Jornal de Opinião

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15/09/09

As minhas conclusões do simpósio do Clero de Portugal

Limito-me a pontos de relevo pessoal do Simpósio do Clero de Portugal (1-4 Set.09). Não é resumo nem crónica. É contemplação assimilativa com dose de elaboração.
Em pastoral e formação sacerdotal precisam-se mais testemunhos e menos discursos, mais escuta e encontro pessoal, e menos reuniões desgastantes. A experiência vivida do vínculo pessoal com Cristo é a chave da identidade do sacerdote e da sua formação permanente. Faltou a apresentação do testemunho do Cura d’Ars; foi bom ter sido dado lugar central à oração, adoração e Missa. Pouco espaço para Nossa Senhora.
Cede-se muito à tentação a que Jeremias resistiu de adaptar demasiado a Palavra aquilo que as pessoas querem ouvir, (A. Grun). Muitos cedem a essa tentação açucarando demasiado a mensagem, por vezes, com palavras “ocas”(S. Ambrósio) e com espectáculo, deixando as pessoas sem calor nem convicção para viver a fé.
O fulcro da formação está em aceitar a própria pequenez até ao difícil desapego do próprio ego (A. Cencini). Tarefa difícil e só possível contemplando o “Despojado” no Getsémen e na cruz e ouvindo as suas últimas Palavras. Ficar sozinho no silêncio torna-se apelo forte para integrar na própria vida o Cristo da cruz. Pede-se ao sacerdote que se “conforme” a Cristo e aceite livremente que Ele seja em si a própria “fórma” em divinização (Rocha e Melo). Três expressões podem exprimir esse processo da sua Encarnação divinizante em nós: transparência (ir além da aparência); transformação ( ir além da forma do homem velho); transfiguração (ir além da figura actual), e, acrescentaria, transidentidade (ir além da identidade inicial) para deixar que Cristo seja e opere em nós. Os ruídos em que se mergulha hoje são expressão de idolatria, inimigos do silêncio contemplativo e do jejum tonificante: são factores de inflação do ego. O processo de divinização faz a minha oração oração de Cristo em mim; o meu sofrer o sofrer de Cristo em mim; o meu entregar-me à vontade do Pai, o entregar-se de Cristo em mim. Faz-me um corpo eucarístico com Ele em oferta com Ele no corpo-Igreja.
A mutação acelerada está na génese da não coincidência entre Igreja e sociedade, agora duas realidades, lado a lado, que se ignoram ou rejeitam. O mundo da cultura actual coloca o homem no centro de tudo, a Igreja coloca Deus no centro e acima de tudo. São diferenças abissais, não podem coincidir. Importa valorizar, por um lado, a diferença na visão de fé, nos símbolos, nas convicções e entrega generosa; enquanto do outro, se valoriza o consumismo, a libertinagem, o espectáculo oco, o estendal do corpo. O celibato não é compreensível sem a fé cristã. O secularismo quer uma Igreja igual ao mundo. Deixou de se crescer cristãos na cultura da Igreja-sociedade (já inexistente) para se crescer cristão saindo da cultura agnóstica, secularista, laicista circundante por conversão à fé e adesão à pessoa de Cristo e ao seu projecto. As vocações hoje são mais de convertidos que de crescidos na tradição cristã. A pastoral juvenil no essencial é oração, encontro e adesão pessoal a Cristo. As muitas reuniões de trabalho consomem, desgastam e roubam o tempo ao encontro pessoal e ao testemunho. Ser pastor é diferente de ser gestor e burocrata
Ficou o lema: formação permanente ou frustração permanente. Essencial na formação é integrar Cristo sofredor da Paixão e da Cruz na própria vida. Mais tarde ou mais cedo é a cruz que se torna a prova real da formação de todos os consagrados. Se Cristo crucificado não for integrado a vida e vocação estalam e não se recompõem até que se aceite fazer a integração. “Padre é a consagração da Eucarístia”: entregue, derramado, e, por isso, “padre é ser tudo” e entregar tudo, a vida toda, nas mãos do Pai.
A formação permanente não é pedagogia, nem psicologia mas teologia da vida toda, no “lugar teológico que eu não escolhi”. Nem sequer é auto-realização auto-cêntrica, auto-idolátrica. O inimigo da formação inicial e permanente é a falta de recta intenção e de verdade partilhada com os confessores, com o director espiritual, com os superiores/formadores. O inimigo da formação permanente está em ocultar as fragilidades, o pecado (não confessado nem perdoado). O apego ao mal e às inclinações misturadas com orgulhos subtis de estimação caldeados com aparências levam a viver duas agendas, uma visível e outra ocultada. O orgulho está na raiz dos outros pecados capitais e impede a conversão.
Assim como Cristo é a cabeça do corpo Igreja e o sacerdote participa em Cristo-cabeça, e os leigos participam como membros de Cristo; assim unir-se a Cristo não é possível sem se desapegar do pecado, do mal e do apego ao mal, para “despertar o dom de Deus”, presente em cada um.
Fátima, 4 de Setembro de 2009
Aires Gameiro

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