Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

31/03/11

Sempre inclinados para os ídolos?

Todas as pessoas, homens e mulheres, levam consigo, a tempo inteiro, e sem que alguém possa interferir nesta sua capacidade, serem capazes tanto do bem como do mal. O ambiente que nos cerca e os tempos que vivemos nem sempre favorecem a melhor opção, empurrando-nos para o que muitas vezes nós detestamos. Será sempre actual a palavra de S. Paulo ao dar conta, desolado, do que lhe ia na alma: “Ai de mim, que faço o mal que não quero e não faço o bem que quero!” Quem há aí que não tenha tido, em algum dia ou em muitos dias, esta dolorosa sensação?

Da inclinação para os ídolos já falava Moisés aos israelitas rebeldes, quando, nostálgicos de uma escravidão da qual antes tanto se queixavam, caíam de novo na tentação de quererem regressar ao lugar do cativeiro, frente aos normais incómodos do deserto, que era preciso atravessar.
Os ídolos são muitos, sempre aliciantes e portadores de mensagens atraentes e facilitadoras. Mas são ídolos e nunca deixarão de o ser, mesmo que entronizados, cuidadosamente, em lindos altares ou colocados em mísulas douradas. Traduzem-se na ânsia do ter, do poder e do gozar sem limites; nas atitudes orgulhosas de quem se julga o centro do mundo e não reconhece aos outros o seu valor nem o direito a terem opinião; na insensibilidade perante os mais pobres, fazendo vista grossa a uma vida enterrada em provocantes supérfluos; no comodismo de em nada querer participar em relação ao bem da comunidade; na arrogância em desejar que tudo e todos rodem à sua volta e nunca admitir os erros próprios; na indiferença empobrecedora perante pessoas e situações que pedem compreensão e ajuda…
Mas não podemos esquecer quantos se inclinam e optam pelo bem gratuito e são voluntários, em muitas causas necessárias e úteis, à comunidade e até a pessoas singulares, não amadas e esquecidas; quantos se demarcam da corrupção e da tentação do ganho fácil; quantos optam pela honestidade no trabalho, nas relações, no respeito pelos outros e pelos seus direitos; quantos lutam pela verdade e pela justiça, pelos direitos dos mais fracos e menos ouvidos; quantos partilham os seus bens, de toda a natureza, com outras pessoas que deles podem beneficiar…
Há muita gente que dorme serenamente, porque viveu o seu dia no cumprimento do dever e ao serviço do bem, procurou não desperdiçar as ocasiões que se lhe proporcionaram para ser solidário e fraterno com os que se cruzaram no seu caminho.
Neste mundo que lançou a confusão sobre o sentido da vida e os valores que contam, propendemos para sublinhar mais as coisas negativas, como se as positivas não tivessem história, nem entrassem na história. O bem é sempre discreto e diz o povo que ele “não faz barulho”. Porém, é ele que persiste, humaniza e reforça os alicerces da sociedade que não desiste de querer ser lugar aberto à dignificação de todos e dotada de valores morais e éticos, que só os néscios podem ignorar ou negar.
Os grandes da história não foram os que fizerem guerras ou inventaram objectos de morte. Ainda que discretos na sua história pessoal - são sempre assim as pessoas grandes - eles são os que a memória do tempo guarda e apresenta como modelos estimulantes de bem-fazer. Dos nossos tempos, basta recordar Teresa de Calcutá e o Padre Américo, que não se desviaram nunca do projecto que conduzia a sua vida. Por isso ela deixou sulcos inapagáveis. Na mesma linha estão milhares de anónimos das nossas terras. São eles que não deixam que este mundo, tonto e desfigurado, resvale para a barbárie. O seu número pode sempre crescer e é preciso que cresça. Todos lá temos lugar, se é que ainda o não ocupamos.

D. António Marcelino


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CAMINHO PASCAL

Subir ao Altíssimo nas cores do arco-íris,
ouvir o coração do Criador no meu,
contemplar a beleza da criação,
tomar consciência do meu lugar
entre as criaturas, como a única racional,
fazer com elas uma Aliança de culto
ao Deus único, Senhor do Céu e da Terra.

– E descer ao profundo mistério do deserto
onde nómadas, peregrinos, contemplativos,
penitentes e animais selvagens partilham
areias, sol, vento, estrelas, infinito e silêncio
na procura e seguimento do rumo e do sentido
lançados, à partida, pela Voz da Palavra:
«Arrependei-vos e acreditai no Evangelho.»

Com as terras incultas, os escravos libertados,
os animais soltos e as dívidas saldadas,
desapropriar-me de projectos, de futuro,
de poder económico, de garantias sociais,
de humanas certezas iludidas por cegueiras.

– E, seguindo outra Luz sem ocaso,
de olhos bem fitos numa Nova Terra,
acolher e proclamar a total gratuidade
na vida, na saúde, no amor, na fé e na paz.

Ser íntimo do Senhor no monte da oração.

– E manter o coração atento e disponível
ao grito dos oprimidos e ao seu Libertador,
pronto a fazer, em comunidade co-responsável,
a saída e passagem da casa da servidão
e o CAMINHO PASCAL até à Pátria da Liberdade
pela mão do Espírito que tudo renova cada dia.

Purificar a Vida e a Memória
nas fontes da Fé e da Tradição, na Escola
da Palavra, do Culto e da Caridade Social.

– E dispor-me à surpresa do Espírito
ateando um Lume novo para as noites da vida,
engrossando o grupo dos libertos em novo êxodo,
ouvindo a Lei, os Profetas, o Apóstolo e o Mestre,
mergulhando/renascendo nas Fontes da Salvação,
comungando a força do Vivente no Pão e no Vinho
com os famintos/sedentos de razões para Ser e Viver,
proclamando aos quatro ventos da História: Ele vive
e acompanha-nos em todos os caminhos!

LOPES MORGADO



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“SOMOS DA RAÇA DE DEUS” - (Actos 17,28-31)

Somos da raça de Deus – senão,
donde a fruição contemplativa dos olhos
passeando-se pela beleza da criação,
como se criadores, às primeiras luzes da manhã
e nas pausas gratuitas do dia?


