Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

30/06/11

Leis e serviço à comunidade

Na anterior legislatura um deputado do PS, passados meses, abdicou do seu mandato e deu como razão que tinha ido para a Assembleia para conseguir a lei do casamento dos homossexuais. Porque já o tinha conseguido, não havia razão para permanecer por ali mais tempo. Ao iniciar-se a nova legislatura é oportuno reflectir um pouco sobre a missão legislativa da Assembleia da República, o valor de quem a ela preside, quem ocupa, ciente da sua missão, o lugar de deputado ou simplesmente por lá anda.

Nas eleições para este órgão da soberania parece contar mais, por parte dos eleitores, a preocupação pelo partido a que dão o voto do que o juízo sobre os candidatos propostos. E este juízo torna-se necessário quando se sabe que alguns deles estão lá mais como obedientes silenciosos, que protagonistas competentes e activos. A lógica partidária, neste e noutros casos, não é sempre clara nem limpa, ou, pelo menos, não se percebe como tal.

Fazer as leis segundo as quais se vai governar o país é missão da maior importância. Feitas as leis, a começar pela Constituição, considerada como referência máxima e indispensável, tudo vai depender delas: Governo, tribunais, vida e acção das pessoas e das instituições. O sucesso da democracia não é apenas de obediência ou de vitória das maiorias partidárias, processo importante para evitar impasses, mas é, também, a expressão aceitação e fidelidade a valores indispensáveis ao respeito pela pessoa e sua dignidade, à garantia dos direitos fundamentais, em igualdade de condições para todos os cidadãos, à aceitação do bem comum, como “fim e critério regulador da vida e actividade política”.

Conceitos confusos como o de “Estado social”, um exemplo bem significativo e actual, viciam a feitura das leis, desvirtuam a participação do povo, servem ou dificultam apenas a acção dos governos, segundo a sua postura ideológica e os interesses partidários em causa. Se os deputados são impedidos de pensar e têm de votar por obediência como lhes é mandado, muitos aspectos da vida nacional serão coados por uma lógica que não será a do bem de todos.

Certamente que não é necessário que todos os deputados sejam peritos em leis, mas não se dispensa que sejam sensatos, conhecedores da realidade, corajosos para intervir para além de o fazerem a favor da construção do fontanário ou da localização de um equipamento público qualquer. Para isso, que até pode ser importante, têm instâncias próprias. A Assembleia da República é órgão com outras funções, que não se podem delegar em meia dúzia de deputados inteligentes e sabedores.

Há leis injustas, destituídas de realismo e de ética, não orientadas para o conjunto do país, as quais, mesmo que tecnicamente correctas, não respondem à tarefa legislativa. Aos candidatos a deputados, antes das eleições, era talvez útil a participação obrigatória em sessões de informação e formação não partidárias, mas de ordem social e jurídica, com base no conhecimento objectivo do país, da realidade, necessidades e capacidades. Isto não se faz, porque não se considera importante e, a alguns será talvez melhor não lhe abrir os olhos, nem lhe espicaçar a inteligência.
Por vezes penso que a nossa democracia está longe da maturidade, dado que ainda não se debruçou a sério para reflectir e tirar consequências sobre a importância decisiva da função legislativa. Nem tudo é evidente quando se trata de encontrar os melhores caminhos para servir o país. Por isso tem de haver debate e diálogo, confronto de ideias e de propostas. Mas é estranho ouvir-se criticar na oposição o que se defendia no governo, e fazerem-se de antemão ameaças de não colaboração, sempre que se pense correrem risco alguns interesses partidários e corporativos. O país tem de estar acima de tudo isto. E estará, por certo, quando o exercício da democracia, exercido por pessoas livres e responsáveis, não sujeitar o país aos interesses de partidos e de grupos, antes o sirvam, sempre e acima de tudo. Aos cidadãos pede-se, desde já, uma atenção crítica. O pano já correu e o palco está cheio de figurantes.

