Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

25/10/12

Acrisolados pela austeridade... ontem como hoje

Queiram desculpar, neste texto, a referência a uma vivência pessoal muito próxima com aquilo que pode parecer um tanto indiscreto... embora o nosso intuito seja de partilha e de reflexão e não de lições. Faleceu, por estes dias, uma tia materna. Tinha oitenta e cinco anos. São cinco irmãos, quatro raparigas e um rapaz... todos na ordem dos oitenta anos. Nascidos na região de Braga, foram para o concelho de Esposende, após o falecimento de um tio padre, que levara o irmão como companhia para a paróquia onde esteve. Nascidos da relação matrimonial do irmão do padre com uma senhora de uma casa importante da terra... a mãe gostava, afinal, de outro senhor. Logo, após a morte do padre, ela desapareceu, tendo o pai ‘viúvo’ regressado à terra natal com cinco filhos para criar... Estamos no tempo da segunda guerra mundial! A saga de austeridade – como agora se diz com arrepios e uma certa má vontade! – percorreu estas vidas, tendo cada qual passado a servir em casa de lavradores da época. Chegada a hora de casar cada um seguiu a sua vida... embora com a tristeza (talvez seja até trauma!) da ausência da mãe, só descoberta mais de trinta anos depois, na zona de Famalicão. Esta tia, agora falecida, ficou viúva com a idade de trinta anos, tendo o marido sido trucidado por um comboio em Viana do Castelo. Os quatro filhos (dois e duas) viveram as agruras desse tempo, saindo, mais tarde, uns para a tropa e outras para trabalhos na região de Lisboa. Especialista na arte de cestaria, esta tia, agora falecida, foi vendo as outras irmãs ficarem viúvas também... passando também alguns dos filhos destas, naturalmente, dificuldades de natureza económica. Houve quem estudasse, valorizando-se e quem tenha sido até ministro deste país, enquanto, no meu caso, foi-me concedida a graça do sacerdócio ministerial... quase todos os filhos e filhas destas irmãs conseguiram vingar na vida, embora alguns tenham perecido muito cedo... Quando ouvimos certas figuras – políticas, sindicais, partidárias ou até eclesiais – reclamarem das condições de vida atual, como que sentimos alguma repulsa, pois esses tais reclamantes talvez nunca tenham passado fome e privações, talvez nunca tenham andado de roupa consertada ou ido a pé e descalço para a escola, talvez não tenham chorado ou visto chorar por não haver mínimas condições de habitação, talvez não tenham sofrido por não poderem dar aos pais melhores momentos de alegria, talvez, numa palavra: não tenham aprendido a serem acrisolados na escola da austeridade, que não nos deixou – tanto quanto é possível ver! – azedos ou contestatários, mas gratos por tantos sacrifícios com que fomos educados! Queira Deus dar a recompensa a todas estas mães que tão varonilmentede de nós cuidaram! = Desafios pessoais e virtudes sociais Porque não queremos ficar na vertente meramente fechada do que vivemos, mas, antes, pretendemos alargar os horizontes, ousamos sugerir: - Pais não deem aos vossos filhos aquilo que não tiveram na idade de serem como eles nem tentem suprir os laços de afeto com coisas não solicitadas; - Filhos não exijam aos vossos pais aquilo que, nesta hora de dificuldade, não conseguem dar-vos, pois fazem-nos sofrer se vos virem tristes pelo seu menos bom desempenho para convosco; - Fazedores da comunicação social não excitem as turbas com notícias de perturbação, mas tentem informar sem manipular, pois a técnica pode voltar-se, a curto prazo, contra vós mesmos; - Promotores das modas – sejam elas de roupa ou de ideias, sejam de modelo de comportamento ou de propostas de reivindicação – ajudem os vossos alvos a tornarem-se conscientes da verdade e não façam da manipulação uma arma de vingança; - Senhores do dinheiro – banqueiros ou capitalistas, negociadores ou chantagistas – tentem usar a vossa fama e poder de persuassão para dirimir conflitos e não para os agravarem, pois, um dia, pode ser que os vossos intentos revertam contra vós e o veneno que usastes será ainda mais mortífero. Porque acreditamos na força dos valores do Evangelho, agradecemos a todos quantos no-los ensinaram e esperamos, hoje, sermos bons difusores dos mesmos pelo testemunho de vida! António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

