionais. Um tempo novo que já nasce velho. O nosso peso humano e cultural foi menosprezado cá dentro. Lá fora, a análise corrente é a dos cifrões. Com a baixa cotação, o país conta cada vez menos.
Recordando o dito de Churchill, também eu creio que a democracia é, ainda assim, o regime menos mau. Tem, apesar de tudo, exigências de seriedade, de participação, de respeito, de derrube de feudos, de verdade nos olhos. A democracia não se constrói, nem enraíza ao gosto dos partidos e dos interesses. Se os partidos exprimem o meio mais normal da participação de todos, têm de pugnar, acima de tudo, pelo bem comum, não pelos interesses próprios. Democracia não é partidocracia. É acção clara pela liberdade e pelo serviço ao bem, que a todos diga respeito.
Coisas só explicáveis em 1975, perduram ainda como dogmas intocáveis. A democracia não é peça de museu. É caminho aberto para ir sempre mais longe. Não se compadece com reflexões de sentido único, por exemplo, sobre o “Estado Social”. A Constituição da República, já revista algumas vezes, continua marcada ideologicamente, impedindo o exercício da liberdade em campos onde esta é essencial, como o da educação. A democracia não suporta um Estado com ressaibos de dono e patrão de tudo e de todos.
Também sonhei, em décadas longínquas, com uma democracia a sério, consciente, embora, de que ela não aconteceria por um toque mágico, mas que, uma vez aberta a porta, nos podia levar a um futuro de liberdade e de consciente cidadania.
O tempo não volta para trás. Não há porque ter medo Há sim, que ver, com urgência, se o rumo que o país leva tem futuro que interesse aos portugueses, ainda não poluídos.

António Marcelino


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02/06/10

Bento XVI saiu ileso do último laço

O laço tem sido armado inúmeras vezes. No primeiro século os chefes, os anciãos e o seu lugar tenente Saulo fizeram tudo para fechar e exterminar aquela Gente. Os poderosos e organizados Romanos, com meios de força quase invencível, pretenderam durante três séculos acabar com os cristãos e a Igreja. O primeiro Pedro foi encurralado e morto. Para exasperação dos “caçadores” novos Pedros lhe sucederam. A Árvore da Igreja apesar de algumas doenças dos seus membros continuava viva e a crescer.

Novo turno de caçadores violentos e desorganizados, os Bárbaros, arremeteram de todos os lados: do Norte, Oriente, às portas de Roma, no Norte da África, por toda a Europa onde havia nome cristão. Foram implacáveis no saque e na destruição. Muitos deles, seduzidos pela novidade cristã, pararam e renderam-se à guarda de Pedro e dos seus. Nem todos foram modelos.

Acalmadas as arremetidas dos bárbaros, irromperam novas tentativas de encurralar a Igreja e os sucessivos Pedros de turno. Era a vez das hostes do Islão. As Igrejas do Norte da África foram engolidas, na Península Ibérica só sobrou uma faixa estreita entre os Picos da Europa e o mar, a França esteve quase enlaçada. Houve misturas de moçárabes e mudéjares, ora fiéis ou meio-meio. Houve cruzadas em que se misturou o pecado. O Islão ressentido tenta agora encurralar a Europa cristã a partir do Oriente. Arremetidas por terra e por mar, era uma questão de mais algum tempo para Viena, Roma, e o seu Pedro, serem apanhados e encurralados. Seria o fim. O laço apertou-se e o Rebanho ficou livre.

Ainda este cerco ia na procissão e já a maquinação e escândalos dentro da Igreja de Pedro a iam destruindo. Lutero, Calvino, Henrique VIII; uns por consciência, estes por orgulho, outros por fraquezas pessoais, armaram laços insidiosos, atraentes, sedutores, e criaram rebanhos guerreadores separados. Porções colossais do Rebanho de Pedro, quase feridas de morte, de dentro e fora, definham e resistem agarradas ao tronco e a restos de seiva. A Árvore fica longamente a sangrar e a recompor-se. Cresce então para lá dos mares: ao Oriente até ao Japão; e ao Ocidente por todo o Continente Americano. A Mãe de todos os irmãos de João junto à cruz, em colina chamada Guadalupe, veio chamar povos imensos para se juntarem ao Rebanho do seu Filho.

O Inimigo da Família de Pedro não desiste. Na “Filha Primogénita”, roída de pecados, estala a Revolução Francesa, os regimes de terror e o despotismo que ela pariu com violência e artimanhas. Napoleão, enciclopédia, regicídios, iluminismos vesgos, expurgações sistemáticas de pessoas e estruturas de Igreja, prisões de Pedro quase conseguiam enfraquecer e encurralar o seu Rebanho já doente também de tantos desmandos. Até surgiram profecias da sua morte e funerais antecipados da Igreja por toda a Europa, incluindo na “Nação fidelíssima”. As epidemias de pecado medravam. Ferido pelas arremetidas de fora e de dentro, o Rebanho sofria e resistia.

A ameaça de novos pseudo-coveiros avoluma-se nos monstros comunista e nazi, e tudo fazia crer que o nome cristão e o Nome de Deus iam mesmo ser engolidos. O garrote do nazismo ameaçou, matou milhões e por fim rebentou como besta infernal. O dragão comunista ficou de serviço. Engordou, murou meio mundo; enganou e contaminou o universo de virulência mortal. Devorou milhões sem conta durante quase um século enquanto em colina de Fátima da nação “Fidelíssima” a Mãe e o Menino prometiam o seu fim se os seus filhos “quisessem”... Um Pedro, chamado JPII, já ferido pelo monstro, agarrado ao Crucificado e sua Mãe, bradou a leste e a Oeste, a Norte e a Sul; e um vento do Alto soprou e o muros do monstro desabaram. Mas…O cérebro do mal cismou que “a coisa”, só iria com mil disfarces. Uma pitada de cientismo, outra de secularismo, um nada de religiosidade nebulosa, um opinismo omnipresente, uma hostilidade moralizante em “favor” da Igreja poderia ser a receita infalível. E tudo com a colaboração ingénua de quintas colunas de pecado dentro do Rebanho de Pedro. Mas dos laços, embora feridos, Pedro e o Rebanho escapam sempre. Os caçadores agem com uma cegueira tremenda. Esquecem o Crucificado que saiu vivo do sepulcro. Crêem-no ainda encerrado e cegos não vêem nem a Ele nem sua Mãe ao lado de Pedro.

Fátima, 13 de Maio de 2010
Aires Gameiro



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