Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

27/05/11

Programa político de um cidadão cristão, responsável e livre

Não é um programa partidário, nem vai a votos. Qualquer que seja o resultado dos que vão às urnas, este será sempre um programa permanente, válido e imperioso. É o programa dos que não se resignam a ficar calados e instalados, que sentem o dever de intervir com liberdade, sem medo e não olhar a proveitos pessoais. Pontos do programa para uma sociedade livre e aberta ao bem de todos. Não são aqueles a que os partidos costumam dar maior atenção, mesmo que digam o contrário. Aí vão:


1. Respeitar e defender a pessoa humana, homem ou mulher, ou seja, cada cidadão, com a sua dignidade, direitos e deveres, capacidades e fragilidades, liberdade e alienações. Sempre em ordem à sua defesa, respeito e promoção. As pessoas são o verdadeiro património da nação. Esta empobrece sempre que se matam os nascituros. Não há cidadãos de primeira e de segunda. Não pode haver pessoas a quem tudo sobra e pessoas a quem tudo falta, gente reverenciada e gente desprezada. Toca a todos, qualquer que tenha sido o seu berço, uma igual dignidade e condição. As pessoas são mais importantes que os partidos políticos. Tudo existe em função delas.

2. Defender e promover a família. A família é fundamental para cada pessoa e para a sociedade. Ela não pode sair do horizonte atento do nosso observatório social. Chega de projectos e leis de destruição e de minimização da família, com base em ideologias estranhas e maiorias parlamentares. Quem não ama, não sabe o que é o amor e a família normal é o espaço normal do amor. As mudanças sociais e culturais obrigam à reflexão para defender valores e instituições naturais e universais, não para os aniquilar ou relativizar. A família tem vindo a ser maltratada pelo poder público e pela comunicação social. Tem sido desprotegida e minimizada em aspectos essenciais da sua vida e missão. Apoiar e defender a família é garantir o futuro do país e das pessoas e o seu necessário equilíbrio afectivo. É urgente lutar por políticas familiares sérias. Já se fez de mais em contrário, por antipolítica que não respeitou a família.

3. Dar sentido, humano e social, à actividade económica. A economia não é um fim em si mesma, nem uma actividade para beneficiar apenas alguns. Porque necessária, não deve faltar aos seus gestores, políticos ou empresariais, competência, sentido de justiça, discernimento do essencial, sentido social. Numa economia de bem comum não há lugar para luxos e supérfluos, nem para proteccionismos injustos. Sempre assim, e mais ainda em tempos de uma crise grave, injusta e penosa.

4. Dizer, sem medo, que o Governo não é o Estado. O poder de quem governa só se pode entender como serviço responsável à comunidade. Não é uma providência sem limites, que promete o que não tem e não o pode dar. Não é o dono das pessoas para as manipular e delas se servir, a seu jeito e interesse. O horizonte permanente de quem governa é o bem comum, o bem de todos, sem excepção, não de grupos ou claques partidárias. O bem de todos, segundo as possibilidades nacionais, proporciona a todos os cidadãos, mesmo aos que não o querem aproveitar, aquilo a que têm direito para viver com dignidade. E, também, de modo a que possam colaborar, à sua medida, para que todos beneficiem do mesmo, de igual modo. Aos governantes não se dispensa a lucidez sobre os objectivos para bem da comunidade, o administrar com honestidade o erário público, o acolher e fomentar a participação regulamentada da iniciativa privada, o vencer a tentação de totalitarismos e demagogias, o defender e dar exemplo claro de compromisso democrático. Respeitando e apoiando o princípio da subsidiariedade, fundamental numa sociedade realista, se valoriza a sociedade civil e se põe travão a monopólios do Estado e de outros.
5. Lutar por uma educação em que o educando é a prioridade. Educação que olha a pessoa na sua integridade, aberta aos valores morais, éticos e transcendentes, baseada em projectos educativos sérios, ministrada por educadores preparados e honestos, integradora da família, com liberdade para que esta possa intervir e optar por projectos educativos concretos. Educação que responsabilize as comunidades locais pela promoção de um ambiente propício e as autarquias pela defesa de meios adequados. Educação que seja uma preocupação permanente de quem governa. Na educação escolar, propicie-se a abertura ao mundo da cultura, da arte, do património local, das tradições sãs, do respeito, ainda que crítico, do passado, dos sentimentos e dos afectos que equilibram e enobrecem. Educar é capacitar para a valorização pessoal, convivência sadia e participação social. Educar para a necessidade de aprender até morrer, propiciando meios para que assim aconteça.

6. Defender os mais frágeis da sociedade. Há que ter sempre presente os mais pobres, as pessoas com deficiências graves, aqueles a que faltaram oportunidades para ir mais além, os imigrantes injustiçados, os sem trabalho e sem abrigo, os com menor acesso à saúde e seus cuidados, as famílias desestruturadas, vítimas desprevenidas das miragens da irresponsabilidade social e política. Neste sentido, há que promover a justiça social, fomentar o voluntariado, estimular a solidariedade e a partilha fraterna.

7. Denunciar, por todos os meios, a corrupção, os abusos do poder, os favores partidários, a promoção dos incompetentes, a sabujice dos inúteis, as arbitrariedades e o “vale tudo”, mesmo a mentira, para conseguir objectivos sonhados, mas imerecidos.

8. Fazer com que a gente de boa vontade, da Igreja e da sociedade civil, lute por um Portugal de rosto lavado, consciente da sua história, dos seus valores, da sua cultura, das suas tradições sãs, das suas responsabilidades, um país sem complexos de mais ou de menos, igual a si mesmo, com a sua originalidade e capacidades, mas, também, consciente dos seus defeitos, erros e limites.

9. Acreditar, como cristão, no valor determinante da fé comprometida, alimentada nas raízes evangélicas. Por um esforço comum, ela pode ajudar a libertar da corrupção, da mentira e da violência, uma sociedade que se deixou alienar pelo poder partidário e pela publicidade sem regras. Procurar, por coerência e convicção, que as intervenções públicas, individuais e comunitárias, respeitem e promovam a dimensão espiritual e cristã da vida, a fraternidade sincera, o primado de Deus nas consciências e no agir pessoal e social. Uma alternativa original onde cabem aqui todos os projectos sociais necessários.