Somos da raça de Deus – senão,
donde o estremecimento do espírito
a inomináveis vozes interiores,
a difusas palavras, cores, luzes,
que nos cativam mas não saciam nunca?

Somos da raça de Deus – senão,
donde a memória incompleta, peregrina
ansiosa para além das cronologias,
demandando sempre dimensões novas,
saudosa de uma casa onde nunca morou?

Somos da raça de Deus – senão,
donde a pulsação acelerada pelo toque
de um sorriso, de um gesto gratuito,
de um olhar fixo ou fugidio, de um aperto
de mão, um beijo, um mínimo carinho?

Somos da raça de Deus – senão,
donde o pêndulo da liberdade, oscilando
entre isto ou aquilo, algo ou nada,
o dentro e o fora, o antigo e o novo…
antes de aquietar-se numa escolha incerta?

Somos da raça de Deus – no entanto,
descontando estes tempos de ignorância,
Deus faz saber que não é semelhante
ao ouro, à prata ou à pedra trabalhada
pela arte e engenharia do homem.

Ah, e faz saber que não somos apenas
da sua raça – somos seus filhos no Filho
e, por isso, herdeiros de um reino eterno
que não é deste mundo, mas transforma-o;
não se confina à terra, mas nela se enraíza.

LOPES MORGADO




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30/03/11

Crucifixos no ‘pátio dos gentios’

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu, no final da semana passada (mais precisamente a 18 de Março, vésperas do dia de São José), que o uso de crucifixos nas salas de aulas não viola o direito à educação nem colide com a liberdade de os pais darem a educação que acharem mais correcta para seus filhos.

A decisão de quinze dos dezassete juízes deu, assim, razão ao governo italiano, que em Janeiro do ano passado tinha apresentado um recurso contra uma deliberação do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de Novembro de 2009. Nessa altura o tribunal, com sede em Estrasburgo, tinha dado razão a uma italiana de origem finlandesa que defendia serem os crucifixos nas escolas uma violação do direito a educar os filhos de uma forma laica.
Por outro lado, decorreu, no final da semana passada (24 e 25 de Março), em Paris, o primeiro encontro internacional do ‘Pátio dos Gentios’, estrutura do Vaticano para o “diálogo entre crentes e não crentes”. Servindo-se de uma figura do Templo de Jerusalém onde podiam entrar todos os homens, crentes ou não crentes/pagãos, judeus ou gentios, esta iniciativa da Santa Sé pretende abrir ao diálogo entre as várias culturas, povos, línguas e nações.
Tentamos agora abordar estas duas questões com horizonte...

1 - Diálogo como forma de estar
O ‘Pátio dos gentios’ insere, no século XXI, num processo decorrente do Concílio Vaticano II, mas que alguns cristãos/católicos nem sempre têm entendido correctamente... como se ainda estivessemos em maré de cristandade.
A escolha de Paris para realizar este primeiro momento do ‘Pátio dos gentios’ é simbólica pela diversidade cultural que significa e pelas entidades que chamou a participar: Unesco (cuja sede está na capital francesa), a universidade de Sorbonne e o Instituto católico de Paris... em ordem a discutir, no mundo da cultura, as ‘Luzes, religiões e razão comum’.
Não podemos esquecer que foi da cultura francesa – concretamente a sua revolução de 1789 – que muito mudou no mundo. Também a miscigenação de culturas está patente no espectro sócio-político francês e, por arrastamento, europeu.
A curto prazo – neste ano de 2011 – outras iniciativas decorrerão: colóquios – da Primavera, em Bolonha e de Outono, em Estocolmo; escrita, em comum, de peças de teatro ou a construção de obras de arte, os encontros entre povos que saíram do ateísmo de Estado e procuram novos caminhos, na Albânia.
Quando alguns se entretêm com minudências e tricas, haja quem tenha horizontes e discuta-se o que é essencial e dá razões para viver... dignamente.

2 - Sinais comprometedores
Quem tem medo do crucifixo? Por que fazem tanta questão de o retirarem das escolas? Será por vergonha ou por incómodo? Por que se fez tanto barulho para a retirada dos crucifixos e agora tudo passa despercebido? Foi por que a decisão foi desfavorável aos agnósticos e laicos? Até onde irá o cinismo dos descrentes? Não lhe faltará cultura democrática para tentarem impôr as suas ideias sem acatarem as outros outros?
O crucifixo faz parte da nossa cultura ocidental. Por isso, seria uma aberração termos de submeter-nos à ditadura capciosa de certos democratas... sem memória nem cultura.
Temos de saber estar neste mundo avesso à noção de Deus – excepto se esse for ele mesmo e os seus apaniguados – e sabermos alicerçar as razões da nossa esperança, pois não basta usar ou apresentar o crucifixo como se fosse um adereço supersticioso, mas antes ele terá de ser um sinal de compromisso para assumirmos a fé que professamos e pela qual damos a cara... mesmo que nela nos batam por causa de Jesus.

Está na hora de levarmos para o ‘pátio dos gentios’ o sinal da cruz e a cruz como sinal de vida e de vitória!

A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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O último livro do Papa

Como é do conhecimento de todos, Bento XVI acaba de publicar o seu segundo livro sobre Jesus de Nazaré. Apresentado no Vaticano em 10 de Março, foi já traduzido em sete línguas, com 1 milhão e meio de exemplares adquiridos, 32 mil só em Portugal.

O lançamento do livro tem vindo a acontecer praticamente em todas as dioceses do país e do mundo, na altura em que a Igreja prepara e celebra os acontecimentos centrais da vida, da morte e da ressurreição de Jesus. E bem. Efectivamente, Joseph Ratzinger, um profundo pensador, um notabilíssimo teólogo e um conhecido apaixonado por Jesus e pela Sua Igreja, escolheu para tema do seu discurso as palavras, as atitudes e os gestos decisivos da vida de Cristo, desde a Sua entrada em Jerusalém em Domingo de Ramos até à Sua Ressurreição no Domingo de Páscoa.

