Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

25/02/13

Incoerências da nova lei do álcool

Quando me pediram o meu comentário às novas alterações surgiu-me o termo incoerência e supremacia do poder da indústria do álcool sobre a saúde dos cidadãos. Levaram doze anos a sair as presentes alterações da lei do álcool e bem se esperava um passo mais nas políticas do álcool e a saúde pública. Quase se pode dizer que a montanha pariu um rato deformado no dia 21.02.2013. Resumindo: esperava-se que a idade legal de consumo e aquisição de bebidas alcoólicas subisse de 16 para 18 anos, ponto final, e que tivesse medidas de fiscalização eficazes. Agora a lei vem dizer que bebidas espirituosas ou brancas podem prejudicar por terem álcool; e a sinalizar que o vinho e a cerveja não prejudicam a saúde dos jovens. Esperava-se que a lei viesse reduzir as dependências precoces de álcool por serem as de mais dano para o resto da vida por a dependência ser irreversível; e sai uma lei que continua a facilitar a indução precoce da dependência do álcool. Os jovens de menos 18 anos podem continuar os hábitos do binge drinking (= 4 a 6 unidades numa só sessão) ou embriaguez rápida desde que seja com cerveja que era o que a maioria já fazia. Muitos até descobrirão que é mais rápido se misturarem bebidas brancas na cerveja e no tinto. Espera-se mesmo assim mais fiscalização para as leis não serem só documentos para Europa ver. Fechar um bar por 12 horas quando for apanhado em flagrante não é grande penalização. Resta saber se penalizações maiores vão acontecer. Um comentador jurídico dizia que a lei anterior dos 16 anos nunca tinha tido até hoje uma única penalização. Agora temos duas idades mínimas de consumo de acordo com a “cor política da saúde” e dois tipos de álcool, o que é e o que não é (por lei), ou seja o mau e o bom álcool, embora com a mesma substância química. Lamenta-se. Também alguns pais se lamentam Pode bem perguntar-se porque se recuou na lei preparada pela SICAD. Parece que outros interesses de mais capital se levantaram; e aí temos a indústria da cerveja a ditar as leis da saúde. O seu lóbi consegue até vergar os “policymakers” da saúde pública. Perdeu-se a oportunidade de fazer uma lei mais coerente que fizesse a diferença de reduzir os consumos precoces nos jovens que causam danos irreversíveis no cérebro e aumentam em 20 ou 30% as probabilidade de dependências e os seu danos também de forma irreversível. De positivo na lei fica a proibição de venda e consumo entre as 00h00 e as 8h00 nalguns locais como as bombas de gasolina, aeroportos e portos, e recintos de diversão noturna. De positivo e mudança mais coerente é a lei do Código da Estrada relativa à alcoolémia nos condutores que baixa de 0,5 para 0,2 para os recém-encartados até três anos e para os condutores profissionais de veículos de socorro, mercadorias perigosas, táxis e coletivos de crianças e passageiros. Lisboa, 23.02.2013 Aires Gameiro

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Santos e pecadores, hoje como ontem!