10. Dirão muitos que tudo isto é utópico. É sempre esta a opinião de quem não se quer comprometer e acaba por ser vítima das suas omissões, arrastando outros consigo. A utopia é sempre caminho e inspiração para novos horizontes de vida e novos caminhos de acção. Nada mais utópico que o Evangelho de Cristo. A ele, porém, vão beber, desde há dois mil anos, todos os projectos políticos e sociais que querem servir as pessoas, ter uma vida com sentido e resistir ao tempo. A falta de utopia sadia e de alimento do poder em fontes sãs não é acaso a razão das crises sociais e morais que agora nos preocupam e atormentam? O meu programa é este e ser-lhe-ei fiel.

António Marcelino


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25/05/11

A mudança mais urgente...

Na hora em que escrevo, ainda não sei quem vai ganhar as eleições e governar o país.
Seja porém quem for, para lá de todas as reformas que é preciso fazer, muitas, e urgentes, há uma que é prioritária e inadiável. Prioritária porque um país que aprova e paga a morte e não protege nem defende a vida é um pântano mal cheiroso, um cardal de vergonha, um abismo sem nome, um poço sem saída, uma sociedade sem futuro, uma civilização que nem a si própria se respeita.


Desde 2007, data em que, por iniciativa de quem nos tem vindo a governar, o aborto de crianças até aos 10 meses de vida, a pedido da mulher, se tornou juridicamente legal, depois de um referendo com participação reduzida e explicado com falácias e sofismas, já se mataram no país à beira de 60 mil bebés, ou seja, uma média de 15 mil por ano. Segundo as estatísticas da Direção Geral de Saúde, 56 mil duzentos e trinta e nove até Agosto de 2010.

De anotar ainda o seguinte: 40% das mulheres que abortaram não tinham qualquer filho; 21% dos abortos foram feitos por mulheres que já tinham abortado antes; 2% dessas mulheres tinham abortado no ano anterior. Pasme-se!

Mais: Esses 60 mil abortos custaram ao Estado (a nós que somos quem paga tudo!) cerca de cem milhões de euros.

A legalização do aborto abriu espaço à banalização do sexo e à legitimação de inúmeras pressões sobre as grávidas, por parte dos empregadores, das famílias e dos comparsas, levando muitas mulheres a abortar contra sua vontade e marcando-as para sempre com traumas e depressões insofríveis e incuráveis.

Para além do mais, as incongruências são muitas e escandalosas: uma mulher doente, com baixa médica, só recebe 56% do seu ordenado, mas, se abortar, fica com “licença de maternidade” 30 dias por inteiro (como se ficasse a dar de mamar ao seu bebé…) e recebe 100% do seu ordenado. Um grande prémio! Até parece que ter filhos é crime e abortar é virtude!
O governo retirou dezenas de euros a milhares de mães no abono dos seus filhos, mas paga centenas de euros às que decidem abortar.

As doentes a operar, muitas vezes com urgência, ficam em lista de espera e estão sujeitas a taxas moderadoras; as que quiserem abortar entram logo, com tudo pago, mesmo que se trate de gente rica e com haveres, e, se não houver condições no público, podem recorrer aos privados, com pagamento garantido no total.

Simplesmente uma vergonha! Os próprios médicos são os primeiros a revoltar-se e a denunciar toda esta desvergonha sem classificação possível: para além das notas emanadas da Ordem dos Médicos, contrárias ao aborto, sabe-se que cerca de 80% dos obstetras do país se recusaram a realizar abortos, com base na chamada “objeção de consciência”.

Para onde corre este país, em que se morre mais do que se nasce? Logo em 2007, para substituir os 104 mil cidadãos que faleceram, apenas se deixaram nascer 102 mil crianças.

Em boa hora se acabou com a escravatura; em boa hora se tornou ilegal e criminosa qualquer tortura e mau trato; em boa hora se pôs termo à pena de morte em Portugal.
Como se explica que, atingido todo esse progresso civilizacional na defesa do valor da vida e dos direitos humanos, abarcando até pessoas comprometidas com crimes e actos condenáveis, se veio agora a cair nesta aberração de dar a morte, impunemente, a seres indefesos, inculpados e inocentes?

Só uma coisa pode servir de explicação: o egoísmo e o desregramento desta nossa civilização ocidental que parece não mais ter cura e caminhar apressada para o abismo: morrendo por si própria, aos poucos, de morte natural, ou sendo esmagada com violência, por outros povos e outras civilizações... que já cá moram!

Acabe-se de vez com este flagelo que de norte a sul varre o país, destruindo vidas, mulheres, famílias, e pondo em causa a economia e o futuro da nação.

Antes de tudo o mais, é isso o que eu espero do futuro governo que vamos ter.
Seja ele qual for.

Resende, 23 de Maio de 2011
J. CORREIA DUARTE



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23/05/11

O ‘último a sair’(*) que apague a luz!

Com o decorrer da ‘campanha eleitoral’ – embora ainda sem a oficialidade da mesma – temos vindo a apercebermos que há ‘artistas’ – cognome que daremos aos actores do espectáculo... político/partidário – que tentam fazer-nos crer que não tiveram nada (ou pouco) a ver com a situação a que o país chegou: endividamento, descrédito e bancarrota.

A frase supra referida é mais completa, pois diz: ‘o último a sair que apague a luz e que feche a porta’. Este desejo como que perpassa pela mente de muitos dos nossos concidadãos, na medida em que, depois do descalabro a que nos fizeram chegar, já pouco mais nos resta do que começar do zero, subindo – qual mito de Sísifo o de termos de carregar uma pedra até ao alto do monte e, quando estávamos prestes a chegar, ela rebola até à base da montanha... recomeçando, de novo – ciclicamente, na nossa tragédia (quase) sem rumo!