Entendo que não foi na qualidade de Papa que Ratzinger escreveu o livro e abordou os acontecimentos. Foi antes como um brilhante intelectual, um homem de enorme cultura, um inquestionável amante da verdade, dotado também de uma notável capacidade de análise e de crítica. Assim sendo, qualquer pessoa com curiosidade intelectual e cultural, mesmo não crente, pode encontrar no livro inúmeras perspetivas novas na abordagem da fascinante e sempre encantadora personalidade de Jesus.
O objetivo do Papa é bem claro: ajudar todas as pessoas de boa vontade a reconhecerem e a encontrarem o Cristo histórico, que, em simultâneo, é também o Cristo da Nossa Fé e da nossa Esperança. Nas suas próprias palavras, ele pretende no livro encontrar o Jesus real, a Sua figura e a Sua mensagem, e fazer este encontro “de um modo que possa ser útil a todos os leitores que queiram encontrar também Jesus e acreditar n’Ele”.
Ao escrever este “best-seller”, o Papa pretendeu, a partir de uma análise histórica da figura humana de Jesus e usando os métodos científicos que lhe são próprios, levar-nos ao encontro do Filho de Deus que só é possível descobrir-se à luz da Fé. Conhecer e amar Jesus significa passar além dos factos narrados pelos documentos históricos, nomeadamente a Sua Vida e a Sua Morte, e percebê-los como a expressão máxima do Amor de Deus pela humanidade e como realização generosa, humilde e corajosa do plano de Deus em favor de todos nós, para nos libertar do egoísmo, da maldade e de todas as outras formas do pecado, nos dar razões de vida e nos abrir caminhos de esperança.
E isto, efectivamente, só Ele o pode fazer.
.O Papa diz também que, para conhecermos o verdadeiro Jesus, “não podemos parar a meio do trajecto”, ou seja, ficarmo-nos pelo estudo dos factos acontecidos e das palavras ditas, mas temos de prosseguir no percurso, sem desfalecermos, até chegarmos à totalidade do mistério de Cristo como Homem - Deus que é Senhor e Salvador.
Fazendo votos por uma Páscoa Feliz para todos os que me lerem, desejo em simultâneo que o livro do papa nos ajude a estabelecer com esse Jesus uma relação íntima, pessoal e profunda de amizade, inseridos com gosto e alegria nessa Igreja onde Ele mora, que Ele muito ama e pela qual deu a Vida, e a levar ao Seu encontro todos aqueles que passam à nossa porta, ou se cruzam connosco nas ruas da cidade.
Para felicidade de todos.

Resende, 27 de Março de 2011

CORREIA DUARTE


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Ao Compasso do Tempo - Crónica de 25 de Março de 2011

Na confusão dos últimos dias, abundam palavras, angústias, apetites, ódios de caserna… e a sabedoria de quem tem esperança e a certeza de que nada está perdido.

Escrevo na 3ª feira, à noite, dia 22. Li ontem, por sinal, um parecer do Professor José Gil no Público, a merecer ser meditado. Seja qual for o desfecho, uma informação clara sobre o que existe no baú da família, é essencial. Mas reina a sensação que a luz não está sobre o alqueire…

Permito-me esta citação do artigo atrás sublinhado.

“Não sei se é possível ao Presidente exigir uma transparência na informação. Insisto neste ponto: para que nós possamos decidir sobre o que se passa temos de ter informação e, se o Presidente puder intervir nesse aspecto, deve intervir e muito. Agora, eu penso que o silêncio do Presidente é para tornar possíveis os consensos. Nos bastidores, muitos movimentos devem estar a tentar fazer o consenso. Aí está outro véu que cobre a democracia. Sei que tem de haver uma zona de não-transparência, mas há necessidade de mais transparência.
(..)
Ora, para participar temos de ter os dados necessários. E isso implica não só sentido de Estado, mas sentido nacional. E não vejo isso. Estou expectante, como milhares e milhares de portugueses, quando devia não estar expectante. Devia estar a agir de uma maneira ou de outra. A decidir. A democracia devia estar a funcionar, com a sua multiplicidade de decisões a tomar. E, para isso, precisamos de dados transparentes e exaustivos na medida do possível. E isso não temos.”
Não sei se chegaremos a saber tudo.

MDN – Capelania-Mor, 25 de Março de 2011
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança


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11/03/11

Conflito e agressividade como cultura. Cura Quaresmal

Há mais de dois séculos que na Europa os políticos e seus governantes foram desenvolvendo a cultura do conflito. Não falo do conflito de ideias plurais expostas para conseguir um entendimento mais alargado. Aqui trata-se do conflito defendido como a cultura a manter e desenvolver com agressividade violenta a que não falta algum leque de orgulho cego, ódios, vinganças nem sempre admitidas.

