Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

29/04/11

O canto de certos pássaros... na política à portuguesa

Por estes dias – sobretudo por ocasião dos discursos do ’25 de Abril’ e numa entrevista do primeiro ministro – fomos escutando como vozes de fundo alguns pássaros a manifestarem a sua presença. Se o melro em Belém era um tanto difuso e até melodioso, o grasnar do ganso em São Bento parecia de mau agouro.

Será que agora as aves vieram dar voz – concordante ou dissonante – aos discursos e entrevistas dos nossos políticos? Será que os animais também manifestam o seu desagrado aos criadores e alimentadores da crise no nosso país? Será que teremos de encontrar quem tente descodificar estas preocupações do ‘nosso’ mundo animal?

= Quem (nos) fala (ainda) verdade?
Caminhamos a passos rápidos para a resfrega eleitoral, surgindo já os baixos ataques... mesmo às condições de carácter, as insinuações... sobre o feito ou mal-feito, as provocações (pretensamente) ideológicas... mas que disfarçam as pretensões de uns, de outros, de tantos e da maioria...
Num país onde quem mais mente mais ganha, começa a ser enfadonho que tente legitimar-se no poder – antes, durante ou depois – quem pouco fez ou tem feito para o merecer. O quadro partidário sofre todo ele de miopia social, pois, uma grande parte, talvez nem saiba quanto custa uma carcaça de pão ou um litro de leite... embora reclame a continuidade do ‘estado social’... endividado, subsidio-dependente e falido.
Num país onde todos tentam viver do Estado... embora fugindo o mais possível ao pagamento de impostos, torna-se irrisório ver como certas figuras se apresentam (quase) impolutas, quando foram elas quem nos levaram à ruína... alegremente, isto é, com festas e comícios, discursos e promessas ocas e irrealizáveis.
- Quem foi que criou mais desemprego, despesismo e falência de empresas? Ainda merecerá legitimamente o nosso voto?
- Quem nos tentou dizer que tudo corria bem (económica e financeiramente) e escondeu as (verdadeiras) contas à fiscalização europeia e aos seus concidadãos? Ainda poderá honestamente pretender governar-nos?
- Quem afundou o país no descrédito perante as instituições financeiras, não terá vergonha de continuar a arremeter contra o povo indefeso e esfomeado?
Bem razão têm os pássaros para nos irem dando música – suave ou arrepiante – pois os homens da política infernizam a nossa vida com tantos arremedos de mal-crença.

= Tomar posição: votar, escolhendo
Foi com alguma perplexidade que ouvimos um tal senhor sabido em leis e prolixo de palavras, vir dizer que tínhamos de fazer ‘greve à cidadania’, não votando nas próximas eleições. Outros alvitraram que seria melhor ‘votar em branco’, tentando com isso dizer da discordância para com os intérpretes actuais da política portuguesa. Também aqui nos parece haver um certo oportunismo hipócrita, pois o voto, sendo arma do povo, tem de definir opções e não meras achegas de quase cobardia... em jeito de ‘nim’, isto é, nem sim nem não... talvez, nada!
Desculpem a ousadia: não quero ser governado por pessoas que mentem, que não assumem os seus erros e que tentam assobiar para o lado quando as coisas correm mal, não assumindo, efectivamente, as responsabilidades sobre o estado do país e da sua economia, da sua cultura e mesmo da dimensão sócio-espiritual... mais sublime dos nossos antepassados. Temos heróis e santos que merecem respeito e veneração!
Mais do que continuar a idolatar o ‘velho do Restelo’ ou a carpir sobre enfermos em decomposição, é chegada a hora de sabermos discernir quem pode recuperar este país, dar espaço à valorização da pessoa humana e reduzir ao mínimo o peso do Estado na economia, pois já basta de tanta mentira... e cumplicidade na desgraça.
De pouco adiantará tentar enganar o povo com pios – são das aves e não das fés – agoirentos, pois a verdade liberta e faz-nos ser e viver livres. Podem contar connosco!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)




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Bento Menni, 150 anos depois: vocações como os santos hospitaleiros

Hoje é o dia de S. Bento Menni. Este Santo nasceu há 170 anos. Celebrei a sua festa com as Irmãs das Casas da Madeira e vieram-me alguns pensamentos sobre o dia das vocações.

A Europa estava toda num furacão que soprava em mil ondas de desassossego e de tempestades desde os finais de 1700. E não podia haver vida religiosa legalizada… Na Itália havia guerras e batalhas e feridos e foi com esses feridos que o jovem Hércules, era o seu nome, começou a mostrar o que já era, um coração e uma cabeça excepcional. No único emprego tido, num banco de Milão despediu-se por o quererem aliciar para a corrupção na colaboração em negócios menos éticos. Há 150 anos fez a sua consagração ao Senhor, três anos depois escrevia ao Superior Geral que o enviasse para onde achasse mais conveniente. Em 1866 já estava com o Superior Geral em audiência com Pio IX a receber a missão de restaurar a Ordem em Espanha e Portugal. E o Papa recomendou: “com companheiros de vida perfeitamente comum, muito pobre, muito casta, muito obediente”. 50 anos depois era destituído de Geral e exilado; “grão morto”, Ordem observante.
De facto este Santo passou por sofrimentos, perseguições, difamações, tribunais, mantendo sempre os pilares da sua consagração: amar a Deus sobre todas as coisas, mesmo no sofrimento injusto, e amar os mais necessitados e indigentes. Viveu sempre uma firme entrega ao Coração de Jesus, à Eucaristia e a Nossa Senhora do Sagrado Coração de Jesus. Cumpriu a sua consagração ao Senhor, cumpriu a missão que o Geral e o Papa Pio IX lhe confiaram e ultrapassou-a: fundou a Congregação da Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e teve a iniciativa na fundação de dezenas de instituições.
Há um quase paralelo profético entre ele e S. João de Deus: o director espiritual deste não queria que ele se dedicasse ao apostolado e reabilitação espiritual das mulheres da prostitição, não viesse a perder-se; e o Superior Geral fez advertências a São Bento Menni que era preferível não se dedicar à fundação e direcção espiritual das Irmãs pelo risco de se desviar da sua missão. A união com Cristo e confiança total nEle era o segredo dos dois santos.
Com os Irmãos na profissão religiosa, como está patente nos arquivos, seguia as recomendações de observância de Pio IX, exigindo que além da profissão dos votos, assinassem a declaração de que se comprometiam à “observância da perfeita vida comum e aceitavam ir para qualquer casa para onde os superiores os enviassem”. Seria interessante ver quando acabou esta prática na Província e na Ordem, e também se esta declaração era feita pelas Irmãs.
O Santo passou pelas provas de fogo da kenosis da morte do grão de trigo, quando foi destituído de Superior Geral da Ordem e “desterrado” duas vezes: para Paris e para Dinan. Foi viver os seus últimos anos não longe dos locais fundacionais de Santa Joana Jugan, fundadora das Irmãzinhas dos Pobres a quem um Padre esperto roubou a Congregação confinando a santa numa casa quase incomunicável. A vida entregue totalmente a Deus na oração não o impediu de se entregar totalmente à hospitalidade. Pergunto-me como é que agora que se procuram caminhos de renovação espiritual na fé, não nos inspiramos mais nos modelos de espiritualidade e hospitalidade dos nossos santos hospitaleiros, antigos e mais recentes: João Grande, Bento Menni, Ricardo Pampuri, José Eulálio, Eustáquio Kugler, os Mártires, William Gaston, Magallon… Deram provas; e não será tempo de os descobrirmos? O carisma refundacional de Bento Menni, 50 anos depois, 1911, estava no auge apesar de novos furacões; 100 anos depois, 1961, terá começado a arrefecer com as tubulências. Será que 150 anos depois, nos anos de crise de fé e oração que vivemos, está em cuidados paliativos? Desde os anos 1970 se faz renovação. Não teremos que pedir que o Senhor suscite refundadores como os nossos santos?
Funchal, 24 de Abril de 2011 / Aires Gameiro