= Vendedores de ilusões?
Os artistas continuam a parecer viverem num país que não existe. Fazem-nos duvidar da sua palavra. Enrolam-nos com patranhas e muitos caem na ilusão. Dizem-se senhores de (quase) tudo, mas o que nos dão é uma mão cheia de nada. Azedam-se uns com os outros, mas comem à mesma mesa – senão do mesmo prato – não tendo os seus (pretensos) apoiantes mais do que migalhas. Precisam dos votos, mas esquecem-se daqueles que os elegem. Dizem-se respeitadores da democracia, mas comportam-se como ditadores, quando ascendem ao poder... seja qual for a cor ou a instância de (co)mando.
Há dinossaúrios e aprendizes: uns foram criando redes de favores, outros tentam ser favorecidos. Há artistas que cuidam da sua imagem e outros que se imaginam insubstituíveis. Há fiéis pela ideologia e outros que deambulam para estarem à superfície do pântano, coachando em maré de concorrência.
Até quando teremos estes – actuais e gastos – intérpretes a fazerem do país a sua coutada? Até quando forças subterrâneas – esotéricas ou transnacionais – irão colocando no pedestal (sobretudo) os seus confrades? Até quando a autêntica cidadania – educada, com valores e princípios – terá de encolher-se no espectro desta feira de vaidades?

= Combate, confronto ou conflito?
Num país farto em verborreia, as mais recentes trocas de palavras entre os artistas têm vindo a criar distinção: há, de facto, visões que têm de ser claras, pois a escolha tem de ser adequada ao momento histórico em que vivemos. Há clichés vazios e palcos esburacados. Há iniciativas sem nexo e enganos que nos têm custado caro... agora e no futuro. Há confrontos que devem esclarecer e conflitos que só servem para distrair. Há obras que não passam de projectos megalómanos e opções que pecam por tardias.
Que dizer da certificação escolar sem cultura assimilada? Que dizer de choques – tecnológico ou para a desburocratização – se as pessoas são mais mal tratadas e menos bem atendidas? Que dizer de certos combates à educação não-estatal, se com isso perdermos a qualidade de aprendizagem? Que dizer da transferência de responsabilidades nas áreas da saúde e da segurança social, se continuarmos a fazer reproduzir pobreza camuflada?

Breves questões em ordem ao bom discernimento na hora de votar:
Quando vemos sair do país os melhores, ainda teremos futuro? Quando vemos desertificar os campos, ainda saberemos cuidar daquilo que nos pertence? Quando vendemos a honra por uns trocos, ainda teremos dignidade nos nossos heróis? Quando nos escapa a verdade, ainda nos merecerão confiança aqueles que nos querem governar?
Está na hora de decidir sem peias nem medos. Basta de mentira. A bem da Nação!

(*) Embora esta expressão seja agora nome de programa (sarcástico) de televisão nada tem de ofensivo... antes pelo contrário!

A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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19/05/11

Palavras omitidas, vidas empobrecidas

Nos últimos tempos andámos a celebrar canonizações e beatificações de santos que nos dizem respeito mais de perto. Foi São Nuno de Santa Maria, os Pastorinhos de Fátima Bartolomeu dos Mártires, Alexandrina de Balazar, Irmã Rita Amada de Jesus e agora João Paulo II e a Irmã Maria Clara do Menino Jesus, fundadora das Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição.

As causas referentes a cristãos portugueses a decorrer neste momento, em Roma, são muitas: Padre Américo, Irmã Luiza Andaluz, Padre Joaquim Brás, Sílvia Cardoso, Irmã Teresa de Saldanha, Irmã Wilson, Irmã Maria da Conceição Rocha, Irmã Lúcia de Jesus, Padre Cruz, além de outras, mais e menos antigas que, agora, não me vêm à memória. Mesmo não as recordando todas, porque de facto há mais, dá para ver que são muitas. Não sei se todas as causas chegarão a bom êxito, dada a complexidade dos processos e a espera de um milagre comprovado, cuja falta pode arrumar algumas delas no baú das boas recordações.

Ao falar de santidade é preciso, porém, esclarecer e desfazer confusões. Quando se aponta a honra dos altares, como horizonte de santidade, pode esquecer-se que a santidade não é privilégio de alguns, mas a vocação comum de todos os baptizados. Como filhos de Deus, são chamados a participar, desde agora, da Sua santidade. Para aí se devem orientar sempre a sua vida e acções do dia a dia, qualquer que seja a condição social, idade, cultura, língua, raça ou estado. Logo no início do itinerário da vida cristã há que pensar o que verdadeiramente justifica o pedido de Baptismo por parte dos pais ou do próprio baptizando é a vontade de ser santo, a decisão de ser de Deus. Se é mais fácil perceber esta vontade e desejo num catecúmeno adulto, ela deve estar, também, na decisão e no pedido dos pais, quando se trata de baptizar uma criança, e deve acompanhá-la ao longo da vida. Educar na fé até à maturidade faz-se neste horizonte e com este sentido.

Por outro lado, o facto de vermos muitos religiosos e religiosas e de alguns padres e leigos já nos altares como modelos de santidade, não pode fazer esquecer a multidão de santos anónimos, jovens e adultos, que nas diversas comunidades cristãs dão testemunho de seriedade evangélica e de vida impoluta, no meio das dificuldades das tarefas familiares, profissionais e sociais. Nestes se pode encontrar e ver a santidade como ideal normal de vida. Ao longo dos anos tenho encontrado pessoas comuns, sem nada de pieguice, que os santos nunca foram piegas, que denunciam vidas onde o amor de Deus sempre ocupou o primeiro lugar, traduzindo este amor num generoso e disponível serviço aos outros, sem barulho, mas com eficiência, respeito e verdade.

O caminho da santidade é o caminho do amor que se vai purificando, se vai tornando cada vez mais gratuito, oblativo e contagiante. Quem se sente amado e procura retribuir de graça o que de graça recebeu entende bem que este é o ideal cristão, caminho aberto para todos.

