Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

27/11/09

Páginas de um diário

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 27 de Novembro de 2009

1. Bem sei que os nervos me aturdiam a cabeça e as palavras, sem escolha, eram setas a flagelar o outro. Lembro-me de chamar à atenção para o facto de um mediador de uma crise é sempre um mergulhador, a quem podem retirar o oxigénio… ou como alguém a atravessar a rua, sob a iminência de ser derrubado pelo primeiro veículo.
Não admira a humilhação a que fui sujeito. Acossado, ferido, incompreendido, só porque saí à rua para tentar as pazes entre um homem e uma mulher. E “nisto” de reconciliação, descobri uma característica bizarra: ao fim do conciliábulo (tentativa subtil e respeitadora, por palavras, em ordem a que um amor desarvorado em ressentimento e até ódio, voltasse ao estádio primeiro) rebentou a tempestade costumeira… Quem se faz caminheiro de desventuras, tem de apanhar na cara um pedaço dessas discórdias para aprender com a experiência. E acrescento mais uma característica, a entrar no álbum… da possível “canonização” minha: as famílias dos dois lados, esquecendo agravos e humilhações entre aquela mulher e aquele homem, voltaram-se contra quem ousou entrar nesse santuário profanado, acusando-o de tomar a sério os folguedos de duas crianças adultas…
Afinal, eu fui o único a sentar-me no banco dos réus. “Bem feita”. A paz dependia deles… e não de mim.

2. Não entendo nada do que clamam para aí a respeito da justiça. Sinto-me escandalizado, por minha inexperiência. Se um julgador não sabe do ofício ou tem medo de o exercer, como alimentou a esperança de que haja uma solução para o frenesim?
Como é possível o desacerto entre oficiais do mesmo tema e orquestrações públicas de desconfiança?
Ninguém se entende… ou alguns já se mostraram opostos ao entendimento de outros. É natural a diversidade de opiniões. Já não o é a hostilidade (e a recriminação).
No seu tempo, os representantes de instituições tão sólidas garantiam, pelo seu exemplo, a tranquilidade desejada.
Bem razão tinha o Senhor Dr. Gaspar, recordando a sua Faculdade de Direito e de Teologia, da velha Coimbra, quando à mesa, comentando diferendos da época, algum de nós propunha: “Haja quem nos governe”. E lá vinha o comentário, em resposta: “Mas bem”…
E “isto” de leis pode ser alterado com a facilidade da mudança de roupa, consoante a estação? E se nos calha um dia, o causídico que definia, nestes termos, a sua função: a mim não me compete defender a lei. Ao contrário. Procedo sempre em ordem a que a lei seja adaptada para garantir o descanso ao meu constituinte (SIC)”. E esta!

3. O Arcebispo de Dublin exprimiu, na televisão, a sua vergonha diante do acontecimento de sacerdotes abusadores sexuais de crianças, pelo atentado a essas crianças, ao sacerdócio e a Deus. Em todas as matérias da vida, não são consentidas ambiguidades ou meias palavras. Há sempre justificações para o crime. Repudiar este, sem nunca nos excluirmos da responsabilidade, é um acontecimento de rara limpidez moral. Nunca as vítimas podem ser abandonadas!

4. Ao reler “No presbitério e no templo”, vol I, Lallemant Frères, Imprensa, Lisboa, 1884, do célebre Padre Senna Freitas, sublinho a apreciação de Camilo Castelo Branco. “O snr. Senna Freitas nobilita o clero português e honra as letras pátrias. Se não fosse a palavra religião, quem explicaria tão obscura vida em tão alumiado espírito?”
Esse “alumiado espírito” de tantas “obscuras vidas” esteve presente, a grande altura, na “Semana Social” em Aveiro, da responsabilidade da Conferência Episcopal Portuguesa. Remodelar a sociedade, ousando respostas para desmandos e tristezas (de desempregados e excluídos) é um encargo de primeira linha. Mas, em Aveiro, muita gente faltou.

Lisboa, 27 de Novembro de 2009

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
http://castrense.ecclesia.pt



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26/11/09

As pessoas são sagradas... sempre

Por vezes, nalguma comunicação social e nas conversas informais ou intencionais, surgem questões sobre a ajuda às pessoas mais necessitadas, seja através do rendimento de inserção social (antigo ‘rendimento mínimo’), seja pela distribuição de ‘cabazes’ – vem aí o Natal e tornam-se rituais! – a famílias ou pessoas com (declaradas) necessidades económicas.

Nalgumas situações também a Igreja católica entra ou tem entrado – consciente ou compulsivamente – neste frenesim de estar na acção social – há quem lhe chame pomposamente de acção sócio/caritativa – de ajudar quem mais precisa ou se declara precisado/a: para uns poderá parecer moda, para outros ‘torna-se necessidade’ de fazer coisas e para outros tantos – talvez demasiados poucos – uma exigência da sua fé e do compromisso evangélico... simples e activo.

No entanto, será sempre importante reflectir sobre a razão mais profunda de ser do cuidado de assistência da Igreja católica àqueles que dela se abeiram para que, um simples gesto de ajuda, não reverta em mero acto solidário e não em atitude de autêntica caridade.

De facto, não podemos confundir nem sermos (minimamente) confundidos: solidariedade é muito diferente de caridade. Como humanos, fomos obrigados a seremos solidários, dada a nossa configuração com os demais, enquanto a caridade – essa que dá sem esperar nada em troca nem sequer o agradecimento – só é possível pela descoberta que eu – no sentido pessoal exigente de conversão – vivo em que aquele/a com quem partilho faço por nele/a ter descoberto que é meu irmão/ã em Cristo, e, por isso, com direitos mais do que reivindicações, na medida em que eu partilho com ele/a e não lhe dou do que me sobra... nem para que ele/a me agradeça.

- Será que as instituições de caridade da Igreja católica – as Misericórdias, os grupos sócio/caritativos... ou com outra denominação em base cristã – não vivem mais a feição solidária do que a composição caritativa?

- Será justo e recto fichar – isto é pôr em fichas – as pessoas na segurança social só para termos qualquer coisa, por eles fornecido, para darmos, sobretudo, quando nos procuram?
- Até onde poderá ir a força de partilha das nossas paróquias para que dignifiquemos as pessoas que querem ajuda sem termos de dar a sua vida a conhecer a certos abutres sociais?

- Teremos, de facto, hoje, a sensibilidade para prosseguirmos a máxima do Padre Américo (do Gaiato): ‘cada paróquia deve cuidar dos seus pobres’?
- A ‘pobreza envergonhada’ como é, efectivamente, entendida, interpretada e cuidada, a começar pelos nossos vizinhos e familiares?
Perante estas perguntas/preocupações, ousamos propor:
* Que os diferentes intervenientes nas acções de ajuda aos outros – sobretudo em aspectos de índole católica – sejam pessoas mais dignas na arte de escutar e menos na de falar, sensatas na observação e correctas na sugestão de soluções.

* Que os promotores de acções de caridade tenham uma espiritualidade de compaixão mais do que uma (certa) mentalidade de auto-promoção ‘explorando’ as necessidades dos outros.

* Que os executores de acções sócio/caritativas possam usufruir do agradecimento fraterno de quem recebe mais do que das compulsões reivindicativas azedas dos agraciados com o pouco, o suficiente ou o bastante de quem dá.
Porque acreditamos que as pessoas são sagradas, deixemos, neste Natal, cair a pretensa máscara da solidariedade (mais ou menos oportunista) e criemos condições para que a caridade de Jesus – Menino feito Deus – se derrame em nossos corações com sinceridade e comunhão... para os outros!

A. Sílvio Couto


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A Acção Católica Rural (ACR) nos 75 anos da Acção Católica Portuguesa

A ACR participou intensa e entusiasticamente nas comemorações realizadas no Porto, nos passados dias 7 e 8.

Tendo assumido a iniciativa desde o início, o Movimento mobilizou-se, como um todo, para a participação comemorativa. Assim, na jornada de estudo, realizada no Sábado, dia 7, estiveram presentes 40 delegados das 14 dioceses onde o Movimento está implantado, incluindo a do Funchal.