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Encontrei um Homem.

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 29 de Abril de 2011

Perdi a memória do autor; mas não a do texto, que aqui segue.

“Encontrei um dia um homem com fome
e eu que tinha cinco pães, não lhe dei um. (Jo. 6, 1-15)
Encontrei um dia um homem com sede de água (Jo. 4, 1-42)
e eu que era irmão da samaritana, disse que não tinha balde.
Encontrei um dia um homem carregando com uma cruz (Lc. 23,26)
e eu que também me chamava Simão, não fiz de Cireneu.
Encontrei um dia um homem nu (Lc. 3,11)
e eu, que tinha duas túnicas, não lhe dei uma.
Encontrei um dia um homem, cego de nascimento (Jo. 9, 1-12)
e eu, que era professor, não lhe dei a luz.
Encontrei um dia um homem sentado no último lugar (LC. 14, 7-11)
no banquete dos meus anos;
e eu que era o dono da festa,
não o convidei, a vir mais para cima.
Encontrei um dia um homem paralítico (Jo. 5, 1-9)
e eu que tinha os dois pés, não o ajudei a caminhar.
Encontrei um dia um homem na praça da vida (Mt.20-1-16)
à espera de trabalho; e eu que era latifundiário
deixei-o ficar.
Encontrei um dia um homem que dizia: (Mt.3,1-12)
“arrependei-vos, endireitai os caminhos do espírito”
e eu que não gostava de sermões,
mandei-lhe cortar a cabeça.
Encontrei um dia um homem, que regressava andrajoso
à casa paterna; e eu que era cristão cumpridor, fiz o papel
do irmão mais velho. (Lc. 15, 11-32)
Encontrei um dia um homem a caminhar
na estrada da minha vida,
e eu que também ia para Emaús, (Lc. 24, 13-35)
não vi que era Cristo”.

MND – Capelania Mor – 29 de Abril de 2011
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança





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26/04/11

Quando a liberdade nos vem (essencialmente) de Cristo

Este ano a celebração da Páscoa ocorreu em data muito alta no calendário civil e colocou-a próxima da efeméride do ’25 de Abril’ – que é mesmo a segunda-feira após a Páscoa – com direito a feriado civil e como acontecimento de confraternização habitual... ainda antes da revolução... nalgumas localidades de Portugal.
Vivendo, no nosso contexto social, uma espécie de paradoxo, somos confrontados com díspares comportamentos que (até) podem explicar a nossa psicologia colectiva: o povo usufrui de feriados, enquanto os técnicos do dinheiro, vindos do estrangeiro, trabalham sem descanso... sem olhar ao necessário, mas concentrando-se no essencial. Aí está a diferença – a dedicação ao trabalho explica o sucesso e a boa prestação das contas públicas e privadas. Por outro lado, uns míseros raios de sol são (quase sempre) motivo para a preguiça... mas a obrigação de trabalhar não se compadece com regalias para o descanso ou uma preguiça (mais ou menos) institucionalizada.
Não seria mais justo e correcto evitar tolerância de ponto em vez da promoção do (nosso) despesismo descapitalizado? Não seria mais correcto e justo convidar à reflexão – seja qual for a religião – pessoal e familiar do que incentivar os gastos a crédito?
Este país não tem cura e os seus responsáveis estão, mesmo, doentes e à deriva!

= Liberdade de obrigações
Somos, de facto, um povo que ainda não conseguiu amadurecer a capacidade de construir o país à custa do compromisso de todos... Somos, de verdade, um povo que não sabe avaliar correctamente as suas vertentes de bem-comum, pois previlegia e adula os preguiçosos e contesta – mesmo que incoscientemente – as conquistas dos que se esforçam por construir riqueza... rotulando-os e combatendo-os em desnorte.
Mesmo no contexto político-partidário temos de saber distinguir que faz o país crescer ou quem tenta esconder-se por detrás de arbustos desfolhados em ordem a assustar-nos com fantasmas e falsas promessas ou desculpas. Com efeito, certas forças da (dita) esquerda falam e barafustam, mas nada constroem; acenam com bandeiras de ‘estado social’, mas não criam riqueza; azedam o povo, mas nem com um centavo ajudam na esmola para o funeral do país moribundo... Liberdade desta, não obrigado!

