Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

25/09/09

A notícia de Bento XVI

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 25 de Setembro de 2009

Não desminto a serenidade de um dia de reflexão. Ao tomar conhecimento hoje – 24 de Setembro de 2009 - da vinda do Papa Bento XVI a Fátima, em ordem ao 13 de Maio de 2010, senti o júbilo da presença do sucessor de Pedro em terra portuguesa. E, desta forma, me expressei junto de meios da comunicação social.
Mas não posso deixar de manifestar a minha profunda estranheza diante da transmissão de um acontecimento desta grandeza em plena Campanha eleitoral. O que é que tem o facto com os epifenómenos? Responda quem houver por bem. Após comentários de todos os sectores sobre a sensatez e a oportunidade de últimas histórias, fico de cara à banda diante do insólito!
E tenho muita pena que, diante de decisões consumadas, não tenha havido ninguém que batesse o pé a uma informação, a ser transmitida à opinião pública, persuadindo que a melhor forma de proceder seria publicitar essa notícia segunda-feira, dia 28, ou terça-feira, dia 29! Se for preciso, publico um email que recebi em 15 de Fevereiro de 2005 (e as eleições ocorreram em 20 desse mesmo mês), onde se cruzavam as expectativas de uma opção nas urnas com uma novena aos Pastorinhos…
Não há nada como gostar de papéis velhos e de documentos das “trovas que passam”.
E o meu desconsolo é, mais uma vez, desrespeitarem instituições e pessoas… Nunca haverá uma “questão religiosa”. Mas prefiro-a, às conivências que estarão na mira de intérpretes e de sábios do reino… Sei “que não vou por aí…”

Lisboa, 25 de Setembro de 2009

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
http://castrense.ecclesia.pt


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24/09/09

À descoberta da essência do ser padre... actualmente

Por estes dias escutei, tão alto era a conversa, a seguinte observação entre duas pessoas:
- Onde é que o padre será ou é mais padre?
Fiquei com o registo e, mesmo que brevemente, reflecti.
De facto, o padre poderá ter algumas (mínimas) qualidades humanas para se dedicar – como em tempos se dizia: para sua realização humana e pessoal! – a funções onde se poderá sentir melhor: na dimensão social, em aspectos artísticos ou literários, em dimensões do foro psicológico, etc. mas a sua essência – o mesmo quererá dizer: essencial – está contida na missa. Com efeito, é neste momento vivencial celebrativo que o padre é, por excelência, homem de Deus e para Deus... caminhando com os seus irmãos, filhos e pais.
Num espécie de sumário poderemos dizer que na missa:
- o padre preside: é pai;
- fala da Palavra de Deus: é filho profeta;
- consagra o pão e o vinho: é irmão sacerdote.

* Pela envolvência intelectual, afectiva e emocional que a missa comporta, o padre está continuamente posto em questão: quando celebra a missa, na medida em que ocupa a cadeira da presidência e se faz ‘pai de família’ para com os filhos de Deus reunidos em nome da Santíssima Trindade: convidando todos a centrarem-se na razão de ser da celebração da missa, como ícone da Trindade activa.
* Quando acolhe e explica a Palavra de Deus proclamada – mesmo que possa haver outros mais instruídos na assembleia – o padre torna-se profeta com coração de filho, pois se torna veículo da boca de Deus para com seus irmãos. Na mesa da Palavra não está somente um comunicador, mas antes um profeta humilde e que está ele mesmo em vias de conversão.
* Sobre o altar estão colocados os dons de Deus – pão e vinho – oferecidos como sinal da bênção de Deus e que simbolicamente expressão da própria entrega do ministro de Deus e dos outros fiéis.
Nas palavras da consagração está contida a radicalidade do carisma do celibato, pois aquele corpo não é pertença de ninguém, mas antes alimento para todos... indistintamente!

Neste ‘ano sacerdotal’ devem ser trazidas à luz de Deus e dos outros fiéis as implicações do ‘dom e do carisma de ser padre’, pois se não virmos o homem concreto que nos serve – esse cujo rosto pensamos conhecer – como esse que Deus nos enviou por misericórdia, então poderemos ser para com ele muito exigentes, mas não perceberemos a graça que lhe foi concedida divinamente.
Se nos escusarmos de estar no nosso lugar – sobretudo na dimensão de paróquia – a que Deus nos chama, poderemos abrir brechas para quem não interessa que esteja. Ora da cobardia a história costuma apagar a memória, mas Deus chamará a contas quem de tal se eximir.
Para além de servidor do culto, o padre deve saber servir a cultura, tornando-se ele mesmo presença que eleva os outros e com eles caminha na elevação contínua para Deus, com Deus e em Deus.
Queira Deus manifestar-se pelo padre, com o padre... em cada tempo e lugar.

Mesmo que de forma simples e sem qualquer intuito de acusação – nem sequer clerical – deixamos breves questões para clérigos e outros fiéis:
- Saberemos todos qual é o nosso lugar na Igreja ou faremos das nossas paróquias uma espécie de ‘placa giratória’ para outros lugares e funções... mesmo fora da Igreja?
- Já nos demos conta de que há um certo desfasamento cultural na nossa sociedade portuguesa e ocidental ou ainda vivemos à sombra dos preconceitos de cristandade... profana?
- Falaremos todos a mesma linguagem ou usamos as mesmas palavras mas cada um dá-lhes um sentido diferente ou conforme mais lhe convém?
Queira Deus ajudar-nos a sabermo-nos avaliar sem ressentimentos nem complexos de culpa.

