Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

29/10/10

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 29 de Outubro de 2010

1. Citei há dias aos futuros oficiais de Portugal, na recepção aos novos alunos de Ensino Superior Militar, um pensamento de Óscar Wilde, expresso por um programa da SIC Notícias:
“Deus ao criar o Homem (nota minha: a Mulher e o Homem) sobrestimou a sua capacidade”.


Em português corrente: concedeu-lhe categoria a mais. E o canal televisivo mostra-nos cenas aterradoras: crianças destroçadas, idosas da Bósnia em sofrimento, atrocidades e barbáries em rostos de desolação.

2. A Humanidade (e a portuguesa) é capaz do melhor e do pior. E, nos últimos tempos, surgiram duas notícias, porventura com menos clareza, que tocam a Igreja em Portugal, que gostaria de melhor perceber. A primeira, chama a atenção para a questão das Misericórdias; a segunda, diz respeito aos “privilégios” concedidos à Igreja Católica e às demais confissões religiosas. Só que na hora de “apertar o cinto”, a Igreja Católica continua na carruagem de 1.ª; as demais confissões saiem do comboio, sem o mínimo respeito pela equidade.

No caso das Misericórdias, houve pronunciamentos na comunicação social, de um lado e de outro. Pessoalmente, tive pena que este problema, pouco digerido, e sobre uma questão onde seria importante entender a diferença entre associações de direito privado e público (para além do longo arrasto no tempo), viesse para a superfície das ondas, com risco de malévolas interpretações.

Por muito pouco que se saiba sobre problemas tão distanciados da opinião pública, como se poderá aceitar a acusação ou o irreflectido juízo de valor, em que se evoca a volúpia do domínio patrimonial, do dinheiro e das riquezas, dos prédios e dos montantes…!

E, no meio de toda esta tristeza, os pobres, a quem se destinam estes serviços de justiça e dignidade, parecem ser um pretexto… Não digo mais nada para não perturbar mais o assunto. Só em país pequeno há questões de bairro! Com o maior respeito pelo bairro…

Convicto estou de que as interpretações teóricas saberão encontrar a solução conforme, à luz da desgraça à qual se destinam.

Na outra questão (das várias concepções religiosas) surgem equívocos e limites. Em primeiro lugar, se há privilégios, deparamo-nos com um escândalo. Privilégios, concessões à ilharga, favores?! Ou são condições comuns e normais em ordem a um exercício de liberdade religiosa, onde são dominantes os aspectos de apoio social (similares aquelas condições a demais situações de associações culturais, de desporto, de ocupação dos tempos livres, etc, etc,) ou, se são excepções, acabem-se com os favores!

Comecemos por aqui. A restante questão “está na cara”: é uma aleivosia as outras confissões religiosas serem penalizadas, constituindo a Igreja Católica uma excepção! Numa altura de crise, por causa das “gorduras” dos mais poderosos, é fundamental que as instituições da Igreja Católica não queiram para si (e não querem…) o que não desejam para outros. A desigualdade da justiça. E “isto” num país, em que todos se aproveitam.



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28/10/10

Por ocasião de Todos-os-Santos e Fiéis defuntos

Eu, cristão, me confesso... agradecido

Venho, hoje, Senhor, com toda a humildade, colocar-me diante de Vós, como meu Deus e meu Senhor. Eu me vejo a partir de Vós, minha fonte e revejo a minha vida à luz da meta – a vida eterna. Sinto, efectivamente, a minha pequenez perante a inumerável multidão dos que me antecederam na vida e na fé. Esses bem-aventurados que celebramos agradecidos pelo incentivo que nos fazem, aqui e agora, a viver... mais cristamente.

*Ao longo da minha vida fui tendo muitos sinais (acontecimentos e pessoas, vivências e histórias, situações e personagens), que me fizeram encontrar – pela positiva e na negativa – Deus, traduzido ou codificado, na compreensão misteriosa de cada dia. Com efeito, fui tendo a graça de encontrar quem me tenha ajudado a interpretar a bondade e a ternura de Deus... mesmo que sob a capa da dificuldade breve ou mais prolongada, que nos obriga a aprofundar as razões autênticas do nosso existir... sobre esta terra, seja qual for o lugar de estacionamento mais ou menos compreensível.