Na Assembleia de Domingo foram mais de 250 os militantes e dirigentes que marcaram vincada presença nas celebrações sendo de relevar, ainda, o trabalho que os 20 animadores realizaram com as 80 crianças e adolescentes.
Coube, também, ao numeroso grupo de jovens da ACR, a animação dos trabalhos e da Eucaristia de encerramento.

Mereceu particular destaque, pelo seu conteúdo, a comunicação da Presidente Nacional, Ângela Almeida, na abertura dos trabalhos de Domingo, do seguinte teor:
“A decisão da ACR, de propor aos outros Movimentos, a comemoração dos 75 anos da instituição da Acção Católica em Portugal foi tomada no plenário do nosso Conselho Nacional, realizado em Julho de 2008, tendo sido suscitada por numerosos apelos de dirigentes, antigos e actuais e de Padres e Bispos com quem dialogámos.
No Seminário realizado pelo nosso Movimento em Novembro do ano passado, foi este tema amplamente debatido, no seguimento da intervenção aí efectuada pelo Senhor Bispo de Viseu, D. Ilídio Leandro.

Depois seguiram-se as diversas reuniões no âmbito do fórum dos Movimentos, ao longo dos meses passados, culminando com estas Jornadas comemorativas.

Gostaríamos que se tivesse ido mais longe, sobretudo na preparação destas Jornadas, dando voz e vez àqueles que são a verdadeira essência do trabalho realizado pela Acção Católica – os militantes de base, que no quotidiano, são a presença viva e actuante de Cristo e da Igreja no Mundo, ao serviço dos homens seus irmãos, sobretudo dos mais desfavorecidos, que sofrem as incidências de uma sociedade progressivamente mais desumanizada.

Sabemos que o Mundo mudou, e continua a mudar, cada vez mais depressa, e que as pessoas que nele vivem, protagonistas e sujeitos activos e passivos das transformações, também evoluem com as condições sociais, económicas, culturais e religiosas que as envolvem. Mas, quando se afirma que a Acção Católica está esgotada e ultrapassada, tem-se presente, apenas e só, o modelo de organização que a caracterizou, qual fato de vestir confeccionado no século passado e que já não se ajusta ao modelo.

Todavia, o essencial da Acção Católica permanece actual, exactamente por ser o cerne da Evangelização dos Meios, Ambientes e Pessoas, sem nunca se desadequar, porque tem a ver com princípios e valores fundamentais: formação sólida dos militantes (evangélica, cultural e cívica), leitura dos acontecimentos da vida e reflexão à luz dos critérios evangélicos, acção esclarecida e solidária nos acontecimentos e na história, iluminada pela Fé e pela força da Caridade.

A acção evangelizadora e transformadora dos militantes e dos grupos, enformada pela pedagogia dinamizadora da Revisão de Vida, visa exactamente a mudança qualitativa das pessoas, das estruturas e dos meios.

Como se poderá dizer desta forma de ser Igreja que ela caiu em desuso e morreu com o tempo?

A não ser que se ache que este trabalho é demasiado exigente e incómodo, porque desinstala e questiona uma Igreja que se acomoda aos novos padrões de vida, que uma sociedade, sem ética e sem valores, pretende impor.

É necessário, isso sim, como em toda a Igreja, reformular a organização e as formas de actuação, que são a roupagem acessória dos Movimentos.
Contudo, diremos com o Papa Paulo VI, que a Acção Católica não foi ultrapassada, não é substituível, não está esgotada".

Estas jornadas têm de demonstrá-lo! “ (fim de citação)

A ACR desafia as Dioceses onde está implantada a promover, também elas, jornadas comemorativas dos 75 anos da Acção Católica, com o propósito de celebrar o passado e o presente, mas sobretudo de relançar o futuro.

Equipa Nacional


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24/11/09

O pé no chão e o coração na vida

“O mundo moderno é o nosso mundo. Porque é nosso e porque tem muito de bom e o queremos ainda melhor, devemos amá-lo, olhá-lo com simpatia, alegrar-nos com os seus bens e valores, purificá-lo dos seus erros e males. Não basta um conhecimento superficial. É preciso estudá-lo por dentro, aprofundar os seus problemas, descobrir pistas de solução, ganhar forças para as percorrer.”

Estas palavras dos bispos portugueses, foram proferidas em 1991, por ocasião do Ano da Doutrina Social da Igreja, numa mensagem ao Povo de Deus. Recordo-as agora ao terem-se celebrado, há poucos dias, os 75 anos da Acção Católica, e por estarmos em vésperas da VI Semana Social nacional, a realizar em Aveiro, sobre a “Construção do Bem Comum”, uma responsabilidade que diz respeito a todos nós.

Um e outro acontecimento lembram o dever diário de olhar o mundo com olhos de amor e de redenção, esse mundo em que muitos milhares de leigos cristãos investiram e continuam a investir o seu tempo e energias, traduzindo, desse modo, o seu compromisso de fé, a sua solidariedade fraterna e o seu dever social.

É preocupante o facto de se ver muita gente ficar em pânico ao olhar os males que existem e se alastram, deixando de prestar atenção e manifestar gratidão por tantas coisas boas e pelo empenhamento de quantos assumem, de modo consciente, a sua vocação de dupla cidadania, na Igreja e no mundo. Um cristão nunca pode ser um pessimista, um vencido, tal como o não pode ser qualquer cidadão consciente.

É verdade que a sociedade está minada pela mentira, a corrupção, as riquezas dúbias, as infidelidades de toda a ordem, o menosprezo lamentável por valores fundamentais, como a vida e a família. É verdade que, na grande política, o bem comum foi abafado pelos interesses individuais e de grupos. É verdade que existe uma crise de modelos e de referências morais e muita gente parece ter perdido o norte e o sentido da vida. É verdade que valores sociais, assim ditos, se traduzem, hoje, por coisas que nada valem ou são veneno corrosivo. É verdade que não faltam meios públicos para suportar campanhas destrutivas e suspeitas, mas são cada vez mais escassos os meios necessários para investir em favor dos que mais precisam e apoiar causas que promovem o bem e a verdade.

Porém, quer olhar apenas as desgraças que aí abundam, ficará, inevitavelmente, acorrentado ao medo que deprime e ao pessimismo de que nada vale a pena, porque já tudo está perdido. Assim, se fica tolhido para enfrentar, com lucidez, os problemas graves que afectam o país e incapaz de neles poder intervir validamente. O mais lúcido diagnóstico das desgraças, por si não as soluciona nem as cura.

A história mostra que existem, na sociedade, energias pessoais e naturais, mais numerosas e vivas do que se pode imaginar. É preciso descobri-las, reconhecê-las, potenciá-las, uni-las, integrá-las e organizá-las. Ora esta não é obra de pessoas azedas, medrosas e, antecipadamente, vencidas.

Há muita gente séria e honesta neste país que não se pode isolar, nem acomodar. A urgência de uma mobilização, pacífica e operante, impõe-se cada vez mais. O povo sensato e trabalhador tem sido anestesiado e baralhado pelo malabarismo de alguns políticos pouco sérios. Haja quem o acorde, o faça pensar, o confronte com a realidade, a mentira e as promessas vãs, o convoque e lhe dê consciência dos seus direitos, deveres e capacidades. Graves omissões comete quem o pode fazer e não o faz.

Amar o mundo concreto das pessoas para poder reconhecer e pôr em relevo os seus valores e o purificar dos seus erros e males, é uma atitude pessoal e uma operação alargada, que não se podem descurar. Assim, se terá o pé no chão e o coração na vida.

António Marcelino


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Eles querem receber. Queremos nós dar?

1. O conceito é importante quando retrata a vida. Mas torna-se perturbador quando se sobrepõe à vida, quando condiciona a vida. Em tal caso, o conceito degenera em preconceito.
Preconceito é um conceito formado por antecipação. Nem sempre ver antes é ver melhor. Só se vê o que acontece. Caso contrário, estamo-nos a ver a nós e a não ver a realidade.
Trata-se, por isso, de um problema que urge encarar e importa vencer. Quantas injustiças à conta do preconceito! Quantos projectos abortados por causa do preconceito!