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Nobel da medicina - grande vitória da ciência e da ética

O Nobel da Medicina atribuído ao Britânico John Gurdon e ao Japonês Shinya Yamanaka é verdadeiramente uma vitória do Homem e da Medicina. 1 – O debate sobre o uso das células estaminais tem dominado o panorama científico e ético dos últimos anos. Não duvidamos de que um dos caminhos da medicina, e talvez dos mais promissores, é o uso de células estaminais. Porém, também sabemos que as células estaminais podem ter duas origens – uma, as células embrionárias colhidas através do uso (e destruição) de seres humanos na sua fase embrionária, outra, as células estaminais adultas retiradas de determinados tecidos do corpo humano adulto cujo uso não gera questões éticas. 2 – O trabalho daqueles dois cientistas a quem foi agora atribuído o Nobel da Medicina teve como conclusão que é possível “reprogramar as células estaminais adultas para um uso pluripotente” isto é, capazes de se reproduzirem em diversos tipos de tecido (órgãos) do corpo humano. 3 – Pensavam e defendiam alguns que as células pluripotentes só existiam no embrião humano. Por isso, advogavam a criação, uso e destruição de seres humanos para servir a investigação científica, alegando que a partir daí se iria obter a cura de diversas doenças (alzheimer, diabetes, etc.). O ser humano tornava-se “material de laboratório” numa lógica utilitarista. Até hoje milhões têm sido gastos com as células embrionárias e sem resultados práticos. Ao invés, as células estaminais adultas são já usadas em dezenas de tratamentos com sucesso. 4 – O Nobel da Medicina atribuído este ano, vem inegavelmente alargar os horizontes da medicina no campo das estaminais. Mas, acima de tudo, vem evidenciar como Ciência e Ética se podem conjugar com sucesso, desde que haja a preocupação com a Verdade e com o sério benefício dos doentes. Este Nobel demonstra ainda que é possível fazer investigação científica sem que se declare que o embrião humano é “material de laboratório”. 5 – Muitos foram aqueles que “na praça pública” (ideólogos, jornalistas e políticos) atacaram a Igreja e todos os que tinham preocupações Éticas e se opunham à utilização de embriões humanos para hipotéticas curas, porque diziam-nos, eram retrógrados e estavam contra a Ciência e a Medicina quando aquele “era o caminho do futuro”. Ora, este Nobel vem pôr o “dedo na ferida” ao apontar o Verdadeiro caminho do Futuro, com respeito pelo ser humano, tornando assim aqueles argumentos uma caricatura ideológica, instrumentalizada e anticientífica. É notória e notável a atitude do agora Nobel Japonês, cirurgião ortopédico, quando ainda surpreendido com a atribuição do prémio lhe perguntaram o que iria fazer, respondeu “tratar doentes, foi para isso que investiguei…”. 6 – Neste momento está a ser lançada em toda a Europa uma Iniciativa Popular de Cidadãos “Um de Nós” cujo objecto é pedir à União Europeia que em todas as políticas da União, haja respeito pelo Embrião Humano (“Um de Nós”). Que não se financie projectos que usem os embriões para investigação. Tudo parece seguir o mesmo caminho. 7 – No entanto, o Parlamento Português tem em debate na Comissão de Saúde dois Projectos de Lei (PSD e PS) que procuram dar um destino aos “embriões excedentários”, invocando-se entre outras razões o progresso da ciência que deve ter uma “abertura” para o uso destes embriões. Que dó! Para quando a seriedade científica e ética para reconhecer que o caminho não é a destruição e instrumentalização de seres humanos, mas antes ouvir o que nos vem da mais avançada e nobel ciência? Haverá coragem de fazer uma lei moderna? Uma lei que no futuro não nos envergonhe? Hoje, o debate sobre a protecção do Embrião Humano não é uma questão religiosa, é uma questão de comunidade científica mundial. O Nobel da Medicina de 2012 é uma vitória da Ciência, da Medicina, da Ética, mas acima de tudo do Homem. Isilda Pegado Presidente da Federação Portuguesa pela Vida

