Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

29/06/09

A pouca independência… até no falar!

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 26 de Junho de 2009
Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja
Não é por uma questão de “elitismo” mas o português coloquial, na naturalidade das situações, deixa-me, aqui ou acolá, em discordância. Claro… há os tiques, as imitações, os efeitos inconscientes ou mesmo (e sobretudo) conscientes, pelo “ficar bem”. Mas, por todos os motivos, não posso aceitar o “obviamente” (repetido à saciedade), o “é assim”, o “extremamente importante, o “expectável”… Mas ouvir na televisão, (como estou a escutar neste momento, 5.ª feira à noite), alguém de um canal televisivo dirigir-se ao entrevistado: o que se passa “consigo”? (seja um Senhor Ministro ou um qualquer de nós), é de pedir o exílio… À semelhança de alguém que vai consultar um médico ou um empregado da confeitaria e se lhe dirige neste linguajar “lisboeta”:
“Venho aqui falar “consigo”…”!
O “português” de meus avoengos e seus sucessores era bem diferenciado: “Venho aqui pôr esta questão ao Senhor Dr. (ou Doutor), ao Senhor António ou à Amélinha”… Mas… “consigo”? Esse é um produto de pressão social, em que outros me “empurram” a soletrar ou a expressar-me como eles…
É “extremamente importante”, é “bonito”, é “complicado”…
Já não posso. Teve audácia o outro que, falando com personalidade de rara qualidade de saber, a qual, embora sapiente, se “pendurava”naturalmente em “narizes de cera”, tais como “efectivamente” (repetidas vezes no princípio das frases), teve um “português atrevimento” de a aconselhar.
E, com esse à vontade, chamou a atenção (a Sua Exia) que não se firmasse em tal “bengala”… e tantas vezes… Outros iriam, a repetir-se o gesto, “explorar” o incoveniente.
Pois a personalidade citada ficou surpreendida e agradeceu-lhe de coração. Comentando depois o acontecimento, destacou a surpresa e o reconhecimento. Por um simples motivo: nunca ninguém se “atrevera” a rectificá-lo!
Não lhe endereçou um “consigo” da velha Lisboa… Mas teve a lucidez e o à vontade de uma correcção fraterna, em nome da independência e da puridade da linguagem. E se em muitos “dialectos” do português superássemos o menos próprio, em termos de boas maneiras e da independência de pensar e falar?
Hoje vai desta forma o que mais me tem tocado… Tantos sons ouvidos… (televisão, rádio, amigos, conhecidos e desconhecidos). Tantas letras não digeridas (dá muito mais trabalho e esforço…)
O repetitivo e o medíocre é uma senha de consumo. Chegamos a “isto”. Mas não é para dizer mal. É para tratar bem a língua, o seu conteúdo e a independência nacional!

Lisboa, 26 de Junho de 2009

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
http://castrense.ecclesia.pt

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25/06/09

Uma influência pequena e residual! É isso que o povo pensa?