= Fuga da religião ou refúgio na alienação?
Por estes dias vivemos, em Igreja católica, intensos momentos da nossa fé. No entanto, vemos imensas pessoas singulares e famílias sairem para viver dias de férias, longe dos locais de residência e até da celebração da sua fé... habitual e tradicional. Há paróquias que se esvaziam porque os cristãos (mais) responsáveis saem para descansar... mesmo de Deus.
Numa preocupante alienação consumista vemos famílias inteiras usufruirem de ‘férias de Páscoa’, quando se esquecem – propositadamente – da causa destas pretensas férias. Com efeito, não foi por Jesus ter sofrido a Paixão e a morte, vivendo nós a Sua Ressurreição, que este tempo de Páscoa tem significado e conteúdo? Até onde irá a ignorância oportunista, que só pensa em si e nas suas razões e não acolhe o sentido profundo do (nosso) mistério... sobre esta terra?
Citando Saint-Exupéry: É fácil estabelecer a ordem de uma sociedade na submissão de cada um dos seus componentes a regras fixas. É fácil moldar um homem cego que tolere, sem protestar, um mestre ou um Corão. Mas é muito diferente, para libertar o homem, fazê-lo reinar sobre si próprio.
Mas o que é libertar? Se eu libertar, no deserto, um homem que não sente nada, que significa a sua liberdade? Não há liberdade a não ser a de «alguém» que vai para algum sítio. Libertar este homem seria mostrar-lhe que tem sede e traçar o caminho para um poço. Só então se lhe ofereceriam possibilidades que teriam significado. Libertar uma pedra nada significa se não existir gravidade. Porque a pedra, depois de liberta, não iria a parte nenhuma.
A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)






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Novos métodos para expressar verdades eternas: Contexto, quadro global da acção eclesial, estratégias

O contexto sociocultural actual desafia continuamente toda a pessoa, e os agentes eclesiais em particular, a assumirem atitudes criativas, empreendedoras e diferenciadoras. As reais situações contemporâneas de desemprego, de apatia social, de individualismo, de crise de valores e de infelicidade exigem a promoção de experiências inovadoras e significativas que qualifiquem o sentido da vida e que constituam, efectivamente, uma mais-valia para o cristão, tanto considerado individualmente como colectivamente.

As propostas evangélicas e eclesiais fundamentam-se num conjunto de significados capazes de colmatar muitas lacunas na experiência quotidiana do Homem contemporâneo. Para isso há que, com lucidez e coragem, identificar o essencial da identidade cristã e realizar, com método, experiências significativas que qualifiquem os pensamentos, as emoções e os comportamentos de quem procura na Igreja respostas para as suas inquietações existenciais.
A Igreja, na sua essência, ao colocar-se ao serviço do Reino de Deus, procura satisfazer, em todos os tempos e em todos os lugares, a utopia do coração humano. Esta utopia refere-se ao desejo profundo do ser humano experimentar em pleno a vida, a felicidade, a paz, a liberdade, a unidade e a comunhão. Por isso, a Igreja torna-se sinal eficaz da união de todo o género humano, tendo, para isso, como ponto de partida, a comunhão da pessoa com Deus. Como mediação e expressão visível da concretização deste desígnio de vida em plenitude, quatro exigências se colocam continuamente a todo o cristão de modo a expressar o mistério da Igreja: realizar um serviço, viver a comunhão, proclamar a vida através do testemunho e celebrar a existência através da liturgia.
Tendo em conta o contexto sociocultural e psicossocial da realidade global, considerada tanto ao nível internacional como nacional, interessa identificar experiências que satisfaçam as quatro dimensões da essência da identidade cristã e da acção eclesial:
• SERVIÇO: Caridade, Promoção Humana, Educação, Libertação, Solidariedade;
• COMUNHÃO: Fraternidade, Reconciliação, Unidade, Comunicação, Partilha;
• TESTEMUNHO: Anúncio, Profecia, Evangelização, Catequese, Pastoral Juvenil;
• LITURGIA: Eucaristia, Sacramentos, Orações, Devoções, Celebrações.
Quando este quadro global da acção eclesial é vivenciado de um modo integral e equilibrado temos uma presença fecunda da Igreja junto das crianças, dos adolescentes, dos jovens, dos adultos e dos idosos. Se, porventura, a vivência do ser cristão se centra exageradamente numa destas quatro dimensões, a expressão das verdades eternas e dos valores perenes fica esbatida, tornando-se pouco credível e questionável. Assim, interessa identificar experiências concretas a serem realizadas sistematicamente pelas comunidades eclesiais que expressem a interdependência entre o serviço dos cristãos, a comunhão experimentada, o testemunho dado individual e comunitariamente e a celebração desse serviço, dessa comunhão e desse testemunho.
A fim de serem activadas mudanças que visem responder efectiva e adequadamente aos desafios e sinais dos dias de hoje, interessa revitalizar o ser cristão de modo a ser possível interiorizar novos conhecimentos, assumir novas atitudes, experimentar novas emoções, encetar novos comportamentos, promover novas experiências.
Estas mudanças só serão eficazes e sustentáveis se houver envolvimento do maior número possível de pessoas na busca, cultivo e implementação da renovação. Para isso, é de privilegiar uma reflexão e acção na lógica comunitária, a qual exige debate e participação ao nível dos pequenos grupos e das comunidades. Daí surgirá uma intervenção com efeitos significativos na busca e concretização do bem comum. Apesar de esse ser o melhor método de reflexão, a título exemplificativo e ao sabor da pena, apresento de seguida algumas pistas para a promoção de experiências significativas.
Ao nível do SERVIÇO, interessa responder às necessidades dos desempregados, capacitando-os e formando-os para assumirem uma atitude empreendedora na resolução das suas problemáticas profissionais. Perante estes e muitos outros necessitados, há que responder rápida e eficazmente. Este é um dos modos evidentes da opção de sempre da Igreja pelos mais pobres, como o bem souberam fazer, por exemplo, a Madre Teresa de Calcutá e o Dom Hélder Câmara.
Ao nível da COMUNHÃO, constata-se actualmente uma enorme sede de criação, desenvolvimento e fortalecimento de laços humanos. Num período dominado pelo individualismo, pelo vazio e pela fragmentação, a Igreja tem a proposta de uma experiência altamente significativa para a vivencia da comunhão, da ligação a Deus e, a partir d’Ele, a toda a Humanidade. Para isso há que trabalhar o acolhimento, a superação de conflitos, a maximização das potencialidades humanas e a minimização das fragilidades das pessoas, a liderança para a construção de pontes e desenvolvimento de um relacionamento maduro e a longo prazo.
Ao nível do TESTEMUNHO, o contexto de infelicidade e de crise exigem um repensar o modo de proclamar a força do mistério pascal. Por vezes, fica-se mais pela paixão e pela morte do que pelo essencial, que é a ressurreição que resulta do processo de sofrimento e de morte de Jesus Cristo. É a força de Cristo ressuscitado que é capaz de dar um significado para as frustrações, erros, mágoas, dificuldades da vida, levando a pessoa a se auto-transcender. Além disso, é tempo de anunciar as bem-aventuranças, num tom como somente Jesus o sabia fazer: mostrando a evidência de que quem o procura é feliz, apesar das situações pessoais e históricas mais miseráveis que esteja a viver. Além disso, como sempre, tem credibilidade o anúncio feito pelo exemplo de vida, que é constituído fundamentalmente pelo modo de pensar, pelas atitudes e pelos comportamentos quotidianos.
Ao nível da LITURGIA, interessa dar-lhe vida, de modo a ser efectivamente a expressão das alegrias e das tristezas de quem participa num acto litúrgico. Por princípio, uma celebração é significativa quando contribui para a pessoa e a comunidade gerarem vida nova, suscitarem esperança e darem mais sentido à vida. Simultaneamente, a liturgia deve ser a celebração do serviço, da comunhão e do testemunho dado pelos membros de uma comunidade cristã. Nesse sentido, a Eucaristia torna-se o momento central de um grupo de pessoas que vivem aglutinadas à volta de Cristo. Por isso, há que promover novas experiências na liturgia, de modo a que haja mais envolvimento e partilha da vida quotidiana de quem participa numa celebração, dando-se mais atenção aos presentes do que aos ausentes.
Assim, há que pensar e implementar novos modos e novos métodos de vivenciar e expressar estas acções fundamentais do ser Igreja. Por método entende-se a selecção e organização dos recursos disponíveis e das acções praticáveis a fim de ser atingido um determinado objectivo tendo em conta a situação de partida. Os elementos desta definição podem inspirar o desenvolvimento de uma metodologia que faculte uma adaptação da Igreja aos dias de hoje.
• São muitos os recursos da Igreja, nomeadamente os humanos, que são sempre o maior bem de uma organização. Há que valorizá-los, reconhecer que são capazes de ser e fazer muito mais do que aquilo que pensam que são capazes.
• Também são muitíssimas as acções realizadas no âmbito das comunidades cristãs. Há que enquadra-las numa unidade devidamente planificada e integrada, de modo que todos os recursos humanos sintam que actuam em conjunto.
• O objectivo a atingir é sempre o da salvação, que se refere à experiência de vida em plenitude. Este objectivo permite encetar, realizar e avaliar todas as acções. Se porventura alguma acção não contribui directa ou indirectamente para esta finalidade há que repensá-la.
• A situação de partida é a actual, que constitui o hoje de Deus e da Humanidade. Efectivamente, este é o nosso tempo, que deve ser abraçado por nós, como também Deus abraça continuamente a História. As características deste tempo são sobejamente conhecidas, uma vez que diariamente são disseminadas informações mais do que suficiente para a compreensão da realidade humana. Segundo uma lógica da espiritualidade da encarnação, há que conhecer, aceitar e mudar aquilo que for possível transformar.
• Finalmente, um elemento essencial da supracitada definição refere-se a seleccionar e organizar, de um modo inovador e perspicaz, esses recursos e acções. Assim, expressarão sinergicamente os múltiplos tipos de acções realizadas, as modalidades de relacionamentos experimentados, os padrões de pensamentos anunciados e os paradigmas de festas vividas.
Com método é possível fazer mais e melhor. Mesmo tendo a certeza que é a graça divina que actua, a nós compete, através de empenho e dedicação, criar as melhores condições para que Deus actue na História hodierna. Nesse sentido, não podemos deixar que a metodologia seja o parente pobre da pastoral.
Concluindo. As verdades e os valores eternos vivenciados e anunciados pelos cristãos têm potencial para ecoar no coração e na mente dos nossos contemporâneos, satisfazendo os seus anseios mais profundos e as suas necessidades mais imediatas. Para isso há que vivenciar e expressar as verdades evangélicas de um modo positivo, criativo e significativo, o que exige lucidez e coragem para activar novos métodos e promover experiências inovadoras que suscitem pensamentos, atitudes e comportamentos na lógica do serviço, da comunhão, do testemunho e da festa. Assim, será mais evidente o facto de expressarmos hoje as verdades e os valores eternos.