A. Sílvio Couto



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18/09/09

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 18 de Setembro de 2009

1. O sábado 26 de Setembro é de reflexão. É dia interdito a problemas, passíveis de interpretação menos correcta.
Praticamente a uma semana das eleições, não tenho dúvidas de que os sofrimentos e as carências devem ocupar o primeiro lugar das nossas preocupações e dos nossos combates.
Os sem emprego, os esfomeados, os intranquilos, os privados de casa, as famílias sem rumo, os portugueses (as), sem preguiça nem aproveitamentos, jazendo no mais ínfimo da condição de viver, as forças de segurança, tantas vezes em vão na boca de “devotos”, que nada por elas fizeram no decurso desta legislatura, os homens e as mulheres das Forças Armadas, cujos objectivos passaram marginais ao inflamado de patriotismos sazonais, as crianças e adolescentes violadas, as mulheres oprimidas, os agricultores em protesto, os professores em ebulição… Estas são questões nossas. De todos e de cada um de nós. Não são motivos de publicidade, de febre eleitoral, de sumários de lições a desenvolver… só nestes últimos dias. São todos eles deveres de cidadania, esperanças de um país melhor, razões que tocam a sensibilidade e a razão. Não surgem no país marginal das revistas cor de rosa, nos corpos de baile ou dos divertimentos de discotecas, de alienações e embriaguez… Façam o teste…
Remirem, em qualquer venda de jornais e revistas, o Portugal lateral que esquece tudo, até a própria compostura mental. Não fogem de fotografias… pelo contrário…

2. De acordo com as previsões da OCDE, a degradação do trabalho vai degradar-se. Será mesmo de prever que, no final de 2010, teremos 650 mil desempregados? E que soluções para a “doença”? Não haverá subida de impostos, não se registará a abolição de medidas sociais, ninguém quererá servir-se da Segurança Social nem das pensões mais débeis. O Estado não será o imperador… Mas, quando os desmandos dos dinheiros privados e públicos entram em espiral ou grupos organizados se aproveitam da queda do império, pilhando e malbaratando, quem deverá ser o fiel da balança, o organizador do diálogo entre as partes ou a Luz da Justiça que, ao menos, grite: “agarra que é ladrão”…?!
Ao reler, mais uma vez, o “Testamento espiritual” de um grande sacerdote açoriano há pouco falecido – Manuel António de Melo Pimentel – (Ponta Delgada, 2004) não posso deixar de o associar a esta espera pelo 27 de Setembro de 2009. Ao recordar o seu trabalho na Acção Católica Operária, no Serviço Nacional dos Migrantes em França e no Movimento Mundial dos trabalhadores cristãos, escreve assim o Padre Manuel António Pimentel, já gravemente doente:
“ Tempo de descoberta das diferentes formas de pobreza, mas todas ligadas pela fome, pela falta de habitação decente, pela falta de água potável, pela falta de cuidados básicos de saúde e de educação. Tempo também de espanto perante a criatividade dos pobres na luta pela sobrevivência. Tempo de tristeza por constatar até que ponto a pobreza conduz à degradação humana nas suas formas de violência e perda do sentido da própria dignidade. Tempo de descoberta em directo da ternura, da solidariedade e da alegria como denominadores mais comuns em todos os pobres de todas as latitudes. Um tempo, enfim, de graça transformante do indivíduo, situado num lugar e num tempo determinados, a fazer-se homem entre os homens de todos os lugares e tempos na ânsia da construção de um outro mundo onde todos se possam sentar à mesma mesa da Vida.”
A Igreja tem falado. Mas tem de colocar a voz a outra altura. Não nos faltam meios de comunicação social, entre tantos outros.
No âmbito do convénio estatal com outras confissões religiosas, acabo de tomar conhecimento de que a Igreja Católica terá (espero estar a ser preciso) um programa diário de 9 minutos e, ao domingo, de 35, na Antena 1.
É questão para perguntar aos responsáveis de todos os ambientes do país:
“O que vamos fazer de muito melhor?”

Lisboa, 18 de Setembro de 2009

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
http://castrense.ecclesia.pt