2. Há, na Igreja, quem desvalorize o património doutrinal, espiritual e canónico, olhando com assolapado desdém para quem o difunde e defende.
É com pesar que se verifica que quem se mostra afeiçoado à doutrina e à espiritualidade acaba por ser marginalizado dentro da própria Igreja.
Outrora, quem tinha problemas era quem contestava o Papa. Hoje em dia, quem enfrenta dificuldades é quem, modestamente, procura seguir o Papa.
Scott Hahn assinala que, sendo o único protestante a frequentar uma universidade católica, era também o único estudante a defender o Papa João Paulo II!
«De repente — confessa —, dei comigo a explicar a sacerdotes como certas crenças católicas tinham o seu fundamento na Bíblia».
Enfim, um protestante mostra a padres católicos a verdade do Catolicismo…que os próprios padres aparentavam não aceitar!

3. De facto e como nota Ruiz de la Peña, este movimento de afastamento da doutrina não é encimado por fiéis leigos. Ele «é encabeçado por clérigos e teólogos, ou seja, por pessoas que surgem diante dos crentes revestidas de uma certa relevância institucional».
Resultado: «A Igreja é a única entidade no mundo que se dá ao luxo de incluir membros cuja principal função parece ser desacreditá-la».
Seria uma situação cómica esta, se não fosse calamitosa. «Nenhuma organização civil admitiria este estado de coisas porque tal equivaleria a uma espécie de suicídio premeditado».
Tudo isto acaba por certificar, a contrario, a «inesgotável vitalidade» da própria Igreja, mas convirá não abusar. Uma «proliferação da dissidência bloqueará os esforços dos melhores e exercerá um efeito paralisante sobre as bases eclesiais».

4. Há sobretudo dois preconceitos que assomam à superfície com acidulada nitidez: o preconceito quanto à doutrina e o preconceito quanto à oração.
Às vezes, basta pronunciar uma destas palavras para irromper uma chuva de impropérios e doestos de toda a espécie.
Questiona-se a doutrina por não ter lógica e deprecia-se a oração por não aparentar interesse.
O que a razão não compreende põe-se de lado como se, na fé, a razão fosse a base da existência e não um instrumento de explicação.
A Santíssima Trindade ou a ressurreição dos mortos não têm alicerce na razão. Se tivessem, não seria preciso haver a fé.
A fé não nasce da razão, o que não quer dizer que seja excluída pela razão. Já dizia Blaise Pascal que «é um acto de razão reconhecer que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam».

5. A fé tem de ser alimentada. O alimento da fé é a oração. Todo o crente tem de ser um orante.
Leonardo Boff, que é consabidamente um defensor da opção preferencial pelos pobres, sustenta que «a oração é a alma e a respiração de toda a religião».
Aliás, uma das grandes formas de pobreza, hoje, é a pobreza espiritual. Nem os pastores da Igreja estão imunes a ela.
Daí que o Padre Mário de Oliveira vá ao ponto de proclamar: «Mais do que de pão, mais do que de emprego, mais do que de saúde, precisamos de espiritualidade».
Já Eça de Queiroz se apercebia de que, «até nos templos, a religião entrara em descrédito». E o povo? «O povo, esse, reza, que é a única coisa que faz além de pagar».
Pode ser uma farpa injusta (porque demasiado generalista), mas não deixa de ser um alerta acutilante. Não é a oração que afasta os pastores do rebanho. O que afasta é a ausência de mensagem e a superficialidade do testemunho.
Porquê não dar o que os outros até querem receber?

João António Pinheiro Teixeira
padre


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20/11/09

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 20 de Novembro de 2009

Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja

O Presidente Obama, na visita à China, demonstrou, sem a mínima “habilidade” (habilidade significa a atitude de ficar bem com todos, fugindo à verdade), o comportamento de carácter, própria de um verdadeiro servidor do povo.
Lembram-se de Baladur, responsável francês? E há cerca de 16 anos, quem lá esteve, ido de Portugal? Querem ler, sem contradição, os vários jornais da época?
Desde esse período recuado, insistiu-se, perante o pasmo geral, ao pronunciamento de que a visão chinesa dos direitos humanos tinha jus a uma perspectiva própria e singular (a pena de morte era um assassinato a frio no Ocidente; no mundo asiático, uma higienização essencial; no mundo ocidental, a liberdade de expressão representava uma tomada de participação, apesar de alguns ou muitos erros cometidos; mas, a oriente, a denúncia pública de erros e atrocidades ganhava o sentido da demolição do Estado e da sociedade; e, nada mais salientamos, para que o à vontade do discurso de Obama tenha o mérito de demonstrar como políticos de uma civilização ocidental são (foram) timoratos… em nome da isenção democrática.

Ora o Presidente Obama, sem complexos, afirmou a universalidade dos direitos do ser humano, referindo a igualdade dos mesmos, seja nos Estados-Unidos… seja na China!
E desceu ao concreto: iguais, em qualquer geografia, deveriam ser os direitos da expressão livre de pensar (oh! Praça de Tianamen!); a tomada de posição ao serviço do bem comum da sociedade (como será possível tal, se só o Estado é “banco” da verdade?); a liberdade para minorias étnicas e religiosas (deixá-las à vontade, às ditas minorias é abrir caminho ao “passear” da reacção e das tradições repressivas, conforme se pensa…)

Pergunto-me, com o à vontade reclamado por um cidadão comum, por que motivos tais “juízos de valor” foram escamoteados, calados e calcados, como o eram, da forma mais feroz, pela cobardia de regimes de forças, opressores e sem o mínimo respeito?
Houve quem tivesse falado no interior da Igreja Católica, declarando que não poderia registar-se a mínima ambiguidade em tais domínios.

Houve responsáveis políticos que fizeram silêncio perante regimes opressivos, ao permitirem, pela afirmativa, que os embargos da primeva Comunidade Europeia fossem suavizados ou suprimidos no respeitante à China…

E, passados tantos anos, o Presidente Obama vem mostrar onde reside o poderio de uma nação. Não é na força da violência ou do armamento. É na liberdade e na transmissão oral, sem qualquer “vergonha”, do que há de mais primário na dignidade de um ser humano. Houve sempre qualquer coisa de podre! Mas não foi apenas no “reino da Dinamarca”…

Lisboa, 20 de Novembro de 2009

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança

http://castrense.ecclesia.pt


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19/11/09

Dívidas e prioridades nas compras... em vésperas do Natal

Perto de três milhões de portugueses têm sérias dificuldades em pagarem as suas despesas normais. «São quase 850 mil casas, com famílias tipicamente numerosas, que estão severamente atingidos pela crise, reduzindo os seus gastos em produtos de grande consumo em 3,1%» – refere um estudo de uma empresa de comunicação ligada às questões de economia. Os sectores mais atingidos nos cortes nas despesas foram a alimentação e os produtos de limpeza para a habitação. Nota-se ainda uma ligeira mutação nos hábitos de compras, pois os inquiridos disseram que vão menos vezes às compras, mas compram em maior quantidade, sendo os preferidos a comida pronta, os congelados e as sobremesas... evitando gastos em restauração.

Outros dados recolhidos pela mesma empresa referem ainda que, nos primeiros nove meses deste ano, os portugueses preferiram comprar roupa – aproveitando sobretudo as promoções e os saldos – em detrimento de artigos para a alimentação.

Se estas notícias acrescentarmos que o índice de desemprego está em 9,8%, com mais de meio milhão de atingidos (547 mil), estamos a viver uma época difícil que nem os festejos natalícios irão encobrir as mazelas mais fétidas da nossa sociedade... De facto, teremos de ter alguma contenção para não corrermos o perigo de ofendermos quem está a passar maiores dificuldades e para sermos dignos da confiança depositada pelos outros... em nós, cristãos.