Jacinto Jardim



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15/04/11

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 15 de Abril de 2011

Ao regressar de Braga, da Ordenação Episcopal do novo Bispo Auxiliar do Porto, saboreei a oportunidade da recente publicação de Homilias Pascais de D. António Ferreira Gomes (Para uma civilização de amor e liberdade, Porto, Fundação Spes, 2011), deparando-me com esta passagem: Em 10 de Fevereiro de 1848 (…) escrevia Ozanam “sobre essas massas populares caras à Igreja (…) porque são a pobreza que Deus ama e o trabalho que faz a força… Sacrifiquemos as nossas repugnâncias e ressentimentos, a fim de nos voltarmos para esta democracia, para este povo que nos ignora…
Ajudemo-lo (…) com os nossos esforços para obter as instituições que os libertem e os tornem melhores”.
Depois, quando em Junho do mesmo ano, se levantam em Paris as barricadas da insurreição popular, Ozanam convence o Arcebispo de Paris, Mons. Affre, a descer à rua com as vestes prelatícias para se interpor entre esse povo que ignorava a Igreja mas não lhe queria mal, e os fuzilava; e aí sobre a barricada do Faubourg Saint-Antoine o Arcebispo cai, varado por uma bala” (p. 39).
Sadia meditação, num findar de domingo, alumiada por uma cerimónia que dava nascença ao mais recente membro do Colégio Episcopal em terra portuguesa.
Ao grande Ozanam, samaritano dos pobres e clarividente vicentino, não lhe bastou gritar a favor da democracia e do povo e da criação de instituições libertadoras.
Não foi suficiente esse protesto. Com o à vontade de leigo, tratando a Igreja por “tu”, pois era filho e irmão da mesma Família, “arrastou” para a rua o arcebispo de Paris, recamado de vestuário de alta-costura, e colocou-o, pontífice que era, entre a multidão e os fuziladores por ofício. O Bom Pastor de Paris não foi mais que o Seu Mestre.
Um Bispo é para o essencial. Nem todas as circunstâncias convidam ao heroísmo da morte. Mas a morte é preço de quem esteve onde devia estar (e onde, habitualmente, não se está!). E, na proximidade da Páscoa, vivemos essa chamada. Tenho medo que o povo esteja a chegar à “última ceia”… Mas a Igreja deve ser fomentadora da civilização, porta-voz dos “revoltados” e “Mãe e Mestra” pela indicação de caminhos de pacificação. As nossas liturgias deveriam estar tingidas desta novidade profética, sem cansar nem fazer desertar…
Descer à rua, empunhar a bandeira da paz, chamar à esperança, mas sempre sob a mira do gatilho… Não queremos demagogias. Mas os veludos do silêncio, “o não fica bem”, os ares do Olimpo, denunciam os gestos de “classe”, e não oferecem um inovador comportamento pastoral.
Deveríamos ser gente de proximidade, naturais e iguais. Mas não merecíamos… fuzilamento… porque estamos longe da “malta” da rua e não temos aspecto de “Cordeiro Pascal”. No que eu me pus a pensar, vindo da encantadora cidade de Braga!
E, naquela noite, em saudade e homenagem ao Prof. Joaquim Pinto Machado (e relembrando o querido Padre Alberto Azevedo, cujo mano e cunhada tive a dita de conhecer), evoquei uma frase sua, no discurso de despedida a D. António Ferreira Gomes, quando chegou a altura do cessar a função episcopal no Porto: “A reflexão de D. António sobre o Mundo é, pois, um imperativo decorrente do seu múnus de Pastor no Mundo e para o Mundo, do Mundo que Deus ama tanto que lhe deu, para sempre, o Seu Filho (João 3, 16)”.
E o Papa Bento XVI, em 13 de Fátima de há um ano, entre várias missões, sublinha aos bispos, a da profecia: “Continue bem vivo no país o vosso testemunho de (…) defensores dos direitos inalienáveis da pessoa (…), sem temer nunca levantar a voz em favor dos oprimidos, humilhados e molestados”. E quem levantou a voz foi “fuzilado”…

