Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

29/07/11

Liberdade e/ou segurança?

Os recentes atentados na Noruega – cerca de dez mortos no atentado ao edifício do governo, na capital, e de quase uma centena no acampamento de jovens numa ilha – trouxeram, novamente, à reflexão a necessidade de equilíbrio entre liberdade e segurança nos países, nas nações, entre os povos e as diversas culturas. Com efeito, será numa correta visão e vivência entre estes dois conceitos e valores que seremos capazes de viver em liberdade com segurança e em segurança com liberdade.

Sem pretendermos dar lições seja a quem for, simplesmente queremos deixar algumas pistas para uma reflexão que precisa de ser feita, dentro e fora da Igreja católica, na medida em que há questões transversais à nossa condição, tanto europeia e portuguesa, quanto na leitura cristã dos acontecimentos, das situações e mesmo dos seus intérpretes.

= Multiculturalismo – desafio ou necessidade?
Quem sair do âmbito da sua envolvência habitual – seja por momentos, seja numa atitude de comportamento mais ousado – verá que o nosso tempo está marcado pela mistura de culturas. Por vezes, na mesma rua, lado a lado no restaurante, nos transportes, nas filas para visitar algum monumento ou noutra qualquer situação vemos pessoas diversas na sua tez, multíplices no idioma, plurais na forma de estar em condições idênticas.

O nosso tempo está, essencialmente, marcado pela mobilidade, tendo em conta os mais variados motivos – económicos, políticos, culturais, de lazer... em busca de melhores condições de vida e mesmo de bem-estar – criando novas condições para que a miscigenação de culturas seja, hoje, um desafio onde cada um dá e aprende, aprendendo a dar, recebendo...

Por outro lado, podemos considerar que a visão multicultural dos nossos dias tornou-se como que uma necessidade (quase) de sobrevivência para muitos dos projetos da nossa condição humana, particularmente, europeia. Com efeito, a Europa atual vive numa constante apreensão sobre o amanhã, tendo em conta que hoje vivemos da riqueza que outras culturas, povos e línguas nos trouxeram e que de nós receberam. De fato, qual seria o futuro de muitos países europeus se não recebessem imigrantes para rejuvescerem o seu tecido social? Não seria quase impossível ter condições de trabalho e de segurança social capazes se não houvesse jovens casais e com filhos?
Cremos que será pelo bom enquadramento de quem chega que seremos dignos de aprender, cristamente, a nossa condição de bons cidadãos do mundo, dando e recebendo quem de nós se aproxima e acolhendo com espírito de hospitalidade esses de quem nós nos fazemos próximos e, por isso, irmãos.

= Da vigilância virá, efetivamente, a segurança?
Quem andar pelas cidades e, por entre tantas multidões, não vendo a presença efetiva das forças de segurança fica (como que) com a sensação de desproteção... sobretudo depois de algum atentado (dito ou apelidado de) terrorista. Efetivamente onde está a certeza de não nos pode acontecer algo de idêntico, nalgum dos outros países europeus? Poderemos ter a certeza de que no nosso vizinho não mora um potencial terrorista? Até onde poderá ir a nossa confiança, uns nos outros, por entre certos sinais de incerteza?

Depois de certas experiências de ‘Estado secutário’ – tais como na Europa de Leste e noutros quadrantes do mundo – parece que vivemos, hoje, numa espécie de ‘Estado libertário’, onde cada faz o que (mais ou menos) lhe apetece, mesmo que colidindo com a liberdade alheia e aceitando-a desde que não constranja a própria.
- Urge, por isso, atender à necessidade da vigilância sem ameaçar a liberdade, sendo esta um valor de conduta pessoal e coletiva, embora sempre na boa concordância com o respeito pelos outros.
- Na medida em que formos capazes de vivermos na responsabilidade de uns pelos outros, saberemos criar condições de boa harmonia em nós e à nossa volta.
- À desconfiança é preciso contrapor a lealdade, tanto dentro como fora das nossas (pessoais e nacionais) fronteiras... vigiando para sermos, realmente, livres.

A.Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)


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18/07/11

Tempos de retiro: “Deixa… e vem”; valida o amor da tua fidelidade vocacional

Os percursos de cada vocação e profissão quase nunca são lineares. Um retiro refrescou a experiência do autor. Percursos gozosos são às vezes interrompidos de surpresa, de fora, na vida pública e na vida de instituições a que se pertence por laços vinculativos. Razões?