*Na capacidade de saber ler os ‘sinais de Deus’, fui descobrindo tantos/as ‘santos/as’ – porque santificados/as, embora em condição pecadora! – com olhar (mais ou menos) feliz,
uns apontando para o Céu, enquanto outros me têm feito olhar mais para a Terra.
Muitos foram passageiros – de passagem ou em passamento – rápido, enquanto outros foram criando lastro de permanência... em amizade e em comunhão.
Poucos, afinal, são os amigos – raros/as para serem marcantes – embora a rede de conhecidos/as se possa alargar... sabe-se lá a que proporções!
De facto, a semente – sobretudo a da Palavra de Deus – é lançada e muito pode acontecer para além da nossa (humana) compreensão! Na condição do ministério sacerdotal foi-me dado viver momentos de larga sementeira... Só Deus saberá as consequências de tal dimensão!

*A quem – ainda vivo ou que tenha já partido deste mundo visível – me ajudou a encontrar Deus
digo com humildade: obrigado por tudo e que Deus vos acompanhe ou recompense!
A quem possa ter ofendido – sobretudo aos ainda vivos – suplico: perdoem-me e aceitem a minha humilhação oblativa e sincera!
A quem esperava mais e pouco recebeu, do tempo que me resta, tentarei fazer uma maior oferenda em entrega, confiança e dedicação.
Na comunhão dos santos havemos de crescer na fé, pela esperança e em verdadeira caridade.

Deste vosso irmão em Cristo pelo baptismo, cidadão português por nascimento e ministro da Igreja católica por vocação

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)


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Praticantes... não praticantes!

Na roda do tempo e no ciclo da vida, Novembro voltou.

O vento, cumprindo a sua missão, abana persistente o arvoredo e, num verdadeiro “streap tease” instintivo e desregrado, vai despindo a pouco e pouco as plantas e os arbustos dos vaidosos enfeites primaveris. Prados, bosques e jardins, pejados de nostalgia e de saudade, tornam-se verdadeiros tapetes irisados de tortulhos serôdios e de fólios moribundos. Aproveitando o mal dos outros e vingando-se de lhes terem roubado os filhos, as vinhas vestem-se agora de cores exóticas, de um amarelo de dor e de saudade a um vermelho vivo de fogo e de rubi.

Como sabemos, estes rubores e atavios são fugazes e efémeros. Mais alguns dias, e tudo desaparece.

Vem isto a propósito do chamado Mês das Almas.

A Igreja, mãe e mestra, há muito escolheu este mês de Outono para nos lembrar a todos a realidade da vida, que é também efémera, fugaz e contingente e para nos interrogar a todos sobre a nossa forma de pensar e de viver.

Sempre me impressionou o facto de haver pessoas preocupadas com a sua salvação e pessoas totalmente desinteressadas nesse assunto.

Dir-me-ão que é uma questão de fé… e eu concordo.

Se eu não crer na vida eterna, porque hei-de eu preocupar-me com ela?

Nos tempos que vivemos (e sempre foi um pouco assim, embora menos, muito menos noutros tempos), vejo cristãos a participar cuidadosamente na Eucaristia de cada Domingo e até de cada dia, a purificar-se com frequência das suas faltas no sacramento da Confissão, a rezar todos os dias (muitas mantêm uma contínua e feliz intimidade com Jesus), e a escutar com muito cuidado a Palavra de Deus; mas, ao invés, encontro muitos mais que não dão importância nenhuma a essas coisas, reduzindo a sua vida ao trabalho, à comida e ao divertimento.

Sabemos todos que a grande massa de cristãos do nosso país vive completamente desligada de Deus e da Vida Cristã e totalmente desinteressada da Igreja e das suas celebrações. E também sabemos que há muitos que se julgam tão cheios de razão no seu desleixo e no seu desinteresse, que até chegam a ridicularizar os colegas e os vizinhos que procuram ser fiéis na sua fé.

Neste ambiente assim, de laicismo, relativismo e indiferentismo, é cada vez mais difícil alguém permanecer fiel a Deus, à sua Fé e aos seus compromissos baptismais.