A Igreja, mesmo com as suas limitações e omissões, incomoda sempre os cidadãos eruditos que observam a vida e o mundo de um palanque cómodo, fumando os seus caríssimos havaianos, munidos de binóculos modernos que só vêem, como é óbvio, para onde os dirigem, que, normalmente, é o vazio humano e social que os povoa.
Em clima de aniversário festivo, foi dito pelo chefe de um grupo legalizado e que, livremente, se proclama ateu, que “é necessário um movimento ateísta para travar a exuberância da Igreja Católica, num país, Portugal, “onde a sua influência é já muito pequena, residual”.
Ainda bem que cada cidadão é livre de opinar. Mas, um milhão de opiniões livres, nunca por si e pelo seu número, fazem uma verdade. Esta não é subjectiva nem se cria ao jeito de cada um. Por mais que custe aceitá-lo, onde não há objectividade não há lugar para a verdade.
Olhe-se para este tempo de crise social. Quem mais presente, de maneira organizada e efectiva, que a Igreja e os seus grupos e instituições, junto dos mais pobres e excluídos? Quem mais defensor dos direitos humanos e mais interventor quando eles não são reconhecidos? Quem mais próximo das famílias? Quem mais ocupada com os portadores de deficiências, mentais e outras, e com as vitimas das muitas mazelas, congénitas ou adquiridas, a que nem sempre estão alheios os que atiram pedras e escondem a mão? Quem mais criativo e inovador no campo da educação, da acção social e da paz?
A Igreja, pelos seus membros, tanto é pecadora como irmã universal que luta pelo bem, num mundo onde abundam os acomodados. Reconhece as suas limitações e falhas, mas, também, o seu caminho de conversão, os seus méritos passados e presentes, a sua vocação de serva das pessoas, homens e mulheres, de qualquer raça, religião, língua ou cor. Por isso não se acomoda e se, por vezes, o fez ou ainda o faz, é contra a sua razão de ser e missão permanente. Tudo isto o dizem as páginas da história, nas quais, uma multidão inumerável de procuradores dos pobres, ocupa lugar cimeiro, com destaque para gente da têmpera de Francisco de Assis, Vicente de Paulo, José Cotolengo, João de Deus, Frederico Ozanam, Américo de Aguiar, João XXIII, Teresa de Calcutá…
Alguns governos laicos põem entraves à sua acção, mas não podem negar o que é claro e que o povo agradece como o sempre beneficiado. Só o facciosismo, a ignorância, a cegueira, o fanatismo podem negar uma realidade, que se mete pelos olhos dentro.
Não tenham medo os ateus, sobretudo aqueles que, para se afirmarem, precisam de fechar os olhos à realidade. A Igreja já aprendeu a respeitá-los, mesmo quando bolçam ataques e sonham planos, pejados de desprezo e ódio.
À Igreja não a move, com foi dito, a ânsia “que procura tomar conta de tudo” , mas, sim e sobretudo, move-a o cuidado dos mais pobres, que os bem instalados normalmente desconhecem, não sabem onde moram, nunca lhes viram, nem lhes trataram as feridas do corpo e do espírito. Nunca lhes enxugaram as lágrimas e nem ouviram, com amor, respeito e paciência, os seus desabafos mais pungentes e sentidos.
Sei bem que os tempos não são nem de apologia, nem de apologética. A Igreja Católica, porque o sabe, deixou essas armas do passado, usadas para se manifestar e defender. A sua acção e a sua defesa está agora no serviço que presta à humanização da sociedade, à causa da paz, à promoção da solidariedade, ao cuidado dos mais excluídos, à resposta possível às crises sociais. Não para ganhar prestígio, mas para testemunhar o Evangelho do amor, fazer seu, como Jesus Cristo, o caminho do homem. Os penachos do tempo, e as críticas mordazes, morrem no tempo. Perdura a consciência do bem procurado e realizado. Este é o caminho. A Igreja, fiel à sua missão, não pode ter outro.
António Marcelino