Nem sempre claras e razoáveis, mas estão no evangelho.
Três hipóteses de interrupções: primeira, actividades mantidas por interesses egoístas, com dupla agenda, com estratagemas de interesse, sem recta intenção; segunda, aquelas em que o agente tem boa intenção, sabe fazer, mas a sua actividade pode ser considerada custosa e quase inútil, ter interesses à mistura; terceira, a actividade é conveniente, competente, necessária, o actor é fiel e generoso, bem intencionado, convicto de estar a fazer a vontade de Deus, e é reconhecido com apreço pelos seus superiores.
Vejamos só esta terceira hipótese, as outras são caso à parte. Um belo dia diz-lhe quem pode: deixa isso tudo. E é despojado de toda essa actividade (que ninguém irá continuar). Deixa isso, passas a outra coisa. Se a ordem é de passar a outra actividade o actor consegue lidar com a situação sem tanto sofrimento, pode pedir apoio amigo ou psicológico. Vai encaixar-se noutra actividade e encontrará novas recompensas e novos apegos. O “deixa tudo” será adiado.
Mais pungente é ouvir: deixa, sai, vai. Para quê, para onde? Fazer o quê? Por agora nada ou quase nada de útil, umas migalhas insignificantes. Fora de doença muito grave, não está ao alcance de qualquer um entender e adaptar-se a esse “deixa” e “para quase nada”. Só quem vive a vida consagrada terá a chave para entender esse deixar tudo. Os outros só o poderão entender no cenário de ser uma doença mais ou menos grave e limitante a dar essa “ordem” de tudo deixar. Se a doença “manda”…Mas o próprio perguntará: e agora?
O religioso sabe que isso é possível; contudo nem sempre vive ou aceita o sentido da sua consagração: de “deixar tudo e segui-lo”. A quem? A Cristo. Sabe que só n’Ele encontrará sentido para o “deixa tudo”, o “vai”, o “vem”, seja por ordem de homens seja de doença.
Mas também o leigo pode fazer a mesma pergunta ao ter de deixar as suas actividades. A doença pode obrigar a fazê-la. E agora? Ir, para onde? Deixar, para quê, porquê? Fazer o quê?
Perante as ordens de homens na vida consagrada; e perante as ordens de doença mais ou menos invalidante, as ciências humanas não ajudam muito. Só ajudam em problemas pequenos e este abrange a pessoa toda.
O “deixa, vem-vai” pode em dinâmica de contrários: uma voz diz: deixa e vem; e a do próprio responde: ainda não, deixa-me estar, vem Tu para onde estou, ficarei mais consolado nesta actividade gozosa, gratificante. Mas a ordem insiste: deixa, vem, despoja-te mesmo do bem que fazes. O religioso sabe que só no dar-se todo a Ele poderá encontrar sentido para o “deixar tudo”, para o “vem”, seja por ordem de homens seja de doença. Mas saber não tira o sofrer.
Também Jesus estava a fazer coisas óptimas, importantes, da vontade do Pai. Era bom ensinar, ser luz, dar pão aos esfomeados, curar os doentes e, melhor ainda, perdoar aos pecadores embrulhados no peso das suas culpas. Eram actividades santas que não deveriam ser interrompidas. Fazia a vontade do Pai, por amor. Tudo corria bem. Eram obras de sucesso divino, de amor a favor dos pobres, resolviam problemas sociais… Porquê deixar?
E o Pai insiste: mas agora deixa e vai para a Judeia, para Jerusalém. Para fazer o quê? Nada do que vejam como útil. Ao contrário. Pedro até reagiu: “nem penses nisso”. Vai, interrompe o que ninguém continuará como tu. Vai para ser perseguido, tratado com a maior das injustiças, para te prenderem. Vai para seres humilhado, torturado e morto. Jesus, para fazer a vontade do Pai; e tu, para O seguir; vai, deixa tudo, deixa-te despojar de tudo, segue. Então, e a utilidade da minha vida? E o bem que eu poderia fazer? Segue-O, por amor, identifica-te e une-te a Ele. “Morre” para tudo o que não é ELE mesmo. Valida a tua fidelidade de amor para com Ele, sem outra paga além de o amar. Nada perdes e nada do que é bom fica frustrado. “Deixa tudo e vem”, deixa tudo com amor pelo tudo que é Jesus Cristo. A Palavra do Pai pede: “ama-Me antes e acima de todas as coisas” e terás em Mim todo o bem. Certo, só a luz do Espírito permite ver quanto “morrer” n’Ele vale mais que todos os sucessos de percurso. Só na “morte” por amor se valida todo o amor e fidelidade do bem feito, e se reparam as infidelidades por cálculo. “Abandonámos tudo e Te seguimos” (Mt,16,27) E agora? Vem, estou aqui!