Nesta observação que eu faço, pergunto muitas vezes a mim próprio: Porquê esta diferença entre as pessoas? Onde está a causa? De quem é a culpa? E comento comigo próprio: no meio disto tudo, alguém está certo…e alguém anda enganado! Em atitudes tão diversas e tão opostas, não podem estar todos em bom procedimento! Não podem estar todos igualmente de boa relação com Deus e com a sua Consciência! Não podem todos ter o mesmo fim e o mesmo prémio.

A ajudar-me na minha meditação, recordo duas afirmações de Jesus: “Quando o Filho do Homem vier, encontrará ainda alguma Fé sobre a Terra”... “Só quem for fiel até ao fim, se salvará”!

Para além destas sérias palavras divinais, um dia destes encontrei um texto do Profeta Malaquias que muito pode ajudar os que “crêem” e “praticam”: não só os actos litúrgicos que celebram nos templos em adoração a Deus, mas também a caridade com os seus semelhantes que procuram viver no seu dia a dia. Transcrevo-o, para meditação de todos os leitores.

“Diz o Senhor: -Vós dissestes: É tempo perdido servir a Deus! Que aproveita a alguém cumprir os Seus Preceitos? Por isso, agora, chamamos felizes aos soberbos, que praticam o mal e prosperam, que provocam a Deus e ficam impunes!

Então, diante de Deus foi escrito um livro que conserva a memória daqueles que O temem e respeitam o Seu nome. No dia que Eu preparo – diz o Senhor do Universo – eles serão minha propriedade. Terei compaixão deles como um pai se compadece de um filho obediente. Então, vereis a diferença entre aquele que procura e serve a Deus e aquele que não O serve. Porque vai chegar o dia, ardente como uma fornalha, e serão como palha todos os malfeitores. O dia que há-de vir os abrasará, diz o senhor do Universo, e não lhes deixará raiz nem ramos. Mas, para vós que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça, trazendo a salvação nos seus raios.”(Malaq. 3,1-4,6)
Nada mais é preciso dizer.
Só poderei acrescentar:
Felizes os que procuram o Senhor… e O amam com todo o seu coração.

Resende, 2 de Novembro/2010
J. CORREIA DUARTE


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25/10/10

Aprender a poupança... antes, durante e depois da crise

Cerca de um milhão de portugueses (11% da população) não tem qualquer conta bancária e daqueles que a têm metade não a usa como meio de poupança, mas como oportunidade de consumo a curto prazo.

Estes dados foram revelados, recentemente, pelo Banco de Portugal, resultantes de um inquérito que esta instituição fez sobre literacia financeira.
Daqueles dados ficamos ainda a saber que uma grande maioria (67%) dos que não têm conta bancária dizem que isso se deve a não terem rendimento para tal. No entanto, cerca de metade dos que têm conta bancária referem que tentam poupar, mas apenas um em cada cinco depositantes poupa com intenções de longo prazo, enquanto os restantes poupam para consumir e não para acumular uma base de riqueza.
Se compararmos os dados portugueses com os de outros países veremos que, num ‘campeonato de poupança’, os lusitanos ficam muito abaixo na tabela. Assim a poupança abrange 58% na Holanda, 71% na Nova Zelândia e 82% na Austrália.
Interpretando estes dados, o governador do Banco de Portugal considera que ‘não poupar significa tornar-se vulnerável perante o futuro, tornar-se vulnerável perante circunstâncias adversas’.
Diante deste quadro tentaremos reflectir sobre as implicações da arte de aprender a poupar... antes, durante e depois da crise.

Aprender a poupar antes da crise
De pouco nos adianta andarmos a culpar os outros – sobretudo o Estado ou o governo – se não tivermos os mínimos hábitos de poupança. Os nossos antepassados não tinham reformas do Estado e, por isso, aferrolhavam para terem uma velhice digna. Muitos até passavam fome quando tinham (alguma) abundância para terem (alguma) suficiência nos últimos dias de vida.
Quantas vezes ouvimos os mais velhos referirem que as dificuldades do seu passado eram ofendidas pelos exageros de seus descendentes. Muitos iam até dizendo: ‘quem dera que não venham os tempos antigos... para terem de saber poupar’.
Com o tempo foram sendo dados sinais de aliviar a carga e, muitos dos nossos mais velhos, foram sentindo que o Estado lhe dava reformas sem para elas tivessem, directamente, descontado... Isto tanto nas cidades como nos meios rurais.
Alguns – dizemo-lo por conhecimento próximo – que até foram vendendo o pescado a preço fora de controlo, agora têm reformas muito baixas, mas foram vivendo sem terem de prestar contas a ninguém... pavoneando-se, nalguns casos, sem nexo nem correcção. Talvez até nem devessem, hoje, ussufruir de algo para o qual não contribuiram... minimamente. Basta de conversa envenenada (só) com direitos mas sem obrigações!