Os cristãos que mais me marcaram na vida não foram sempre os mais eruditos mestres da cultura humana ou mesmo teológica, mas gente humilde e simples que me permitiu perceber, de modo claro e prático, o que é a sabedoria do Espírito. Muitos deles, sem letras humanas, mas com muita humildade, que é sempre o caminho certo que leva a Deus, à compreensão do Seu mistério, à realização da Sua vontade, ao serviço aos outros. Gente que aprendeu na vida, pela fé animada pelo amor, o segredo da confiança e da entrega sem limites, nem condições.

Lamentavelmente hoje fala-se pouco de santidade, aponta-se pouco a santidade como ideal de uma vida cristã, esquecendo-se que “santo é o cristão normal”. Não se tem conseguido clarificar, suficientemente, o conceito de santidade, que tem menos a ver com a honra dos altares, e mais com o viver diário de um filho de Deus. Quem assim ainda não entendeu, apesar dos anos de catequese, tem reacções imprevistas que fazem pensar.

Dois casos que ilustram as omissões que limitam, a ponto de se contentar e resignar a aves de capoeira de voos rasos, quando se tem capacidade para ter voos de águia.
Na homilia, momentos antes da crismação, perguntei a uma jovem que se ia crismar: “Tu queres ser santa?” “Ai, credo, que não é para tanto!” Foi a resposta espontânea que ouvi ao meu desafio. Ouvi há dias um bispo amigo contar que, no fim de uma celebração, com a sua bênção, disse à jovem acólita que acabava de o servir: “Deus te faça uma santa”. Ela, como que indignada, gritou: “Santa, não, senhor Bispo!” Ambas pensaram que se lhes propunha o altar ou o nicho do templo. Os verdadeiros santos nunca tiveram, como ideal a atingir, o altar ou o nicho…

As omissões indevidas geram sempre uma pobreza de horizontes. Ser santo tem apenas a ver com a fidelidade a Deus, no seguimento de Jesus Cristo, que convidava a fazer caminho com Ele, levando a cruz do dia a dia, com critérios do Evangelho e não meros gostos pessoais.

O mundo precisa, cada vez mais, de testemunhas que, pelo seu encontro pessoal com Cristo, mostrem a felicidade deste encontro e proponham aos outros o caminho para uma igual experiência.

Será que aos mordomos das festas, para as quais tem sempre de haver um santo, porque de outro modo o povo não contribui, já alguma vez foi dito, de modo a que ouçam e entendam, onde está a razão porque o seu santo é homenageado e festejado? E lhes foi dito também que alguns dos conjuntos que contratam para estas festas a preços escandalosos, em detrimento da necessidades das populações, mais vilipendiam os santos com suas brejeirices, que os honram e respeitam pela discutível competência? E ao povo que aplaude o lixo que estes conjuntos espalham na festa, já se disse da sua incoerência como cristãos a homenagear os seus santos?

A santidade é um projecto de todos os dias, de gente normal e coerente que, por um esforço de perfeição, mostra e convida a prosseguir sem desistir.

Haja quem o diga, porque há muita gente que nunca o ouviu de modo a entender e a guardar, a fim de lhe mover o coração e a vontade, e entrem assim nesta apaixonante aventura.

D. António Marcelino


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Ao Compasso do Tempo - Crónica de 20 de maio de 2011

Pediram-me, e a mais três intervenientes, que levantássemos questões por nós consideradas primordiais, ao eventual futuro governo. Foi na TSF no passado dia 12.

Publicito por escrito alguns desses problemas:
a) Se os pobres e os excluídos serão a primeira prioridade no futuro político e na dianteira orçamental?
Relembro que, em períodos críticos da nossa vida nacional, o grande pregão foi sempre o da exigência e esperança de uma justiça social sem receio nem demagogia.
Que medidas concretas se estudam para defender dois milhões de pobres? A pobreza será ou não um atentado contra os direitos da pessoa?
b) Não deverão os futuros governantes pronunciar-se sobre a matéria de taxas de impostos e de previsíveis encargos à medida que o tempo avança? Não se diz por aí que daqui a dois anos, mais pesadas medidas vão recair sobre os ombros da população?
c) Há dez anos, perguntei na TVI, a propósito já de dificuldades financeiras, o que “foi feito do dinheiro”…pois, na altura, uns meses atrás, afirmava-se que Portugal ia na dianteira…
Alguns (como foi o caso nesse diálogo na TSF, não perante os microfones, mas no intervalo, foi-me apontada a minha argumentação populista, senão trotskista (SIC)) ficam indispostos com uma interrogação certeira! Porquê o receio de se discutir a corrupção?
d) O que se espera realizar no tocante aos quantitativos gastos na campanha eleitoral? Respondem-me que os custos já desceram. Mas não nos envergonham tais gastos e desgastes, quando se trata de ir publicitar “produtos” em ordem a que os miseráveis desapareçam? Como se julgarão os traídos por gente que nos traz a salvação?! “Temos um povo que gosta de festa e de viver à base de ilusões”, ouço na televisão.
Não vai faltar carne assada para a malta da campanha, nem gasolina ou gasóleo ao longo do país fora…
e) Em muitas matérias e temas (saúde, justiça, educação…) como encontrar remédio para certo tipo de pessoas que se deleitam com dois objectivos: ter sempre do melhor; e, de preferência, tudo de graça.
As taxas moderadoras não têm sentido para quem não padece das dificuldades (as quais explicam a gratuidade de serviços de saúde para certas camadas populacionais)?
Parece que somos todos iguais quando se trata de viver à custa de certos benefícios. Que fazer neste domínio?
f) Pergunto ao futuro poder se estará disponível para estudar as propostas de cientistas sociais, cujo programa de índole internacional intitulado “Manifesto para um mundo melhor”, foi dado a conhecer no Público de 1 de Maio corrente?
g) Quando teremos uma agricultura auto-suficiente e uma política séria do mar e da classe piscatória?
h) Quando é que os partidos respondem às seis medidas que a Caritas Portuguesa, por escrito, lhes apresentou? E são fáceis… (defesa do Estado Social, rede básica de protecção social, tratamento de dados do atendimento social, desenvolvimento sociolocal, parcerias de corresponsabilidade).