MDN – Lisboa, 15 de Abril de 2011
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança



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14/04/11

Rostos da nossa vida... na Paixão de Jesus

Neste tempo de proximidade à Páscoa e perante as múltiplas ‘figuras’ – essa espécie de simbologia que diz e nos interroga – com que nos temos de nos confrontar…como que sentimos os vários rostos da vida numa denúncia e aferição às linguagens da Paixão de Cristo no hoje da nossa vida.

Anunciamos, apresentamos e enunciamos os seguintes rostos: angústia e agonia (Judas); traição e vergonha (Pedro); troça e provocação (Pilatos); força em fraqueza (Cireneu); compaixão... feminina (mulheres/Mãe); arrependimento... e perdão (condenados); serenidade…e silêncio (sepultamento).

* Em angústia pela agonia (Judas)
No contexto da agonia, no Jardim das Oliveiras, Judas representa todos quantos se insinuam para ser instrumento do mal: ele negoceia a ‘venda’ de Jesus, ele aceita o ‘preço’ pela entrega de Jesus, ele faz-se intermediário da vergonha em ser cúmplice para a morte de Jesus… ontem como hoje.
De facto, no Jardim das Oliveiras, Jesus sente a amargura dos desprezados, dos abandonados e dos esquecidos... A oração que Jesus faz a Deus, seu Pai, é de angústia, não por só si, mas sobretudo pela humanidade.
Com Jesus sentimos quantos nesta hora estão em agonia: no leito de dor e de sofrimento; os que estão ou se sentem abandonados; os que vivem sem a mínima dignidade… ao perto ou longe de nós.
Na traição de Judas sentimos a traição de tantos membros da Igreja, que não constroem a comunhão.
Na traição de Judas sentimos ainda a traição de quantos trocam os gestos de carinho por atitudes de malícia.
Na traição de Judas sentimos ainda mais a traição de tantos cristãos que se envergonham da sua fé!

* Em negação e vergonha (Pedro)
Pedro, sentindo o coração a bater pelo Mestre, segue-o à distância. Pedro introduz-se no pátio onde decorre o processo de Jesus. No entanto, Pedro é reconhecido como discípulo de Jesus, mas ele rejeita que o associem a Esse que está a ser julgado! Pedro nega Jesus, envergonhando-se d’Ele, não se assumindo como discípulo de Jesus.
A negação de Pedro surge, por isso, como um acto de negação do Mestre e até dos outros discípulos em dispersão...Mas o galo acorda-o! Então, Pedro chora. As lágrimas cruzam-se com o olhar de Jesus e exprimem o seu arrependimento.
Nas negações de Pedro estão representados todos os escândalos dos responsáveis da Igreja.
Nas negações de Pedro estão presentes os maus testemunhos que damos em Igreja.
Nas negações de Pedro e no seu arrependimento estão assumidos os pecados de toda a Igreja em caminho neste mundo.

* Diante da troça e pela provocação (Pilatos)
Jesus, no contexto do seu processo, como que serve de joguete entre as autoridades judaicas. Os soldados escarnecem d’Ele. O seu rosto está ensanguentado, as suas roupas são-lhe arrancadas, nas mãos colocam-lhe uma cana, na cabeça põem-lhe uma coroa de espinhos... E Jesus continua em silêncio como o «servo de Iavé», esperando a hora da prova final.
Jesus torna-se, de algum modo, o retrato de todas as situações de troça, sobretudo, as mais agravadas pela desumanidade da nossa história, tanto do passado, como do presente e até para o futuro.
Em Jesus podemos perceber um pouco o ar de troça com que tantos dos cristãos são tratados nos mais diferentes meios: sociais, políticos, profissionais e até religiosos. A troça continua a fazer vítimas à nossa volta…
Depois de ter sido feito o julgamento, segue-se o carregar a cruz, que se torna o lugar de execução da sentença. Eis o «homem das dores» com um passo seguro, carregando a cruz – sinal de martírio, símbolo da humanidade pecadora e força de salvação! Jesus abraça a cruz, fazendo dela um instrumento de entrega, de amor e de vida com sentido!
Jesus sente naquela cruz o sofrimento de quantos até Ele sofreram e depois d’Ele continuaram a sofrer!
A cruz de Jesus é sinal de mais amor, de mais vida, de mais entrega... ao Pai e a todos os homens até ao fim dos tempos.
A cruz de Jesus é força de salvação, hoje e para sempre.

* Da fraqueza que se faz força…de ajuda (Cireneu)
O peso da cruz é repartido, no caminho do Calvário, com Simão de Cirene, que regressa do seu trabalho, sendo, de algum modo, obrigado a tomar a cruz, ajudando Jesus a subir ao Calvário.
Simão Cireneu ajuda aquele condenado à morte, participando nos seus sofrimentos e carregando a sua cruz, torna-se um modelo para os discípulos de Jesus de todos os tempos.
No caminho do Calvário já não vai um condenado sozinho, mas alguém que o ampara, fortalece e anima. Em Simão Cireneu está simbolizada toda a ajuda aos mais fragilizados da nossa sociedade e da Igreja. Naquele rosto em ajuda podemos ver a força da compaixão de uns para com os outros…em voluntariado ou profissionalmente.