Aprender a poupar em tempo de crise
Agora que estalou o verniz do faz-de-conta, muitos tentam dizer que a crise é dos outros, quando, afinal, ela foi gerada no descontrolo das capacidades entre aquilo que se ganhava e aquilo que se gastava.
No início da década de 90 do século passado tivemos governantes algo incompetentes, que foram criando na população uma espécie de irresponsabilidade nos gastos e nas solicitações ao consumo. Esses governantes deveriam de ser incriminados, pois enganaram as pessoas – primeiro os seus eleitores e depois o público em geral – com promessas ilusórias... mas com graves consequências actuais e futuras.
A falta de poupança fez emergir uma nova classe de pobres, muitos deles com penhoras, créditos e dívidas... já para os filhos e até netos. Conhecendo o povo português, que tenta dizer que tem mas, afinal, é só de fachada, urge fazer-nos descer à condição de pobres reais e não de ricos falidos... na União Europeia.
Mais do que acusações, precisamos – todos – de assumir as nossas falhas, corrigindo as más opções e aprendendo a viver do nosso trabalho mais do que das ambições desmedidas e fantasmagóricas.

Aprender a poupar depois da crise
Aceitando a verdade daquilo que somos temos de denunciar quem – partidos, sindicatos, associações, crenças, etc. – nos tem enganado, fazendo-nos viver mais na moderação dos desejos consumistas, tornando-nos sérios nos investimentos a fazer e criando humildade... pois quem não tem dinheiro não alimenta modas nem cultiva vícios.
- Depois de um certo miserabilismo do ‘Estado novo’, chegou a hora de repelir essoutro fachadismo do ‘Estado social’. Basta de andarmos a engordar preguiçosos à custa do trabalho alheio.
- É preciso dignificar a cultura do trabalho e não a da subsidio-dependência.
- É tempo de falar verdade e de deixarem de nos andarem a esconder os falsos profetas da igualdade... hipócrita, pois muitas das palavras das (ditas) esquerdas não são sociais nem patrióticas, mas antes subrepticiamente ilusões totalitárias sem rosto nem responsabilidade.
A crise cuida-se com poupança e moderada ousadia nas famílias, nas empresas, no Estado e nas pessoas. Falemos verdade e assumamos todos as consequências de sermos um povo pobre e empobrecido... Temos de nos unir já e em força... humilde!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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20/10/10

Em 1927, em Timor, ainda se rezava pelo rei dom Manuel II, rei dom Carlos e príncipe dom Luís Filipe.

Em 1927, em Timor, ainda se rezava pelo rei dom Manuel II, rei dom Carlos e príncipe dom Luís Filipe.

Um facto narrado pelo Superior da Missão de Soibada, Timor, Revdo Pe. Abílio José Fernandes, mais tarde Vigário Geral e Superior das Missões de Timor, numa das suas visitas ao Reino de Luca, Administração civil de Viqueque, em Setembro de 1927. O missionário tinha tido uma conversa com a Catequista, antiga aluna da Irmãs Canossinas, no Colégio de Soibada antes da expulsão dos Jesuítas e Canossianas, sobre os catecúmenos, mas eis que surgiu o imprevisto…
Conta o Padre Abílio Fernandes:
“(…) Ia já despedir a mulherzinha, que tão edificado me deixara com os seus tão sentimentos, quando lhe divisei sinais de me quer fazer algum pedido.
- Que mais queres.
- V.R. não se zangue, só quero perguntar uma coizinha…
- O que?
- O Senhor D. Manuel ainda vive?
- Qual Senhor D. Manuel?
- O liurai (rei) de Portugal.
- Ah!... ainda vive.
- E onde está?
- Na Inglaterra.
- ?!...Na Inglaterra?... A Inglaterra (aqui deitou português) é terra de portugueses ou holandeses?
Quis dar conversa por acabada soltando uma gargalhada que mal pude sofrear, mas para ver aquilo onde ia dar, respondi-lhe com seriedade.
- A Inglaterra é dos ingleses…
- !!! É terra inglês!!...E ele, Senhor, icin di’ac ? (está bem?).
Icin diac (está bem) e manda-te recados, respondi rindo-me com vontade. Bem tenho que fazer, até amanhã.
Contei aqui (na Soibada), às Madres este diálogo e a Superiora disse-me.
-Oh! Conserva como relíquia um retrato que o Snr. Pe. Sebastião distribuiu em 1908 quando foi do assassinato de D. Carlos e D. Filipe… Todos os dias rezava pelo Snr. D. Manuel e seu falecido Pai e Irmão.
Pelo que oiço, acrescentei, ainda hoje o fará… E já lá vão 18 anos”.