As medidas governativas cultivam a cultura do conflito ideológico, religioso, de direita, de esquerda, económico…Esta matriz do conflito como matriz vai-se reproduzindo como divisionismos, separações, guerras, etc. Os conflitos sociais sempre existiram mas a partir do séc. XVII agudizaram-se e foram transformados e justificados como sistema de pretensões científicas. Nas lutas das fases da Revolução Francesa, das lutas liberais, republicanas, comunistas, nazistas e nas actuais dos secularismos, esta cultura é omnipresente. São ideologias ateias, anti-religiosas, anti-Igreja Católica, e anti-mais qualquer coisa, sempre à procura de um mundo mais justo e fraterno e tantas vezes a deixá-lo mais violento, injusto e esgotado. Por vezes até se chama democracia a esta cultura…Lutas de galos em que um procura acabar com o outro. O resultado mais frequente deste conflito-cultura, defendido e justificado com argumentos da “ciência” de turno é levar a bancas-rotas maiores que as encontradas e mais sofrimento humano que aquele que diziam querer reduzir. Foi assim por 1789, por 1820-1890, por 1910-1917 e está a ser assim hoje no pós Maio de 1968 e 25 de Abril..
Poucos são os exemplos de entendimento anti-conflito: União Europeia, Organismos da ONU, CPLP, Muro de Berlim 1989, G8, G20... e alguns mais. Predomina esta cultura, aumentada e incendiada todos os dias em Portugal com mais análises pretensamente científicas, que provam tudo, e actualmente conflito, felizmente sem guerra aberta. Mas não se analisam as doenças espirituais que fazem medrar tal cultura. Provavelmente as pessoas e grupos seus protagonistas mais directos não poderiam ser acreditados por nenhuma organização de acreditação da qualidade. De resto, repete-se, todos têm desenvolvido esta cultura de conflito revangista com os seus aplausos e prática desde há quarenta anos.
Não seria de tornar esta Quaresma um tempo de cura das doenças envolvidas nela? Então o conflito agressivo e destrutivo de um país merece o estatuto de cultura? Então este orgulho cego dos contendentes não é uma doença grave? Então os ruídos diários abertos e difusos não estão a multiplicar este vírus de ressentimentos, ódios, hostilidade, vingança e destruição do país? As terapêuticas estão acima das capacidades humanas mas dão pelo nome de humildade, reconciliação até ao entendimento nacional. São curas de auto-administração mas Quem as poderia prescrever nesta Quaresma? Talvez a Igreja pudesse sugerir o Médico e uma Quaresma de reconciliação pela oração, arrependimento, perdão. A cura-conversão pessoal e social é difícil na verdade. Mas, e alternativas? Mais destruição de um país e mais sofrimentos para os cidadãos. Não, o conflito hostil, ressentido, à base de ódio e orgulho não é cultura. É caminho de caos, banca-rota e morte. Venha a cura antes que Portugal… se acabe!
Quarta-feira de Cinzas, 9 de Março de 2011
Aires Gameiro


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10/03/11

Seremos um país de pacóvios... instruídos?

À luz do recente festival da canção, na televisão pública, e na expectativa da manifestação popular anti-poder... promovida por meios alternativos... como que somos confrontados com uma razoável inquietação: seremos, de facto/de verdade/efectivamente, um povo de estúpidos ou pacóvios, governados por ditadores democráticos e ao sabor da manipulação de certos habilidosos? Se assim for, então, já batemos (mesmo) no fundo da nossa condição social mais mínima.
- Atendendo a certas intervenções e dada a cobertura que lhes está adstrita, poderemos desconfiar que a vitória dos ‘homens da luta’ e toda a rapsódia que lhes está associada foi uma espécie de campanha de alguns sectores mais ou menos bem organizados que funcionam como lóbi... no subterrâneo da capital e, que fazem suficiente barulho, enquanto outros se calam para não sofrerem epítetos de mau gosto...
- Atendendo à promoção de figuras e figurões – muitas e muitos com razoável conotação anarco-revolucionária – quase que temos de engolir umas tantas promoções de fim de feira, quando não passam, afinal, de amostras mal amanhadas... de situacionismo para o descalabro.
- Atendendo à proliferação de indícios de certos sectores sociais, que emergem da letargia política do abstencionismo e da avalanche de desempregados ou a quem foi cortado, recentemente, o subsídio de desemprego ou o de reinserção social... vemos aparecer uma certa ‘geração à rasca’ – dizem que têm qualificação mas não profissão! – ávida de ganhar uns trocos para além de magra mesada dos pais... em cuja casa ainda vivem... quais cangurus na bolsa marsupial!
- Atendendo à crescente confusão com os números da dívida pública e dos juros cobrados a cinco ou a dez anos, bem como à negociação – talvez possa parecer mais negociata – das condições para sermos económica/financeiramente autónomos – no quadro europeu e mundial – a curto e médio prazo... ficamos baralhados com tantos messias e poucos executantes das pretensões, embora os paladinos da desgraça cresçam e enriqueçam com a nossa miséria... colectiva.

= Como nos podemos defender das tentações... do consumismo?
Segundo dados revelados esta semana as visitas e as vendas nos centros comerciais, em Portugal, caíram, em Janeiro último, cerca de onze por cento. Muitas das pessoas que deixaram de ir aos centros comerciais – sobretudo nas áreas metropolitanas das grandes cidades – evitaram assim gastar mais do que podia a sua capacidade económica. Deste modo nem a sedução do consumo consegue ainda fascinar!
Algumas das pessoas que se pronunciaram sobre o assunto reconheceram que, tendo deixado de ter dinheiro para gastar, não vão aos shoppings para não terem tentações.
Nos tempos que correm é urgente saber dizer as coisas – sobretudo as mais desagradáveis e que envolvem a bolsa e o futuro das pessoas e das famílias – com conta, peso e medida, obrigando os palradores – incluímos neste epíteto os políticos, os profissionais da comunicação social, os ministros das igrejas, os fazedores de opinião, os difusores da má língua, etc. – a serem os primeiros a cumprirem aquilo que dizem sobre os outros e para os outros ou, então, o descrédito (descalabro ou incoerência) será ainda maior.
Não há tempo a perder, pois o desfasamento entre pobres (sejam antigos, estruturais, novos ou oportunistas) e ricos (velhos, capitalistas, insensíveis ou vazios) cresce cada vez mais, gerando-se assim lastro suficiente para o surgimento, o medrar ou a afirmação de descontentamentos que só servem para acirrar os mais fracos, mas pelos quais partirá a corda na hora da derrota.

Neste tempo da Quaresma, que estamos a viver na Igreja católica, temos de aproveitar para revermos o nosso comportamento pessoal e colectivo, pois da nossa conversão depende a renovação deste mundo onde nos inserimos como sinais e instrumentos da cidade terrena, construindo já a cidade celeste.