Fátima, 9 de Julho de 2011
Aires Gameiro




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14/07/11

Um mundo de interrogações incómodas mas necessárias

É inevitável, no agir do dia-a-dia de cada pessoa, o confronto entre os tempos já vividos e os que se vivem agora com o futuro no horizonte. Só no presente podemos ter memória do que se vivemos antes e abertura realista para projectos novos.

O presente, porém, aparece-nos cada vez mais confuso e inquietante. Há menos memória, mas mais possibilidades para muitas coisas e mais problemas a enfrentar. São mais difíceis as relações e a comunicação pessoal atenta, pela abundância dos canais massificadores e porque o mundo de muitas pessoas e os valores em causa não coincidem em aspectos essenciais. Toda a gente tem opinião acerca de tudo, do que conhece e do que não conhece. E, quanto menos se conhece, mais se é dogmático nas afirmações e menos respeitador das opiniões alheias. Constroem-se mais muros que pontes, no dia a dia, na política, nas opções desportivas, que só no aspecto religioso se vai notando o contrário. Há mais diplomas de escola, mais festas e passeios de finalistas, mas menos conhecimento de coisas essenciais da vida. Por sistema, alguns vão apagando o passado e pensam, como ideal, um presente de imediatos, sem horizontes, sem projectos que se justifiquem a longo prazo.

Com tudo isto está visivelmente em causa a educação das novas gerações. A educação não é a simples transmissão dos ensinamentos que constam das exigências do currículo escolar. Educar é tudo o que se orienta para ajudar a crescer rumo à maturidade, e que permite optar, com critérios válidos, inserir-se e agir, de modo responsável, na sociedade de que se faz parte. Exige seriedade e competência de quem educa, abertura, acolhimento e esforço do educando, apoio de uma comunidade humana, que é sempre a referência indispensável dos valores morais e éticos que se propõem e transmitem. Reside nisto tudo, quando não é claro, a grande dificuldade do processo educativo que se pretende eficaz nos seus resultados. O processo não tem um termo, ainda que o tenha o curso escolar, porque a necessidade de aprender e de crescer acompanha-nos a todos ao longo da vida.

Na sociedade actual muitos teimam em viver uma vida sem sentido, por isso mesmo cada vez mais empobrecida de humanismo, de ideal, de valores morais, de projectos consistentes. Porque a educação é ambiental, os novos mais facilmente se deixam contagiar pelo vazio das vidas esfrangalhadas e desiludidas do que pelos testemunhos convincentes e sólidos da gente normal. São estes testemunhos que se devem tornar cada vez mais visíveis na família, na escola, nos projectos e conteúdos educativos, nas propostas da sociedade circundante, nas instituições humanitárias.

Nestes dias, jornais e noticiários televisivos deram conta de que está a aumentar, em Portugal, o número de jovens estudantes a partir dos 14 anos, que consomem heroína e outras drogas, antigas e modernas, e que há, também, os que se vão tornando dependentes do álcool. O facto tem muitas leituras que vão sendo feitas consoante os quadrantes ideológicos do analista. O mais urgente nestas e outras situações que afectam alunos das escolas é descobrir as causas e procurar actuar sobre elas.

São estas interrogações incómodas, a que muita gente se furta por não encontrar saída ou pensar que se trata de fenómenos passageiros, que não merecem especial atenção. O exame de interiorização das causas, talvez com a ajuda das vítimas, não pode deixar de fora os pais, os professores, os educadores de todas a vertentes educativas, escolares e outras, os grupos de influência, os meios de comunicação, os lugares de lazer, os traficantes criminosos no caso das drogas tóxicas. Todos são membros desta sociedade cheia de problemas incómodos, que tem, e ainda bem, no seu seio muitas riquezas e oportunidades de bem, nem sempre aproveitadas.

D. António Marcelino


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08/07/11

Compasso do Tempo de 08 de Julho de 2011

Voltamos ao essencial. E a viagem de regresso tem como apeadeiro a imposição de austeridades aos cidadãos, as quais deveriam ser explicadas (na ocasião) e, daqui a algum tempo, avaliadas (lá para Outubro, diz-se). Entretanto, o desassossego financeiro internacional ainda não fez pausa.