Neste tempo da Quaresma temos sido surpreendidos por factos e por episódios, por personagens e por figuras, por sinais e por perguntas... que são, no mínimo, inquietantes e provocadoras da nossa fé... mesmo que ela seja suficientemente apurada e amadurecida, tanto pelo conhecimento teológico como pela experiência de Deus em nós, na Igreja, neste mundo e neste tempo. - Repentina, mas profeticamente, o Papa Bento XVI anunciou a sua renúncia ao exercício do ministério de Pedro. Fê-lo em conformidade com o parágrafo segundo do cânone 332 do Código de Direito Canónico. O dia do anúncio foi escolhido – dia mundial do doente – e a data de concretização ponderada (28 de fevereiro) ao meio da caminhada quaresmal, por forma de ainda ser dado tempo de escolha para o próximo Sumo Pontífice antes da Páscoa. Tudo e todos ficaram estupefactos. Bento XVI fala por sinais... qual profeta dos tempos antigos, mas agora em linguagem actualizada e, porque não dizê-lo, escandalosa para o mundo ávido de protagonismo e de poder. - Sem que tal o fizesse esperar lançou-se na lama quem ocupava altos cargos no episcopado. Qual a razão? Há causas? Quais as consequências? Que juízos se podem conjecturar? Onde está a verdade: agora, antes ou depois? Na visão eclesial valerá tudo para atingir certos fins? Na visão do mundo ver-se-á diferença de comportamentos e de éticas? Onde estão os amigos de antanho? Poder-se-á dizer que tudo o que se diz vale sem fazer ricochete? Afinal, ao espelho da consciência, fica-nos a confiança no perdão misericordioso de Deus, ontem como hoje e amanhã... embora o mundo nem sempre perdoe e quase nunca esqueça... ao menos até que surjam outros factos, episódios e personagens! Coincidência (ou não) a notícia começou a correr mundo e a provocar reacções no dia em que se celebrava a festa litúrgica dos pastorinhos de Fátima! - Por estes dias várias dioceses e até o episcopado português vivem tempos de retiro... quaresmal anual. É assim, normalmente, em cada quaresma. De pouco importa quem prega, pois só serve de ajuda, mas quem reza tem de o fazer de forma pessoal diante de Deus e da sua consciência... num crescimento pessoal, comunitário e eclesial. Criar dimensão – ou será antes consciência assumida? – de presbitério é uma oportunidade em ocasiões como esta do retiro anual. No entanto, quando vemos proliferar tantos nichos de espiritualidades, ainda estaremos a tempo de reconstruir, comunitariamente, a Igreja, começando pelo clero? Decorridos cinquenta anos do Concílio Vaticano II estaremos no espírito ou já perdemos a letra dos documentos então exarados? Humildade e espírito fraterno, precisam-se como pão para a boca... Em jeito de sugestão deixamos breves pinceladas – não serão as mais importantes, mas antes um tanto ‘novas’ – do retiro que pregou um padre carmelita ao clero de Setúbal, na primeira semana da Quaresma: . Somos homens de Deus entre os homens; . Temos de saber conciliar a samaritana com o samaritano; . Os sacerdotes são chamados a viver o celibato em fraternidade; . Seguir a Cristo-sacerdote não comporta a dissecação do coração; . O sacerdote não é feito para ser santo, mas para se pôr ao serviço de Jesus; . O problema não se põe em estar com Jesus, mas em andar com Ele; . O maior pecado é não corresponder ao amor misericordioso de Deus; . O pecador é um carente afectivo, um carente de amor... não tem amor porque não é capaz de amar; . Converter-nos do ‘eu’ ao ‘tu’... ganhar a vida, perdendo-a; . Fazer a experiência do Deus comunitário. Em condição de peregrinos vivemos a santidade, mesmo que pequemos, pois, em Jesus e pela Igreja, seremos perdoados. António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