* Noção dos riscos... avaliação das possibilidades
Numa época em que se tenta exaltar a ambição – económica ou social, profissional ou nacional, pessoal ou de grupo – temos de saber discernir os riscos, as possibilidades e as deficiências... dos nossos anseios e projectos.
- Quantas vezes pessoas e famílias se deixam seduzir por empréstimos ‘fáceis’ e depois têm dificuldade em honrar os compromissos, levando os bancos e outros emprestadores a sugarem as suas parcas economias, deixando-lhes cicatrizes de difícil gestão...
- Quantas vezes pessoas e famílias embarcam em promoções ‘baratas’, mas que passado pouco tempo se tornam imbróglios com ramificações tentaculares de indisfarçáveis consequências até para os vindouros...
- Quantas vezes pessoas e famílias se deixam arrastar para projectos ‘ambiciosos’ mas que mais não são do que teias de habilidosos profissionais ao sabor das cumplicidades de incautos assanhados pela vaidade...
Perante estas breves considerações, necessitamos de nos questionarmos sobre se sabemos – ou disso temos correcta consciência – avaliar as mais variadas ‘ambições’ com que temos de nos enfrentar... continuamente.

* Avaliação dos riscos... noção das possibilidades
Por vezes corremos o risco de ora nos agigantarmos, ora nos vitimizarmos perante as múltiplas situações onde se envolve o nosso presente e o nosso futuro, pois das correctas decisões de hoje dependerá um amanhã de confiança, tanto em si mesmo como para os outros: não nos podemos hipotecar, sem a necessária avaliação dos riscos e as nossas possibilidades futuras.
- Quantas vezes uma má avaliação dos riscos pode manifestar um incorrecto conhecimento de si mesmo e das suas potencialidades, desde as conhecidas até àquelas que estão em embrião.
- Quantas vezes uma negligente noção das reais possibilidades poderá levar-nos a criar imagens desfasadas da prossecução dos objectivos mínimos... e exequíveis.
- Quantas vezes se pode notar uma certa desconexão entre os passos dados e as passadas intentadas, pois as metas pretendidas (até) estão demasiado longe das etapas percorridas.
Agora que caminhamos rumo à época natalícia, tentemos ser sóbrios nas compras, nos presentes ou nas prendas, pois o respeito pelos outros manifestar-se-á pelo comedimento pessoal, familiar e social... em tempos de crise ou a tentarmos (já) sair dela!

A. Sílvio Couto


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17/11/09

Da Teologia da Libertação à libertação da Teologia

1. Uma correcta Teologia da Libertação — poucos o negam — continua a ser indispensável.
Já uma necessária libertação da Teologia — muitos o reconhecem — é cada vez mais urgente.
Dir-se-ia que, para libertar, a Teologia tem de se libertar. Para ajudar a libertar da opressão, tem de se libertar da auto-suficiência. Em suma, para participar na libertação dos outros, tem de se libertar de si.
A Teologia tem de respirar mais Deus e de aspirar mais o Homem. Tem de sair dos átrios das faculdades e das capas dos livros. Não pode ser feita só na secretária, na posição de sentado. Tem de ser feita de joelhos e a pé: à escuta de Deus e ao ritmo da vida.
A determinada altura, deu-se muita atenção à Teologia da Libertação. Era bom que se dispensasse igual cuidado à libertação da Teologia.
O problema da Teologia da Libertação radicou na redução da salvação à libertação da exploração económica, política e social.
A salvação trazida por Cristo é englobante. Envolve a libertação de toda a exploração e de toda a injustiça. Mas não fica por aí. Cristo liberta-nos do mal (de todo o mal), do pecado e da morte.
Aos teólogos da libertação devemos o alerta para o esquecimento da dimensão social da salvação. Acontece que a salvação não é sectorial; é global.
E importa não perder de vista que, antes de ser uma conquista, a salvação é um dom, uma oferta. Há salvação porque há um salvador. Há libertação porque há um libertador: Jesus Cristo.

2. A Teologia tem de se libertar da prisão do conceito e da tirania do preconceito.
O conceito é importante, mas não constitui o único nem o central. O conceito serve para descrever, para apelar, para arrotear. Mas nunca pode servir para comprimir, para esganar, para esgotar.
A missão do conceito é a transcorrência: da realidade da vida do Homem para a vida da realidade de Deus.
Quando a Teologia estaciona no conceito, pode ganhar em consistência, mas acaba por perder em pertinência. Torna-se um mero exercício diletante dos seus cultores.
Ora, a Teologia não se pode fazer apenas (nem principalmente) nas universidades. Tem de se fazer, primordialmente, na vida das pessoas.
A Teologia das universidades (e dos manuais) há-de ser ecóica relativamente à Teologia que se pratica na vida. Aquela tem de ser em eco desta. Se não, caímos no puro sebentismo.
Visa a Teologia não somente exercitar a análise, mas, acima de tudo, excitar a militância. A Teologia tem de apontar sempre para uma Teopraxia. O logos há-de desaguar no amor. Antes de mais e no fim de tudo, a Teologia está chamada a ser carta de amor.
O escopo da Teologia — adverte Gustavo Gutiérrez — não é uma simples metafísica religiosa, mas «o anúncio do Evangelho e o serviço da Igreja».
Aliás, já Paul Tillich afirmou, há décadas, que «a Teologia existe para servir a Igreja».

3. É, porém, na relação com a Igreja que a Teologia é chamada a superar um preconceito que, aqui e ali, se torna demasiado notório.
Trata-se do preconceito em relação ao Magistério. Como nota Ruiz de la Peña, parece que teólogo que não critique o Papa é falho de qualidade e destituído de prestígio.
Ainda recentemente, o Santo Padre advertiu que o debate teológico é, sem dúvida, sadio, mas «desde que procure a verdade e aceite que o Magistério tem sempre a última palavra».
O Magistério não é um entrave à Teologia. Pelo contrário, é o seu aliado, o seu interlocutor e, por assim dizer, a sua luz.
A Teologia é um serviço fundamental na Igreja, mas ela própria sabe que o carisma da interpretação válida da Revelação foi confiado a Pedro e aos Apóstolos em união com Pedro.
Em causa não está, pois, o poder ou a influência. Em causa está a fé. É aqui, aliás, que Joseph Ratzinger encontra a distinção entre Ciência da Religião e Teologia. Enquanto aquela se norteia prioritariamente pela razão, esta guia-se sempre pela fé.
E é na fé que encontramos explicação para tudo. Especialmente para o que desponta como (humanamente) inexplicável.

João António Pinheiro Teixeira
padre


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16/11/09

Os espaços públicos são de todos

A propósito da polémica sobre a presença de símbolos religiosos nos espaços públicos, despoletada por um caso surgido em Itália e que mereceu um pronunciamento do tribunal europeu dos direitos do homem, em boa hora o programa "As Tardes da Júlia", da TVI organizou um pequeno debate sobre este tema, no dia 10 de Novembro, para o qual fui convidado a participar.

O que é que havia eu de dizer, e perante uma opinião pública, convencida da verdade universal constitucionalmente consagrada do princípio da laicidade do Estado? Pois foi precisamente questionar a constitucionalidade deste princípio. Que o princípio da laicidade do Estado seja defendido por alguns, trata-se de um direito do cidadão ou dos cidadãos que se associem, como eu tenho o direito de ter uma visão cristã do mundo e da sociedade, dentro da comunidade católica a que pertenço. Mas já não é legítimo exigir que o Estado e a sociedade sejam laicos, como se não houvesse lugar para os outros, para outras expressões, para outras visões do mundo!... É por conseguinte questionável, a partir de um princípio particular, - neste caso o da alegada laicidade do Estado - exercer pressão sobre o Estado e exigir, como é este o caso, a retirada dos símbolos religiosos, cristãos ou outros, das escolas, num processo que, a não ser contrariado, pode levar a exigir a retirada de todos os símbolos religiosos de todos os espaços públicos (pois espaços públicos não são apenas as escolas e os hospitais ou a prisões), o que representaria por absurdo exigir a total destruição do mundo… Um autêntico fim de mundo, um tsunami humano, cultural e civilizacional!...