(Do Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, Outubro de 1927.)
Dom Carlos F. Ximenes Belo



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18/10/10

‘Se calhar até podia... mas não era a mesma coisa!’

Esta frase ouvimo-la na publicidade, sobretudo em áreas da comunicação e, particularmente, da televisão. Mais uma vez um slogan publicitário nos pode permitir termos assunto para reflexão, sem perdermos o cariz cristão da nossa intenção.

Aquela frase tenta resumir algum contentamento pelo produto publicitado, embora (quase) fosse escusado... tanto na sua aquisição como na ostentação manifestada.
De facto, há, no nosso mundo consumista, tiques de egoísmo, muitos deles (mais ou menos) tolerados pela nossa consciência narcotizada por valores essencialmente materialistas.
- Vivemos centrados no ‘ter’ muito, ter mais e em exagero crescente.
- Convivemos mal com as restrições aos nossos desejos – por vezes legítimos, mas há outros menos correctos – de satisfação possessiva.
- Tendo-nos sido criadas necessidades – muitas delas psicologicamente insufladas pela vaidade – artificiais, agora vamos tendo dificuldade em alimentá-las...
- Numa tentativa de evolução em matéria de bem-estar e de sucesso, os outros podem surgir-nos como adversários para conseguirmos vencer nesta guerra de conquista... emocional.

Poder podia...
Efectivamente, podia ser o nosso mundo mais justo, mas fraterno e até mais verdadeiro, se cada um de nós colocasse os outros à frente das suas próprias preocupações. No trato que temos uns com os outros nem sempre atendemos às suas necessidades, mas pomo-nos, normalmente, em primeiro lugar. Andamos muito a olhar para nós mesmos – repare-se na atitude de caminharmos de olhos no chão – e olhamos pouco para os rosto daquele que connosco se cruzam.
A começar em casa – família, trabalho/emprego, etc. – temos de saber olhar mais para a face daqueles/as que se encontram, habitual ou ocasionalmente, connosco e descobriremos muitas novidades... Podia tudo ser diferente se a distinção começasse em nós e à nossa volta. O perfume da nossa simpatia ofuscaria, então, o do laboratório... com que tantas vezes nos tentamos disfarçar!

... Mas não era a mesma coisa!
Atafolhados de coisas – por fora e por dentro – vivemos uma certa instabilidade, que a mais recente ‘crise’ – é mais cultural do que económico/financeira – veio pôr a nu. De facto, foram-nos criadas expectativas demasiado altas: onde quase tudo era dado e muito pouco pedido. Muitos dos responsáveis sócio-políticos foram negligentes nas propostas e ainda mais na leitura das consequências. Vivemos, deste modo, num ambiente de alienação colectiva... bem diferente da cultura da poupança com que muitos dos nossos avós foram estruturando a sua existência. Em menos de três gerações – se tivermos em conta o final da II guerra mundial – ficamos quase ao nível da situação de muitos deles, que passaram fome e tiveram racionamento de bens essenciais.
Não é a mesma coisa ter tido e agora ver-se depenado. Não é a mesma coisa apertar o cinto que antes estava na posição acertada às possibilidades. Não é a mesma coisa ter voado alto e agora aterrar de emergência.
Com efeito, as gerações mais novas, habituadas a ter tudo, mesmo sem pedir, terão de ser reeducadas para o usufruto do essencial. Nascidos muitos em ‘berços de ouro’ terão de contentar-se com catres de fabrico em série. Alimentados com refeições de encomenda terão de sujeitar-se às sobras dos excedentes da UE. Vestidos com as últimas marcas, muitos terão de submeter-se aos saldos...