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18/02/13

No rasto do que resta

1. Nem tudo acaba quando parece terminar. Há bastante que fica no muito que aparenta passar. E, afinal, surge sempre um novo começo depois de cada fim. O que resta, para lá do fim, é o rasto. Nunca fica no passado quem deixa rasto. Quem deixa rasto torna-se presente em cada presente. 2. Nestes tempos, não são apenas os factos que são novos. Os próprios tempos, onde ocorrem os factos, também despontam como novos, como radicalmente novos. 3. Outrora, era fácil presumir que o Papa não adoece e que, portanto, não abdica. O Papa raramente aparecia e praticamente nunca saía. 4. As doenças do Papa eram escondidas. E a abdicação do Papa dificilmente seria ponderada. Por incrível que pareça, o Papa, noutras eras, seria mais notado quando morria. A sua morte tornava-o mais visível — e até mais visitado — com o cortejo de peregrinos que desfilavam diante do seu túmulo. 5. Acontece que, na era da comunicação, é quase impossível a uma figura como o Papa não ser visto. A sua fragilidade física, tal como o seu fulgor espiritual, passeia-se à nossa frente. João Paulo II foi adoecendo à nossa frente. Bento XVI vai-se despedindo em directo. Primeiro, um Papa só escolhia a data de entrada. Agora, também escolhe a data de saída. 6. Mas, atenção, Bento XVI abdica, mas não capitula. Retira-se, mas não desiste. Recolhe-se, mas não se submete. Olhando para os dois últimos Papas, ficamos com a certeza de que é preciso ter muita ousadia para fazer o que João Paulo II fez. Mas habita-nos também a convicção de que uma não menor coragem é necessária para dar o passo que Bento XVI deu. Afinal, o Papa mostra uma grande força quando assume a sua fraqueza. Quando revela a sua fraqueza com uma enorme franqueza. 7. Bento XVI é um homem de hábitos simples e porte frugal. Mas, ao mesmo tempo, avulta como um aristocrata do pensamento e um exímio escultor da palavra. Ele, que sempre quis ser um homem comum, nunca se revelou banal. Nos textos de maior fôlego ou no mais leve improviso, foi sempre capaz de ser brilhante, profundo e acutilante. 8. Foi alguém que iluminou com a fé as questões colocadas pela razão. Neste sentido, não se posiciona apenas como o defensor da transcendência ante o excesso de imanência. Também não é somente o advogado do absoluto diante das incursões do relativismo. Acaba por ser igualmente um protector da ciência perante os excessos do cientismo. Ao apontar os seus limites, ajuda-a a reencontrar o seu lugar. 9. Daí que até os eruditos que não o seguem como líder religioso o respeitem imenso como um intelectual de primeira grandeza. Basta evocar Jurgen Habermas ou Umberto Eco. Todos eles reconhecem a excelência do pensamento e a excepcionalidade da obra. 10. Bento XVI é um arauto da fé e um príncipe da cultura. Não foge às interrogações. Não dribla as respostas. Deu sempre dimensão pastoral à sua produção teológica. E sempre conseguiu oferecer profundidade teológica à sua acção de pastor. Exemplar! João António Pinheiro Teixeira

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Viver a fé em tempo de Quaresma