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Ateus a quem Deus incomoda

É frequente os ateus virarem teólogos. Coisa esquisita, por certo. Se não acreditam, porque se incomodam e perdem tempo a negar o que para eles não existe? Se é para empurrarem os crentes para a descrença, então tem que se lhes pedir que respeitem os sentimentos de quem não afina pelo seu diapasão. Muita gente simples é profundamente sábia e dispensa conselhos e ajudas daqueles que presumem de muito saber e pouco respeito.
É frequente os ateus virarem teólogos. Coisa esquisita, por certo. Se não acreditam, porque se incomodam e perdem tempo a negar o que para eles não existe? Se é para empurrarem os crentes para a descrença, então tem que se lhes pedir que respeitem os sentimentos de quem não afina pelo seu diapasão. Muita gente simples é profundamente sábia e dispensa conselhos e ajudas daqueles que presumem de muito saber e pouco respeito.
Quem subiu alto, por seu pé ou, como acontece frequentemente, porque outros o levaram ao colo, e se vê, por fim, no trono que lhe prepararam, se não tem consciência de que toda a glória é passageira, como “flor que murcha e erva que seca”, e de que não faltam na sociedade estátuas com pés de barro, acontece pensar que o esplendor do trono diviniza os mortais e é, por si, fonte de saber sem limites e razão para tudo poder afirmar ou negar.
Temos aí um exemplo de casa, que me aparece - é a minha opinião - como alguém atormentado pelos maus espíritos que procura exorcizar, sem grande resultado prático. Refiro-me ao Nobel Saramago. Nada tenho contra o senhor. Li um outro dos seus livros, Não consegui acabar alguns que ainda comecei. Por razões meramente literárias, não é o meu género, mas também não estranho nem me incomodo, que o seja de muitos dos seus leitores. Feita a casa na praça, tem de aceitar, se for capaz, quem queira opinar livremente sobre ela. O que ele faz com os outros
Por vezes penso que se trata de um homem incomodado, senão mesmo atormentado, pelos espíritos, talvez de Sofia, de Torga, ou até de gente de outras terras, onde se escreve em bom português, mas onde os padrinhos podem faltar ou serem menos eficazes.
Quando se sabe como se constrói um Nobel, das letras e não só, e qual a montagem que está por detrás do veredicto final, não é de estranhar que fiquem fantasmas pelo meio do processo. Depois do facto consumado, o problema não resolvido dá lugar a outros problemas. Saramago poderá sido talvez, um exemplo destas manobras. Não falta quem o pense e quem o diga.
É um homem orgulhoso e intocável. Fez do galardão um escudo de intocável. Não permite, a seu respeito, críticas e opiniões que não sejam de apreço e elogio. Mostra que não esquece nem perdoa e que, para além dele, ninguém, neste pobre mundo se lhe pode comparar. Sabe muito bem mover os cordelinhos que puxam o carrinho dos seus interesses. Este retrato deduz-se facilmente e sem preconceitos, das suas intervenções. Sem que seja necessário inventar ou deturpar. Ele próprio diz que precisa de mostrar que está vivo. Muito bem. Um propósito positivo de que ninguém o pode impedir. Por isso, agora, eufórico, escreve sem parar. As intervenções multiplicam-se. Os livros sucedem-se. A venda está de há muito assegurada. Só há que cuidar que os títulos sejam apelativos. A idade, agora, é jus e fama que abre portas. Do passado, o que lá vai, lá vai.
Há uns tempos, de modo mais insistente, o ateu virou teólogo. Afirmativo e dogmático em relação à religião que detesta. Dia a sabedoria do povo que quem tem olhos tortos, entorta as coisas mais direitas. Não sei, por isso, se o caminho escolhido lhe dará prémios e êxitos.
Desta vez, parece ser o fratricida Caim que lhe dá ensejo para matar o Deus, inventado por pobres escravos que Ele mesmo escravizou e que, na sua cegueira, teimam em O dizer vivo. O livro está a chegar, mas o autor já foi dizendo o que pretendia. O marketing funciona.
Não se pode esperar que Saramago acerte a pontaria contra o Deus que para ele não existe, mas que o incomoda, mesmo tratando-se de uma mera invenção de escravos…
A Bíblia exige fé para penetrar na sua mensagem. Os crentes e as igrejas cristãs não temem os tiros secos do desprezo ou do ódio. Serão os puros de coração verão a Deus. Puros de coração são os humildes, os únicos capazes de ser verdadeiros até ao fim. Puros, sem manobras egoístas, sem refolhos que coleccionam pó, sem misturas espúrias.
Há sempre para todos um fim inevitável. Para um crente é um início em que tudo aparecerá definitivamente claro. Um momento para nos apresentarmos sem recomendações e sem galardões. Um momento único da verdade total.
A sorte de todos, crentes ou não crentes, é a mesma. Quem acolhe nesse encontro inevitável de regresso à Fonte da vida, será sempre o Deus Pai, que tem, no seu amor misericordioso para com todos, a expressão mais eloquente do seu projecto salvador da dignificação do homem.

António Marcelino

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Horizontes estreitos e redutores geram pobreza social

Sempre que surge, a qualquer nível, um acontecimento que toca em conceitos, preconceitos e interesses de qualquer ordem, surgem brados de escândalo, críticas mordazes e, consequentemente, o exibir de títulos de modernidade e progressismo.
Sempre que surge, a qualquer nível, um acontecimento que toca em conceitos, preconceitos e interesses de qualquer ordem, surgem brados de escândalo, críticas mordazes e, consequentemente, o exibir de títulos de modernidade e progressismo. Os protagonistas do desagrado esgotam os habituais epítetos que atiram, como setas despeitadas, aos intervenientes desagradáveis no processo, e que actuaram nele, por força do serviço devido à verdade e ao bem da comunidade no seu conjunto. Há acontecimentos que não dispensam as normais exigências éticas, queira-se ou não.
Já não é o primeiro cientista a reconhecer a razão do Papa, quando, em Março, no avião que o levava aos Camarões, se referiu à não solução do preservativo, frente ao drama da sida, na Africa ou em qualquer outro sítio.
Agora, é mais um reconhecido cientista, professor da conceituadíssima Universidade Harvard, Edward Green, Director do Projecto de Prevenção da AIDS, que vem dizer, fruto do seu saber e experiência, a uma Europa impada de certezas, que Bento XVI tinha e tem razão, porque “as medidas de carácter e técnico e médico não servem para resolver o problema da sida”. As palavras insultuosas, então dirigidas ao Papa, foram, já o sabíamos, dardos que erraram o disco-alvo.
Mais uma vez o Presidente da República foi brindado, por motivo do seu veto à lei sobre as “uniões de facto”, com os habituais mimos de “retrógrado”, “antiquado”, e agora, também, incapaz “de compreender as novas relações sociais” e, por razão de uma “cega teimosia”, de “descortinar os sinais do tempo” e aos de que “dificultosamente se apercebe, fecha-os no círculo limitadíssimo das suas avaliações”. Desta vez, acrescenta-se, tudo por ser católico e, por isso mesmo, pessoa de vistas curtas…
Interrogo-me, frequentemente, até que ponto este mundo europeu de democratas, já se apercebeu que, em democracia, não vinga o sentido único e que este nada tem de livre e liberto. Pelo contrário, gera, inevitavelmente, horizontes estreitos e redutores, por via da ignorância e da cultura unidimensional, daqueles que, no poder ou fora dele, pensam e dizem que quem não está com eles, está sempre errado?. As convicções de uns não podem esvaziar as convicções dos outros. Não se pode fazer um mundo à medida de cada um. Não se pode menosprezar um património cultural de séculos com valores universais. Sem referências, validamente testadas, não é possível dialogar, nem procurar, em comum, os melhores caminhos e, muito menos, integrar novidades num mundo onde nem tudo perdeu o valore e nem sempre o último que chega vale tudo.
Os sociólogos, a que hoje tanto se recorre para tomar decisões, pondo-se de parte outros elementos necessários de reflexão e apreciação, não são nunca criadores de moralidade, ao lerem, com a necessária competência e honestidade, dados comportamentais, colhidos na sociedade. Nem as maiorias políticas, podem ser, por decisões legais, geradoras de novos modelos de vida, à revelia de postulados éticos e morais.
Um cientista nunca se considera um dogmático ou um sabe tudo. É sempre um insatisfeito que procura. A investigação e a ciência geram gente humilde. Um político, nunca é detentor de um poder absoluto, porque não pode esquecer a sua dimensão. Tem de ver nos outros, pessoas os grupos, gente a ouvir e respeitar, para melhor poder servir.
A humildade não é moeda corrente entre gente que pensa que o último dado da ciência é já o definitivo, nem para políticos que julgam que, depois deles e para além deles, nada pode haver de novo e válido para bem da país.
Gente que se afirma a si negando os outros, desumaniza e destrói uma sociedade de pessoas. Em entrevista recente à RTP 2, Adriano Moreira, que prima pela sua cultura e lucidez de pensamento e coragem em dizer afirma que o Parlamento é o espaço normal de uma diversidade legítima que deve ser acolhida e respeitada, porque só do contributo de todos se encontram os melhores caminhos e soluções. De facto, as maiorias absolutas geram orgulho e prepotência e tornam-se facilmente antidemocráticas. Mais ainda quando as eleições, por pobreza cívica, são a escolha de galos para um só poleiro e não a procura de um equilíbrio de forças e ideias para servir o bem comum.