D. António Marcelino


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27/06/11

Compasso do Tempo de 24 de Junho de 2011

1. Em Novembro de 1967, em Moçambique, um bispo português, ainda vivo, evoca os ditames da Paz, em período da maior delicadeza para o país, nestes termos:
“Caríssimos Oficiais, ouvi e dizei aos Vossos soldados:
- sede construtores e promotores de valores humanos
- sede, não apenas um serviço militar, mas sobretudo um serviço social em ordem ao bem comum
- sede amigos de Deus, que ama todos os Homens (…)
Digo-vos estas palavras porque sei que as atendeis e que as tendes pensado nos vossos corações e nos vossos gabinetes de trabalho” (D. Manuel Vieira Pinto, “Homilia na Missa pelos mortos da Guerra, em 2-11-67”, in Homilias – Proclamação do Movimento Paz e Caridade, Porto, Livraria Figueirinhas, s. data, ps. 16-17)

2. Volvidos anos, destacava-se como mediador das conversações de Paz de Moçambique independente, o Professor Andrea Riccardi (professor de História Contemporânea na Universidade de Roma III e um dos fundadores da comunidade de Santo Egídio), o qual, na fidelidade ao pensamento do Papa João XXIII: “A Igreja apresenta-se tal qual é e tal qual quer ser. Igreja de todos e, em particular, dos pobres”, escreveu mais tarde:
“[…] se todos podem fazer a guerra, todos podem fazer a paz […]. A cultura da paz está em profunda continuidade com a cultura de solidariedade (…) A força é a da aproximação humana, a capacidade de dar confiança, de mostrar que não há outro interesse senão a paz nos conflitos em que o factor humano, a desconfiança, o ódio se conjugam em esquemas não tradicionais. No caso de Moçambique (…) um regime de partido único tornou-se um Estado democrático” (Cf. Communio, Lisboa, XVIII (2001/5), p. 452 e 458)

A história pode sempre ter outros rumos, mais inteligentes e limpos. Foi o caso.
Nota: Para não prolongar a homilia não citei algumas considerações de D. Manuel Vieira Pinto. Faço-o hoje, rezando pela sua vida, atingida por grave doença e trazendo-o à nossa memória, que sofre da estratégia de esquecer.
“Na promoção da paz social, as Forças Armadas devem:
• Estabelecer a ordem justa, onde esteja a desordem;
• Defender o direito violado, onde haja violação do direito;
• Realizar obras de paz em ordem ao bem comum.
Infelizmente surgem dentro das nossas fronteiras situações de desordem que exigem a instauração da ordem; mas que a Força Armada tenha sempre em conta a justiça e a dignidade dos homens, mesmo inimigos. Mais do que lutar contra os homens, as Forças do Exército em reunião com todas as forças responsáveis, querem lutar contra as condições que gerem homens e populações diminuídas, mergulhadas num subdesenvolvimento que alimenta o isolamento geográfico e humano, a desconfiança, a incapacidade para a convivência.

Muitas e urgentes são as obras de paz que importa realizar com inteligência e coragem nesta Província portuguesa de Moçambique, mormente nestes Distritos afectados pela guerra. Como diz Paulo VI na maravilhosa Encíclica Populorum Progressio:”

MDN – Capelania Mor, 24 de Junho de 2011
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança



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24/06/11

O CORPO DE DEUS e os “corpos” de Cristo

Ser dom para os outros - a Eucaristia que todos entendem...

A propósito do dia do “Corpo de Deus” que acabamos de celebrar apetece-me partilhar o significado que este dia significa para mim e os desafios que a espiritualidade deste “Mistério de Fé”, traz todos os dias à minha vida.

Não é natural em mim escrever sobre o que leio nos livros ou que investigo através de muitos meios de comunicação a que hoje temos acessos. Prefiro falar de “experiências”, dos gestos simples e práticos que uma determinada espiritualidade provoca em mim.

1- Expor-se a Deus que se expõe a nós.
De todas as festas litúrgicas, a do “Corpo de Deus” toca-me sobremaneira porque me fala do núcleo de toda a vida cristã, a Eucaristia como Sacramento de Amor e presença de Jesus Ressuscitado no meio de nós.