Atendendo à riqueza espiritual e religiosa, que é o tempo da Quaresma, parece-nos oportuno, neste ‘Ano da fé’, apresentar algumas sugestões para vivermos (pessoal, familiar e eclesialmente) este tempo de graça em vista da celebração do mistério central da fé cristã, que é a Páscoa de Jesus e a nossa em Igreja católica.. * Novidade em tradição Sem pretendermos recauchutar vivências populares, poderemos dar novo sentido ou ardor àquilo que já fazemos e renovar aquilo que é feito... quantas vezes com tanto esforço e (talvez) pouco proveito visível! = Cuidar dos sinais da caminhada (via-sacra, penitência, procissão do Senhor dos Passos) Estas vertentes de fé popular têm grandes possibilidades de serem vividas com novo ardor e usando novos métodos. - Inovar na temática da Via-sacra: inseri-la no projecto anual da diocese e/ou da paróquia v.g.: mãos, rostos, pecados (capitais ou sociais), obras de misericórdia... pés (caminho... corda); - Vivenciar a celebração do Sacramento da Penitência: não repetir ou socorrer-se do que outros fizeram... cada um deve fazer a sua caminhada, por forma a viver a dinâmica de contínua de conversão... Cada ano deveríamos, senão ao nível diocesano pelo menos ao nível arciprestal, criar um novo exame de consciência de caminhada comunitária... coordenada. - Procissão dos Passos: fazer uma espécie de ‘desfile’ de santos poderá ser útil para certas vaidades, mas talvez possa ser pouco cristão na forma e no conteúdo. Incluir encenações e momentos de anúncio vivencial da Palavra de Deus serão oportunidades a cuidar nesta época em que a fé do templo nem sempre tem sintonia com a fé da rua... Podemos e devemos fazer melhor! = Não entrar na rotina (vivência do jejum/abstinência - porquê e para quê? razões, hoje) A rotina mata o amor! Por isso, certos ritos, mesmo que simples, como que podem fazer perigar a intensidade de comunhão cristã. O tema da ‘abstinência/jejum’ põe-nos, humana e espiritualmente, uma proposta de sacrifício assumido numa comunhão com quem passa dificuldades, gerando em nós mesmos uma supressão de algo que pode até ser excessivo... = Ousar propor pequenos gestos (pessoais, familiares, paroquiais)...de partilha/caridade (renúncia quaresmal - que sentido? que razão?) Inseridos no espírito de caridade, a renúncia quaresmal faz-nos participar com gestos -- mais do que por meras palavras -- de partilha e em abertura à catolicidade da fé cristã. * Fidelidade ao Espírito Santo Em de tudo a nossa vivência da fé acontece na Igreja, com a Igreja e pela Igreja Igreja, pois esta nossa mãe nos dá as condições para nascermos (pelo baptismo), nos alimentarmos (pela eucaristia) e de nos reconciliarmos (pela penitência) todos com Deus e uns com os outros. = Na Igreja: cuidado comunitário Somos parte de um todo eclesial e não meras fatias de um conjunto. Assim, tudo o que possamos fazer ou propor que possa aproveitar ao bem dos outros. Nos mais diversos serviços da Igreja deveríamos sentir-nos representados por quem está noutros trabalhos que não o nosso e não em concorrência pela visibilidade do nosso ‘eu’... Quando alguém canta bem sentimo-nos engrandecidos ou temos uma certa inveja? Quem exercita a caridade fá-lo em nome de todos ou como uma espécie de trabalho ‘seu’? = Com a Igreja: pelas mãos uns dos outros Não temos direito de impor as nossas devoções aos outros, mas antes devemos lançar sementes para que outros cresçam por si mesmos. Talvez ainda vivamos um certo infantilismo da fé e da não-corresponsabilidade em Igreja. Será que os leigos se sentem de corpo inteiro, pela sua vocação e missão, no exercício dos seus dons? Não será que, por vezes, há alguns leigos a fazer de padres e certos padres à maneira de leigos? = Pela Igreja: humildade e serviço Na medida em que nos consciencializarmos do nosso lugar na Igreja assim estaremos ao serviço uns dos outros com humildade e atenção fraterna. O serviço do amor deve começar dentro da nossa casa -- seja ela a família, seja o espaço da paróquia -- numa crescente atenção aos outros como irmãos e irmãs na mesma fé... cristã/católica. Será que nos olhamos com ternura e compaixão? Não será que, por vezes, nos ignoramos ou até desprezamos, consciente ou inconscientemente? * Abertura aos outros... de fora da Igreja Não podemos reduzir a nossa vivência da fé só ao espaço dos muros do templo, temos de ser cristãos neste mundo e neste tempo. Assim devemos estar atentos aos outros... mesmo aos descrentes. = Aos que abandonaram a fé em celebração Nem todos os que sairam da Igreja -- templo e/ou comunidade-- têm total culpa, pois, nalguns casos, fomos nós que os excluímos. Muitos vieram às nossas celebrações e nem sempre foram bem acolhidos. Como vai o acolhimento como fé vivida? Nalgumas situações os clientes das nossas celebrações -- sobretudo os ocasionais ou até os intermitentes -- podem ter saído ofendidos com a nossa frieza humana e menor calor cristão. Não haverá algum anonimato nas nossas Igrejas? = Escandalizados pela nossa falta de testemunho Não somos uma Igreja de santos e santas, embora sejamos pecadores santificados. Talvez sigamos mais ‘frei tomás’ do que ‘frei exemplo’, isto é, dizemos mais e nem sempre fazemos em coerência. Temos de ir ter mais com as ovelhas perdidas da casa de Israel do que estarmos a engordar com devoções quem já está saciado de rezas e ‘coisas do Senhor’! Como que precisamos de abandonar a ‘psicologia do sino’, que chama mas não entra no espaço da fé vivida... = Talvez sem fé... embora crentes: ‘Átrio dos gentios’ Depois de várias experiências em diversas partes do mundo precisamos de fazer da cada paróquia/comunidade um espaço de diálogo dos gentios, onde cada um se encontre no que é essencial -- somos crentes -- e se esqueça do que é secundário ou acessório. A linha que nos separa é entre crentes e não crentes e de entre estes há muitos que procuram avidamente a Deus envolto em mistério e espiritualidades de sabor e a gosto... Conclusão: fé na vida e vida de fé... cristã Mais do que conclusões importa deixar interrogações: - Viver a fé é para mim um dom, uma oportunidade ou uma categoria social? - A fé na vida é algo que incomoda os meus critérios e valores? - A vida de fé transtorna o meu comportamento ou cria em mim alienação de desculpa? - Tenho algum santo/a por recurso ou como testemunha de fé? - Quem me conhece poderá dizer que sou homem/mulher de fé? (*) Extraído de uma palestra proferida, emViana do Castelo, 9 de fevereiro de 2013, no contexto do 35.º encontro diocesano de liturgia António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