António Marcelino

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Interpelar, opinar, julgar

É tempo de cada um se assumir com os seus direitos, deveres e responsabilidades de cidadão e de cristão, se for o caso. Tempo é sempre. Porém, há acontecimentos que nos fazem acordar e nos empurram para caminhos novos, abertos e estimulantes, porventura incómodos, mas necessários. O tempo de eleições para escolher servidores do bem público, como devem ser sempre os deputados da Assembleia da República e os responsáveis autárquicos, não pode deixar-nos indiferentes e passivos.
Quando impera o medo de falar ou a apatia generalizada, há sempre o perigo de serem incómodas as opiniões mais livres e realistas. É esse medo e essa apatia que agradam tanto aos ditadores, como aos políticos fracos. Mas a uns e outros não se lhes pode proporcionar tal favor. Pelo contrário, há que mostrar que democracia é espaço de participação de todos e respeito pela liberdade de opinião de cada um.
“ Na prática, mais uma vez a sociedade partidária procedeu à captura da sociedade civil para o debate politico partidário….Aquilo que poderia ser uma manifestação interessada da sociedade civil por um problema específico, apenas veio fortalecer argumentos da liça partidária…Ou nos resignamos ou temos de escolher uma ala que nos é oferecida na vida colectiva…Nalgum momento, a posição do cidadão deve ser assumida num ponto de linha que une as diversas esquerdas, centros e direitas, na eterna e inacabada luta entre os divergentes modelos, opções e pessoas para a gestão da nossa vida colectiva. …. Nem todas as opções da vida colectiva e do cidadão devem ser opções para servir uma luta partidária.” Assim opinou um gestor, Jorge Marrão, no Espaço Público, do jornal com o mesmo título. (27.07.09).
Uma opinião de quem parece ter os pés no chão, capaz de denunciar as querelas partidárias que geram absolutos para servir pessoas e interesses, mas que passam ao lado do bem comum, tarefa de todos, cidadãos e partidos políticos, e em que ninguém está a mais.
Nas minhas leituras de férias esteve um livro, começado há tempos e de que só agora pude continuar a proveitosa leitura. Trata-se de “China, a escalada do dragão” da jornalista italiana, Renata Pisu, uma profunda conhecedora e estudiosa. da China histórica e da actual. É uma verificação e uma advertência que, não sendo nós chineses, não deixa de vir a propósito. Diz ela logo no fim do prólogo: “ Na China, agora como antigamente, quem coloca questões e levanta problemas e é malvisto. Dizer “gostava de fazer um pergunta” significa que há um problema. Então, é melhor nunca colocar perguntas, nunca levantar problemas”. Assim já não há obstruções. Parece ser este o preço exigido pelo governante que não quer ser incomodado. Quem abafa pessoas nunca dará um passo para construir uma sociedade de pessoas.
Há muita gente que opta pela crítica fácil da mesa do café, sempre inconsequente. É verdade que os comícios de campanha eleitoral estão desvirtuados. Só lá vai a gente da cor e essa vai para aplaudir, não para reflectir ou questionar. Alguém com opinião própria, se ousa discordar do orador de serviço e faz perguntas, sai ou é vaiado.
Uma sociedade que se diz livre está capturada pela linguagem partidária. E, se forem perdidas as ocasiões para opinar, perguntar e desabafar, pode tornar-se uma sociedade amorfa, ainda mais decapitada e entregue a quem não queremos, nem desejamos.
Certamente que há que relativizar muitas coisas e ter consciência de que os governantes são pessoas normais, mesmo que julguem que não o são. Por isso eles precisam de ouvir para conhecer a realidade, de dar valor até aos próprios opositores, de encontrar em comum os melhores caminhos, de não se considerarem donos do país.