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22/06/09

Humorismo em crise deixa país mais entristecido

Nos tempos de crise fazem falta bons humoristas que proporcionem a toda a gente, pela sua criatividade, momentos de alegria e de esperança, de bem-estar e de confiança. O que se vê é que há mais gente irritada e azeda a agredir e a encobrir o sol por tudo e por nada, que artistas do humor, sábios e serenos, a desmontar agressividades e a conciliar diferenças, com um dito apropriado ou uma rábula, rica de saber e de graça.
O humorista, julgo eu, é uma pessoa inteligente e criativa, um artista. Caso contrário, refugia-se na graçola, banal e pestilenta, acabando a rir sozinho com os bacocos, sem convicção, nem consolo. Onde não há inteligência não há criatividade. Sem inteligência e estro artístico, o humor nasce tão doente, que logo morre à nascença. Criar humor é mais que contar anedotas ou entreter com cantigas picantes.
Há páginas de antologia em alguns dos nossos humoristas. Quem pode esquecer o sentido acutilante, irónico e pedagógico da “guerra do Solnado”?
Há no humorismo verdadeiras peças de arte que não envelhecem, nem se desfiguram. Ouvem-se hoje, como há dezenas de anos atrás. O mesmo gosto e prazer. A mensagem, que nunca é uma simples piada ou uma graçola insonsa, continua viva e actual.
Coisa rara, hoje, na produção dos chamados humoristas. Nem inteligência, nem criatividade, nem graça, nem saber, nem verve. O pretenso humorismo de hoje, como a pobreza do tempo, tornou-se descartável como a moda: ver, ouvir, rir, deitar fora.
Os canais de televisão e as estações de rádio conservam os seus humoristas, como a corte manteve o seu bobo. Alguns bem tristes, mesmo quando pretendem fazer graça. A gente da programação ou já não sabe o que é o verdadeiro humor, ou quer vender gato por lebre, ou, então, pensa que para um país desiludido e alienado, qualquer coisa serve para divertir e provocar gargalhadas.
As anedotas são brejeiras, os trocadilhos sem gosto, os ditos não dizem nada. E, quando se trata de intelectuais recentes a querer fazer humor em grupo, a desgraça parece ainda maior. Com um ar superior, brincam com tudo e com todos, não respeitam nada nem ninguém, nivelam tudo com a mesma rasa. O objectivo será o prazer do grupo, inebriado com seus dizeres vazios, seu saber pretensioso e suas gargalhadas histéricas. Ouve-se, vê-se e tira-se logo a prova de “como vai mal o humor em Portugal”.
O povo ri se as piadas cheiram a sexo, religião ou política. Mas humor não é isto, porque, mesmo quando faz rir, também faz pensar.
Sempre que se deixa de pensar, as referências válidas para ajuizar e avaliar o que se ouve, se lê, se pensa e se vive, desaparecem. Assim, o humor é impossível. Impossível fechar a boca aos insensatos e abrir o coração aos incautos, se a cabeça está oca e vazia.
O bom humor é tempero da vida diária. Mal vai a um povo quando o humor se serve estragado ou dele não se sente falta. Os latinos diziam que “rindo se castigam os costumes”. Um dito sábio a mostrar que se pode fazer mais com uma palavra breve de verdadeiro humor, que com um discurso longo de pretenso saber. Porém, os costumes vão hoje de tal ordem, que castigá-los se tornou tarefa difícil, senão impossível.
Muitos políticos agridem-se e picam-se, por tudo e por nada; há governantes a prometer o impossível e não suportar críticas: muitos intelectuais viram narcisistas e olham a plebe por cima do ombro; até os jovens, agora mais suficientes e surdos, fazem caminho por conta própria; restam os excluídos sociais que carregam a sua dor, cada dia mais desiludidos.
O ambiente está mais carregado. Ninguém espere que o sol da esperança e da alegria alimente tristezas e desilusões. Com o futebol no defeso as coisas vão piorar. Deixemos que os humoristas, poetas e outros artistas, dêem beleza à paisagem humana e digam a toda a gente que o tempo não é de parar, nem de chorar, porque cada dia o sol nasce.
António Marcelino

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A arte de cultivar o espírito

Encontrou o rapaz deitado à sombra da árvore. Parecia submergido numa profunda sesta reparadora. Ao seu lado, com algumas azeitonas caídas da oliveira, estava um plástico estendido no chão. Apesar de ser consciente de estar a prejudicar o seu descanso, não resistiu à curiosidade de lhe fazer uma pergunta: «Como é que apanha as azeitonas?».
O rapaz abriu os olhos e, lentamente, espreguiçou-se sem demasiadas cerimónias. Era evidente que não tinha ouvido e foi necessário repetir a pergunta. Por fim, com um ar contrariado, lá se dignou responder: «É simples. Primeiro estendo o plástico por baixo das árvores. Depois, vem o vento e faz cair as azeitonas. Por último, junto-as todas nesta velha saca e vendo-as no mercado da vila». «E se por acaso não houver vento?» – insistiu com desejos de aprender. «Se não houver vento? Hum!... Mau ano para apanhar azeitonas».
Nos dias de hoje, não é difícil encontrar pessoas que, como este rapaz, se deixam levar sempre pelo caminho do mais fácil. Não é uma simples manifestação de preguiça. Às vezes, corresponde mais a uma filosofia de vida muito em voga – pensar que qualquer esforço não prazenteiro é negativo por definição. Só se admite o esforço no caso de proporcionar um bem-estar imediato. Se assim não for, não vale a pena esforçar-se.
Quando esta atitude afecta os jovens, o assunto é mais sério. Isso porque é próprio da juventude olhar para o futuro com entusiasmo e com o desejo de fazer coisas grandes. É próprio da juventude não se conformar com a realidade das coisas e procurar melhorá-las. É próprio da juventude a aversão a tudo aquilo que cheire a imobilismo ou aburguesamento. Por isso, se os jovens adoptam na sua vida a ideia de que qualquer esforço não prazenteiro é negativo, perdem a juventude interior. Apaga-se o entusiasmo e desaparece do seu horizonte a esperança de viverem num mundo melhor e mais humano.
Na tarefa educativa dos mais jovens, é necessário voltar a transmitir a verdade de que nada que valha a pena nesta vida se consegue sem esforço. Uma pessoa não constrói nada deixando-se arrastar pelo mais fácil. Para que os jovens entendam isto a fundo é indispensável que saibam cultivar na sua vida uma sólida formação cultural. Que procurem livremente e com iniciativa pessoal dedicar um tempo real à leitura de bons livros – sem que eles tenham de ser necessariamente de leitura obrigatória num determinado ano escolar.
A formação cultural, que exige um esforço sério e constante, possui um enorme peso na configuração e exercício da inteligência humana. É a compreensão profunda do significado da realidade que nos rodeia. E não convém esquecer que a palavra cultura está intimamente relacionada com o verbo latino “colo” – que significa cultivar. A cultura é a arte de cultivar o espírito, assim como a agricultura é a arte de cultivar a terra.
Pe. Rodrigo Lynce de Faria