O retorno ao mais importante é praticar o que, há uma semana, ouvi nesta “nova” Assembleia da República: alguém verbalizou a expressão “doutrina social da Igreja” e uma outra exclamou: “Ninguém ficará para trás”, com um comentário: é necessária “a opção preferencial (conceito tantas vezes repetido pelo beato João Paulo II, com menos agrado de alguns baptizados) pelos mais vulneráveis”…

A comunicação social nada reteve deste propósito. E, numa semana em que foi ordenado em Fátima o novo bispo de Coimbra, o semanário “Sol” elogiava um bispo português que permanecia igual ao que era anos atrás ao serviço da diocese de que era e é prestigiado filho. Mas, ao mesmo tempo, as indumentárias e os títulos dos sucessores dos Apóstolos eram passados a pente fino em reparos bem construtivos. As poeiras levam tempo a repousar.

Era uma senhora a pronunciar-se, com a intuição de que só o feminino é capaz. Não discriminava ninguém. Era, apenas, o espanto pelo que devia ser alterado, na sua opinião, e não era.

A este propósito, e a respeito de demais figurinos, chegam-me outros comentários sobre capas e ornamentos, vestidos longos e balões de encher, regalando-se até algumas instituições em enviarem aos futuros candidatos, o desenho e as medidas da vestimenta a envergar. Trata-se (e sublinho-o) de irmandades laicais, que, dada a inexistência de outros trabalhos e serviços, se votam ao desfile do efémero e da mediocridade. Só falta publicitarem o alfaiate e a senhora costureira de alta roda. Às vezes pergunto-me por que é que Nosso Senhor só visitou, uma vez, os Vendilhões do Templo. Acrescento que, felizmente, se trata de casos pouco habituais. Mas o preocupante é a tentação de modos e a abertura de um ciclo… E, no silêncio e intimismo de liturgias, desenham-se aquelas nobres intenções, a que se não põe cobro, porque se julga uma honra dar abrigo a uma feira de mitos e de salões.

São sinais de imperalismos, que, perdido o século, se recolhem ao “convento”.

E, neste mesmo campo de ambiguidades (e, em época de abate de “gorduras” estatais e da obrigatória morigeração de gostos e costumes), dou-me a pensar em revivalismos organizados, quase à compita entre si, como desforra dos que optaram por materiais pobres, pela simplicidade de viver, pelo despojamento sem votos, quase acoimando a defesa dos valores evangélicos como se tratasse também de tendências da época…

A afirmação: “Ninguém ficará para trás” fez-me recordar o dito de um militar: “Ninguém ficará caído no campo de batalha. Nem que venha às nossas costas”.

Num tempo de tradicionalismos e heráldicas (não me refiro ao que é ciência e investigação) e de miséria e decadência económica e moral, é muito sério afiançar-se de que não haverá filhos pródigos, tombados.

Venham daí os salvadores e os ombros largos. Às costas destes, retomarão seus lugares e sonhos. Foi o que ouvi!

MDN – Capelania Mor, 08 de Julho de 2011

Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança



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04/07/11

Compasso do Tempo de 01 de Julho de 2011

Na vizinha Espanha soergueu-se há longos meses bravata da séria a propósito da cidadania civil versus cidadania moral (Católica). Logicamente que a civil, a não ser que contenha desregramentos e orientações contraditórias, é valorizada por qualquer moral de índole religiosa. Escrever-se uma carta... e não haver resposta…; não cultivar a prática da higiene física…; usar linguagem menos civilizada… e tantas outras ausências, são lesões da urbanidade elementar.

Se outros valores são negligentes para os de outra escala, como será possível fazer brilhar o amor cristão, sem limites, se não há consideração pela solidariedade, pela atenção cívica, pelos modos respeitadores da civilidade e do respeito pelo bem comum?
É preciso sublinhar o alicerce duma sociedade livre, igual e responsável, onde há leis de trânsito, códigos de honra, normas de maneiras, virtudes intituladas de humanas, cheias de exigência e rigor. Lamentavelmente teve que chamar-se à primeira fila a moral cívica, pela razão simples de ser posta de lado. Não se trata de tentações de monopólio, ou seja, do que é simplesmente coloquial e cívico usurpar as cadeiras do poder, reduzindo a moralidade a uma simples circulação de salamaleques ou de virtudes humanitárias. Trata-se, ao contrário, do saber estar, e agir, e falar… conduzindo-se um cidadão por uma legalidade tão normal como seja a de ser bem educado. Educados… somos todos. Só que, na prática, deverá haver motivos para se definir alguns como praticantes e tantos outros, como faltosos. Nos tempos que correm o essencial é o alicerce. Em tudo. E era preciso demonstrar que voos altos, exigem sempre o que é primário, sem nunca estabelecer divisões nem hostilidades.
Se o mais simples e prático deve ser avaliado com nota altamente positiva, que nunca o seja para ridicularizar as alturas da reflexão ou da competência do pensar. Ilustro este último parecer com uma nota histórica, aliás bem útil nesta em que, olhando o futuro, se organizam planos (até os pastorais) e se chama a atenção para o que deve ser feito (normalmente, por que nunca o foi…). E a narrativa é simples: numa diocese do nosso país, os agentes da pastoral só queriam receitas práticas, soluções à mão, nada de complexo (“que as pessoas não compreendem.”, clamavam os porta-vozes do povo) mas um dia, caiu-lhes em sorte como pastoralista-mor alguém de pensamento, de livros e experiências, que o próprio cultivava. Foi árdua a adaptação. Mas, épocas mais tarde, quando surgiu um outro, mais “terras à terra”, consta que as gentes do povoado falavam, voz alta: “não queremos saber mais o que é preciso construir. Só temos saudades de quem nos dava razões para o fazer.”