Agora vamos aferindo a mesa à bolsa, podendo viver numa maior verdade, descobrindo a riqueza da partilha e saboreando as alegrias da sinceridade para connosco mesmos e uns para com os outros.

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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14/10/10

Timor-Leste e a Nossa Senhora de Fátima

Nos últimos anos, têm sido frequentes as peregrinações de Timorenses a Fátima, Portugal. É que em Timor-Leste a devoção à Virgem Maria, Mãe de Jesus, invocada sob o título de Nossa Senhora de Fátima, está muito enraizada na piedade mariana dos cristãos.

Como sabemos, foi a 13 de Maio de 1917 que Nossa Senhora apareceu a três crianças de Aljustrel, freguesia de Fátima: Lúcia de Jesus, de 10 anos, e seus primos Francisco e Jacinta Marto, de 9 e 7 anos respectivamente. Eles andavam a guardar os seus rebanhos na Cova da Iria quando, por volta do meio-dia, lhes apareceu a Virgem Maria, enquanto eles rezavam o terço. Nos meses seguintes, até Outubro inclusive, Nossa Senhora voltava a aparecer aos três pastorinhos no dia 17, excepto no mês de Agosto, que foi a 19.

Nessas Aparições, a Virgem Maria pedia aos três pastorinhos que rezassem muito pela conversão dos pecadores, pelo Santo Padre e pela paz no mundo.

A Igreja reconheceu a autenticidade das Aparições de Fátima e enalteceu as verdades essenciais do Evangelho contidas nas mensagens de Nossa Senhora: oração, penitência e conversão.

E quando chegaram as notícias a Timor? Não sabemos exactamente quando os missionários e os cristãos de Timor começaram a ouvir falar de Fátima.

Lembramos apenas que no ano de 1917 estava-se a viver um período de aparente acalmia, depois da guerra de Manufahi (1911-1912). O Governador da altura, Filomeno da Câmara Cabral, tinha encetado um plano de desenvolvimento económico e social. Os missionários no território eram apenas dez. Nesse ano de 1917, o Governo da colónia tinha aprovado e adoptado a Cartilha do padre Manuel Mendes Laranjeira. Em 1922, era nomeado Bispo de Macau e Timor Dom José da Costa Nunes, que realizou várias pastorais às Missões de Timor. É provável que na década dos anos 20 do século XX os padres já tivessem ouvido falar das Aparições de Nossa Senhora na Cova da Iria.

Quando o Presidente José Ramos Horta visitou o Santuário de Fátima em Julho de 2008, o seu Reitor dizia que nos Arquivos do Jornal “A Voz de Fátima” havia um documento segundo o qual “já em 1929, se falava do culto de Nossa Senhora de Fátima em Timor”.

Porém, foi nos anos 30 do século XX que Fátima ficou a ser mais conhecida. A propagação do culto de Nossa Senhora de Fátima começou na Missão de Manatuto em 1933, pela acção do padre Ezequiel Pascoal Enes. Em 1936, o superior da Missão de Soibada, Padre Jaime Garcia Goulart, mais tarde 1º Bispo de Díli, acabava de fundar o Pré-Seminário, destinado à formação de sacerdotes nativos; e ele mesmo quis que essa instituição se chamasse Seminário de Nossa Senhora de Fátima. Em Outubro de 1937, era inaugurada a Igreja de Suro (Ainaro), dedicada a Nossa Senhora de Fátima. Em 1939, construiu-se a Capela de Fatubessi, tendo como Padroeira Nossa Senhora de Fátima. Em 1939, foi benzida a capela de Watolari, dedicada a Nossa Senhora de Fátima. E em 1940, a capela de Fatumaca (Wailili), é consagrada à Mãe do Céu, com o título Nossa Senhora de Fátima.

Em 1942, deu-se a invasão japonesa do território de Timor-Leste. Numa situação de guerra, de sofrimento e de carências, os Timorenses mantiveram viva a devoção a Nossa Senhora, rezando o terço nos seus esconderijos, nas grutas, nas florestas e nas montanhas, pedindo o fim da guerra e o estabelecimento da Paz.

Dom Carlos Filipe Ximenes Belo


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