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22/10/12

Encontros sobre políticas do álcool e evidências científicas em Estocolmo

Alguns investigadores continuam a procurar evidências dos danos do álcool; dezenas doutros, como estes dias em Estocolmo, declaram que já temos evidências que sobram para defender a saúde. O consumo de bebidas alcoólicas está entre os três primeiros determinantes de doença e mortalidade. Em Portugal, país da União Europeia com o orçamento mais baixo para a prevenção, os interesses da produção e da comercialização passam à frente dos da saúde dos cidadãos. É evidência científica que uma em cada três doenças é causada pelos comportamentos doentios dos cidadãos, entre eles o consumo de álcool. E onde estão as políticas da saúde? Dominam o marketing, a publicidade, o patrocínio de marcas de bebidas, etc., ao jeito de interesses e lucros alheios à saúde. Não há políticas de preços contudo há evidências de que a preço mais alto, menos consumo; nem políticas de informação para o consumidor nos rótulos de alerta nas garrafas sobre os riscos em relação ao cancro alcoólico, às cirroses, às grávidas, as crianças e aos condutores; nem políticas de baixar a alcolémia legal nos condutores; nem a de subir a idade legal de compra e consumo. Estes são apenas alguns exemplos do vazio de políticas baseadas em evidências científicas relativa ao álcool. Sabe-se que 2 em casa 3 doenças cardiovasculares e 1 em cada 3 cancros podiam ser evitados com redução do álcool; sabe-se que mais de 5% da força de trabalho é prejudicada pelo consumo; que 1 a 2% dos bebés na Europa (Portugal:100.000) nascem e vivem com deficiências causadas pelo consumo de bebidas alcoólicas das mães grávidas; que 1 em cada 3 acidentes mortais rodoviários é causado por condutores com álcool, etc. E sabe-se ainda que os danos se reduzem com subida de impostos, menos lugares de venda, idade legal de compra mais alta, alcoolemia legal dos condutores mais baixa e mais fiscalização, intervenções breves mais precoces, e ainda preços mais altos por grama de álcool puro; e restrições da publicidade e fiscalização de venda a pessoas intoxicadas e a menores de 16 anos. As questões básicas em políticas de saúde e bebidas alcoólicas não se podem limitar à sensibilização e informação. Educar para promover a própria saúde já seria um pouco mais sério. Mas as evidências sobre informação não apoiam essas medidas isoladas de outras. Só acompanhadas de medidas de redução da publicidade manipuladora de crianças e jovens, de redução dos festivais de cerveja, de poncha, etc. Só com fiscalização das leis que já existem sobre locais, horas de abertura de bares, idade legal de consumo. E com políticas de preços mínimos de bebidas alcoólicas, de rótulos de alerta nas vasilhas sobre os riscos e danos do álcool. E não esqueçamos que há evidências científicas sobre cada uma destas medidas. Dado que o total de danos está relacionado com o total de consumo o alvo geral a atingir deveria ser a redução até 10% do consumo per capite (registado e não registado) em litros de álcool puro por pessoas de 15+ anos. Um grupo de cientistas mundiais defendeu com evidências cietíficas estas medidas políticas de redução dos danos do álcool na Reunião “Alcohol Policy Network”(APN) e na “5th European Alcohol Policy Conference” da AMPHORA, em Estocolmo, 17-19 de Outubro de 2012 (em que o autor participou como bolseiro). Alguns teimam em fechar os ouvidos a estas evidências e impedem algumas medidas legais pedidas desde 2002 por um grupo de especialistas portugueses. Estes têm insistido que são urgentes quatro medidas legais para que haja uma política coerente com as evidências: a) elevar de 16 para 18 anos a idade legal de consumo de bebidas alcoólicas e fiscalizar a lei; b) baixar a taxa legal de álcool no sangue dos condutores de 0,5 para 0,2, para os condutores jovens, os recém encartados e os condutores de transportes coletivos e de mercadorias perigosas; c) reduzir os horários de abertura dos bares e locais de venda de bebidas alcoólicas e d) banir o álcool das lojas das estações de serviço, e a partir das 24h00 dos bares das autoestradas. Os seus esforços têm sido impedidos por interesses comerciais opostos aos da saúde e da redução dos danos do álcool, os quais não têm que decidir em áreas de saúde. Importa não desistir. O “Manifesto” da AMPHORA pode ajudar. Estocolmo, 18 de Outubro de 2012. Aires Gameiro