A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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Jornais da Igreja e horizonte eclesial

Há 42 anos, o Bispo do Porto, ao tempo D. António Ferreira Gomes, rebaptizou o jornal da diocese, que se intitulava “A Voz do Pastor”, para lhe chamar “ A Voz Portucalense”. Pretendeu dizer que queria que o jornal diocesano fosse uma voz da Igreja do Porto ao serviço da formação e informação de todos, e não simplesmente a voz do Bispo da Diocese.
O jornal ganhou novo fôlego, alargou o seu horizonte para além do templo, passou a falar mais da vida e daquilo que o Evangelho lhe dizia. Multiplicaram as assinaturas pelo país e, de norte a sul, o jornal era esperado, lido com interesse e comentado pelo seu conteúdo. Os temas significavam o modo novo de a Igreja estar, ver e falar à sociedade. Poucos assuntos do templo, mais assuntos da vida e da sociedade a interpelar os cristãos e a abrir caminho para os que ainda pensavam a Igreja como coisa de padres e de ritos religiosos. Assim se foi vendo que a Igreja, pela sua missão profética e humanizadora, tinha algo de novo a dizer e tinha de o saber comunicar. Por isto, devia ser capaz de escutar, observar, ler e comunicar a partir da vida, dos problemas e dos projectos das pessoas e da sociedade.
Os jornais diários eram das grandes cidades. Os pequenos eram os jornais da província. Alguns destes ligados a pessoas ou a grupos de interesse local. Sempre muito lidos pela gente que já sabia ler e, também, pelos nossos emigrantes na Europa e nas Américas. Com os pequenos jornais se fomentou a proximidade com as pessoas e com as populações. Uma proximidade que se estendeu até aos de mais longe, que viam no jornal da sua terra uma maneira concreta de manterem com ela contacto e interesse pelo que ali se passava. Os jornais eram, normalmente, mais regionais que religiosos, mesmo os de instituições da Igreja. A sua publicação constituía uma maneira concreta de servir as populações. A Igreja foi pioneira, embora não única, junto dos emigrantes e das populações, nesta atenção aos problemas das comunidades locais, por meio dos seus órgãos de informação.
Acontece, porém, pelo modo como se entendia a acção evangelizadora tradicional e porque havia outros jornais regionais a preocupar-se com as notícias da terra, aos jornais da Igreja, dirigidos normalmente por padres, era-lhes mais fácil tratar temas religiosos e dar notícias dos actos cultuais das paróquias. Sem a leitura da vida e a reflexão que a mesma exige, muitos jornais se foram assim tornando “jornais do templo”. Menos sensíveis às mudanças na vida das pessoas e das comunidades, ficaram assim menos capazes de fazer uma leitura cristã da realidade, descurando o modo de apresentar o Evangelho, como uma luz e uma força na ordenação da sociedade. Alguns jornais da Igreja passaram a ter menos leitores, a ser indiferentes aos não praticantes e inócuos, pelo seu contributo, à promoção das pessoas, das comunidades e dos valores morais e éticos, cada vez mais esquecidos e vilipendiados. Alguma imprensa regional da Igreja, porém, pelo seu profetismo e coragem de denúncia, incomodou muito os revolucionários de Abril, que a classificavam como uma intoxicação das populações e um travão da revolução. Um pequeno jornal, “O Amigo do Povo”, sempre corajoso e directo, fez engolir fogo e sapos vivos a muitos abrilistas.
Passam-me pelas mãos muitos jornais da Igreja. E, também, outros jornais regionais, mais noticiosos que opinativos. Não me parece, em muitos casos, uns e outros serem capazes de gerar opinião criteriosa, demarcarem-se das guerrilhas locais e interessarem os leitores por outros horizontes, libertos do trivial.
Voltando, porém, aos jornais da Igreja, sinto que muitos deles ainda não encontraram o perfil de uma voz válida para os tempos que correm. Ou são meramente regionais, ou cheios de religião e de eclesiásticos, mesmo em zonas que fervilham vida. Artigos para encher espaço, por vezes a dizer pouco mais que nada, notícias sem interesse que outros jornais repetem. Muitos deles, apenas com uns pingos de religião explícita, vão-se ficando pela informação do que se passa no templo. Não se vê por ali especial atenção à vida das pessoas, às mudanças sociais e culturais, aos sinais dos tempos, para que se lhes possa dar sentido e resposta. Artigos, que se pretendem de inspiração cristã, tombam para uma religiosidade tradicional, que pouco ou nada diz do mundo plural, político e religioso, onde vivem os cristãos, às suas opções legítimas, ao modo de ser corajoso e profético em relação aos problemas actuais. Há, a diversos níveis, um esforço, para formar e ajudar a evoluir os responsáveis pelos órgãos de comunicação. Vêem-se alguns resultados, menos do que seria de esperar. As pessoas em causa, mormente quando são padres, depressa se tornam oficiais de mil ofícios, e recorrer a leigos preparados, ainda não é prática frequente, o que é pena.
O Vaticano II, em documentos conhecidos, empurra a Igreja para fora do templo. Porém, o peso do religioso e do cultual ainda impede que se diga e comunique com outra linguagem, capaz de acordar os de dentro e fazer com que os de fora entendam a Igreja e a sua missão no mundo. Há passos que se podem dar já, como desclericalizar, o mais possível, a comunicação na Igreja. Outros serão mais lentos, mas não impossíveis. É questão de se tomar a sério o papel da comunicação social, de ver os seus meios como mediadores necessários de evangelização, de se encontrar gente preparada e aberta para os orientar. Há aí exemplos bons neste sentido. Mas se nada muda e depressa, então tudo vai mudando para um inútil sem qualquer significado.

D. António Marcelino



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09/03/11

A importância de um pai...

