Ao Compasso do Tempo - Crónica de 18 de Setembro de 2009
1. O sábado 26 de Setembro é de reflexão. É dia interdito a problemas, passíveis de interpretação menos correcta.
Praticamente a uma semana das eleições, não tenho dúvidas de que os sofrimentos e as carências devem ocupar o primeiro lugar das nossas preocupações e dos nossos combates.
Os sem emprego, os esfomeados, os intranquilos, os privados de casa, as famílias sem rumo, os portugueses (as), sem preguiça nem aproveitamentos, jazendo no mais ínfimo da condição de viver, as forças de segurança, tantas vezes em vão na boca de “devotos”, que nada por elas fizeram no decurso desta legislatura, os homens e as mulheres das Forças Armadas, cujos objectivos passaram marginais ao inflamado de patriotismos sazonais, as crianças e adolescentes violadas, as mulheres oprimidas, os agricultores em protesto, os professores em ebulição… Estas são questões nossas. De todos e de cada um de nós. Não são motivos de publicidade, de febre eleitoral, de sumários de lições a desenvolver… só nestes últimos dias. São todos eles deveres de cidadania, esperanças de um país melhor, razões que tocam a sensibilidade e a razão. Não surgem no país marginal das revistas cor de rosa, nos corpos de baile ou dos divertimentos de discotecas, de alienações e embriaguez… Façam o teste…
Remirem, em qualquer venda de jornais e revistas, o Portugal lateral que esquece tudo, até a própria compostura mental. Não fogem de fotografias… pelo contrário…
2. De acordo com as previsões da OCDE, a degradação do trabalho vai degradar-se. Será mesmo de prever que, no final de 2010, teremos 650 mil desempregados? E que soluções para a “doença”? Não haverá subida de impostos, não se registará a abolição de medidas sociais, ninguém quererá servir-se da Segurança Social nem das pensões mais débeis. O Estado não será o imperador… Mas, quando os desmandos dos dinheiros privados e públicos entram em espiral ou grupos organizados se aproveitam da queda do império, pilhando e malbaratando, quem deverá ser o fiel da balança, o organizador do diálogo entre as partes ou a Luz da Justiça que, ao menos, grite: “agarra que é ladrão”…?!
Ao reler, mais uma vez, o “Testamento espiritual” de um grande sacerdote açoriano há pouco falecido – Manuel António de Melo Pimentel – (Ponta Delgada, 2004) não posso deixar de o associar a esta espera pelo 27 de Setembro de 2009. Ao recordar o seu trabalho na Acção Católica Operária, no Serviço Nacional dos Migrantes em França e no Movimento Mundial dos trabalhadores cristãos, escreve assim o Padre Manuel António Pimentel, já gravemente doente:
“ Tempo de descoberta das diferentes formas de pobreza, mas todas ligadas pela fome, pela falta de habitação decente, pela falta de água potável, pela falta de cuidados básicos de saúde e de educação. Tempo também de espanto perante a criatividade dos pobres na luta pela sobrevivência. Tempo de tristeza por constatar até que ponto a pobreza conduz à degradação humana nas suas formas de violência e perda do sentido da própria dignidade. Tempo de descoberta em directo da ternura, da solidariedade e da alegria como denominadores mais comuns em todos os pobres de todas as latitudes. Um tempo, enfim, de graça transformante do indivíduo, situado num lugar e num tempo determinados, a fazer-se homem entre os homens de todos os lugares e tempos na ânsia da construção de um outro mundo onde todos se possam sentar à mesma mesa da Vida.”
A Igreja tem falado. Mas tem de colocar a voz a outra altura. Não nos faltam meios de comunicação social, entre tantos outros.
No âmbito do convénio estatal com outras confissões religiosas, acabo de tomar conhecimento de que a Igreja Católica terá (espero estar a ser preciso) um programa diário de 9 minutos e, ao domingo, de 35, na Antena 1.
É questão para perguntar aos responsáveis de todos os ambientes do país:
“O que vamos fazer de muito melhor?”
Lisboa, 18 de Setembro de 2009
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
http://castrense.ecclesia.pt
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