* Compaixão… feminina (mulheres/mãe)
No caminho do Calvário Jesus tem um novo encontro: umas mulheres choram e se lamentam por Ele. As lágrimas daquelas mulheres apresentam um misto de consolo e de compaixão. Aquelas mulheres de Jerusalém aproximam-se de Jesus com desejo de O consolar, levando àquele condenado... uma réstia de compaixão. No entanto, Jesus quer que olhem para Ele, sobretudo, como alguém que chama à conversão de vida pessoal e familiar.
A tradição coloca também Maria, a Mãe de Jesus – mulher das Dores, a compartilhar a dor de Se Filho: o coração de Mãe consola o Filho, fazendo-se presente às dores de todos os filhos de tantas mães que sofrem… hoje.
A força da caminhada de Jesus vem-Lhe da meta, sendo as várias etapas percorridas de olhos postos no projecto de salvação que Deus Pai Lhe confiou.

* Arrependimento pelo perdão… dado e recebido (condenados)
No diálogo da cruz, encontramos dois extremos sobre a compreensão do sofrimento, tipificado em cada um dos ‘malfeitores’: um revolta-se, reivindica e faz exigências; o outro reconhece-se culpado, arrepende-se e pede perdão… a si mesmo, aos outros e a Deus.
Nesta etapa da paixão de Jesus, vemos como é grande o mistério de Deus e o do homem, pois, ao reconhecer as suas limitações, o homem abre-se ao divino, enquanto Deus se faz atento ao arrependimento humano.
De facto, Deus torna-se próximo de quem se arrepende, apresentando-lhe a recompensa eterna e toda a força que se derrama de um coração disposto a deixar-se tocar pelo arrependimento sincero e humilde.

* Da serenidade… ao silêncio (sepultamento)
Na hora da morte física, Jesus invoca Deus seu Pai! A sua missão, de forma terrena, está prestes a terminar. Num acto de entrega total, Jesus abandona-se à condução de Deus seu Pai!
Ao contemplarmos Jesus na cruz, sentimos o progressivo desenrolar da Sua dádiva de amor, que vai ao máximo de nos dar o seu Espírito… suspirado sobre nós, na Cruz!
Deus fala-nos pela serenidade de Jesus, por Jesus e com Jesus! Agora sentimos que Jesus Se deu todo e para todos… e por toda a eternidade.
Efectivamente, consumado o drama da Paixão e da Morte de Jesus, está na hora de recolher tudo o que ficou daquela vivência… intensa e trágica.
No silêncio que se derrama sobre a Terra, está retractada a nossa consciência de pequenez e de abandono… como em Jesus.
- Agora vemos que os amigos influentes tentam resguardar o corpo de Jesus.
- As autoridades respiram de alívio e consentem nos desejos manifestados.
- As mulheres tratam de embalsamar o corpo morto de Jesus.
- Alguns discípulos depositam o corpo de Jesus num sepulcro novo.
- Os onze fogem e refugiam-se no cenáculo. Tudo parece ter acabado! Deus está em silêncio... profundo!

Pela paixão, morte e ressurreição de Jesus fazemos, hoje, a nossa caminhada de ressuscitados em Igreja, como Igreja e pela Igreja.

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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13/04/11

Reflectir para acolher e dialogar com proveito

É recente a criação do Pátio dos Gentios, uma iniciativa do Pontifício Conselho da Cultura, concretizada em lugares e momentos de encontro, reflexão, escuta, diálogo e partilha com os não crentes, agnósticos ou mesmo ateus. Gente que não entra no templo, mas está disponível para partilhar saber, experiências e interrogações, mais ou menos incómodas. Aí se poderá encontrar uma Igreja despida da apologética incómoda de séculos passados, sem intuitos e manobras de um proselitismo fácil, consciente do valor do pluralismo, preparada para novas formas de diálogo e, certamente, também ela disposta a aprender, escutar e propor.

Este facto acordou os adormecidos para a necessidade do diálogo com a cultura emergente com propostas da fé da Igreja e da sua sensibilidade aos problemas que preocupam as pessoas e a sociedade, sejam eles de que natureza forem. Esta iniciativa precedida pela “cátedra dos não crentes” do Cardeal Martini, e experimentada de modos diversos, também em Portugal, não tem apenas a ver com as grandes cidades nas quais se cruzam as correntes mais determinantes da cultura e do pensamento, mas de todo o sítio onde há gente viva.
A luta, que ainda por aí travam alguns movimentos laicos e ateus, está fora do tempo. Restos de um passado, condenado por uma nova cultura do respeito e do diálogo. Os direitos humanos, promulgados e reconhecidos, o pluralismo em todas as suas expressões, a dignificação integral da pessoa, qualquer que seja a sua raça, cultura, língua, cor ou religião, uma visão purificada da história, a globalização que nos torna cada dia mais vizinhos uns dos outros, as novas tecnologias da comunicação cada vez mais acessíveis à maioria denunciam todas as formas de gueto fechado e todos os muros que ainda separam. O tempo é de lançar pontes que unem, não de abrir fossos que impedem a comunicação mais normal.
Também a Igreja, mormente a partir do Concilio Vaticano II, vem aprendendo, para ela uma lição difícil, a dialogar e a dar mais valor ao que se passa, tanto dentro, como fora do seu espaço de vida. E, se o diálogo interno ainda não é tão fácil como seria normal, o dialogar com o mundo, ler a realidade, perceber os seus dinamismos, entrar sem preconceitos nos seus projectos mais válidos e determinantes, tem constituído, para muita gente, um caminho duro pelos contrastes que apresenta com modos de ver de agir de muitos séculos.
A consciência histórica diz que, desde há dois mil anos, o acontecimento cristão tem estado presente na história, nos lugares públicos, ainda que, por vezes mais evidente, naquilo que ele é como sinal de contradição. Desde os inícios, até à sociedade secularizada em que hoje vivemos, apesar das muitas vicissitudes, a mensagem cristã vem subsistindo e, para muitos, ela constitui sentido e horizonte de vida. As dificuldades, hoje sentidas por força do dinamismo da missão, obrigam a Igreja a melhor se conhecer a si própria para aprofundar e defender a sua identidade, se capacitar para viver e agir num mundo que já não é homogéneo, mas diverso e plural, com novas dificuldades, mas também com novas oportunidades.
Pensar apenas em conservar os crentes tradicionais é depauperá-los. Muitas tradições de ontem, pouco mais comportam que a mensagem que no tempo as animou. A tradição é vida que se renova, as tradições não são imunes ao caruncho que as deteriora e inutiliza. Neste sentido, toda a acção da Igreja é necessariamente criativa e muito mais, se pretende comunicar coisas essenciais. Muitas destas perderam a sua riqueza. Dificilmente a recuperam como vida, sem o confronto diário com o tempo, a cultura, a vida das pessoas concretas. As verdades da fé não são peças de museu, mas são, em todos os tempos, verdades para a vida.
Torna-se necessário multiplicar os “pátios dos gentios” e pensar a acção pastoral no confronto com a cultura reinante, que já não toca só a grupos de intelectuais, mas modela a vida e o agir de todas as pessoas, seja qual for o recanto que as abriga. Pensar e agir apenas em função da vida interna das comunidades cristãs, e é ainda isto o mais comum nas preocupações de muitos responsáveis generosos, é perder oportunidades de evangelização, malbaratar recursos e energias, semear frustrações, ficar fora do tempo, deixar a Igreja a falar sozinha e para os que julga que ainda ter como seus. Os não crentes têm a sua cátedra. Como Paulo em Atenas é preciso ouvi-los para que eles ouçam também os outros mensageiros do Reino.
As pessoas honestas de um mundo secularizado não rejeitam os apelos do transcendente e do religioso. Se não encontram resposta, rumam à procura, como peregrinos, e vão batendo às portas onde se anuncia algo que tenha a ver com o espiritual, que grita e incomoda dentro de cada um. A proliferação de movimentos religiosos e iniciáticos, a invasão progressiva das espiritualidades orientais, os braços abertos dos criadores de emoções, tudo são lugares de refúgio, que fazem reflectir para agir. Não em tom de cruzada, mas de responsabilidade.
Os melhores despertadores da Igreja são os que lhe põem problemas, não os que lhe tecem coroas de louros. Hoje, o grito de alerta mais forte vem dos de fora que questionam, dos que vão mais facilmente ao “pátio dos gentios”, que ao templo, sem que a estes se retire a palavra.