Eu podia ir para a televisão fazer um choradinho!..., lamentar-me dos tempos modernos, que já não são como aqueles nos quais me criei, onde os espaços públicos (e os tempos) eram marcados pelo ritmo da liturgia cristã…, o toque dos sinos, às Trindades!... Não, decididamente não. O que fiz foi levantar a dúvida sobre a constitucionalidade do princípio da laicidade do Estado e dos espaços públicos. E como na altura não tinha tido tempo para investigar melhor a situação, baseei-me, para fundamentar a minha intuição, no que tenho ouvido de Mário Soares e de Jaime Gama, que falam não de um estado laico, mas sim de um Estado de direito democrático. Também pensava que, se, na última revisão constitucional, de 2005, foi retirada a afirmação da orientação para o socialismo, com certeza que não iria consagrar outro princípio – o da laicidade do Estado -, que condicionaria o sentido da lei fundamental. E por isso defendi que, a estar certa a minha intuição, é inconstitucional o que se faça ou defenda em nome do princípio da laicidade, que é certamente muito respeitável para alguns, mas não seguramente obrigatório para todos.
E a minha intuição era verdadeira. Fui ler a Constituição da República Portuguesa que diz, no seu art. 2: "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa". E mais adiante, no art. 41 § 4 consagra o princípio da liberdade religiosa e da separação entre o Estado e as Igrejas: "As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto".

Em todo o texto da Constituição não se encontra nenhuma referência nem a "laico" nem a "laicidade". Fui consultar outras Constituições. A mesma referência ao "Estado de Direito democrático" encontra-se na Constituição do Brasil e também na Constituição Espanhola. A Espanha, que não é uma República, mas uma monarquia constitucional, rege-se pelo mesmo princípio de um Estado de direito democrático. E o mesmo com certeza se encontrará nas outras constituições europeias e no Tratado de Lisboa: vivemos na Europa civilizada de Estados de direito democrático.

Portanto, o princípio da laicidade do Estado não está consagrado na Constituição, e por isso não se pode na sua base defender que os espaços públicos em Portugal são laicos; os espaços públicos em Portugal são espaços de convivência democrática de um Estado de direito, abertos e pertença de todos.

Por isso, toda a polémica em torno dos crucifixos nas escolas ou nos hospitais ou em todos os espaços públicos, a partir do princípio da laicidade do Estado não tem suporte constitucional. A Concordata do Estado Português com a Santa Sé, que regula as relações do Estado com a Igreja Católica, e a lei da liberdade religiosa, que regula as relações do Estado Português com as religiões e as confissões cristãs não católicas são expressão de um Estado de direito democrático, e não, como alguns pretendem, a expressão da laicidade do Estado.

Quanto às escolas e aos hospitais, eu defendo que não só os crucifixos não devem ser retirados como devem ser repostos, de onde foram retirados, e agora acompanhados de outros símbolos religiosos (e mesmo laicos), e que possam coexistir em sã convivência no mesmo espaço público que é de todos.

O Natal aproxima-se: ele é essencialmente cristão. Que seja um tempo em que os nossos espaços públicos se iluminem, mas que este ano a luz que brilhou uma noite em Belém resplandeça sobre as nossas cidades e os nossos campos, e possa ouvir-se, nas cidades e nas serras, nas cidades e nas aldeias a voz dos anjos que a todos os homens de boa vontade anunciaram, nos campos de Belém, aos pastores que tinha nascido num presépio um Menino, que a todos trazia a paz: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade, aos homens que Ele ama!...

José Jacinto Ferreira de Farias, scj


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13/11/09

Crónica de 13 de Novembro de 2009

Ao Compasso do Tempo
Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja

Na última Assembleia da Conferência Episcopal analisámos, com o cuidado especial que nos incumbe, um rol de problemas que agitam o mundo português. Nunca para o dividir mas para consolidar a unidade; não para lhe roubar o ânimo (já bem desfalecido) mas para o encorajar com soluções realistas; não por falar… (para que não digam termos feito silêncio), mas para incitar à reflexão e à responsabilidade.
Desde a memória histórica e homenagem às mulheres e homens da Acção Católica nestes seus 75 anos, ao “o testamento vital” e às discussões que se levantam já sobre a “eutanásia”, à acção dos leigos(as) nos dias que passam, ao destaque dos meios de comunicação social sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, etc., etc. até às preocupações de cada um dos presentes, inseridos no todo do país, e atentos a questões que ganham, por vezes, outra dimensão em certas zonas, houve de tudo!
E, neste regresso ao calendário do dia a dia, cá volto a pensar como a vida de todos nós é feita de tantos empurrões, de desgostos provenientes de multidões a saciar, da falta de tempo e de reflexão, de livros e escritos a ler e a estudar, da atenção concentrada que nem sempre é possível, da alegria e do bom humor, da Esperança a transmitir, do silêncio e da oração, como a de Moisés no alto da montanha, da família de sangue, que deixámos, para a amar ainda com maior intimidade, dos “milhões” de amigos, de longos anos e raízes, da felicidade, tónico essencial… do gosto de escrever “Memórias da vida de um homem da Igreja” como Fernando Namora nos esclareceu sobre igual tema no referente aos médicos… É a vida!
Como entendi bem a entrevista de António Vitorino ao “Expresso” de há uma semana, onde se abria sobre a recusa de desempenhar certas funções. E a explicação era e é muito simples, inspirada num princípio de conduta de conhecido Presidente dos Estados Unidos: Não aceitar certos desempenhos, pela razão de essas missões não poderem fazer-nos felizes. Aceita-se subir ao alto… mas as elevações do terreno podem provocar vertigens… E quem não é feliz no que quis escolher, nunca poderá dar felicidade aos outros!


Lisboa, 13 de Novembro de 2009

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
http://castrense.ecclesia.pt


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Igreja, uma preocupação ou um gesto de esperança?

É hoje frequente depararmos, em jornais e revistas, e até em grupos ou encontros mais alargados, com reflexões sobre o presente e o futuro da Igreja, normalmente a partir de pessoas que conhecem a sua missão e se interrogam sobre a sua forma de estar e de agir numa sociedade que parece ter perdido o norte.

De algum modo, não se trata tanto de reflectir sobre a natureza da Igreja, bem explicitada no Vaticano II, mas antes do diálogo indispensável que ela deve ter com o mundo actual, espaço do Reino, e dada a missão humanizadora da mensagem cristã.
A Igreja está consciente da secularização da sociedade, para ela um desafio e uma oportunidade, dado que se trata de uma aquisição legítima, a da conquista da autonomia das realidades profanas, em relação à premência histórica do poder religioso.

É verdade que ainda há gente no seio da comunidade cristã, que continua a olhar o mundo de soslaio, saudosa dos anátemas de tempos idos, sobretudo quando se vê perante o negativismo de certas medidas sociais e o alastrar de um laicismo corrosivo e destruidor. Porém, o caminho não será mais o das condenações, mas sim o diálogo construtivo, que pode passar, se for caso, por formas de denúncias fundamentadas.

A Igreja não é nem pode ser estranha a medidas políticas e económicas que não respeitam a pessoa humana e a sua dignidade natural e passam ao lado das exigências éticas e morais. Aqui se põe à Igreja o problema de como andar, ao mesmo tempo, o caminho do anúncio e da proposta, do diálogo e da denúncia, da defesa e da interpelação, do respeito e da frontalidade. Certamente que não é o de se intimidar ou de se refugiar no templo. Mas, também não é, por certo o da arrogância histórica ou da pretensão de usufruir só ela a posse total da razão e do saber.

O Povo de Deus não é a hierarquia. Mas sem a hierarquia, poder sagrado traduzido em serviço humilde e disponível a todos os membros do Povo de Deus, também não haverá Igreja que se possa reclamar de mãe e mestra, de serva e pobre, de fermento social, vivo e activo. A Igreja tem assim de se esforçar por não ser, dentro de si mesma e com os de fora, que hoje são muitos, um espaço de concorrência, de lutas e incompatibilidades, quaisquer que sejam as razões. Antes, se deve assumir-se aquilo que é, ou seja, um “oásis de liberdade”, aquela liberdade com a qual todo o homem foi liberto por Cristo.

Radica aqui a exigência do respeito mútuo, do reconhecimento e promoção dos dons de cada um, da libertação de preconceitos, da abertura às iniciativas que não partiram dela, mas são a favor da verdade e da justiça, da capacidade de colaborar com os que outrora foram vistos com indiferença, ou mesmo tidos por inimigos.