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05/06/09

Sete critérios (e dez perguntas) para votar... conscientemente

«Em todas as eleições, como na acção política normal, o critério fundamental deve ser a pessoa humana concreta, servida e respeitada na sua dignidade e direitos. Assim poderá satisfazer também os seus deveres. É este respeito e cuidado que permite realizar a humanização da sociedade. Ninguém deve esperar que um programa político seja uma espécie de catecismo do seu credo, mas um modo de compromisso para a solução dos problemas do país.
Neste sentido, enumeramos alguns critérios que consideramos importantes para escolher quem possa melhor contribuir para a dignificação da pessoa e a realização do bem comum: – promoção dos Direitos Humanos; – defesa e protecção da instituição familiar, fundada na complementaridade homem mulher; – respeito incondicional pela vida humana em todas as suas etapas e a protecção dos mais débeis; – procura de solução para as situações sociais mais graves: direito ao trabalho, protecção dos desempregados, futuro dos jovens, igualdade de direitos e melhor acesso aos mesmos por parte das zonas mais depauperadas do interior, segurança das pessoas e bens, situação dos imigrantes e das minorias; – combate à corrupção, ao inquinamento de pessoas e ambientes, por via de alguma comunicação social; – atenção às carências no campo da saúde e ao exercício da justiça; – respeito pelo princípio da subsidiariedade e apreço pela iniciativa pessoal e privada e pelo trabalho das instituições emanadas da sociedade civil, nomeadamente quando actuam no campo da educação e da solidariedade.O eleitor cristão não pode trair a sua consciência no acto de votar. Os valores morais radicados na fé não podem separar se da vida familiar, social e política, mas devem encarnar se em todas as dimensões da vida humana. As opções políticas dos católicos devem ser tomadas de harmonia com os valores do Evangelho, sendo coerentes com a sua fé vivida na comunidade da Igreja, tanto quando elegem como quando são eleitos».
- Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa sobre as próximas eleições, ‘Direito e dever de votar’ (de 23 de Abril de 2009), n.º 4.
Mais do que comentários – sobre o acto eleitoral das europeias – este excerto do texto da Conferência Episcopal pode e deve-nos levar a pôr perguntas com um mínimo de seriedade, de consciência cívica e de compromisso político:
- Com qual dos vectores humanos (pessoais ou comunitários) votamos: com a cabeça, com o coração ou com o estômago?
- Até onde poderá ir a simpatia para com os candidatos sem olharmos à sua ideologia ou mesmo ao seu (anterior) percurso?
- Temos por critério suficiente ou essencial da nossa escolha a temática da vida em todas as suas dimensões, expressões e manifestações?
- Teremos, de verdade, cristãos nos postos de decisão política ou eles/elas são meras decorações de oportunidade duvidosa?
- A quem interessa empurrar, excluir ou impedir (acintosamente) padres ou bispos da vida política (não partidária): aos profissionais da dita ou aos caciques de ocasião, mesmo que camuflados de democratas?
- Quem tem medo do voto obrigatório: os mentores da farsa, os promotores da cunha ou os conservadores da estagnação reinante?
- Para quando a decisão – ousada, correcta ou necessária – de cortar nas regalias sociais e de assistência a quem não votar?
- Por que é que não se prega mais claramente a culpa moral (pecado) de quem foge – por omissão – de votar entregando as decisões aos outros?
- Por teremos de suportar tanta incompetência, se está nas nossas mãos escolher os melhores, que é muito mais do que os menos maus?
- Poderemos envergonhar-nos da nossa missão neste mundo, fazendo de conta que quem nos governa – seja qual for a instância – nos defenda ou explora, só porque não foi ou é o da nossa escolha?