Ser pai… quando se é Pai? É-se pai quando se engravida. A gravidez do pai dá-se em primeiro lugar no coração, onde a consciência e o sentimento de paternidade é gerado.
A gravidez do pai dá-se sobretudo quando o homem passa além de uma paternidade biológica e assume uma procriação responsável, a qual inclui também a educação. Ser pai é um dom e uma vocação. Diríamos que ser pai é estar em permanente gestação. Acolher os filhos como um dom ou como promessa é assumir a grande tarefa inicial da criação: crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra…
Ser pai é estar ao serviço da vida e da criação. É ser servo da vida, ser seu cooperador, não tão somente na ordem da procriação apenas, mas sobretudo na capacidade de gerar uma vida com sentido e de dar ao mundo um mundo novo, cheio de beleza pela permanente novidade que a vida nos traz.
Importa para isso que o pai não se esqueça que também é filho. E enquanto filho inscreve-se na lógica do aprender e do descobrir a vida. Tudo isto é um processo, diríamos uma geração prolongada, que vai acontecendo no tempo e no espaço e nas suas mais variadas e surpreendentes circunstâncias da vida social, económica, afectiva e espiritual.
Ser pai é assim ser aprendiz e ser educador em simultâneo. Não há aqui lugar para compartimentar momentos ou afazeres. Tudo se torna acontecimento que marca a vida do próprio e dos seus familiares directos. Daí que ser pai é de igual modo ser homem e esposo, ser trabalhador honesto e honrado, bom administrador dos bens, gestor dos seus recursos, responsável e cumpridor no que diz respeito aos seus deveres civis, transmissor e comunicador dos valores morais, éticos e espirituais, incansável na busca do sentido da vida e cultivador da dimensão espiritual… vive integrado na sociedade que o rodeia e partilha das mesmas necessidades, angústias e tristezas, alegrias e esperanças que os seus contemporâneos… Apesar dos contratempos e do inesperado, tem memória e confia no futuro… A sua vida é um todo e um tudo que não prescinde de ninguém. Nem ninguém prescinde dele. Fazê-lo seria anular a ordem natural da existência humana e da sua sobrevivência enquanto ser para a felicidade.
É nesta diversidade e pluralidade em que todos vivemos que descobrimos a importância de um pai. Na verdade, o pai não é o centro nem faz tudo convergir para si. Antes, cria condições e estabelece pontes de diálogo para a sã convivência das sociedades moleculares que são as famílias. Mesmo nas mais variadas formas de família que actualmente existem. Mesmo nas questões fracturantes o pai não perde o seu papel nem o deve deixar cair. O pai é figura imprescindível para o crescimento integral e integrado de qualquer criança, adolescente, jovem ou adulto. De facto não se é pai somente na infância. É-se pai desde a "gravidez do coração" até ao último instante da vida. Diríamos que a importância de ser pai está de alguma forma no seu inconformismo, na sua capacidade de se incomodar e não se acomodar. A sua autoridade perante a vida e diante os seus filhos está na lógica primeira do dom da vida. Ora a vida é dinamismo, é beleza que cria novidade permanente. E isto é amor. Demitir-se deste dinamismo e das suas consequências é deixar de amar e de entender a paternidade como um serviço à criação. Poderá mesmo ser, deixar de ter a vida por conselheira e mestra da nossa existência.
Deixo um desafio: caros pais, sois únicos, irrepetíveis e insubstituíveis. Tendes um papel de extrema importância no desenvolvimento das gerações futuras. Observai os vossos filhos, com cuidado. Descobri neles a magia da comunicação da vida. Esta comunicação acontece através de uma escuta atenta, do carinho, do olhar nos olhos para ver a profundidade do ser. Os filhos precisam de vos sentir, de vos presenciar. Sede pais a tempo inteiro. Os vossos filhos gostam de vos sentir presentes nas suas dificuldades e partilhar as alegrias. Cuidai deles e guiai-os enquanto não sabem para onde ir. Ajudai-os a discernir, a fazer opções, a ter critérios, a serem livres… Criai neles um espírito de generosidade e partilha, de alteridade e de gratuidade. Cuidai também do seu espírito, porque um espírito que se alimenta da busca de sentido na vida garante maior qualidade de vida. Sabei ainda que o “autoritarismo esmaga e a permissividade afoga” (Suzana Stroke). Não vos esqueçais que sois pais. Ides sempre à frente a abrir o caminho. Não para os substituir mas para que eles se sintam orientados. Como uma árvore para crescer direita precisa de uma vara que a guie, também os vossos filhos precisam de apoio. Não vos torneis escravos da amizade pelos vossos filhos, carregando-os às costas. Não vos deixeis levar pelos seus desejos. Sede pais. Isso vos basta. Envolvei-vos! Só o que me envolve e me implica eu aprendo e vivo.
A vida não é um já. Ela é sempre um ainda não. Um ainda inesperado e surpreendente. Isto permite-nos viver com esperança.

Equipa de Pastoral Familiar Arciprestal de Vila Nova de Famalicão


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04/03/11

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 04 de Março de 2011

Ao ver em canais televisivos a publicidade das festividades do Carnaval, lembrei-me de um texto assinado em 20 de Agosto de 1992, no Funchal, por oito padres e um diácono, do qual cito a passagem seguinte: “São especialmente preocupantes os últimos dados estatísticos que referem Portugal como o país da Comunidade Europeia onde é maior a disparidade entre ricos e pobres e, onde, actualmente, se acentuam as desigualdades sociais, sobretudo com o aparecimento das chamadas «novas formas de pobreza», que atingem principalmente os idosos, os trabalhadores com dificuldade de reciclagem e as pessoas socialmente menos inseridas (por motivos sociais, culturais, etc.).

Por outro lado, não é admissível que certo tipo de «desenvolvimento» seja conseguido à custa da ignorância ou da necessidade das camadas mais desprotegidas da sociedade, ou daqueles que não têm peso suficiente para fazer valer os seus direitos, sendo, por isso, vítimas de engano ou de injustiça”.

Vão lá dezanove anos… E no país, estamos como sabemos. É legítima a diversão, mesmo sob a batuta do calendário. Já não será curial pelos gastos sumptuosos, pela embriaguez (em todos os sentidos) de tantas formas de esquecer a dureza dos dias, pelo olvido dos que perderam as razões da ventura e da alegria. Vai estar tudo cheio. Os lugares de sempre. As pessoas, as mesmas, de sempre. Mas é de humor amargo a conclusão de “marcarmos passo”, volvido tão longa história. É o Carnaval português.