Um coração lavado como o de João XXIII, um humanismo evangélico sadio como de Paulo VI, um sorriso rápido, mas significativo e marcante, como o de João Paulo I, um zelo corajoso e sem fronteiras como o de João Paulo II, uma clarividência espantosa ante a história e o mundo da cultura como a de Bento XVI, são caminho aberto à Igreja, com presente e com futuro.

A renovação da Igreja, como instituição religiosa e a dos seus membros, não tem sido global e harmónica. Há sempre um peso que a liga ao passado e uma diversidade de oportunidades que não favorecem uma renovação imediata, nem uma conversão fácil da mentalidade, individual e colectiva. Torna-se necessário saber o que se é e se quer e orientar a caminhada, ainda que a passo e passo, sempre e em tudo nesse sentido.
As críticas à Igreja, por parte da sociedade, denunciam o valor que se lhe reconhece e o que dela se espera. A Igreja tem de saber conviver, positivamente, com as preocupações e com os gestos de esperança. Fazem parte da sua vida e da sua missão no mundo, o espaço necessário para que ela exprime a sua vida e deixe o rasto de Cristo na história.

António Marcelino


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Menos e mais velhos

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, no ano de 2008, em Portugal, houve tantos nascimentos como óbitos: 104 mil, enquanto, em 2007, tinha havido 102,49 mil nascimentos e 103,51 mil óbitos.

Aquela mesma fonte refere ainda que a população portuguesa residente está, cada vez, mais envelhecida, pois, em finais do ano passado, registavam-se 15,3% de jovens (menos de quinze anos), 17,6 % de velhos (com mais de 65 anos) e 67 % da população em idade activa (dos 15 aos 64 anos). Em números gerais globais a população portuguesa residente no território nacional cifrava-se, em finais de 2008, em 10,62 milhões.

De facto, a renovação populacional entrou em colapso e, em breve, poderá entrar em ruptura, pois os nascimentos foram suplantados pelas mortes e a longevidade tornou-se – felizmente – uma característica cada vez mais normal. Se atendermos aos sinais já visíveis poderemos, a curto prazo, encontrar um desfasamento entre quem trabalha e aqueles que tentam usufruir da sua reforma, pois não haverá mão de obra capaz de suportar as regalias sociais – merecidas e necessárias – na velhice.
Mesmo, sem grande hierarquia de questões, vamos assistindo à proliferação de problemas que agravam este tema do envelhecimento da população, tais como:
- Quando se coloca na linha de prioridades – políticas e sociais – o casamento entre homossexuais, não estaremos a descuidar o essencial com distracções ideológicas de sensação de ‘fim de civilização’?

- Quando se pretende catalogar quem é contra o aborto como retrógrado/conservador, não estaremos a semear ventos para colhermos tempestades?

- Quando se faz da promoção do hedonismo uma espécie de religião à escala do prazer elevado à condição de exploração, não estaremos a confundir os mais incautos, que pagarão no futuro os excessos do presente?

- Quando se tenta catapultar a união não casada como uma outra cultura ética, familiar e financeira, não estaremos a iludir a estabilidade dos compromissos com a vulnerabilidade dos interesses?

- Quando se tenta seduzir as camadas mais novas da nossa sociedade com o preservativo a pacato ou a pílula analgésica da consciência, não estaremos a construir uma espécie de sociedade da desresponsabilização à custa da inconstância dos sentimentos?

Muitos outros episódios e facetas do problema poderiam servir-nos de pontos de reflexão – mais do que de acusação – neste tempo em que cada pessoa nem vale tanto como uma espécie rara, pois sob a capa de novos cuidados para com alguns animais e até raridades vegetais, os humanos vão perdendo a capacidade de serem respeitados e, quantas vezes, se vão tornando silhuetas em vias de extinção... ao sabor de interesses nem sempre claros e assumidos.

Quem dera que fossemos capazes de reinventar a esperança para sermos dignos da confiança que Deus depositou em nós... ternamente.

A. Sílvio Couto


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09/11/09

Saramago e a defesa judaico-cristã

As questões levantadas por José Saramago, à volta da sua última publicação, “Caim”, exigem que este país debata, seriamente, e de uma vez por todas, questões tão antigas como a da revelação, a do sagrado, em oposição ao que, ao longo da história, se teve sempre por, profano, mundano, secular. A defesa judaico-cristã a que nos habituámos ao longo dos séculos há muito que deixou de fazer sentido.
Ao defender que o que nos governa é algo de humano, de demasiado humano, Nietzsche, revela que a história resulta da oposição de dois termos complexos – talvez, no seu entender, os mais perigosos de todo o vocabulário humano: o bem e o mal. A sua invenção, e a relação que se foi estabelecendo entre eles, ao longo do tempo, que está também na origem, por um lado, da criação de divindades más, violentas, sangrentas e, por outro, de divindades boas, compassivas e misericordiosas, é a grande geradora da nossa história, e os traços que caracterizam a ontologia do nosso momento presente. Há quem continue a defender, nesta linha, e numa reflexão séria sobre a condição humana, que nascemos todos de deuses e diabos, que estes mais não são que fruto da interpretação humana, feita ao longo dos séculos, tornada, nuns casos, sagrada e noutros pagã. E que a segurança local e global, exigida não pelo direito natural (de facto não nascemos iguais), mas pela fragilidade que a todos é comum, só será possível na medida em que nos conseguirmos libertar destes opostos e dos rostos que os tornaram absolutos, quer na religião como na política que se alimente de tradições religiosas, de alternativas a estas ou de todo o tipo de secularismo, de saber científico e tecnológico.


Programa do governo e oposição
Ouvia outro dia dizer ao actual presidente do BPI, Fernando Ulrich, que processos como a “Face Oculta” e outros ainda em curso, e cujo o termo se antevê inatingível, têm tido um impacto tão negativo no país, que as pessoas começam, cada vez mais, a perder a confiança nas instituições e nas pessoas directamente responsáveis pela sua liderança, como na justiça, dada a sua real bagunça, desorganização e consequente morosidade. Não é a primeira vez que a justiça se apresenta célere em processos que envolvem pessoas acusadas de roubar para comer, e tão desastrosamente lenta diante de suspeitas de corrupção, envolvendo pessoas que têm tido a seu cargo zelar pelas poupanças dos portugueses e pelo bom governo do país.
O debate parlamentar, que levou à recente aprovação do programa do governo, serviu, uma vez mais (para quem teve pachorra de o seguir, através dos meios de comunicação social) para alimentar um confronto de interesses partidários, que simplesmente se marimba para os verdadeiros problemas do país. O povo quer melhor acesso à saúde, melhor justiça social, melhor educação, melhores e mais fáceis oportunidades de emprego, mais respeito, mais afecto, mais carinho e mais espírito de serviço, capaz de privilegiar os mais negligenciados e carenciados. Não estará no meu poder fechar a Assembleia da República, agora sofisticadamente informatizada, mas não pensaria duas vezes em fazê-lo até que alguém, eleito para servir o país, começasse a fazê-lo desapegado do poder, numa total entrega à resolução dos reais problemas dos portugueses, e num diálogo ininterrupto com a sociedade civil. Se os programas de qualquer governo e oposição não se elaboram a partir da nossa situação presente, dos nossos problemas e desafios, não serão outra coisa que puros cultos de personalidade, a precisar de erguer, com muita agitação e pressa, monumentos, em quatro ou mais anos de legislatura.