Na Eucaristia de cada dia, no silêncio orante e em adoração diante de um sacrário experimento a certeza de que Ele está ali, exposto a mim e me quer tocar pelo amor infinito do Seu coração e se deixarmos esta divina presença eucarística nos vai cristificando e fazendo de nós “Corpo de Cristo” para os outros. Quando reflicto na palavra de Jesus, “Eu estarei convosco até ao fim dos tempos” penso que Jesus se referia a esta presença Eucarística porque como nos lembra o Vaticano II “ela é fonte, cume, centro de toda a vida cristã…tesouro espiritual da Igreja, isto é o próprio Cristo nossa Páscoa”.

2- Eucaristia Escola de Caridade

Mas, se temos a graça de reconhecemos Cristo na fracção do Pão também Ele só nos reconhece quando partilhamos o pão com os nossos irmãos, isto é somos dom para os outros. Dar e dar-se aos irmãos sobretudo àqueles onde está mais “escondida” a presença de Jesus o “Lava-pés” não pode ser apenas um gesto litúrgico mas também uma atitude de vida “estando de joelhos” diante dos irmãos servindo e amando. Celebrar a Eucaristia, adorar Jesus Sacramentado, e não nos darmos aos outros é não ter aprendido nada deste Mistério de Fé e não proclamar a Ressurreição de Cristo com o testemunho de vida

2- Ser corpo de Cristo para outros “corpos” de Cristo

Porque este ano senti o apelo a viver esta festa no aspecto de ser eu, também, “corpo” de Cristo para os outros, a minha procissão do Corpo de Deus passou por caminhar até à casa de uma idosa com Alzheimer que vive sozinha com uma filha que, devido à doença da mãe, não pode sair de casa. Fiquei a tomar conta dela para que a filha pudesse ir á Eucaristia e à procissão onde há tantos anos já não ia. Quando chegou disse-me: “Como me senti bem na Eucaristia e na procissão”. Obrigada por me ter substituído. Senti que Jesus se tornou presente em mim com este gesto.

Fui ainda visitar uma senhora de meia-idade, que durante muitos anos se dedicou à prostituição e que hoje vive sozinha, numa casa sem condições, com 120€ de RSI e paga 75€ de renda de casa. A sua alegria por estar com ela, a sua delicadeza no trato, levou-me a “adorar” Jesus presente neste “corpo” vendido e magoado. Senti que Ele me dizia: “As meretrizes preceder-vos-ão no reino dos céus”

Na visita semanal ao Estabelecimento Prisional procurei, de modo intencional, ver o corpo de Cristo ao olhar para aqueles reclusos como, “corpos de Cristo”, reveladores de infâncias sem amor, marcados pelo sofrimento de vária ordem, que os fez fechar o coração e os punhos. Um deles disse-nos: ”Se não fosse a vossa visita semanal, a dizer-nos que Deus nos ama tal como somos, que para Ele não somos um erro, já me tinha suicidado”.

Na Eucaristia, pão partido para um mundo novo, aprendemos a deixar-nos “comer” como “corpo de Cristo”, pelos outros.

Pelo dom da nossa vida aos mais carenciados, amando, quando humanamente não há razões para amar, pelo nosso serviço, pela dádiva da vida, pela disponibilidade, pela solidariedade e sobretudo pela Caridade, aprendida na Escola da Eucaristia somos alimento para que outros vivam.

Mas atenção: Ninguém nasce sabendo amar. O amor aprende-se. E a escola do “Corpo de Deus” ensina-nos a ser pão partilhado para os “corpos de Cristo” de hoje.