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03/10/12

Denunciando certos incendiários... sociais

Por estes dias temos ouvido intervenções de certas figuras – da área do governo ou da oposição, dos setores políticos e da comunicação social, nos espaços noticiosos ou na rua, em conversa ou em discussão – que têm servido para acirrar os ânimos (mais ou menos) em tensão entre os cidadãos e também as intituições. Quando se esperava de todos uma certa racionalidade – pelo que se diz e, sobretudo, naquilo que se faz – temos visto, pelo contrário, ser exacerbada uma certa emotividade, criando condições para serem começados conflitos, mas cujas consequências nem sempre poderão ser controladas... quando forem iniciados. - Há quem cante vitória porque ter conseguido reunir – ou será antes arregimentar? – cem mil manifestantes. Mas que é isso no contexto da área metropolitana de Lisboa: tcerca de dois por cento dos habitantes da região e, no contexto nacional, esse número pouco mais será do que zero vírgula nove por cento da população total! E muitos – segundo dizem – vieram doutras regiões do país... às centenas. Portanto, a capital não aderiu!... - Há quem invetive os empresários que contestaram as medidas governamentais, classificando-os de ‘ignorantes’... só porque não alinharam acriticamente naquilo que poderia deteriorar as relações laborais a curto e médio prazo. As respostas dos atingidos – particularemnte empresários e patrões – roçaram (quase) o insulto e trouxeram à liça conflitos mal resolvidos noutros campos de intervenção! Não é deste modo insultuoso que serão dados sinais de pacificação aos outros cidadãos e entidades empregadoras nacionais e estrangeiras. - Sobretudo a cobertura das mais recentes manifestações populares – de 15, 21 e 29 de Setembro – deram-nos a conhecer uma televisão – auto-apelidada de ‘serviço público’ – a RTP, que se exalta e incendeia, que se defende e ataca, que estrebucha e contradiz... pois as intervenções da rua e dos estúdios quase nos fazem crer que estamos em guerra aberta e eles estão dum lado: contra o patrão, que é o governo. Que eles defendam o lugar de trabalho não podemos contestar, agora que o façam duma forma tão acintosa contra quem tem sobre eles a tutela e, indiretamente, lhes paga – pretendendo defenderem o (dito) serviço público – já se torna menos compreensível. Agora podemos ver outros canais menos exaltados. Agora podemos comparar e até escolher. Agora podemos fazer zaping e ir à procura de alguém mais independente e sereno... - Perante certas posições partidárias e sindicais parece-nos que são apontadas saídas para as condições de austeridade – exgerada e mal explicada – com que temos sido trucidados nos tempos mais recentes. No entanto, quando escutamos melhor não temos visto mais do que algumas intenções sem nexo e propostas a desdizer, embora com razoável cortesia e cobertura... notiociosa. De facto, não podemos continuar a ser enganados nem é aceitável que nos queiram impingir silêncio só porque é assim...e cala. Talvez estejamos a ser governados por gente impreparada e sem conhecimento da vida real. No entanto, não vemos perfilarem-se substitutos com caraterísticas diferentes. Antes vemos imberbes meninos de gabinete e intelectuais de secretária... sem provas dadas em lugar algum! E dos (ditos) batidos nas coisas da contestação – sobretudo duma certa esquerda revolucionária e doutra caviar – o que podemos perceber é que têm experiência no maldizer, mas não se sujam no trabalho da construção do bem comum... de todos. Têm a sua agenda e defendem, particularmente, os seus em clima de protesto! Digamos com clareza: o país precisa de ideias audazes bem como de protagonistas sensatos. Está na hora de sermos governados pelos mais competentes, sérios e conscientes. Precisamos de comprometer na coisa pública quem tenha vivência dum verdadeiro serviço altruísta e não meramente interesseiro. Basta de vivermos neste regime de partidocracite. Se as ideologias falharam, saibamos criar um clima de solidariedade no bem comum positivo e não só na exaltação da desgraça. Portugal merece melhor! António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

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01/10/12

Num país de cigarras e de formigas!