2010 – Memória e erradicação da Pobreza – Uma Marcha
Fazemos memória, neste mês de Novembro, de todos os que faleceram, vítimas da fome, da pobreza… aqui e no mundo, muitas vezes sem que o seu nome tivesse sido conhecido ou recordado por quem lhe fosse mais próximo, como família ou simples amigo. Concordo com o Fernando Nobre quando diz, a respeito de Portugal, que os pobres não são apenas 18 ou 19% da população mas 41%. As transferências sociais poderão aliviar o pesado fardo de alguns, mas não conseguem, por si, romper com o fenómeno de quem há gerações vive refém da mais severa miséria. Defenderei sempre que o problema não está no facto de termos nascido num país pobre, até porque não o é, mas no facto de não termos ainda aprendido a partilhar o que é todos com todos.
Por isso, no aproveitamento do ano de 2010, ano que a União Europeia dedica à erradicação da pobreza, um conjunto significativo de organizações, IPSS, ONG, Fundações e outras entidades, irão procurar mobilizar Lisboa para que cada um tome parte numa Marcha que entende fazer memória de quem nasceu, viveu e morreu pobre e abrir, num anúncio festivo, também colorido pelas mais diversas comunidades de imigrantes presentes em Portugal, este grande desafio colocado aos 27 Estados membros da União Europeia. Erradicar a pobreza e amar o planeta que é de todos continuam a ser as duas grandes tarefas que devem dominar as agendas individuais de cada família, comunidade e nação, neste século XXI.
A Marcha terá lugar no dia 17 de Dezembro, com concentração no Marquês de Pombal. Desfilará, pela Avenida da Liberdade e pela Rua Augusta, e terá um momento de memória e esperança junto à laje pela erradicação da pobreza (uma réplica da que está no Trocadero de Paris - 1987), que fica próxima do Arco da Rua Augusta, em Lisboa. A Marcha deseja também concluir uma iniciativa anual da CAIS, Pão de Todos Para Todos, e será na tenda do Pão que todos os marchantes continuarão a fazer festa, partilhando um pão que tal como o sol, todos desejam fazer nascer para todos.

Por isso, não falte. Junte-se a nós, com aquele igual ou maior entusiasmo com que sempre apoia Portugal em competições desportivas. Pão de Todos Para Todos deseja recuperar a gratuidade das coisas e instituir em Portugal o Dia da Não Cobrança. Trabalhamos para que o que hoje parece impossível seja uma possibilidade amanhã.

Henrique Pinto


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06/11/09

Ambiguidades da Europa... pós-cristã

Por ocasião da tomada de posse dos membros do recente governo alemão, os ministros ‘ousaram’ dizer: ‘assim Deus me ajude’, rematando, deste modo o juramento constitucional e as implicações futuras das suas funções de serviço ao povo.

Entretanto, por estes dias, surgiu uma sentença do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, segundo a qual, a presença dos crucifixos nas escolas públicas – em Itália – foi considerada uma violação da liberdade religiosa dos alunos. Esta decisão ‘europeia’ teve por base uma queixa de uma cidadã italiana de origem finlandesa, que, em 2002, havia pedido a uma escola estatal na região de Pádua, na qual estudavam seus dois filhos, que tirasse os crucifixos das salas. A direcção da escola negou-se a isso, por considerar que o crucifixo fazia parte do património cultural italiano e, posteriormente, os tribunais italianos deram razão a este argumento.

Por seu turno, o porta-voz do Vaticano lamentou esta decisão do tribunal europeu, na medida em que “um tribunal europeu intervenha com tanto peso numa matéria tão profundamente ligada à identidade histórica, cultural e espiritual do povo italiano... Parece que não se quer reconhecer o papel do cristianismo na formação da identidade europeia, que, no entanto, foi e continua sendo essencial”.

* Nesta Europa, que se pretende inclusiva na dimensão económica, vão-se dando passos de rejeição ostensiva do cristianismo – pelo menos segundo algumas mentalidades, não se sabe se minoritárias ou mais expressivas! – nalguns países e atingindo sinais essenciais da identidade cristã, como é o crucifixo.
Teremos de enfrentar, em breve, alguma cruzada anti-cristã? Se fossem atingidos os muçulmanos teriam ficado tão quietos e ordeiros? Até onde irá a cumplicidade agnóstica e ateia no combate ao cristianismo, na sociedade ocidental e na Europa em particular?

* Nesta Europa, que foi (e é) espaço de cultura pela e na tolerância, temos estado a sentir que cresce um abespinhar cada vez mais audível contra tudo o que cheire a cristianismo, actual, passado ou futuro.
Até onde irá a força de resistência dos nossos cristãos contra campanhas tão bem orquestradas e tenazmente desenvolvidas? Teremos capacidade de unir esforços contra tantos ataques e insinuações ou deixaremos infiltrarem-se certos oportunistas disfarçados de cordeiros? Estaremos certos dos nossos valores essenciais ou iremos claudicar diante de benesses intencionais?

* Nesta Europa, que já foi luzeiro de heróis e de santos, vemos serem promovidas figuras da mais abjecta condição moral e intelectual, na medida em que sejam membros de organizações subterrâneas transnacionais (v.g. maçonaria, grupos gay ou mesmo de interesses económicos satânicos) e bem colocados nas estruturas de governo ou até de autarquias.
Por que é que atacam os cristãos e os seus valores: será porque incomodam ou porque têm real valor? Por que é que se faz apanágio dos ataques e raramente se difunde a qualidade... dos cristãos? Até onde irá a nossa consciência de defesa – mesmo do ‘Opus Dei’ e de outras organizações afins de âmbito internacional católico – em vez de não estarmos a desconfiar de quem sempre e sistematicamente os vai denegrindo?

Tal como no início do cristianismo poderemos dizer: ‘sangue de mártires é semente de cristãos’!

A. Sílvio Couto


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Ao Compasso do Tempo - Crónica de 06 de Novembro de 2009

Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja

Alguns sectores do mundo de hoje e a Acção Católica de sempre
Donde viemos e para onde vamos! Confio que prossigamos corajosos e sem constrangimento no sector do mundo hospitalar, militar e prisional. Têm sido estes mundos, franjas e margens de acção, conforme tenho assinalado. O único em que havia padres jovens era o militar, porque o Estado mandava, e não consta que, no decurso dos anos da democracia, tenha havido atitudes realistas em ordem a enviar, por critérios pastorais, padres relativamente jovens e bem preparados, para o mundo prisional e hospitalar. Houve excepções, e aqui as destaco. Não estou a fazer reparos negativistas. O que sempre desejei é que fossemos locomotivas e não carruagens.
Do ponto de vista da Conferência Episcopal Portuguesa, foi produzido um pequeno documento onde se chamou a atenção para este facto, no seguinte sentido: o contributo das dioceses para as funções pastorais a nível nacional (Director do Secretariados Geral da Conferência Episcopal ou Directores dos demais Secretários das Comissões) deveria estabelecer consensos, critérios de escolha, generosidade comum com o fito de serem apontados nomes concretos e “credíveis” para responsabilidades missionárias de tal monta.

Num momento, em que instâncias tão sensíveis, pelos quais a Igreja em Portugal tanto se empenhou em ordem a uma presença de serviço, de respeito pela liberdade religiosa e de apoio aos mais sofredores (como são todos os que vivem em hospitais e prisões), sem esquecer a máxima cooperação referente às Forças Armadas e de Segurança, seria, mais do que nunca aconselhável – com o máximo respeito e justiça para quem votou a sua vida sacerdotal a tais “climas” e em obediência (pois este assunto das “franjas” convida a um exercício pastoral complexo), que análise igual tivesse lugar para, em lugar da “reverência”, imperasse a competência.

Em 7 e 8 de Novembro, no Porto, comemoram-se 75 anos da Acção Católica em Portugal. Não se trata de homenagens mas de acção de graças. O exemplo original de milhares de mulheres e homens, imersos no mundo, e tantas vezes em tensão (felizmente) com os bispos da altura. Por causa de problemas da justiça, da liberdade, do à vontade evangélico, dos valores (por quem tanta gente hoje clama) da liberdade de imprensa, de associação, de voz pública, ao lado do sonho de uma democracia em Portugal político e de “comunhão” na Igreja hierárquica (tão anterior ao Concílio Vaticano II) são uma convocatória a todos os baptizados, nestes dias que fluem.

Nunca faltaram assistentes de Acção Católica noutros tempos! Nunca estiveram arredios leigos e leigas em outras eras, contemplando os problemas históricos, dos quais, muito tradicionalmente, o Concílio falou como “sinais dos tempos”. Mas quem trabalhou e serviu na Acção Católica conheceu a cartilha e, sem tradutores, articulou a linguagem do mundo nas suas diversas geografias.

Não valeria a pena prolongar (não as saudades da história) mas o modo de olhar “o Tempo e o Modo”? Não seria altura de, prosseguindo o futuro, estudarmos “o testamento” de um período único da Igreja Católica em Portugal, e em tempos de ditadura?!