Maria de Fátima Magalhães stj


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21/06/11

Ridiculamente... manipulados

O recente ‘baptizado’ do filho de um futebolista e de mais duas crianças – muito falado e trazido à liça em maré de constituição do novo governo do país – e até pela participação indirecta no facto, trouxe-me à reflexão vários aspectos: o conceito mais correcto de paróquia, a conexão entre residentes e paroquianos, a exploração das crianças em iniciativas (sociais) dos adultos... e até a figuração das entidades religiosas nas prosápias de gente com dinheiro, mas sem cultura... cristã aceitável.
Explicando:
- Para que pudesse acontecer o baptizado do filho de Cristiano Ronaldo, de um sobrinho e de uma outra criança, tive de assinar – enquanto pároco da Moita, área onde reside a irmã da (dita) vedeta – os papéis de transferência para outro espaço territorial, embora dentro da mesma diocese (territorial), mas sob a jurisdição das Forças Armadas.
- Mesmo que à pressa os ‘papéis’ foram feitos, sem que tenha havido da parte da mãe da criança residente na área da paróquia, a mais pequena atenção ao gesto (meramente) administrativo... e nem sequer foi perguntado quanto era o custo pelo uso do carimbo adstrito ao documento de transferência.
- A data da ‘cerimónia’ já estava marcada – entre avanços e recuos, por entre conjecturas e suspeitas, para além de assédios noticiosos e de outra contra-informação – tendo em conta os interesses particulares e nada tinha sido tratado formalmente... embora já houvesse oficiante e até local definitivo... para tal evento de espavento, espanto e estupefacção.
Postos estes factos – alguns deles quase ridículos ou, pelo menos, risíveis – como que se pode (ou deve) perguntar pela significação religiosa e cristã do acontecimento, sobre as condições dos intépretes e suas funções, sobre a consciênca cristã de missão de pais/mães e (pretensos) padrinhos/madrinhas e até pela envolvência eclesial – anterior, actual e futura – da celebração deste sacramento fundante da iniciação cristã.

= Questões pela negativa... conhecidas
Ao ver aquele espectáculo televisivo na área da paróquia onde estou há menos de um ano, vinha-me à lembrança: e se não tivesse assinado aqueles papéis de faz-de-conta para a transferência destes baptismos, que seria dito publicamente, tanto sobre a Igreja como sobre o padre, que tal pretensão obstaculizassem? Sem me dar (totalmente) conta também contribui para aquela farsa... de exploração de três crianças e para que certos adultos se banqueteassem e exibissem nas televisões. Sem total consciência do mal feito, a fé foi sobposta ao serviço da manipulação dos interesses económicos e de imagem de gente endinheirada, mas culturalmente subsenvolvida.

= Questões de matéria pastoral... urgente
Diante deste jogo de promoção (quase) indecorosa, enquanto Igreja minimamente consciente da sua função neste mundo secularizado e laicista, creio que são de colocar alguns aspectos bem mais substanciais do que aquele espectáculo com algumas luzes e muitas sombras.
- Não está na hora de fazer cair o conceito de paróquia territorial adstrita à configuração civil e/ou social?
- Não seria preferível responsabilizar mais quem aceita as crianças ao baptismo do que que tem de assinar papéis sem que nada tenha a ver com as circunstâncias?
- Um novo conceito de paróquia não deveria exigir menos celebrações e mais compromissos...sejam eles de ordem pessoal, sejam no alcance familiar e, sobretudo, comunitário?

Com maior ou menor confusão – social e noticiosa – outros párocos terão questões idênticas ou ainda muito piores. No entanto, não nos deixemos afligir pela sonoridade de quem reclama, mas pouco conhece, pois a era da cristandade parecendo ter passado, deixando, no entanto, muitos resquícios e tiques, uns assumidos e outros mais ou menos tolerados!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)


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09/06/11

Ao Compasso do Tempo – Crónica de 10 de Junho de 2011

Não posso deixar de manifestar a minha intranquilidade: um número altamente significativo de compatriotas nossos não votou (não quis, rebelou-se contra, “esteve-se nas tintas”, não sentiu a mínima responsabilidade perante o bem comum). Houve outras razões, porventura. Mas foram muitos e muitos “os desalinhados”!

É a atitude mais corrosiva. O desprezo, o amor ferido, as cicatrizes ocultas, a indiferença, o nihilismo, “o não vale a pena”… E, ao mesmo tempo, há trânsfugas, exilados, gente ferida, decepcionados, ludibriados… levando aos ombros o andor dos sentimentos citados.

Tanto ansiámos mudar a situação! Tanto nos empenhámos em grupos, movimentos, organizações informais, etc, etc! Tanto até nos zangámos com reacções e equilibrismos!