D. António Marcelino


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11/04/11

Prioridades em relação aos danos do álcool

Se perguntar a qualquer pessoa o que lhe vem à ideia quando se fala em álcool, ficará surpreendido com algumas respostas.
Pode ir desde de vício a bêbado. Também pode ir ter “a beber muito”, “alcoolismo”, “a taberna”, etc. Raramente irá referir as milhares de crianças deficientes por as mães terem bebido, mesmo pouco, durante a gravidez. Também raramente irá dar aos tribunais da família e de menores onde mais de 70% dos casos de violência contra crianças têm nos seus factores principais o consumo do álcool (nem sempre excessivo ou de bebedeira).
Poucos por cento pensam que os custos ou danos do álcool são equiparados ou superiores ao chamados “empregos para muita gente e dinheiros do álcool para o país e para o Estado”. Mas se se pudessem contabilizar os custos do sofrimentos as violências nas famílias, mortes de milhares de familiares queridos na estrada, e nas casas de famílias e nas ruas, devido ao consumo de álcool, os custos seriam incalculáveis. Digo consumo, não necessariamente embriaguez como muitos logo pensam.
Menos pessoas ainda pensam que o problema maior do consumo do álcool não é para os consumidores mas para terceiros, para os que não bebem. Muitos ainda nem sequer pensam que se devia começar por aí a prevenção dos problemas e danos do álcool e que isso poderia ajudar os dependentes a sair do problema.
Mas grande é o número de pessoas e mesmo com formação universitária com ideias antiquadas sobre os problemas do álcool que datam do século XIX e que nem sequer incluem o factor publicidades e patrocínios dos desporto e de festas feitas pelas marcas de bebidas alcoólicas. E apenas sequer algum pensará que as bebidas alcoólicas são uma área de grande corrupção de políticos e de decisores a nível dos parlamentos nacionais e europeu.
A maior parte dos chamados investigadores das universidades “bastante formatados e com antolhos” só faz investigação orientada para “os coitadinhos dos alcoólicos”, já muito destruídos pelo álcool, e esperemos que não seja com dinheiros da indústria do álcool. Desligam, como sem importância, as suas investigações das festas com grandes quantidades de bebidas alcoólicas facilitadas pelas marcas; silenciam o beber dos jovens de mais de 4-5 bebidas numa “sessão”, de duas a três horas, uma vez na semana, todas as semanas em todas as festas, várias vezes por mês, etc. Como se não fosse aí que começam todos desvios. Poucos insistem no que seriam critérios científicos de quantidade precisa por dia do consumo de menos risco.
Muitos técnicos de saúde são mais bombeiros de incêndios do álcool do que promotores de vidas e saúde sem os estragos do álcool. Se perguntasse quais serão as prioridades de intervenção para reduzir os danos monstruosos do consumo do álcool em Portugal e na Europa, possivelmente, poucos considerariam a publicidade, a idade legal de adquirir e consumir, os danos para terceiros, os patrocínios de marcas de álcool, rótulos de alerta nas garrafas (é um produto de consumo perigosos, é o 3º factor que mais mata em Portugal e na Europa). Nos rótulos devia estar indicado o álcool puro, as calorias, o alerta para as grávidas, para os condutores.
Voltaremos a algumas prioridades para a redução dos danos do álcool.