E por que não ter saudades do que valeu a pena, de tal forma que não lhe sucederam generosos discípulos, tal a exigência da “linguística” do mundo, tal a aspereza dos combates pelo Evangelho!

Já repararam que, à excepção dos poucos Movimentos ainda vigentes da Acção Católica, e de um ou outro sucedâneo do mesmo espírito, a última encíclica social de Bento XVI, “Caridade na Verdade”, passou, sem deixar rastos, em Portugal Católico? Porquê?

Nota – Quanto à carta publicada em 4 de Novembro, a propósito da homilia no “Dia do Exército”, pede-me a justiça que chame a atenção para o facto de ter falado explicitamente nos antigos combatentes! Assiste-me de tal forma essa responsabilidade que, há um ano, presidi à Celebração, no momento da chegada dos restos mortais de militares nossos, vindos da Guiné. O mesmo terá lugar, no próximo dia 14, junto ao Monumento dos Combatentes do Ultramar, em Lisboa. Lá estarei.

Lisboa, 06 de Novembro de 2009

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança

http://castrense.ecclesia.pt


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Um mundo sempre igual, cada dia mais diferente

Não é fácil para muita gente, mesmo da Igreja, perceber que o mundo é sempre igual, porque povoado de pessoas com a sua dignidade, direitos, deveres, aspirações e problemas.
Mas é, também, um mundo cada dia diferente, dadas as mudanças culturais que se estão verificando que influem nos comportamentos e no rumo de muitas vidas, com as aquisições sociais e tecnológicas que se vão operando e generalizando, com a globalização que a todos nos aproxima mais, sem que por isso nos torne mais amigos e fraternos. Mais possibilidades e mais desencontros; mais gestos de ajuda e mais egoísmos; mais conhecimentos e mais arrogância; mais ricos e mais pobres... Mundo complexo e cheio de contradições, mundo rico de oportunidades e cheio de gente sem vez. Mundo que conquistou a sua autonomia e o seu espaço de legítima liberdade, mas que multiplica os oprimidos, os excluídos e os escravos.

A Igreja existe e coexiste neste mundo com uma missão própria em favor de todos, reconhecida por uns e não por outros que se declaram alheios a qualquer expressão religiosa. Existir e coexistir é expressão da força que a mantém acordada e activa, e tanto a poderá levar a um apreço crescente, como a perseguições claras ou encobertas. Foi sempre assim e, mesmo que a história não se repita, as pessoas marcam, em cada tempo, rumos semelhantes ou mesmo iguais aos de tempos idos, sempre que o seu mundo valores se assemelha.

A característica mais generalizada e observável é que a sociedade se secularizou, as suas opções e projectos deixaram de ser influenciados por forças e razões morais, o económico sobrepôs-se ao humano, o político reduziu-se a interesses de grupos, as divisões agravaram-se e o diálogo de cooperação tornou-se cada dia mais difícil.
A secularização, entendida como conquista da autonomia própria das realidades profanas e modo de as conduzir, é uma conquista legítima da cultura moderna. É também uma afirmação normal de que homem é, de pleno direito, cidadão do mundo e protagonista da sua história. Pela sua participação responsável e activa na sociedade, está ligada a si e dependente das suas acções e omissões, a história dos seus contemporâneos e, de algum modo, dos seus vindouros, dado que o presente subsiste em grande parte no passado, e não lhe são indiferentes aos projectos do futuro.

Viver e actuar numa sociedade à qual se deve respeitar a autonomia, não se pode fazer pela negativa, refugiando, por exemplo, a expressão religiosa na área do privado, fazendo juízos críticos sobre o declinar do religioso, aceitar de modo passivo a dessacralização da sociedade e o que se exprime como simplesmente humano, considerado o normal de uma sociedade moderna.

A Igreja tem de reinventar a sua presença, sem complexos de culpa no processo, nem juízos de um triunfalismo que aguarda a derrocada para fazer a festa da vitória. O projecto a Igreja é o serviço à sociedade e às pessoas, como fermento, como sal e como luz, traduzido em propostas sérias e viáveis, de livre aceitação e generoso seguimento. A história já lhe ensinou que o seu êxito não se mede por critérios profanos, que a luz não se pode colocar debaixo do alqueire, que o fermento só dá força à massa em contacto com ela, e que o sal que não cai sobre os alimentos, os deixará sempre sem sabor.

A Igreja, fiel ao Evangelho mais que qualquer força social, tem capacidade para se regenerar, para abrir e andar por caminhos novos.
Será que só os seus detractores sabem que essa é a sua força?

António Marcelino



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03/11/09

Responsabilidades do Exército de Portugal

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 30 de Outubro de 2009

Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja

Nas margens do caminho, os pobres e os aflitos aí estão: no Afeganistão; em qualquer esquina, diante de um assalto; à porta de um lugar de emprego, sem trabalho e sem vontade dos responsáveis o conseguirem; numa escola, onde os mais pequenos são violentados; numa família, onde um ou mais de um dos membros, é barbarizado; numa rua de Timor-Leste ou na rua de cada um de nós… Os pobres e os aflitos clamam como no Evangelho: “Jesus, Filho de David, tem piedade de nós”.
E os inquietos, os coerentes, quem mostra engenho e vontade de transformar o mundo, todo e qualquer responsável pelo poder, só podem ter uma resposta: “Que quereis que eu faça”?
Solicitações e angústias destas bateram e batem à porta do Exército Português, que, neste seu dia, teve o bom gosto de vir a Braga.
Diante de crentes, descrentes ou indiferentes, evocamos todos os militares mortos e vivos; suas famílias, suas alegrias e desgostos; também a sua mentalidade e cultura, a coragem de defender e mudar Portugal, o serviço à fraternidade e à promoção das gentes, a lucidez, a coragem, a perseverança, a paciência em esperar.
Em sondagem dos últimos dias – confirmando a opinião pública – a imagem das Forças Armadas goza da maior saúde pela cooperação junto das populações, pela eficácia e afirmação comprovada do ponto de vista institucional em missões a favor da civilização, pela defesa dos direitos humanos, pela lucidez da informação e da segurança.
A condição militar nunca fomentou nem foi berço de privilegiados, sendo seu travejamento mestre cumprir os objectivos que o poder fixa e solicita. Esta uma razão primeira no desempenho de uma vocação profissional: quando muito se respeita e muito se pede e melhor se cumpre, as dissonâncias serão sempre solucionadas como o emblema maior de gente de bem.
Defender pessoas, salvaguardar o ambiente, promover o saber, exigir o rigor de procedimentos éticos em ordem ao bem comum, apoiar quem serviu como antigo combatente, desenvolver dinamismos de autêntica acção social, dar ânimo a famílias, garantir um futuro a jovens, sobretudo, conferir saúde a doentes, fundamentar a estabilidade e a confiança, não permitir dúvidas quanto à intransigência na defesa dos direitos humanos, nunca permitindo subversões da dignidade dos mais frágeis, dispensar a inutilidade, valorizar a competência, acudir a quem é violentado do ponto de vista individual, nacional e internacional… estes, e tantos outros, são encargos assumidos, sem vergonha, pelo Exército de Portugal. São valores de moralidade pública; são razões comuns da cidadania.
Tem sido assim entre nós, como em Timor-Leste, no Kosovo, no Congo, na Guiné e em demais nações, nas conversações de paz e na cooperação com países de expressão portuguesa, na formação das Academias, Escola práticas e demais instâncias de maturação da personalidade e das missões de bem servir, na terraplanagem de um terreno, na construção de uma ponte, na camaradagem e na fraternidade pela segurança e defesa nacional…
Julgue-se pelos actos. Não se avalie por preconceitos, pela ignorância ou pelo deixar correr. Ninguém pode ficar postado à beira de qualquer caminho sem uma resposta para a fome, sem uma honra para os seus sonhos, sem uma justiça para os direitos, sem um sentido para a existência. As Pátrias salvam-se, se os pobres forem a preocupação primeira. Este é o seu grito: “Tende piedade de nós!” “Sede solidários connosco”. Esta é a função e a responsabilidade das Mulheres e dos Homens do Exército Português!

Lisboa, 30 de Outubro de 2009

Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança

http://castrense.ecclesia.pt



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