Tantos amigos e correligionários fizeram parte da nossa teia de afectos e de valores! E, depois, de um instante para o outro, tantos se esconderam, se desinteressaram, se mostraram traídos, perdendo a alma e o ânimo. E lá aparece o cortejo dos ciúmes feridos, das aspirações contrariadas, dos “boys” que adejam como abutres em qualquer campo de carnificina, dos deprimidos pela quebra da imagem… E não ponho mais na escrita. Não sei se a democracia foi fecunda na gestação de uma família numerosa e convicta! Entre nós!

Teve e tem filhos de uma integridade única. Mas irmãos desta família, tão diferentes e numerosos são, no tocante aos mesmos gostos e às mesmas paixões. Gosto e paixão em ordem a que outros cheguem ao ponto da realização e da dignidade, ambicionadas por peritos sociais e por edificadores de uma sociedade outra.

Mas na política, na Igreja, na família, nos nossos sentimentos mais íntimos, nos partidos ou movimentos cívicos… há multidões postas de parte, pessoas que não contam, gente que não é parente do universo… O mundo não é casa sua.

Pela liberdade e por um novo fascínio, que bom seria se regressassem!

MDN – Capelania Mor, 10 de Junho de 2011
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança



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06/06/11

Solidariedade cresce (mesmo) na proporção da crise?

Decorreu no fim-de-semana de 28 e 29 de Maio passado, a campanha de recolha do Banco Alimentar contra a Fome (BA), tendo recebido mais de 2.300 toneladas de alimentos.
Percorrendo vários distritos do país esta iniciativa do BA – que contou com mais de 30 mil voluntários – dará ajuda a cerca de mil e novecentas instituições de solidariedade social, que, por seu turno, farão chegar suporte alimentar (cabazes e refeições) a mais de 390 mil pessoas.

De referir ainda que, este ano, decorre uma outra forma de participação através da doação de alimentos pela internet, convertíveis em pagamento – para leite – pelo multibanco.
No ano de 2010, os catorze centros do BA distribuíram mais de 26 mil toneladas de alimentos, num valor calculado de 37,7 milhões de euros, numa média estimada de mais de noventa toneladas por dia.

Num tempo em que diz mal de tudo e de (quase) todos, esta onda de solidariedade terá algum significado mais do que estatístico? Num país descrente em si mesmo e (particularmente) naqueles que o conduzem, esta onda solidariedade valerá como projecto no nosso futuro próximo? Num momento assaz confuso e (razoavelmente) controverso, esta onda de solidariedade revelará o nosso coração ou a nossa razão... colectiva? Nesta época de miserabilismo, esta onda de solidariedade pode ser (verdadeiramente) um sinal profético para uma nova crença patriótica e cristã?

= Dar sem esperar em troca?
Nós, portugueses, somos dos povos da Europa que mais fortemente têm a capacidade de reagir às desgraças alheias. Às vezes damos até mais do que nos pedem. Somos um povo solidário, sobretudo, nas desgraças dos outros. Da mesma forma que vivemos numa espécie de preguiça acomodada, assim damos largas à benemerência, fazendo saltar a nossa generosidade sem rédeas.
Quantas vezes tentamos dar aos outros para que, quando chegar a nossa hora de precisar, possamos recolher o dado... com juros em boa maquia. Se bem que vivamos ainda da hospitalidade e do sol que nos visita, temos uma noção de partilha com quem sofre quase a roçar a fraternidade mais radical... A desconfiança ainda não assentou – total e definitivamente – arraiais em nossa casa!

= Unidos venceremos?
Muito mais do que as campanhas dos partidos políticos, esta onda do BA pode fazer pelo nosso país o que os nossos emprestadores internacionais do dinheiro não conseguem ver e, tão pouco, viver: o povo português pode ser pobre de dinheiro colectivo, mas é rico de sentimentos de solidariedade... particularmente na desgraça.
Podemos até nem trabalhar muito e tão pouco bem, mas ainda vamos tendo laivos de consideração pelas misérias alheias, sobretudo as que nos são mais próximas. Com efeito, esta cultura da vizinhança é-nos muito útil, embora talvez fosse necessário alargá-la à dimensão do país e não à mera conflictualidade... de maledicência.
Unidos venceremos as agruras. Unidos faremos um país mais próspero. Unidos seremos capazes de voltar a ser ‘bons alunos’ da União Europeia. Queira Deus dar-nos dirigentes à altura desta tarefa nacional, que desenvolvemos, suficientemente, no bairrismo... eleitoral!