Nota: Perguntaram-me qual a atitude das Forças Armadas e de Segurança quanto ao homossexualismo. A resposta na edição do “Público” de 15 de Maio pode deixar a impressão que há um estilo discriminatório. Ora o que vigora é um procedimento igual à maioria da população portuguesa, a saber: diferença no tocante à teoria e prática. Mas diferença não é discriminação. As Forças Armadas e de Segurança pensam o mesmo que todo o país.

Lisboa, 20 de Maio de 2011
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança





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13/05/11

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 13 de maio de 2011

As posições científicas, e a sua oposição no campo socioeconómico, manifestamo-nos leituras tão opostas! Se sobe o iva… deve descer, segundo outros. Se diminui a taxa única… sobem os impostos…


E convenhamos que, para uma percentagem altíssima da população, noções destas são linguagens incompreensíveis!

Não deveria haver um “explicador encartado” que desdobrasse pareceres, clarificasse conceitos e tornasse límpido o que chega, carregado de impurezas? Parece-me, com base na avaliação de muitas pessoas, por aqui ou por ali. Que não se reencontrem os descobridores de um Portugal a rejuvenescer, é um aspecto. Mas, mesmo sendo parentes de uma igual verdade, a transmissão desta sai coxa e distante. E os ouvintes entram em tédio. E começou, desde há muito, a faltar-lhes a fé…

Não se fiam. Pior. Desconfiam. Exijam a quem gosta de falar em público e ao público, perícia, arte de comunicação, saber partido aos pedaços. As pessoas acham que há tramóias… Que nem tudo é dito. Que há truques… O mais perigoso não é a divida. São as pessoas… em dívida com a verdade! Serão suposições injustas.

Mas ainda há uns longos dias para se demonstrar outra segurança e responder a dúvidas…

E no tocante a despesas na Campanha Eleitoral? Como é possível que se gaste (e desgaste…) o dinheiro de um povo, quando este deixou de o ter? Não se pode viver acima das nossas possibilidades, dizem-nos.

Mas poder-se-á aceitar as possibilidades económicas de partidos, que orquestram uma campanha com o fito de convencer a não gastar, a não gastar mal, a gastar com tino e equilíbrio?

Para onde foi o dinheiro? As incoerências conduzem ao desastre. Não é com jogos menos claros que se pode construir um jogo de verdade.

Limpar o lixo, é missão salvífica. Mas, por estes dias, leio, surpreso: “Mulheres de limpeza arrumaram as vassouras por falta de pagamento”.

E, por fim, um outro sublinhado de movimentos de massa, a surgirem: “Precisamos de uma revolução ética. Em vez de colocar o dinheiro acima dos seres humanos, devíamos voltar a colocá-lo ao nosso serviço”.

Relembro a morte de Fr. José Augusto Mourão, sacerdote dominicano, cultor exímio da linguagem quer por imensas análises criticas quer pela produção de poemas únicos, na originalidade da palavra.
A matéria desaparece. Mas as “Minhas Palavras não passarão”. Philiphe Sollers, longe e próximo do Cristianismo, “sentiu”, o Jesus Cristo, de Bento XVI, pela Força da Palavra. E da sua perenidade.

Foi este mundo cultural, com quem J. Augusto Mourão dialogou. Como tantos outros o fazem. A Igreja tem que lembrá-los no decurso da sua existência terrena. Não os deixar partir sem lhes dizer: “Obrigado, Irmão”.

Capelania-Mor, MDN, 13 de Maio de 2011


D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo Forças Forças Armadas e Forças de Segurança



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12/05/11

Fátima, Nossa Senhora e as Crianças do “sim”

Fala-se muito a, e de, grupos, empresas, comunidades, associações, etc. Menos de e a pessoas singulares, e destas só das “importantes”.Uma sociedade de massas sem rostos, sem pessoas. Nossa Senhora nas suas diversas aparições, por exemplo nas de Fátima, seguiu outro caminho. Fala a pessoas; às vezes uma só, a três, cinco, como a dizer-nos que para ela uma só pessoa têm a importância de um tesouro.

Outras presentes vêem mas não ouvem. Em Lurdes só a Bernardete; na rue du Bac, Paris, só Catarina Labouré; em La Salette, Maximino e Mélanie. Há mais exemplos de outras aparições aprovadas pela Igreja (ver internete sobre estas e outras aparições).

Quais as razões de Nossa Senhora privilegiar esta abordagem personalizada em de mensagens directamente a grupos maiores, a multidões. Dir-se-ia que Nossa Senhora deseja transmitir a mensagem de que uma só pessoa é um valor precioso, incalculável; e que uma só pessoa pode ser digna da sua confiança e de uma missão extraordinária a transmitir por ela a toda a humanidade. Deus pesca à linha mais que à rede, deseja antes de tudo o sim livre de cada pessoa, o mais importante da vida de cada uma. O meio sim e o meio não das multidões mentalmente diminuídas, nem quente nem frio, não lhe agrada. Nossa Senhora personaliza os seus destinatários e usa poucas palavras, seu Filho é a Palavra.

Outra escolha comum, de poucas excepções, é a preferência de Nossa Senhora por crianças para intermediárias das suas mensagens de paz, de conversão e de salvação. As crianças a que tantas vezes se reconhece tão pouco valor e que são agredidas e violentadas com abusos inauditos, são as suas preferidas. Porquê, podemos pensar? Por ela ser Mãe, por ela ter mais confiança nelas que nos adultos, por elas estarem mais disponíveis para aceitar o Reino de Deus, como Jesus disse? O pároco na aparição de Pontmain, Laval, França, ao verificar que só as crianças viam, concluiu: elas são mais dignas que nós e também estavam a rezar muito para a aldeia ser poupada a guerra iminente, como foi.