Na medida em que tivermos o olhar posto em Deus, estaremos mais atentos aos outros, comprometendo-nos com a construção da cidade dos homens, já.

A. Sílvio Couto

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O obsceno e o sentimental invadem o nosso espaço público

Será que foi sempre mais ou menos assim ou estaremos perante um fenómeno novo a que a comunicação social se encarrega de dar permanente e vistosa publicidade?
O inquinamento doentio da mente e do coração sempre pôde atingir a todos com gravidade. Em tempos foi-se muito longe, quando a manifestação pública deste inquinamento produziu vidas depravadas e chegou à exaltação, como se se tratasse de grandeza da raça ou de um melhor estatuto cívico. Ainda aí há sinais disso.
Como quer que tenha sido antes, a verdade é que estamos hoje a viver ou a reviver uma época de pan-sexualismo, reduzido à manifestação de obscenidade que o ambiente farisaicamente favorece e dá dinheiro a quem o promove, acabando por manchar, socialmente, a maravilhosa dimensão da afectividade e da sexualidade humana.
Como que a fazer eco do que se passou há poucos anos nos Estados Unidos da América, surge agora, como realidade ao longo de décadas, igual mazela na Irlanda. Acontecimentos que são, descontados embora os exageros de alguns relatos, a todos os títulos lamentáveis e condenáveis, mais ainda por estarem relacionados com instituições cristãs. Ninguém está imune do mal e de passos mal andados, devendo reconhecer-se, no entanto, que não é isso que se espera de pessoas e de obras sociais, que se propuseram ter a mensagem evangélica como instância educativa permanente.
Quem folheia jornais e revistas de generalidades e pára na rua para observar os escaparates dos quiosques da imprensa ou passa pelos canais de televisão, de cá e de fora, se tem sentimentos de dignidade e preocupação por uma sociedade sadia e liberta, não pode deixar de ficar perplexo e preocupado ante o que lê e vê.
A educação sexual, sempre e muito mais neste contexto, torna-se, de facto, necessária para os mais jovens, chamados a ser gente responsável, não por caminhos modernos tortuosos ou a agir sob sentimentos imediatos, mas pela transmissão lúcida de valores perenes que levem ao respeito por si e pelos outros. Muitos adultos necessitam, também, de um forte safanão que os acorde e os leve a quererem ser mulheres e homens, pessoal e socialmente dignos, e a trocar os atoleiros e o chafurdo por ambientes sadios, onde se viva de modo feliz e liberto. Do mesmo modo, haja quem atento tome conta do que se publica. Os ecologistas estão muito atentos ao gato morto que se abandona na rua ou ao lixo lançado fora dos contentores, mas passa-lhe ao lado a preocupação pelo ambiente humano deteriorado e cada dia mais inquinado pelo que se publica, se vê e ouve, até na rua., que, por enquanto, ainda é espaço de todos.
Quando a vergonha e a responsabilidade pessoal não são censura válida, qualquer outra se torna odiosa. Quando o poder económico é rei e senhor, não faltam outros poderes a dobrar-se reverentes, ante os que mais têm e podem sempre ser úteis.
Tem começado pela desagregação moral o declínio dos povos que se julgavam pioneiros de uma liberdade sem controlo. Por aí vamos, porque as crises económicas são antes morais e éticas. Comer, gozar e agradar não é modo de viajar rumo a bom porto.
E a família? Muito se tem feito para a dignificar e capacitar para as suas tarefas. Mas muito se tem feito, também, para a destruir e anular na sua dignidade e nos seus direitos e deveres. A fonte que gera todas as crises humanas é sempre a mesma numa sociedade adormecida, manietada e desvirtuada nos seus objectivos normais. Se houver coragem para o reconhecer haverá também determinação para dar resposta.
A intoxicação do obsceno e do sentimental debilitou os sentimentos mais nobres e os vínculos que unem as pessoas. O problema é cultural, com inevitáveis reflexos no humanismo reinante. As grandes vítimas estão aí à mostra: as crianças e os mais idosos. Ambos, pela sua natural dependência, se tornam manejáveis a interesses. Sem respeito e amor às crianças e gratidão aos idosos, para onde ruma e onde vai parar a sociedade?
UMA PEDRADA POR SEMANA

António Marcelino

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02/06/09

A favor da humanização da morte

Julgo importante haver testamento vital, cuidados paliativos e direitos conexos, no entanto vi-me agora em consciência obrigada a votar contra o Projecto de Lei nº 788/X (PS) – “Direitos dos doentes à informação e ao consentimento informado” (cujo título é muito controverso em relação ao conteúdo), por três motivos básicos, os quais devo explicitar.