António Marcelino



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Quase cento e noventa mil portugueses mudaram (assumidamente) de emprego

Segundo dados divulgados por um jornal diário na semana passada, citando fontes do Instituto Nacional de Estatística, quase cento e noventa mil portugueses mudaram de emprego entre os anos de 2007 e o primeiro semestre deste ano.
Explicitando os números por cada ano: em 2007 cerca de 71.500 trabalhadores mudaram de actividade, enquanto, em 2008, quase 65 mil escolheram outra actividade profissional, tendo-se, até Junho deste ano, verificado que 52.500 portugueses optaram por outra profissão diferente da que ocupavam anteriormente.
Por actividades foram os ramos da indústria, da construção civil e da energia que mais mudanças tiveram para os sectores dos serviços, tendo ainda alguns passado a trabalhar na agricultura...
Inseridos na derradeira semana de campanha eleitoral para as eleições legislativas e dada alguma negligência de debate sobre esta temática do emprego/desemprego, poderemos sentir que esse real problema como que foi varrido para debaixo do tapete da discussão pública dos políticos. Com efeito, é urgente dar condições sociais e económicas, políticas e profissionais, pessoais e colectivas, por forma a acreditarmos que quem nos vai governar a curto prazo tem a realidade do emprego/desemprego no topo das suas prioridades... mais do que das intrigas e das tricas politiqueiras.

* Emprego: tripé de identidade
Em tempos não muito recuados o emprego (actividade de trabalho habitual) fazia parte de um dos três pontos da nossa identificação – senão mesmo da nossa identidade pessoal e social – aliado ao nome e à idade. Com o passar dos anos tornou-se cada vez mais difícil manter-se num trabalho/emprego por toda a vida. A variação de oportunidades e de instrução fez modificar a componente de estabilidade de um emprego/trabalho para toda a vida e no mesmo local... fixamente.
Com a explosão do fenómeno migratório muitos trabalhadores tiveram de acomodar-se àquilo que lhes era proporcionado, deixando cair, muitas das vezes, a experiência anteriormente adquirida com esforço, estudo e tenacidade. Nesta época de acentuada mobilidade, cada trabalhador – desde o mais simples e inclassificado até ao quadro superior e bem instruído – teve de adaptar-se às possibilidades, entrando, por vezes, numa máquina de exploração atrozmente desumana.
Deste modo, quando um trabalhador é obrigado a mudar de emprego, sobretudo quando para ele se preparou e (quase) tudo investiu, torna-se uma espécie de desagregação psicológica, criando, à sua volta, um ambiente nada favorável ao rendimento necessário e, quantas vezes, suficiente.

* Onde estão os 150 mil novos empregos... prometidos?
Na campanha eleitoral das legislativas anteriores havia um cartaz que prometia 150 mil novos empregos. Decorridos os anos de governação temos o direito e a obrigação de perguntar aos anunciantes: onde estão os tais empregos? Quando é que assumem as falhas e não continuam a ludibriar o povo, tanto em geral como aquele que (ainda) vota?
De facto, neste intervalo deu-se uma grave crise económica, mas as promessas eleitorais, quando não cumpridas devem, no mínimo, ser justificadas de cabeça levantada e com argumentos sérios. Não podemos continuar a reger-nos por manhas ideológicas, que só ficam mal a quem as usa. Precisamos de homens e de mulheres na política partidária que tenham coluna, tanto nas vitórias como nas derrotas, pois umas e outras fazem parte do (dito) ‘jogo democrático’.
- Porque no futuro (parece que) não precisaremos de ter tanto tempo de trabalho (tanto físico como mental), urge lançar as bases para uma correcta e salutar ocupação do tempo – claro que não será noutro emprego ou trabalho – em ordem à valorização da pessoa humana nas dimensões psicológica/afectiva e emocional/espiritual.
- Porque no futuro (parece que) precisaremos de saber ter tempo para a nossa realização psico-social, urge criar laços de amizade para que se possa dar do nosso tempo livre às causas dos outros, tanto nos mais frágeis como nos mais isolados... mesmo que vivam rodeados de outras pessoas.
- Porque no futuro (parece que) a aposta de trabalho terá de ser mais personalizada e em função também mais do bem-estar do que da concorrência uns contra os outros, urge propor espaços de convívio, onde cada um conta mais pelo que é do que pelo que ostenta ou pretende ter.

Em breve votaremos: a escolha tem de ser consciente e esclarecida. Abstenção: nunca!