O mínimo que se pode dizer dos métodos de Nossa Senhora é que são muito inovadores. E, diríamos, são mesmo interpelantes ao valorizar cada pessoa e reconhecer as crianças dignas de graças e do estatuto tão importante de mensageiras do Evangelho. No decurso das aparições de Pontmain, em 17 Janeiro de 1871, um dos pais pega no filho de 4 anos ao colo para ir com ele e mais duas filhas pequeninas aonde as outras crianças de 6-12 anos, estão a dizer que vêem Nossa Senhora. Os adultos não vêem e a criança exclama: eu vejo, têm um vestido azul… estrelas no vestido! Cala-te, diz o pai, tu nem sabes o que é azul. Sei, sei, quando ao domingo vou à Missa levo um gibão com mangas azuis. Pode-se lá acreditar num menino desta idade? desabafa o pai e avisa: vá, vê mas não digas nada. Duas crianças de 2 anos também começara a balbuciar que viam e os adultos sem ver nada a não ser as descrições das crianças.

No primeiro inquérito do bispo os inquisidores não têm em conta os testemunhos das crianças mais pequenas mas só as de 7 anos para cima: os seus testemunhos não teriam valor jurídico.

Nossa Senhora deleita-se em pedir às crianças de forma simples a oração do rosário, sacrifícios pela paz e conversão. Quando elas dizem sim, como em Fátima e noutras aparições, acena-lhes com alguma vocação de consagração. Lúcia, Bernardete, Mélanie, e três videntes de Pontmain foram religiosas e sacerdotes. Outros viveram uma vida cristã comprometida na fé com a Igreja. Deixai vir a mim as criancinhas…

Funchal, Semana das vocações,12-13 de Maio de 2011

Aires Gameiro


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11/05/11

Crise económica e outras crises

Certamente que da troika não se esperavam reflexões ou orientações para além do que se refere à crise económica e financeira que lhes dizia respeito.

Porém, a crise mais conhecida e que toca mais visivelmente a todos, se, como se diz, exige restrições e medidas que permitam pagar as dívidas e, depois, um maior crescimento, investimento, concorrência, alargamento das exportações e, por aí adiante, parece urgente dizer que a crise que nos toca a todos não envolve apenas milhões de euros.

Aceitemos que a situação penosa e crítica, alargada à Europa e a outros países longínquos, teve também influência no que se passou e se passa no nosso país. Mas, ainda neste caso, quais as causas reais que nos levaram a uma tal situação? O dinheiro, só por si, não provoca crises. Quem as provoca são os homens e mulheres que mandam, segundo os princípios e valores que comandam as suas vidas e determinam as suas opções; segundo a sua visão da economia e do serviço ao bem de todos; segundo a importância que se dá às pessoas e aos seus direitos fundamentais; segundo o conceito que se tem de economia social e de Estado Social; segundo o modo como se faz o jogo democrático ou se é dono e senhor, que a ninguém tem de dar contas. Mas, também, outras instituições e dinamismos sociais, segundo a educação que promovem a um povo que se deixa aliciar pelos bancos que tudo facilitam e nada perdoam e pela publicidade aguerrida que não permite respirar e, de modo inclemente, empurra para um consumismo descontrolado e asfixiante; e segundo a consciência de que todos podem atirar o país ao charco, por acções e omissões graves… Ora, de tudo isto se verificou e verifica entre nós, com influência na crise que atinge o país, mas não foi causada do mesmo modo por todos.

A vida em sociedade não se compadece com egoísmos de qualquer ordem, não se ordena à base da batuta de um qualquer génio ou que julga sê-lo, não progride sem o respeito por todos e o legítimo aproveitamento dos mais diversos contributos, tanto dos cidadãos individuais, como das instituições da sociedade civil. As ditaduras, claras ou disfarçadas, faliram e, se teimam em ressuscitar, a sua vida será sempre efémera O socialismo democrático, que jurou tornar o estado providência em verdadeiro estado social, com projectos incomportáveis, entrou em derrapagem na Europa e já sofre de convulsões de morte. As pessoas normais, sábias, sensatas, com um esclarecido sentido de responsabilidade e de cidadania, são, como sempre foram, determinantes na ordenação, desenvolvimento e reconciliação das sociedades.

De há muito, por todo o lado, a pretexto de progresso cultural, as pessoas sacudiram valores e normas morais e éticas. Deus e os deuses tornaram-se incómodos, as referências comportamentais desnecessárias. A insegurança pessoal e social instalou-se por todo o lado, os ídolos ocos multiplicaram-se, abafaram-se os medos para dar lugar e emoldurar mitos e preconceitos. A sociedade foi perdendo a coesão e as pessoas, o sentido da vida e da solidariedade diária, bem como os horizontes estimulantes para agirem de modo responsável e solidário. Soluções imediatas, interesses pessoais e ideológicos, êxito sem esforço, agir irresponsável, individualismo doentio, valores económicos e dinheiro, acima de tudo e de todos, fobia de inimigos a cada canto, tudo tem a ver com a crise, as suas causas e a capacidade de a superar. Uma sociedade sem cultura e sem moral e com dirigentes do mesmo tom, entra em crise e instala-se na crise, gerando novas crises. Onde as pessoas não contam como pessoas, tudo o resto conta a mais e vale a menos.

O problema da sociedade actual, como tanto se tem dito, não é apenas económico: é cultural, moral e ético. Aqui se devem procurar as causas e apreciar os efeitos à vista. A comunidade humana sem dimensão religiosa e sem respeitar e promover a família, célula fundamental de uma sociedade forte e consistente, torna-se irrespirável e perigosa. A troika pôde verificar as falhas e incoerências da administração com influência na crise financeira do país. Não lhe faltaram dados para um juízo crítico sobre nós e as nossas capacidades. Mas ela não é uma instância de reflexão moral, nem um grupo de bons conselheiros. O seu horizonte imediato era de dinheiro mal gasto, de despesas desnecessárias, de gastos em coisas secundárias e proteccionismos, de visão errada sobre crescimento e progresso, de falta de clareza nas prioridades sociais… Não veio fazer caridade. Por isso, deu orientações exigentes que são ordens a respeitar. Também aqui, onde está o dinheiro, está o poder de exigir.