Perguntaram há dois anos ao antigo Geral da Ordem Dominicana, Timothy Radcliffe, por que motivo a Igreja tem dificuldade em manejar tal forma de ser (o bom humor)? Citando G. K. Chesterton, acentua o Pe. Radcliffe: “se é necessário tratar a Deus com seriedade, já não se torna urgente tratar-se cada um tão a sério…! E a Igreja é tão tímida… Se tivéssemos a coragem de tomar o Evangelho como é, sofreríamos o risco de não sermos compreendidos. Jesus correu essa opção ao ser amigo dos pecadores. Não vale a pena andarmos para aí preocupados com a nossa reputação”. Mas até, nestas questões de franca e boa disposição, a tradição já não é o que era. Há motivos para podermos rir de nós próprios. É um Carnaval diferente!

04 de Março de 2011
Januário Torgal Ferreira


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A fábula de uma rã...

Todos os meus estimados leitores são conhecedores de histórias de animais, aproveitadas por autores de grandes letras, para delas extraírem recomendações para os humanos.

É uma estratégia e um gosto que nos vem do longínquo sânscrito indiano, continuado mais tarde na Grécia por Esopo e tornado mais próximo para nós pelo francês La Fontaine.

Há dias, marcada de anonimato, entrou no meu portátil a pequena grande história de uma rã, que passo a resumir a meu modo:
Uma certa rã caiu num tacho de água fria e, sentindo-se à vontade, começou a nadar despreocupada e satisfeita. Daí a pouco, chegou a cozinheira, acendeu o fogão, regulou o bico do gás em lume brando, e retirou-se. A água começou a ficar morna, a rã estranhou um pouco, pensou até em saltar da água, mas, como o ambiente até nem era desagradável, foi-se deixando ficar a nadar dentro do tacho.
Entretanto, aumentando cada vez mais a temperatura da água, o batráquio começou a sentir-se dormente e com torpor, já incapaz de reagir e de saltar…e acabou por morrer cozida, sem remédio e salvação.

A história é simples de interpretar.

A moral da história, fácil de retirar.

Os nossos políticos de Abril acenderam a chama da liberdade no pequeno grande tacho do nosso fogão nacional. E bem, porque a liberdade é um dom e um direito.

A verdade é que, desde então, com certa estranheza do povo primeiro, com alguma habituação logo depois, tem vindo a desvalorizar-se no país a educação e o respeito, o pudor e o bom-senso, a seriedade e o compromisso, o casamento e a família, a religião e a fé, o amor ao trabalho e o hábito da poupança, a moral e os bons costumes, a disciplina e o rigor, o respeito pela autoridade e o acatamento das leis, a pontualidade e o serviço, a honradez e o mérito, a responsabilidade e o empenho, os ideais de vida e o esforço em alcançá-los… tudo ensinado lentamente, sem defecção ou desalento, em folhetins e novelas, em decisões e discursos, em documentários e notícias.

Infelizmente, o mau exemplo vem de cima.

Nas leis que vamos tendo, nos discursos que vamos ouvindo e nas imagens que vamos vendo, todos os dias, a todas as horas, exalta-se o egoísmo, facilita-se a promiscuidade, apoia-se a preguiça, premeia-se a má educação, escamoteia-se a corrupção e o roubo, desculpa-se a irresponsabilidade e o embuste, valoriza-se o oportunismo e a mentira, admira-se e evidencia-se a irreverência e o desrespeito pelas normas da moral tradicional, favorece-se e exalta-se a libertinagem, distribuem-se benesses e mordomias por clientelas partidárias, consome-se em vaidades o que há e o que não há, delapida-se o erário público, endividam-se o país e as famílias… e ridiculariza-se quem é honesto, marginaliza-se quem é pobre e esbulha-se do pouco que já tem a quem trabalha.

Que país o nosso!

Mesmo nas nossas aldeias, até há pouco tão regradas e tão sãs, os filhos nascidos de mães solteiras, a viver sem o seu pai, são já quase a maioria. Os casais juntos, a viver sem compromisso de espécie alguma, aumentam cada vez mais. Em 2008, os casamentos desfeitos pelo divórcio no país foram quase sessenta em cada cem. Nas clínicas do Estado, pagas por todos nós, eliminaram-se 65 mil bebés. A nossa juventude, sem trabalho e sem esperança, delapida a alma e arruína o corpo nas discotecas nocturnas e duvidosas do país. Colocam-se velhos nos hospitais, falseando-se o seu local de residência, para se poder ir passear para o estrangeiro sem que eles sejam estorvo. Morre-se já por aí, nas nossas terras, sem que os familiares ou os vizinhos dêem conta.

E, como se isso fosse normal e correcto, o país assiste a tudo… calado…conformado…habituado…votando…num torpor como o da rã.

Oxalá que, como a rã, não venhamos a acabar destruídos e queimados, sem salvação nem remédio.

Oxalá que não!

Resende, 25.02.11
J. CORREIA DUARTE



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03/03/11

Dirigentes emparedados rodeados de burocratas e de aspirantes de poder

António Guterres, um governante com militância cristã e horizontes largos e que, por isso mesmo, não podia ir longe no ambiente que o circundava, disse que a educação era a sua paixão e a preocupação do seu governo.

Uns riram-se, outros incomodaram-se, outros logo afiaram espadas para o poderem ver pelas costas. Mas que outra paixão mais verdadeira e urgente pode ter o governante de um país como o nosso, senão a promoção integral de todos as crianças e jovens, a sua preparação para a vida activa, a sua capacidade de relação e de agir em qualquer circunstância, a aquisição de valores perenes que orientem a sua vida, o recto exercício da liberdade na verdade e na tolerância, o exercício livre de uma democracia plural e participativa, o desprezo por todas as formas de manipulação e de falta de respeito pelos outros, o não querer subir ao colo de outros e negar-se àquilo para o qual não está preparado?

Há dias, José Sócrates, em Braga, ao inaugurar uma escola reconstruída, disse de Portugal que “este é um país que aposta tudo na educação. Este é um projecto de muita ambição para o país e é a aposta maior na educação de que há memória”. E reafirmou que se trata de “uma aposta de conjunto, que vai do pré-escolar ao ensino secundário”. E disse ainda mais que “o país vai ter sucesso no futuro”, e que será palavra de aval para um cidadão: “Mostra-me a tua escola e dir-te-ei que nível de desenvolvimento tens”. Tudo mito certo e bonito se significasse mais do um discurso inflamado de uma festa de inauguração. Mas não podemos deixar de o ler e de o ouvir num contexto que o contradiz, porque se refere a edifícios com melhores condições, e a educação não se contenta com paredes bonitas. Acima de tudo exige alicerces que a sustentem e horizontes abertos que a norteiem.