A. Sílvio Couto

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15/09/09

As minhas conclusões do simpósio do Clero de Portugal

Limito-me a pontos de relevo pessoal do Simpósio do Clero de Portugal (1-4 Set.09). Não é resumo nem crónica. É contemplação assimilativa com dose de elaboração.
Em pastoral e formação sacerdotal precisam-se mais testemunhos e menos discursos, mais escuta e encontro pessoal, e menos reuniões desgastantes. A experiência vivida do vínculo pessoal com Cristo é a chave da identidade do sacerdote e da sua formação permanente. Faltou a apresentação do testemunho do Cura d’Ars; foi bom ter sido dado lugar central à oração, adoração e Missa. Pouco espaço para Nossa Senhora.
Cede-se muito à tentação a que Jeremias resistiu de adaptar demasiado a Palavra aquilo que as pessoas querem ouvir, (A. Grun). Muitos cedem a essa tentação açucarando demasiado a mensagem, por vezes, com palavras “ocas”(S. Ambrósio) e com espectáculo, deixando as pessoas sem calor nem convicção para viver a fé.
O fulcro da formação está em aceitar a própria pequenez até ao difícil desapego do próprio ego (A. Cencini). Tarefa difícil e só possível contemplando o “Despojado” no Getsémen e na cruz e ouvindo as suas últimas Palavras. Ficar sozinho no silêncio torna-se apelo forte para integrar na própria vida o Cristo da cruz. Pede-se ao sacerdote que se “conforme” a Cristo e aceite livremente que Ele seja em si a própria “fórma” em divinização (Rocha e Melo). Três expressões podem exprimir esse processo da sua Encarnação divinizante em nós: transparência (ir além da aparência); transformação ( ir além da forma do homem velho); transfiguração (ir além da figura actual), e, acrescentaria, transidentidade (ir além da identidade inicial) para deixar que Cristo seja e opere em nós. Os ruídos em que se mergulha hoje são expressão de idolatria, inimigos do silêncio contemplativo e do jejum tonificante: são factores de inflação do ego. O processo de divinização faz a minha oração oração de Cristo em mim; o meu sofrer o sofrer de Cristo em mim; o meu entregar-me à vontade do Pai, o entregar-se de Cristo em mim. Faz-me um corpo eucarístico com Ele em oferta com Ele no corpo-Igreja.
A mutação acelerada está na génese da não coincidência entre Igreja e sociedade, agora duas realidades, lado a lado, que se ignoram ou rejeitam. O mundo da cultura actual coloca o homem no centro de tudo, a Igreja coloca Deus no centro e acima de tudo. São diferenças abissais, não podem coincidir. Importa valorizar, por um lado, a diferença na visão de fé, nos símbolos, nas convicções e entrega generosa; enquanto do outro, se valoriza o consumismo, a libertinagem, o espectáculo oco, o estendal do corpo. O celibato não é compreensível sem a fé cristã. O secularismo quer uma Igreja igual ao mundo. Deixou de se crescer cristãos na cultura da Igreja-sociedade (já inexistente) para se crescer cristão saindo da cultura agnóstica, secularista, laicista circundante por conversão à fé e adesão à pessoa de Cristo e ao seu projecto. As vocações hoje são mais de convertidos que de crescidos na tradição cristã. A pastoral juvenil no essencial é oração, encontro e adesão pessoal a Cristo. As muitas reuniões de trabalho consomem, desgastam e roubam o tempo ao encontro pessoal e ao testemunho. Ser pastor é diferente de ser gestor e burocrata
Ficou o lema: formação permanente ou frustração permanente. Essencial na formação é integrar Cristo sofredor da Paixão e da Cruz na própria vida. Mais tarde ou mais cedo é a cruz que se torna a prova real da formação de todos os consagrados. Se Cristo crucificado não for integrado a vida e vocação estalam e não se recompõem até que se aceite fazer a integração. “Padre é a consagração da Eucarístia”: entregue, derramado, e, por isso, “padre é ser tudo” e entregar tudo, a vida toda, nas mãos do Pai.
A formação permanente não é pedagogia, nem psicologia mas teologia da vida toda, no “lugar teológico que eu não escolhi”. Nem sequer é auto-realização auto-cêntrica, auto-idolátrica. O inimigo da formação inicial e permanente é a falta de recta intenção e de verdade partilhada com os confessores, com o director espiritual, com os superiores/formadores. O inimigo da formação permanente está em ocultar as fragilidades, o pecado (não confessado nem perdoado). O apego ao mal e às inclinações misturadas com orgulhos subtis de estimação caldeados com aparências levam a viver duas agendas, uma visível e outra ocultada. O orgulho está na raiz dos outros pecados capitais e impede a conversão.
Assim como Cristo é a cabeça do corpo Igreja e o sacerdote participa em Cristo-cabeça, e os leigos participam como membros de Cristo; assim unir-se a Cristo não é possível sem se desapegar do pecado, do mal e do apego ao mal, para “despertar o dom de Deus”, presente em cada um.
Fátima, 4 de Setembro de 2009
Aires Gameiro


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14/09/09

Ao Compasso do Tempo – Crónica de 11 de Agosto de 2009

Evoco o inequívoco teólogo Y. Congar (mais tarde Cardeal, o que nada lhe acrescentou, a não ser a quem tal houve por bem decidir…) e o seu diário do Concílio Vaticano II, inicialmente redigido nas “Informations Catholiques Internationales” (cf. nº 248 – 15 de Setembro de 1965, pgs. 8 - 9). Neste número, o Padre Y. Congar (que nunca precisou de outros adereços de apresentação…) enumera várias categorias e posições de pessoas diante do acontecimento conciliar.
Um desses sectores, em França, resultava de um nítido ambiente político, que se exprimia, como habitualmente fala ou escreve quem é movido por qualquer (e misteriosa) pérfida vontade: “o episcopado francês está contra o Papa e a entregar a França ao Comunismo, etc, etc”. Um jornal italiano apelidava Congar de “padre vermelho” (a originalidade nunca foi inteligência de quem está no “contra”…)
E, a um certo momento, o grande Congar, na sua mansidão, não receou enfrentar a realidade. Daí o diagnóstico: “no mais fundo da realidade, (os opositores) são anti-povo, anti-massa; reagem por instinto coerente contra tudo o que, no plano das ideias, das influências, ou mesmo, no dos gestos e da linguagem, tem o sentido da massa ou do povo: os pobres operários, a linguagem vernácula na Liturgia, um alargado acesso à Cultura… Era o retomar do pensamento de Joseph de Maistre: ”com o Papa, o mais possível; com o Concílio, o menos…” Porque o Concílio é também, na sua perspectiva, um acontecimento “de massa” (ou seja, do conjunto dos representantes do povo de Deus), ao qual deveria ser preferida uma pura monarquia pontifical bem autoritária”. As reacções dos filhos de Monsenhor Lefebvre, à semelhança de seu orientador espiritual, são mais que tristemente conhecidos.
Fundados na Tradição e na Escritura, os Cristãos têm a responsabilidade de, nessas fontes, descobrir as modalidades que permitam evangelizar o mundo que, em cada dia, reaparece diferente em relação a ontem ou a ante-ontem. Numa altura em que se reflecte sobre a implantação da República, em Portugal, este horizonte de exigência e pureza do Evangelho, é capaz de, em alguns escritos e rememorações, trazer até nós os mesmos complexos persecutórios, as mesmas análises doloridas, as idênticas más vontades de quem está zangado com o mundo, com o bispo, os padres, os baptizados, ou outros, de diferente margem.
Pelo que me já relataram, um panfleto desse jaez já apareceu entre nós. Porque o texto “fala por si”, a “fala” engasgou-se com a má vontade e o ácido. E o autor é católico.
O grande filósofo E. Gilson escreveu em 1946, na consagrada revista “Esprit” (felizmente viva e a viver), no número de Agosto – Setembro, a pag. 196, o que se segue: “A função da Igreja não é a de conservar o mundo como ele é, mesmo no caso de ele se ter convertido cristão, mas a de o conservar cristão à medida do mesmo mundo se tornar diferente”.
E no dia da trasladação de Jorge de Sena, é oportuno saborear este pedaço da “Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya”: “Confesso que muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos de opressão e crueldade, hesito por momentos e uma amargura me submerge inconsolável. Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam, quem ressuscita esses milhões, quem restitui não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?”