MDN – Capelania Mor - 1 de Julho de 2011
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança



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Um Bispo ... e uma crise!

Neste ambiente de crise económica e financeira em que o país foi caindo aos poucos, com repetidas falências de empresas, dolorosos despedimentos dos trabalhadores e incomportáveis endividamentos do Estado e das famílias, foi crescendo e aumentando sempre mais a pobreza e a miséria de muitos dos nossos concidadãos.

Nesta situação, tem a Igreja marcado uma nobre e simpática posição, ajudando como pode, a nível nacional e local, todos os que lhe vão batendo à porta. Basta trazermos à colação os apelos repetidos do episcopado, a atuação atenta da Caritas, a ação benemérita das Misericórdias, as intervenções constantes das Conferências de S. Vicente de Paulo e a presença próxima e solidária dos Grupo e dos Centros Paroquiais.

Esta não é a primeira vez. Como é costume dizer-se, a História repete-se.
É de todos conhecido e sabido que, antes desta grave crise, outra crise existiu, de âmbito internacional: uma crise tão grande que ficou assinalada na História Universal; tão difícil que envolveu miséria e fome em inúmeras famílias; tão marcante que teve direito a nome próprio - a “Grande Depressão”.
Foi nos anos trinta do passado século. O desemprego flagelou inúmeros trabalhadores do mundo, e a pobreza e a miséria desgraçaram um incontável número de famílias.

Tal como agora, também a Igreja correu então a ajudar.
Em 2 de Outubro de 1931, preocupadíssimo com a situação de pobreza que então flagelava a sociedade, o papa Pio XI escreveu uma aflitiva “Carta Apostólica”, pedindo a todos os que tivessem bens, a caridade de acudirem e ajudarem os mais pobres.
Na sequência desse apelo, o então Bispo Coadjutor de Lamego, D. Agostinho de Jesus e Sousa, no primeiro dia de Novembro do mesmo ano, enviou através dos párocos um apelo à solidariedade dos pastores e dos fiéis, a concretizar em todas as paróquias com ações e atitudes capazes de minimizar as carências dos mais pobres.
Cito: Às misérias habituais de todos os tempos, veio juntar-se nos últimos tempos e em toda a parte o flagelo do desemprego de um avultado número de pessoas que do seu trabalho honesto auferiam antes da actual crise económica o suficiente para se sustentarem a si e às suas famílias….Magoa-nos muito a fome, a nudez, e toda a falta do indispensável em tantos lares, onde ainda há pouco, mercê do produto do trabalho, havia um relativo bem-estar. (Boletim da Diocese, Ano XIV, nºs 10, 11 e 12)
Logo depois, aconselhava D. Agostinho os mais abastados da diocese a partilhar os seus bens com os seus vizinhos pobres, os que tinham dinheiro de sobra a emprestá-lo a quem o não tinha, a juros baixos, os que possuíam dinheiros parados nos bancos ou em casa a investirem e a criarem emprego e trabalho para os trabalhadores desempregados, os consumidores a preferirem os produtos nacionais para ajudarem a crescer a economia do país, os párocos a criarem nas suas freguesias grupos ou associações responsáveis pelo desenvolvimento de ações de solidariedade e a promoverem peditórios nas igrejas ou de porta em porta para acudir aos mais pobres.
As palavras do senhor bispo de então são as mesmas que hoje precisamos de ouvir e as atitudes que ele recomenda são as mesmas que agora devemos assumir e observar.
Parece que foram escritas há dias.
Parece que foram ditas agora.

Resende, 30.06.11
J. Correia Duarte


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