Aos responsáveis de toda a ordem, cabe uma tarefa que vai para além da crise e das crises, e que implica a promoção de uma educação de valores, objectiva, alargada e consequente. O povo não lhes desculpará as omissões, nem a fuga para desvios sem horizontes de bem comum, nem os silêncios comprometedores, nem muito menos o fixarem-se em si, virando-lhe costas, por desprezo ou desrespeito.

D. António Marcelino



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10/05/11

João Paulo II e Osama bin Laden. Sob o espectro paradoxal de duas culturas

Por estes dias – e com breves horas de distanciamento – duas figuras andaram na ribalta da comunicação social: o Papa João Paulo II, que foi beatificado, em Roma, enquanto, Osama bin Laden era – segundo notícias demasiado espectaculares! – morto, no Paquistão. Duas personagens tão diferentes, mas tão marcantes segundo as suas culturas e até pelas incidências que deixaram à sua volta... com repercussão nesta transição de milénios.

Sem qualquer juízo de valor moral sobre o segundo, temos – claramente – maior afinidade e simpatia espiritual para com o primeiro. No entanto, reconhecemos que ambos tiveram – e depois dos mais recentes acontecimentos – continuarão a ter novo impacto, cada um na sua expressão, cultural e talvez civilizacional.
Recordando, neste contexto, uma frase de Santo Agostinho, poderemos interpretar melhor um e outro: ‘em cada um de nós coexistem o maior santo e o pior criminoso... tudo depende do ambiente em que se desenvolverem’!

= Culturas em confronto?
João Paulo II e Osama bin Laden como que representam duas culturas e mesmo visões do mundo e até da expressão religiosa. Embora ambos fossem teístas – isto é, crentes em Deus – cada qual tinha e exprimia a sua relação com Ele e à sua volta com os ‘seus’ crentes de forma muito diferente um do outro. Sem extremismos nem fundamentalismos: o Deus de JPII era díspare do de bin Laden – talvez um seja mais de perdão e o outro mais de vingança; talvez um seja mais de opção pessoal e o do outro de massas em conquista... mas sem quaisquer guerras de religião ou de credos, como certas forças agnósticas e (pretensamente) laicas quiseram dar a entender noutras situações.
De facto, a cultura cristã e a cultura muçulmana têm em João Paulo II e em Osama bin Laden dois arautos bem categorizados no dealbar do terceiro milénio, pois de um e de outro podemos colher lições que hão-de perpetuar-se por longos anos – se bem que a fugacidade noticiosa tenha engolido ambos os acontecimentos – com a crise sócio-financeira portuguesa e as batalhas futebolísticas lusas e europeias... No entanto, não poderemos deixar submergir pela superficialidade daquilo que aconteceu nos primeiros dias deste mês de Maio. Cada uma destas figuras em apreço tem ramificações profundas nas suas culturas, pois a globalização do bemfazer pode ser ofuscada pelos efeitos do malfazer.
Há, apesar de tudo, breves questões que nos surgiram por ocasião das ‘celebrações’ a que temos estado a reportar-nos:
- Aquelas manifestações de júbilo pela morte de bin Laden não tentam ofuscar problemas mal resolvidos com a violência e o terrorismo?
- Aquelas manifestações de alegria pela morte de um terrorista não criarão mais violência e agressividade em volta de quem não respeita a vida... alheia?
- Até onde poderá ir o razoável de contestar os actos, sabendo respeitar as pessoas, mesmo daquelas que nos ofendem?
- Não estaremos com tais festas necrófilas a vulgarizar a morte, sobretudo violenta e dos inimigos, embora façamos dela um mito e a tentemos esconder do nosso trato quotidiano?
- Não estaremos a contribuir, com tais manifestações anti-terroristas, para que o mundo fique mais agressivo e sujeito à onda de mais violência?

Porque o meu código é o do perdão fiquei muito triste com ver tanto júbilo, quando tudo parece não ser mais do que show de circunstância!
Que por intercessão do beato João Paulo II não se faça mais recurso à violência nem ao terrorismo... físico, verbal ou moral. Esta seria a melhor graça que ele do Céu poderia derramar sobre a Terra!

A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)


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05/05/11

Verdade e mentira na boca dos políticos e no ouvido dos cidadãos

Ouvimos nos últimos dias, vindos de pessoas respeitáveis, recomendações e pedidos, endereçados aos políticos para que sejam transparentes e verdadeiros, não prometam o que não podem cumprir, informem os cidadãos sobre tudo quanto eles têm direito de saber, respeitem-se uns aos outros, pensem mais no país que nos interesses partidários.

Vai-se dizendo por aí, em alguns casos até o atribuem a políticos europeus famosos, que “a verdade não ganha votos” e que um “político que não minta nunca será bom político”. Ao mesmo tempo vai-se verificando, também, que muitos cidadãos se desinteressam da política ou a vêem só nos aspectos negativos, não se preocupam demasiado com a perda de identidade da nação, os valores vilipendiados e, nem sequer, com os objectivos do bem comum e da reconstrução da sociedade, à base da justiça, da verdade e do respeito mútuo. Por outro lado, dominam os bairrismos e os interesses locais de quem quer deixar o nome numa rua ou na praça da terra, e segue-se, acriticamente, quem mais promete satisfazer estes gostos e preocupações.
Ouvindo os discursos e entrevistas e, a seguir, os comentários de quem também ouviu, fica-se perplexo sobre as reacções provocadas. No congresso do PS, ouvi atentamente o discurso do secretário-geral, que também é primeiro-ministro, e, ao mesmo tempo, as reacções dos seus camaradas. Dei por mim a perguntar se naquele partido e congresso já não havia pessoas inteligentes e sensatas, tal era o seguidismo cego, os gritos e os aplausos bem comandados. Sei bem que tudo aquilo estava encenado ao pormenor. Isso é que me preocupou, porque o bem do país não é, nem será nunca, o resultado automático de um espectáculo bem encenado de um partido político.
As opiniões de muita gente deste país, séria, comprometida, responsável e que pensa pela sua cabeça, a partir de princípios válidos e de facto conhecidos, mesmo apelando à esperança, não podem ser positivas, nem alheias com o rumo que o país está levando, com as manobras enganadoras de alguns e com a apatia com que muitos assistem a tudo isto. Nem todo o país está alienado e disposto a deixar-se enganar por palavras bonitas e aliciantes, ou por discursos de gente que só é heróica e vitoriosa.
Os próprios políticos partidários, mesmo os que proclamam a sua angélica inocência ante as desgraças à vista de toda a gente, não podem estar tranquilos e fazer dos adversários bodes expiatórios dos males, já em campo e a caminho. É talvez o escândalo mais preocupante, vindo do mundo partidário que aí temos, a coragem e a desfaçatez de dizer, com serenidade ou com raiva, que “o inferno são os outros”.
Certamente que o problema não é a troika que aí está a preparar-se para dar a sua sentença dolorosa, mas sim a razão porque ela está aí. E, também, não é, toda a gente o sabe, porque, de modo concertado, não se deixou passar o PEC. Nunca a última coisa que acontece é a causa da desgraça visível. A seriedade tanto se exige para reconhecer os êxitos, como para assumir os erros. Os malabarismos são dos circos, não podem ser atitudes da vida real de gente responsável.
Verdade, transparência, respeito mútuo, responsabilidade? Está à porta a campanha eleitoral para que se possa ver quem ainda entende o sentido destas palavras e, também, para que se possa ver quem, no momento da votação, optou pelo seguidismo do chefe ou pela reflexão e decisão pessoal, serena e livre.