Lisboa, 11 de Setembro de 2009

Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança
http://castrense.ecclesia.pt

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08/09/09

Enlace de turismo contemplativo

O VI Simpósio do Clero de Portugal (1-4.09.09), com cerca de 1000 padres, tornou-se enlace e presente de contemplação. Na abertura, dia 1.09.09, e nos outros dias a contemplação foi dada como dimensão fundamental do sacerdote unida à formação permanente. Esta focagem ecoou de imediato em mim as ressonâncias de contemplação dos dias anteriores.
Em passeio, com familiares, para ir colaborar em sessão cultural à volta do Patrono da Casamata de S. João de Deus da Praça de Almeida, tinha contemplado dias antes cumes da serra do Açor com visões de paisagens deslumbrantes, salpicadas agora por centenas de eólicas (e nesse dia sem qualquer incêndio), de vales cavados e represas sigmoideias do Zêzere, das alturas da Serra da Estrela. A própria sessão sobre S. João de Deus e as Casamatas de Almeida realizou-se na Igreja da Misericórdia também ela um lugar de contemplação. Seguiram-se dois dias a contemplar planícies áridas de Castela; do vale do Jerte com miríades de pomares de cerejeiras em descida para Plasencia.
Houve celebração em lugares da grande densidade contemplativa nos Carmelos de Alba de Tormes e de Avila. Nuns viveu, morreu e está sepultada a “Contemplativa”; noutros nasceu no que é agora uma capela deslumbrante. Mais uma vez observei que os lugares que mais atraem visitantes, turistas e peregrinos por essa Europa são lugares de contemplação cristã e de oração. Por aqui grupos contínuos vêm recordar o “nada te perturbe, nada te espante; quem a Deus tem nada lhe falta; só Deus basta” (Santa Teresa). E a coincidência da celebração com o dia de Santo Agostinho (dia 28) convidava a ponderar: “o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Deus”, contemplando e adorando, porque só ele enche o coração do homem e a- nula o stresse corrosivo da agitação.
Os turistas da contemplação procuram também os lugares de S. João da Cruz, outro grande contemplativo da “noite escura”; e procuram, como eu, catedrais, suas obras de arte cristã, os seus quadros, os seus museus. Que força de atracção diferente cativa as pessoas nesses lugares de contemplação! Uma Europa sem os monumentos e lugares de contemplação perdia 70-80% da sua arte e da sua cultura. E lá vão eles, aos grupos, para a Catedral de Nossa Senhora da Assunção no “casco” antigo de Cáceres. Ali, caso curioso, o museu de peças de arte eucarísticas valiosíssimas: cálices, custódias, patenas, galhetas, turíbulos, está exposto e guardado na sacristia onde como tantos sacerdotes há séculos, me preparei para celebrar o mesmo mistério da presença de Jesus para quem esses objectos foram lavrados por artistas contemplativos que ornamentaram também a capela do Santíssimo e o belo retábulo de Nossa Senhora Elevada ao Céu em Corpo e Alma. Ali se ficam muitos a contemplar e a adorar (isto é, ad-orem (-boca), presos às palavras mudas da “boca” divina). Nós celebrámos nesta capela Eucarística o martírio daquele (João Baptista, dia 29) que anunciou com três anos de antecedência que Jesus é o Cordeiro de Deus a ser sacrificado pelo pecado do mundo e contemplado na cruz. E João no sacrifício da sua vida foi também seu precursor.
A indicação do secretário na abertura do simpósio do clero dava a recuperação da contemplação como a chave mestra do crescimento vocacional e do aumento do número dos sacerdotes. E sugeriu que seria tempo de suspender alguns métodos estatísticos e usar mais os contactos directos de sacerdote a jovens. Então e o marketing vocacional? Não foi falado. O dia 1 de Setembro coincidia, ainda, com a festa de outra grande contemplativa, Santa Beatriz da Silva, que na dimensão contemplativa do cárcere, onde a rainha a fechara, foi orientada por Maria, a concebida sem pecado, na vocação de fundar uma congregação monástica dedicada Àquela que contemplava todas essas coisas sobre Jesus no seu coração. Até indicou a Santa Beatriz as cores do hábito, azul e branco, aquelas cores que ficaram conhecidas como as da Imaculada e com as quais Ela, em Lurdes, foi contemplada por Bernardete. E a propósito, imagino que me levaram de vestido de branco com algum azul neste mesmo dia, em data distante, à pia baptismal no dia do meu Baptismo o qual me fez (com)templo em divinização, agraciado para poder contemplar.
Fátima, 4 de Setembro de 2009
Aires Gameiro

