Jornal de Opinião

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15/04/11

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 15 de Abril de 2011

Ao regressar de Braga, da Ordenação Episcopal do novo Bispo Auxiliar do Porto, saboreei a oportunidade da recente publicação de Homilias Pascais de D. António Ferreira Gomes (Para uma civilização de amor e liberdade, Porto, Fundação Spes, 2011), deparando-me com esta passagem: Em 10 de Fevereiro de 1848 (…) escrevia Ozanam “sobre essas massas populares caras à Igreja (…) porque são a pobreza que Deus ama e o trabalho que faz a força… Sacrifiquemos as nossas repugnâncias e ressentimentos, a fim de nos voltarmos para esta democracia, para este povo que nos ignora…
Ajudemo-lo (…) com os nossos esforços para obter as instituições que os libertem e os tornem melhores”.
Depois, quando em Junho do mesmo ano, se levantam em Paris as barricadas da insurreição popular, Ozanam convence o Arcebispo de Paris, Mons. Affre, a descer à rua com as vestes prelatícias para se interpor entre esse povo que ignorava a Igreja mas não lhe queria mal, e os fuzilava; e aí sobre a barricada do Faubourg Saint-Antoine o Arcebispo cai, varado por uma bala” (p. 39).
Sadia meditação, num findar de domingo, alumiada por uma cerimónia que dava nascença ao mais recente membro do Colégio Episcopal em terra portuguesa.
Ao grande Ozanam, samaritano dos pobres e clarividente vicentino, não lhe bastou gritar a favor da democracia e do povo e da criação de instituições libertadoras.
Não foi suficiente esse protesto. Com o à vontade de leigo, tratando a Igreja por “tu”, pois era filho e irmão da mesma Família, “arrastou” para a rua o arcebispo de Paris, recamado de vestuário de alta-costura, e colocou-o, pontífice que era, entre a multidão e os fuziladores por ofício. O Bom Pastor de Paris não foi mais que o Seu Mestre.
Um Bispo é para o essencial. Nem todas as circunstâncias convidam ao heroísmo da morte. Mas a morte é preço de quem esteve onde devia estar (e onde, habitualmente, não se está!). E, na proximidade da Páscoa, vivemos essa chamada. Tenho medo que o povo esteja a chegar à “última ceia”… Mas a Igreja deve ser fomentadora da civilização, porta-voz dos “revoltados” e “Mãe e Mestra” pela indicação de caminhos de pacificação. As nossas liturgias deveriam estar tingidas desta novidade profética, sem cansar nem fazer desertar…
Descer à rua, empunhar a bandeira da paz, chamar à esperança, mas sempre sob a mira do gatilho… Não queremos demagogias. Mas os veludos do silêncio, “o não fica bem”, os ares do Olimpo, denunciam os gestos de “classe”, e não oferecem um inovador comportamento pastoral.
Deveríamos ser gente de proximidade, naturais e iguais. Mas não merecíamos… fuzilamento… porque estamos longe da “malta” da rua e não temos aspecto de “Cordeiro Pascal”. No que eu me pus a pensar, vindo da encantadora cidade de Braga!
E, naquela noite, em saudade e homenagem ao Prof. Joaquim Pinto Machado (e relembrando o querido Padre Alberto Azevedo, cujo mano e cunhada tive a dita de conhecer), evoquei uma frase sua, no discurso de despedida a D. António Ferreira Gomes, quando chegou a altura do cessar a função episcopal no Porto: “A reflexão de D. António sobre o Mundo é, pois, um imperativo decorrente do seu múnus de Pastor no Mundo e para o Mundo, do Mundo que Deus ama tanto que lhe deu, para sempre, o Seu Filho (João 3, 16)”.
E o Papa Bento XVI, em 13 de Fátima de há um ano, entre várias missões, sublinha aos bispos, a da profecia: “Continue bem vivo no país o vosso testemunho de (…) defensores dos direitos inalienáveis da pessoa (…), sem temer nunca levantar a voz em favor dos oprimidos, humilhados e molestados”. E quem levantou a voz foi “fuzilado”…

MDN – Lisboa, 15 de Abril de 2011
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança


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