Funchal, 09.04.11/Aires Gameiro



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07/04/11

Presente e futuro dos partidos políticos e da democracia

Perante a situação crítica que se está vivendo e o comportamento público de muitos políticos em cena, a interrogação e reflexão sobre o presente e o futuro das associações partidárias, não é apenas um tema pertinente, mas actual e urgente, se orientado para ajudar os cidadãos a reflectir, decidir e optar conscientemente.
Não falta já quem se interrogue sobre se este é o melhor regime, dado que está sendo posto em causa em muitos países, não apenas da Europa. As democracias respondem às ditaduras, mas quando elas próprias perdem o sentido e o rumo de serviço à comunidade, são sempre porta aberta para novas ditaduras. A história recente vai-nos abrindo páginas novas para que assim se possa ler com objectividade e proveito. Também, entre nós, a experiência acentuada de uma democracia de interesses multiplica os nostálgicos de tempos passados, mas recentes.
Em Dezembro de 1998, por motivo dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em Carta Pastoral, os bispos portugueses deixaram dito: “A partidocracia, levada ao extremo, é um caminho propício para o desrespeito dos direitos humanos fundamentais, mesmo que se advogue a liberdade pessoal e o pluralismo cultural e religioso”. E prosseguem: “Tratando-se de matéria com tantas repercussões na vida da comunidade e das pessoas, julgamos que os partidos políticos devem ter especial cuidado na escolha dos seus candidatos para que se possa dotar o país com leis que não lesem, antes defendam e promovam os direitos da pessoa, as condições de bem comum, os valores universais, a cultura tradicional do povo, o favorecimento da convivência sadia”. Na altura, alguns políticos de renome, manifestaram o seu apoio à Carta Pastoral dos bispos, pondo apenas reticências ao que nela se dizia dos partidos políticos. No entanto, à medida que o tempo passa, mais fica a claro como este é um problema nacional a que não se tem dado especial importância.
A liberdade de associação é um direito consignado na Constituição. A democracia exprime-se através do pluralismo de opiniões, propostas e intervenções. Porém, isto exige que seja exercido por gente que não se considere única nem indispensável, que não despreze os outros, nem as suas opiniões legítimas. O caminho das melhores soluções para os problemas da comunidade constrói-se com todos, com as propostas válidas de todos e no respeito para com todos. Não têm lugar na democracia os ditadores que pensam ser os únicos capazes. Nem os orgulhosos que não respeitam os outros. Nem os avessos ao diálogo que julgam que o país lhes pertence. Todos estes contribuem para um resvalar progressivo que só para no abismo.
Os que julgam ter sempre razão, pelo que não há que aceitar mais as razões dos outros, são psicologicamente doentes e, quando exercem cargos públicos, seja a que nível for, são também perigosos. Por vezes, parece que a actividade política se vai realizando num manicómio aberto, onde todos são adversários, as opiniões se desvirtuam, a mentira é moeda corrente, o poder pelo poder é o grande objectivo, o medo de perder um lugar confortável e honroso se sobrepõe ao cuidado de prevenir o país de crises sociais e morais, económicas e políticas. Quem na política pensa mais em si e nos interesses do seu partido, não tem lugar que legitime o que ganha. Alguns partidos, de há muito deixaram de falar no bem comum dos cidadãos, o grande objectivo da governação, e falam só do “estado social”, interpretado segundo a sua cartilha e caminho de conquista do povo interesseiro e amorfo.
Falta a muita gente da classe política a cultura que permite entender, pela positiva, os objectivos nacionais e o modo de os realizar. E a candidatos que se perfilam para se tornarem políticos profissionais, falta-lhes ainda a experiência de serviço aos outros, a maturidade e o bom senso para lerem o país real e o que deles se pode esperar.
A situação do país é grave. Os políticos não podem brincar, pensar só em vitórias pessoais e partidárias, levantar muros que dividem, quando a hora é de dar as mãos sem preconceitos. Serão eles capazes de pensar neste país gravemente doente? De alguns que teimam permanecer no poder, já sabemos que não são capazes de abdicar de si. Dos outros, perceberemos, nos tempos próximos, pela sua linguagem e atitudes, qual é o seu horizonte de vida e por onde navegam os seus interesses.
Os cidadãos têm amadurecido, olham a vida com outros olhos, começam a intervir à margem dos partidos. Não são menores necessitados de tutela, nem crianças que se enganam com rebuçados ou promessas fáceis. A anestesia do povo está perdendo o efeito e surgem, felizmente, gritos, antes não gritados. Será que os políticos já se aperceberam?
A democracia não prescinde dos partidos, mas os partidos não esgotam a participação democrática. Outras forças devem ser reconhecidas, respeitadas e promovidas, sem o que o país fica sempre mais pobre. Os ditadores incomodam-se com o que não sai deles e a eles não torna, como coroa de glória. Portugal já disse que não quer ditadores e o povo depressa descobre os que se disfarçam para ganhar o poder.

D. António Marcelino


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05/04/11

Mudanças desnecessárias (e revogadas)... neste momento!

Por estes dias surgiu a informação de que tinham sido modificados os montantes para a ‘contratação por ajuste directo’ ou, segundo outra terminologia: as ‘competências para autorizar despesa’... de certos intervenientes políticos/sociais. Os dados eram – tendo em conta as tabelas anteriores (de 1999) e as (pretensamente) actualizadas: director geral – 100 mil para 750 mil euros; presidentes de autarquias – 150 mil para 900 mil euros; ministros – 3,75 milhões para 5,6 milhões de euros; Primeiro ministro – 7,5 milhões para 11,2 milhões de euros.

Estas verbas foram, entretanto, reprovadas pela oposição no Parlamento, tendo ficado – tanto quanto se vai percebendo – congeladas e sem efeito... prático, eleitoral ou politicamente falando.
Sem qualquer intuito de confronto – seja com quem for... embora tenhamos direito a uma opinião sobre o assunto – parece que aquelas medidas seriam ainda mais gravosas para o nosso país, afundariam as nossas parcas esperanças e criariam um fosso ainda maior para o futuro próximo... de nossos filhos e netos.

= Parecer ou ser sério?
Que poderão dizer os cidadãos eleitores e (minimamente) interessados nas coisas públicas se vissem aquelas medidas promulgadas e em acção: estaríamos ao sabor do melhor e mais maquiavélico caciquismo? Venceríamos ou cavaríamos o descrédito de tudo e de todos? Quem iria desaproveitar as possibilidades de fazer obra à custa da pressa eleitoralista?
Pelo muito que ainda prezamos os autarcas e outros ‘servidores’ da vida pública seria quase uma derrota na sua honerabilidade e da nossa reputação colectiva permitir que tais medidas seguissem para a ordem social. Não basta dar a impressão de que se é (suficientemente) sério, pois também é (imperiosamente) preciso não deixar suspeitas de que se tenta vivê-lo... com verdade.
Aquelas medidas de alargamento de competências para adjudicar por ajuste directo – mesmo inconscientemente – poderiam levar muitos cidadãos a julgarem que se pode – em maré de eleições – entrar numa saga de despesismo, de conluios menos correctos ou até de aproveitamentos de certos habilidosos... como tem acontecido noutras épocas e em circunstâncias... recentes.

= Poupar, previnir e reduzir
De facto, temos de saber controlar as despesas do Estado e das autarquias, criando a sensação de estamos todos interessados em viver num país mais saudável económica, moral, política, socialmente... e na verdade.
De uma vez por todas é urgente assentar neste princípio: a recuperação do país começa em (nossa) casa... cuidando cada um de nós de gastar só o que tem e aquilo que pode, deixando de viver acima das nossas posses – não pode comer sofisticado, coma só o essencial – e de fazermos de conta que outros virão pagar as nossas dívidas. Somos nós – todos e cada um – que temos de nos consciencializar do essencial e de não ficarmos a enganarmos com o urgente.
Custe o que custar está na hora de sermos sérios, de nos comportarmos com lealdade uns para com os outros, de vivermos na honradez pessoal e social, de tudo fazermos para – como se diz no hino nacional – ‘levantarmos, hoje, de novo, o esplendor de Portugal’, que só acontecerá com trabalho, trabalho e muito trabalho, já e em força!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)




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