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04/02/13

Sinais de fé... na vida e nas ruas

Depois de um processo algo titubeante parece estar prestes a concretizar-se um sonho: vai ser erigido um monumento, na rua, a Nossa Senhora da Boa Viagem, na Moita. Atendendo às circunstâncias sócio-políticas, aos momentos económico-financeiros e até às motivações religioso-cristãs, esta iniciativa poderá ser considerada vulgar – isto é, normal, bem aceite e até patrocinada – noutras paragens, mas quase uma ousadia em certos espaços ao sul do Tejo... Atendendo às condições do calendário, a inauguração deste monumento público a Nossa Senhora da Boa Viagem, deverá acontecer no próximo dia oito de setembro... em vésperas de eleições autárquicas, no contexto do ‘ano da fé – a decorrer na Igreja católica – e com a difusão que for conveniente e a divulgação oportuna... Mesmo em tempos de crise/austeridade parece que os custos não são exorbitantes! Assim haja vontade e ousadia para não envergonhar a padroeira da Moita. Perante este ‘episódio’ local parece-nos um tanto incisivo abordar a temática dos sinais da fé, na sua expressão pública, tanto na vida pessoal, familiar, social ou eclesial como nas ruas. = Sinais coerentes de fé? De muitos modos e por várias formas, a fé se exprime por gestos e sinais, por palavras e silêncios. Nalguns casos estes silêncios suplantam as oportunidades de manifestarmos a nossa fé, que é muito mais do que crença ou até do que mero sentimento... religioso. De facto, num tempo em que se pretende privatizar a fé, em que fomos confrontados com múltiplas sugestões de espiritualidades – muitas delas ‘à la carte’ – e até por expressões que envolvem ignorância do essencial da fé, os cristãos/católicos foram desafiados a viver um ‘ano da fé’. Decorridos três meses de vivência já notamos diferença na nossa fé? Está a nossa fé mais esclarecida e é vivida mais comunitariamente? A fé proclamada tem impacto na nossa vida? Já entendemos as exigências do testemunho da fé, hoje? Mais do que a rotina de uma proposta vinda do Papa, este ‘ano da fé’ precisa de criar raízes na nossa consciência de vida, tornando-nos sinais coerentes de fé. Precisamos de assumir muito para além dos muros – as paredes, por vezes, esconder barreiras entre os que dizem celebrar a mesma fé! – do templo, as implicações da nossa fé... cristã. Não serão (somente) os ritos que nos farão comprometer, mas antes o sujar as mãos com projectos de fé. Tal como dizia o cardeal Ravasi, em Fátima, em Outubro passado, de pouco adiantará ter as mãos limpas se não as sujarmos com iniciativas de fé ou se isso significar vazio de obras... = Sinais de fé na rua Em vários locais do nosso país e mesmo na sociedade ocidental vemos estátuas alusivas a figuras da fé cristã, tanto de santos e santas como de Nossa Senhora (nas mais diferentes invocações e evocações) e de Cristo. Há, na nossa cultura – para inquietação dalguns sectores laicos mais ressabiados! – uma grande diversidade de sinais de fé cristã. No entanto, muitos desses exemplares são de épocas anteriores ao nosso tempo... apesar deste ser pródigo em figurações simbólicas, muitas delas neo-pagãs. A estatuária reflecte não só a sensibilidade duma época como também revela muita da devoção popular, criando um ambiente fora do templo muito para além dos rituais estereotipados. Quantas vezes foi em momentos de dificuldade – económica e social – que se ergueram grandes monumentos que perpetuam a memória colectiva. Quantas vezes foi unindo pequenos esforços que surgiram grandes obras de simbologia patriota e mesmo cultural. Quantas vezes gestos de pessoas simples suplantaram a arrogância dos poderosos... políticos ou financeiros. Neste tempo que nos é dado viver, precisamos de ousadia para que Deus não seja expurgado da memória pública nem que Cristo possa ser varrido dos valores mais elementares e humanos. A rua pode e deve ser, hoje, o púlpito da nossa fé comprometida, professada e testemunhada... com simplicidade e amor! António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

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