Recentemente, um (ainda) ministro do atual governo proferiu que Portugal não pode ‘ser um país de muitas cigarras e poucas formigas’. Talvez influenciado pelo espaço em que estava – na região de Viseu – o governante, segundo palavras posteriores, quis enaltecer ‘os trabalhadores por conta de outrém e os pequenos e médios empresários, comerciantes e agricultores, que, pelo trabalho de formiga que todos os dias fazem, criam riqueza, mantém empregos e ciram postos de trabalho’... Não deu para perceber a reação de certos ‘intelectuais’ àquelas palavras. Dá a impressão que se sentiram ofendidos e denunciados, sobretudo, os recentes manifestantes urbanos. Será que conhecem a fábula? Vejamos, então, alguns indícios desta psicologia de cigarra neste retângulo à beira-mar plantado a que se dá, há mais de oitocentos anos, o nome de Portugal. - Logo que aparecem uns raios de sol, corre tudo para a praia... pouco importando o trabalho a fazer, inventando as mais díspares situações para o descanso! Contesta-se a precariedade do trabalho, mas é de ver as praias cheias e os locais de veraneio com lotação esgotada, sem olhar a custos! - Enquanto se faz o combate a incêndios – onde se reduz a cinza muita da nossa riqueza natural e do sustento florestal – vemos a correria aos supermercados – adquirindo produtos que nos impingem e para os quais não trabalhamos – e a participação em manifestações reivindicativas... pois os tais incêndios não lhes dizem respeito! - Faz-se fila para procurar emprego, mas enjeita-se a possibilidade de participar na prevenção dos fogos nos nossos montados e campos... cuidando de tratar da sua ‘vidinha’ sem olhar a meios, atropelando, quantas vezes, os fins! - Cuida-se de usufruir do subsídio em vez de procurar trabalho, pois a remuneração deste, nalguns casos, é bem inferior àquele, que não custa a ganhar, mas que pode viciar os beneficiários... cigarrando, isto é, pelo fumo do cigarro e na preguiça! - Que dizer ainda daquelas situações em que se discute mais o futebol – empresa e indústria, ideologia e mística, sentimento e quase irracionalidade – do que a sua real prática? Temos, por agora, semanalmente, na segunda-feira à noite, três canais televisivos a discutir à mesma hora, apaixonadamente, as conjeturas, os erros, as táticas de bancada... cigarrando do alto do púlpito sapiente! Por breves momentos aquelas diatribes futebolísticas entretêm os (seus) adeptos e fazem esquecer as agruras do trabalho, que deveria acontecer não fosse a hora tardia em que acabam de arengar aqueles senadores da treta. - O Parlamento português tornou-se numa espécie de campo de cigarras em grande estilo, subvertendo a função de ‘casa da democracia’ e, pior, acabada sinfonia discursiva logo são dissecados os cantos das cigarras por outras mais sábias, que, nos estúdios televisivos, tentam descortinar nas entrelinhas façanhas de duvidoso gosto... - De alguma forma soa a canto de cigarra o que certas forças politico/partidárias disseram ao afirmarem votar contra um orçamento de Estado que ninguém conhece e até ameaçando com moções de censura sobre factos não reconhecíveis, enquanto reclamam vitória por recuos – sensatos ou oportunistas! – de quem tem de governar... De fato, as cigarras têm poder de influenciar e as formigas de calar... até ver! Sem pretensão de fechar a discussão, antes pretendendo provocá-la, deixamos breves perguntas: . Até onde irá a nossa capacidade de aturar tanto barulho e pouco trabalho? . Como poderemos criar um clima de silêncio, que leve à reflexão e ao questionamento pessoal? . Será possível inverter este ambiente de supercialidade, criando condições para a descoberta do sentido da vida, olhando mais os outros do que, meramente, a nós mesmos? . Como poderemos calar certas cigarras, valorizando o trabalho de muitas ignoradas formigas? . Teremos capacidade de nos regenerarmos, dando novo significado ao trabalho e não à promoção de certa preguiça? Tal como na fábula, tentemos trabalhar sem nos deixarmos provocar por algumas nefastas cigarras... pois, só no dicionário é que o ‘sucesso’ aparece antes do ‘trabalho’! António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

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