A minha primeira objecção é quanto ao modo de apresentar a lei. Como infelizmente tem acontecido também quanto a outros diplomas sensíveis e importantes, este não foi atempadamente referido, ou discutido, no GP/PS e na sociedade, e só depois da aprovação na generalidade vai ser objecto de escassa discussão pública, tendo pequena margem de alteração.

Este Projecto de Lei só deu entrada na Mesa da Assembleia da República há seis dias, 22 de Maio de 2009, (6ª feira) e só ontem foi anunciado pela Mesa, o que impediu que chegasse ao conhecimento, ou imprescindível análise, quer de deputados, quer de especialistas, apesar de ser assunto da maior relevância e de a sua discussão ser importantíssima.

Gostava que tantos anos depois do 25 de Abril, Portugal fosse uma melhor democracia, com maior participação dos deputados à Assembleia da República e da Comunidade.

A segunda objecção prende-se com o conteúdo do diploma. Apesar da surpresa com o diploma, ainda antes do debate, várias entidades apolíticas e laicas, como a Ordem dos Médicos, já se manifestaram contra “aspectos com relevância”, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) alerta para riscos, a Federação Portuguesa pela Vida aponta para princípios já ultrapassados nos EUA e adverte para cláusulas que podem abrir portas à eutanásia, o ex-Ministro da Saúde do PS Paulo Mendo diz que medidas destas devem ser feitas com calma e não em ano de crise e de eleições e que a Lei causa motivos de apreensão, podendo fazer com que o “doente viva no terror” e ser contra o próprio interesse do doente. Afinal, opiniões convergentes com as do cidadão comum e com as da Igreja Católica, que ao contrário do que ás vezes se veicula, não é contra um testamento vital e defende-o há anos, só que alertou também para esta lei poder não respeitar a pessoa e abrir a porta à eutanásia.

Considero também extremamente preocupantes vários aspectos, sobretudo a possibilidade de abertura à eutanásia, prática que aliás o PS já anunciou ir colocar no programa eleitoral da próxima Legislatura e para a qual já tem feito campanhas de sensibilização a favor. É evidente que testamento vital e eutanásia são matérias diversas, mas é inseparável o debate substancial.

É também muitíssimo grave não haver neste Projecto de Lei devidas referências à primazia da dignidade da pessoa humana em que a Constituição da República Portuguesa insiste, nem à essencial e moderna prática dos cuidados paliativos, os quais evitam sofrimentos desnecessários, a eutanásia e o encarniçamento terapêutico, chamado distanásia.

Sejamos claros: os cuidados paliativos são mais caros do que a eutanásia, mas são muito mais humanos e urge fazer intensa pedagogia e dar meios para esta finalidade. De facto, os cuidados paliativos melhoram imenso a sociedade e a nossa morte, e todos nós merecemos uma morte digna e o mais feliz possível; todos, ricos e pobres temos esse direito.

Em 27 de Maio de 2009, véspera do debate em Plenário da Assembleia da República, a Lusa noticiava o Projecto de Lei poder ser melhorado, mas será sempre uma melhoria relativa, por já ter sido aprovado na generalidade, e vão-se gastar verbas que poderiam ter sido poupadas.

A minha terceira objecção tem por um lado um aspecto filosófico e por outro aspectos muito pragmáticos, relacionados com o que acabo de escrever.

Começo pelos aspectos pragmáticos. Ainda há dois dias, em 26 de Maio, a Assembleia da República organizou um Colóquio sob o tema “A qualidade da Legislação – Um desafio para o século XXI” no qual a directora do CEJUR (Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros) afirmou que a má qualidade legislativa custará ao Estado cerca de 7,5 mil milhões de euros por ano, ou seja, pelo menos 4,5 por cento do PIB, um valor acima da média europeia que ronda os 3,4%.

