Jornal de Opinião

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18/02/13

No rasto do que resta

1. Nem tudo acaba quando parece terminar. Há bastante que fica no muito que aparenta passar. E, afinal, surge sempre um novo começo depois de cada fim. O que resta, para lá do fim, é o rasto. Nunca fica no passado quem deixa rasto. Quem deixa rasto torna-se presente em cada presente. 2. Nestes tempos, não são apenas os factos que são novos. Os próprios tempos, onde ocorrem os factos, também despontam como novos, como radicalmente novos. 3. Outrora, era fácil presumir que o Papa não adoece e que, portanto, não abdica. O Papa raramente aparecia e praticamente nunca saía. 4. As doenças do Papa eram escondidas. E a abdicação do Papa dificilmente seria ponderada. Por incrível que pareça, o Papa, noutras eras, seria mais notado quando morria. A sua morte tornava-o mais visível — e até mais visitado — com o cortejo de peregrinos que desfilavam diante do seu túmulo. 5. Acontece que, na era da comunicação, é quase impossível a uma figura como o Papa não ser visto. A sua fragilidade física, tal como o seu fulgor espiritual, passeia-se à nossa frente. João Paulo II foi adoecendo à nossa frente. Bento XVI vai-se despedindo em directo. Primeiro, um Papa só escolhia a data de entrada. Agora, também escolhe a data de saída. 6. Mas, atenção, Bento XVI abdica, mas não capitula. Retira-se, mas não desiste. Recolhe-se, mas não se submete. Olhando para os dois últimos Papas, ficamos com a certeza de que é preciso ter muita ousadia para fazer o que João Paulo II fez. Mas habita-nos também a convicção de que uma não menor coragem é necessária para dar o passo que Bento XVI deu. Afinal, o Papa mostra uma grande força quando assume a sua fraqueza. Quando revela a sua fraqueza com uma enorme franqueza. 7. Bento XVI é um homem de hábitos simples e porte frugal. Mas, ao mesmo tempo, avulta como um aristocrata do pensamento e um exímio escultor da palavra. Ele, que sempre quis ser um homem comum, nunca se revelou banal. Nos textos de maior fôlego ou no mais leve improviso, foi sempre capaz de ser brilhante, profundo e acutilante. 8. Foi alguém que iluminou com a fé as questões colocadas pela razão. Neste sentido, não se posiciona apenas como o defensor da transcendência ante o excesso de imanência. Também não é somente o advogado do absoluto diante das incursões do relativismo. Acaba por ser igualmente um protector da ciência perante os excessos do cientismo. Ao apontar os seus limites, ajuda-a a reencontrar o seu lugar. 9. Daí que até os eruditos que não o seguem como líder religioso o respeitem imenso como um intelectual de primeira grandeza. Basta evocar Jurgen Habermas ou Umberto Eco. Todos eles reconhecem a excelência do pensamento e a excepcionalidade da obra. 10. Bento XVI é um arauto da fé e um príncipe da cultura. Não foge às interrogações. Não dribla as respostas. Deu sempre dimensão pastoral à sua produção teológica. E sempre conseguiu oferecer profundidade teológica à sua acção de pastor. Exemplar! João António Pinheiro Teixeira

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