A escola vale pelo projecto educativo que procura servir, ao lado de outros projectos nacionais, porque nem só na escola e com bons professores se aprende. Também é escola a “casa dos pais”, respeitados e ajudados, o testemunho público dos adultos e dos que têm posição social mais saliente, o ambiente que se procura perseverar dos inquinamentos malsãos, os estímulos normais que se dão aos alunos para que se interessem, estudem e preparem para a vida activa, as perspectivas de trabalho que se abrem a quem estudou, o clima de verdade e de justiça que se propicia na vida pública, o respeito pelas iniciativas legítimas dos cidadãos e das instituições… Um programa educativo para o país também não pode menosprezar, nem esquecer propostas válidas e testadas de projectos educativos inovadores, de avaliação dos resultados não apenas dos exames, mas do desempenho social daqueles em que o país investiu ao longo de anos nas escolas.

Um governante, porque tem de servir a todos e no respeito por todos, é um dirigente que não se pode deixar emparedar por interesses pessoais e partidários, e que se alguma ideologia política o domina, ela não pode orientar-se senão para o bem comum, democraticamente entendido e procurado, tal como não se deve rodear, se de tal for capaz, de burocratas inquinados e de jovens invertebrados, ansiosos de um poder, rápido e fácil, que ou manipulam chefe, ou outra palavra não têm senão o “sim” que sempre lhes agrada.

Certamente que é necessário melhorar muitos edifícios escolares, mas a escola é mais que o edifício. Quando numa política, vazia e suja, e por isso mesmo injusta, não se respeitam as escolas privadas, os seus alunos, professores e pais e projectos educativos, começa-se por menosprezar os seus edifícios, construindo ao lado de outros não necessários mas que terão placas de inauguração, com dados e nomes enviados do ministério… É por estas e por outras que duvido, e não apenas eu, das proclamações do primeiro-ministro em Braga, e dos outros governantes que, a seu mando, repetem o seu discurso por esse país fora.

D. António Marcelino


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01/03/11

O drama de famílias inteiras no desemprego

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), há cerca de 450 mil pessoas, entre os 18 e os 59 anos, que vivem em agregados familiares onde nenhum dos elementos tem trabalho.

Atentendo a certas referências, sobretudo do âmbito sindical, essa maioria de famílias é composta por casais que têm o ensino básico, embora os filhos não consigam ultrapassar essa mesma fasquia de instrução.
Se tivermos ainda em conta os cerca de oitocentos mil desempregados, onde nem 40% recebe o subsídio de desemprego, poderemos considerar que há fortes indícios de colapso social em Portugal a curto prazo e perceberemos que a conflitualidade irá crescer, na medida em que estes mais desfavorecidos estarão à mercê da manipulação de forças político-sindicais eivadas de esquerdismo – eufemisticamente apelidado de ‘Estado social’ – mas vazias de soluções... integradas e integradoras. Por outro lado, já vemos pulular uma certa economia paralela – com biscates de circunstância e trabalho feito sem passar recibo – onde alguns dos proscritos da subsidio-dependência irão refugiar-se para sobreviverem...

= Fome a quanto obrigas!
Nesta etapa da nossa crise, vemos crescer a teoria do desenrascanço – tão portuguesa, quão subdesenvolvida! – tentando fintar a prestação de contas e/ou crescendo à custa da incapacidade de resolver as questões mais necessárias à mistura com o engano da tentativa de resolução dos problemas mais urgentes... mas nem sempre os mais necessários.
- Por vezes temos de ser sagazes para não nos deixarmos enganar com (intensas) lamúrias, pois há casos em que, as cores carregadas de miséria, encobrem a negligência (pessoal ou familiar) em assumirem as consequências dos actos mal avaliados.
- Quantas vezes as pessoas não têm (mais ou menos objectivamente) capacidade em suportar as obrigações essenciais – renda de casa, prestação de cuidados na educação dos filhos ou gastos de electricidade ou de água – mas ostentam telemóveis do último grito – sempre desactualizado à luz da panóplia publicitária – ou tresandam a tabaco... quais necessidades prioritárias, mas escusadas.
- Nalgumas situações a solicitação de ajuda parece um tanto viciada na forma e, sobretudo, no conteúdo, pois é procurada à rebelia da consciência da fé que lhe presta tal suporte... A função reivindicativa corre (mesmo) o risco de se sobrepor à dimensão caritativa, podendo as instâncias da Igreja não passarem de correias de transmissão de sectores (mais ou menos preguiçosos) da componente social do Estado.
Se bem que a fome não tenha cor ou etnia, religião ou partido, idade ou condição social... importa saber quem nos pode explorar – podemos até estar a fazer figura de parvos, mas que o seja conscientemente! – abjurando a dimensão da fé praticada. Com efeito, a educação não se compadece com ingratidão nem mesmo a falsidade pode ser confundida com oportunismo.
+ Neste contexto, a Igreja católica terá de saber discernir se está a entreter o (seu) tempo com acções sociais que competiam ao Estado... pois nos cobra os impostos e aligeira as suas obrigações.
+ Teremos, urgentemente, de saber escolher, pela simbologia de intervenção, os campos de acção que nos deixem espaço para o anúncio de Cristo – mesmo distribuindo migalhas da mesa dos ricos fanfarrões – sem nos submetermos ao assistencialismo estatal ou quebrando as rotinas do fichamento dos socorridos.
+ De facto, o mais pequeno contributo em pão deverá ser oportunidade de saciar a fome de vivência da nossa humanização... em maturidade crescente.
Sabendo salvaguardar a nossa identidade saberemos prosseguir a nossa missão... cristã.

A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)


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