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Ao Compasso do Tempo – Crónica de 04 de Setembro de 2009

Este “Ano Sacerdotal” é um período que olha o futuro sem medo. Não há pandemias nem asfixias… O Senhor do tempo não padece de limites. Mas este ciclo de revigoramento é uma página de memórias.
Em 28 de Agosto último (evoco igual dia de há dez anos, em que morreu D. António Francisco Marques, primeiro bispo de Santarém) faleceu no Hospital Militar do Porto o Padre João Ferreira Rodrigues, da diocese de Lamego e capelão militar do Centro de Tropas de Operações Especiais, da mesma cidade.
Deixou-nos, após longo calvário, sob o nome de leucemia.
Escondeu durante longos anos a enfermidade que o minava, e mesmo quando a confidenciou, “exibiu” uma cara prazenteira, acompanhado de uma Esperança sem dúvidas e de uma vontade indómita diante do combate. As dores não tinham que passar para os outros. Já lhe bastavam as que lhe caíram em sorte.
Entre pessimismos e desalentos de uma época singular do nosso país, o “ano sacerdotal”, com a morte deste sacerdote de cinquenta e um anos (também pároco de Valdigem) avoluma o álbum das nossas dívidas e garante-nos a comunhão.
O magnífico VI Simpósio do Clero de Portugal, ocorrido, em Fátima, do decurso desta semana, avivou tais certezas: não entraremos de olhos fechados no futuro. Levamos dentro de nós afectos e exemplos.

Lisboa, 4 de Setembro de 2009

Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança
http://castrense.ecclesia.pt


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07/09/09

Sair de cabeça erguida

‘Vale a pena ser sacerdote para ver as pessoas saírem de cabeça erguida’ das nossas celebrações.
‘Vale a pena ser sacerdote para ver as pessoas saírem de cabeça erguida’ das nossas celebrações.
Foi desta forma simples (sem ser simplista) que o monge alemão Anselm Grün terminou a sua primeira intervenção no VI Simpósio do Clero de Portugal, que decorreu em Fátima de 1 a 4 de Setembro.
Sem pretendermos esmiuçar as comunicações deste fundamental momento da Igreja em Portugal – para mais inserido no ‘Ano sacerdotal’ – parece-nos que aquela tipificação do Padre Anselm Grün teve o condão de provocar nos mais de oitocentos padres de todo o país uma boa atitude, que foi posteriormente esclarecida por outros conferencistas e polarizou conversas e partilhas.
De facto, nota-se que na Igreja católica – e nos padres em particular – falta esta capacidade de levantarmos a cabeça sem arrogância nem falsa humildade. Com efeito, nem sempre as nossas celebrações – sobretudo da missa – nos fazem sair, desde os ministros até aos outros fiéis, de cabeça levantada e com o espírito capaz de ser testemunha da dignidade da vitória de Jesus Ressuscitado.
Como participante na quase totalidade destes momentos de reflexão, de oração, de partilha e mesmo de convívio, quase sentimos uma tristeza atroz por vermos alguns dos nossos padres primarem pela ausência e nem mesmo a duplicação de presenças do último simpósio de há três anos para o deste ano nos convence de que algo não está bem (ou tenha melhorado significativamente) nesta área da Igreja católica que são os padres e o exercício do seu ministério pessoal e pastoral.
- Por mais optimista que possa ser (ou vir a ser) a visão emergente deste simpósio, parece-nos que falta capacidade de diálogo intra-cultural na Igreja católica em Portugal.
- Por muito positiva que possa ser (ou vir a ser) a perspectiva saída deste simpósio, parece-nos que nem todos os padres estão acertados na mesma linguagem na nossa Igreja católica portuguesa.
- Por muito que se pretenda dar a entender que vai surgindo uma imagem mais cativante (ou mesmo de maior abertura) para com o mundo, parece-nos que nem todos os membros conscientes da Igreja católica em Portugal conseguiram ultrapassar certos complexos de orfandade à luz da crise da cristandade... decrépita, defunta e (já) enterrada.
Sem pretendermos dar lições (teológicas, bíblicas, espirituais ou mesmo eclesiais) ousamos sugerir, neste ‘Ano sacerdotal’, à luz da aprendizagem neste sexto simpósio do clero:
+ Enquanto não houver uma conversão séria a Jesus vivo e ressuscitado, a nossa Igreja não passará de uma instituição razoavelmente bem organizada, mas sem alma nem ardor;
+ Enquanto não formos todos capazes de nos questionarmos à luz do Evangelho – sem máscaras nem subterfúgios não assumidos – deixando-nos denunciar pela Palavra de Deus, a nossa Igreja parecer-se-á com uma empresa em maré de saldos e prestes a abrir falência;
+ Enquanto dermos a entender que corremos pelo prestígio e não pelo serviço, a nossa Igreja poderá dar a entender ser mais um ninho de víboras do que um berço de paz e de concórdia;
+ Enquanto formos tentando impor aos outros a nossa maneira de pensar em vez de nos adiantarmos em fazer os outros crescer na comunhão, a nossa Igreja corre o risco de converter-se num espaço (quase) desumano, sem alma nem coração;
+ Enquanto os que forem descobrindo o seu lugar nesta Igreja desertarem com medo de serem provados pela calúnia, a humilhação ou mesmo a incompreensão, então esta nossa Igreja precisará de um novo e urgente Pentecostes da fúria de Deus.

Porque amámos esta Igreja, queremos servi-la humilde, leal e fraternalmente, já... tentando sair de cabeça erguida, desde logo, das nossas missas e encontros de fé.

A. Sílvio Couto

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