D. António Marcelino


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03/05/11

A dívida soberana...

Ouvindo toda a gente falar de “dívida soberana”, e não percebendo muito bem a razão do adjectivo no contexto em causa, dirigi-me ao dicionário do grande Pedro Machado, e, selecionando o que me pareceu mais ajustado, li: decisivo; supremo; que atinge o mais alto grau.

Sendo assim, o adjectivo liga com a dívida do país que nem o vermelho com o fogo e o inferno. De facto, pelo que dizem, o débito do país atingiu o seu “mais alto grau” de sempre e tornou-se “supremo” na quantidade e “decisivo” para a nossa própria sobrevivência nacional.

A propósito desta dívida, e ouvindo os que vêm administrando o país desculpar-se com a crise internacional, mesmo que me esforce por isso, não consigo aceitar tal desculpa. Há países na Europa, mais pequenos e mais pobres do que nós, com as contas estabilizadas, e a viver “sem vergonha do mundo”! Infelizmente, não é esse o nosso caso: para além de há muito andarmos de mão estendida a pedir a estranhos que nos acudam, a pagar juros altíssimos a credores que nos exploram despudoradamente por não acreditarem em nós, a ajoelhar-nos diante de “tróikas” que nos entram em casa a correr todos os cantos a ver se nos “metem na ordem”, estamos a hipotecar o futuro das novas gerações: se não arrepiarmos caminho, por mais que poupem e trabalhem, os nossos filhos e netos mal vão conseguir pagar os juros quanto mais a dívida “soberana” que nós lhes arranjamos.

Para mim, a causa da crise e da dívida encontra-se sobretudo na irresponsabilidade, no oportunismo e no facilitismo costumeiro de grande parte dos portugueses, nos escandalosos vencimentos e mordomias incomportáveis de políticos, administradores e funcionários públicos, nas obras sumptuárias que não podíamos fazer mas de que sempre gostamos para deixarmos a nossa marca, e, sobretudo, no desgoverno do país e da nação por parte daqueles que aceitaram e pediram o encargo de o governar e administrar.

Membros da Comunidade Europeia e enfeitiçados com os euros, fáceis e abundantes, imaginámo-nos no paraíso terreal e passamos a viver “à grande e à francesa”: gastando muito, trabalhando pouco, esperando e exigindo que o Estado nos dê tudo, e não poupando nada. E quem nos tem governado nos últimos tempos…ou andou de olhos fechados e não viu a tempo e horas o plano inclinado em que descíamos perigosamente, ou não teve coragem de tomar as decisões de contenção que se exigiam e esperavam, na hora certa. Eles são os grandes responsáveis pelo que nos está agora a acontecer. Era bom que não se deitassem de fora. O eleitoralismo, as clientelas políticas e as ambições do poder - um mal infelizmente necessário em democracia - talvez possam explicar-nos muitas coisas!...

Indo ao baú da minha memória, pergunto-me: “onde é que eu já vi isto”?
Sim, já me recordo: não vi, mas li. A democracia regressou ao país em 1974 e a história repetiu-se. Não foi assim na I República? Enquanto os partidos políticos se entretinham com as suas querelas, discutindo e esbanjando, o povo vivia na pobreza e na miséria. A juntar a tudo, a peste, a fome, a guerra, a bancarrota e o descrédito internacional.

Não foi nesse transe que Nossa Senhora desceu a Fátima?
Não foi ela que, através dos pastorinhos, disse que rezássemos o terço todos os dias para alcançarmos a paz e o pão, e para acabar a guerra, a peste e a miséria?
Alguém me disse que “dívida soberana” significava “dívida nacional”. Sim, mas que soberania é a de um país que deve o que tem e o que não tem, que consome o que não produz, e se ajoelha diante dos outros à espera de uma esmola ou de um empréstimo?
Esta dívida soberana e esta crise nacional só podem encontrar remédio em outras soberanias que faltam há muito neste nosso país tão rico de sol, de mar e de poemas. A democracia e a liberdade são valores muito belos e muito agradáveis, mas não chegam. O que nos faz mesmo falta é uma educação soberana, uma justiça soberana, uma responsabilidade soberana, uma soberana vontade de trabalhar…e sobretudo uma Soberana e Confiante Fé em Deus.
Estamos no Mês de Maria.
Um grupo de jovens do país lançou agora a campanha de “um milhão de terços diários” para salvar a Nação.
Já que os que haviam de rezar também, não rezam…porque não sabem, porque não querem, porque não precisam ou porque têm vergonha… rezemos ao menos nós!

Resende, 30 de Abril /011

CORREIA DUARTE




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