Considero estranho que Portugal, um país pobre e em grave crise económica, financeira e social, continue a desperdiçar dinheiro com leis a corrigir, que ainda por cima por vezes não são urgentes, nem faziam parte do Programa Eleitoral, como é também o caso desta, e aplique medidas economicistas em áreas sobretudo de vida e de morte, como está também agora a ser noticiado, revelando falta de respeito pela vida das pessoas.

Cito, como deputada eleita cabeça-de-lista por Coimbra, agora o caso dos conceituados Hospitais da Universidade de Coimbra, que se encontram em convulsão e onde, por exemplo, o Director do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica ameaça demitir-se, porque critica a redução de horas da sua equipa para empregar novos profissionais, trocando experiência por inexperiência e reduzindo em muito o número destas 750 cirurgias anuais urgentes, quando os argumentos invocados pela administração seriam uma poupança de cerca de 250 mil euros e o serviço tem saldo positivo anual de milhões de euros. Outras desumanizadas noticias da área da saúde, que terão também a ver com economicismo, são a de os hospitais privados não serem obrigados a concluir o tratamento dos seus doentes cancerosos quando se esgota a cobertura do seguro e de os hospitais públicos não os poderem acolher por falta de meios, e de terem duplicado, em relação a 2007, as queixas à Entidade Reguladora de Saúde (ERS), relacionando-se estas sobretudo com atrasos no atendimento e falta de atenção dos profissionais. Os cuidados de saúde melhoraram substancialmente com o SNS, mas devem ser aperfeiçoados, pois são essenciais à felicidade.

O aspecto filosófico da minha terceira objecção é a constatação indesmentível do facto de a morte infelizmente ser ainda o grande tabu do séc. XXI, como o sociólogo britânico Geoffrey Gorer foi o primeiro a denunciar, em 1955, em “The Pornography of Death”.

Sobre o exercício da Medicina e sobre testamento vital, é vital ler o livro do Coordenador da Comissão Nacional da Pastoral de Saúde, Padre Vitor Feytor Pinto “Saúde para Todos”. Para os crentes (e não só) anoto o texto do Testamento Vital que tem como referência uma declaração similar de um grupo americano e que foi assumido num Encontro Ibérico de Setembro de 1989 por um grupo de Bispos, Sacerdotes e Leigos da Religião Católica (pp 271-272) Na página 274 escreve Monsenhor Feytor Pinto: “são inúmeras as questões que se levantam. Subsiste porém em todas elas uma preocupação dominante, a de servir o homem em crise e de lhe dar a esperança de que ele é capaz. Todos somos homens terminais, todos temos diante de nós a certeza da morte como acontecimento universal. Mas o doente terminal tem mais próxima a morte. O importante é ajudá-lo a viver esse momento como a síntese de toda a vida, com o sentido que marcou todos os caminhos já percorridos. O grande convite que é feito ao técnico de saúde é que, perante o doente terminal, se aproxime, pare, aceite ter tempo para escutar e acompanhe esse homem que sofre e que, em última análise, apenas espera uma outra mão para segurar a sua própria mão. É que a presença de um amigo é sempre uma nova razão de esperança”.

“Todos somos homens terminais”, quer sejamos politicamente de esquerda ou de direita, ateus, agnósticos, crentes. Certamente todos ficamos mais confortados se os nossos últimos momentos forem mais humanizados, tivermos, se necessário cuidados paliativos, presenças amigas, “sempre uma nova razão de esperança”. Para isso é essencial legislar bem.

Vários estudiosos, entre os quais me incluo, defendem que a presente centúria tem a máxima urgência em se distinguir pela afirmação dos Direitos Humanos, ser o verdadeiro Século dos Direitos Humanos. Portugal que, ao longo da História, tem sido pioneiro do Humanismo, devia aproveitar esta temática (como outras que venho apontando desde há anos, inclusivamente também através de Declarações de Voto), para ser pioneiro do Humanismo, sabendo educar para a morte como se educa para a vida, com a necessidade de ressocializar a morte, que foi dessocializada devido às características da sociedade industrial e urbana. A prática dos cuidados paliativos é essencial neste Humanismo, enquanto a eutanásia aprofunda a desumanização e a infelicidade da sociedade.

Matilde Sousa Franco,
Deputada do Partido Socialista

Assembleia da República, 28 de Maio de 2009

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