= Razão sem coração ou coração com razão?
De facto, razão e coração precisam de estar em consonância... na nossa cultura portuguesa. Ora, na personalidade dos portugueses, estes dois elementos nem sempre se conjugam correcta, harmoniosa e sensatamente. Com efeito, somos – como povo e como nação – dados mais ao exagero: ora exaltando a emoção sem rigor intelectual, ora racionalizando excessivamente sem comoção. Há como que em cada português alguém que tem dificuldade em pensar e em actuar, seja à luz da inteligência, seja na emotividade plena de discernimento e avaliando as consequências dos seus actos.
Esta vaga de solidariedade está como que mais ao ritmo das lamúrias do coração do que ao sabor da lógica intelectual. Como é difícil ser equilibrado como português... cristamente!

= Quando a caridade se faz partilha!
Não se pode esquecer a matriz cristã do BA, pois isso como que seria ofender os seus promotores e até os executores... conhecidos ou anónimos. Este projecto do BA só se compreende à luz da solidariedade cristã e católica em concreto. Para quem usufrui deste serviço, o BA pode e deve ser apresentado como um produto da fé, tornado acção em favor dos mais desfavorecidos...
- Quem duvida de que os milhares de voluntários só o são/vivem porque há uma fé que a isso os impulsiona?
- Quem porá em causa que esse exército de voluntários tem alicerces na Igreja católica – paroquial, de movimentos e de centros paroquiais, etc. – mais activa em favor dos outros?
- Quem pretenderá esquecer ou ofuscar esta força de bem para dar o mínimo de dignidade aos mais pobres?

Por favor: não tentem aproveitar-se da fé com caridade, pois a caridade só é possível com fé.
Obrigado BA pela vossa força de caridade feita partilha de fé, hoje!

A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)





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03/06/11

No silêncio comigo próprio

Ao Compasso do Tempo, 03 Junho 2011



Nunca há ausências de ruído. O silêncio é povoado pela interrogação que nos esculpem e pelos sonhos que nos constituem.

Não me refugio no mosteiro… O que devia ter sido feito, pensado e concluído, já foi. Mas arrasto comigo perguntas, bem pesadas.
Ei-las, sem desrespeitar o pudor e a neutralidade de um retiro:

1º Como vão ser a liberdade e a flexibilidade do vencedor(es) de 5 de Junho na redacção de um programa, qual teste de exame, cujas perguntas já foram construídas e às quais se fizeram promessas de submissão? Um jogador a meio campo ou na linha da frente tem decisão própria para desenhar uma arrancada, nunca prevista pelo treinador?
Nada poderá ser posto em causa? É-me interdito pensar, como vai acontecendo por aí?
Vamos assistir ao espectáculo de uma democracia “emudecida”?

2º Vamos colaborar com o não cooperável? Se já está tudo planeado…!

3º Valerá a pena dedicar este sábado – 4 de Junho de 2011 – à reflexão sobre a tragédia do desemprego? (do qual não ouvi remédios nem promessas nem esperanças nos últimos dias!) Aumente-se a produtividade, ampliem-se as exportações, etc, etc, etc… Como vou concentrar-me sobre o mais importante, se estou proibido hoje de fazer publicidade ao milagre?
Nem de perto nem de longe avistei um aceno de bom porto. Arrisco-me a prosseguir a odisseia do naúfrago!

4º O meu voto amanhã que fome vai matar? Que opressão, afastar? Que tecto vai oferecer? Que segurança será possível para sarar a violência dos assaltos, os gangs, a corrupção de luvas brancas, dos que aparecem sempre à volta, na hora própria, de quem vai surgir todos os dias, em qualquer telejornal?

5º Mas a desgraça à minha volta foi provocada por “questões fracturantes”, pela ausência do voto “católico”, onde marcam passo os mesmos que sempre tiveram crises de enjoo diante de um conceito e de um programa de justiça social?
Espero não adormecer na meditação em seu dia oficial…


MDN – Capelania Mor, 03 de Junho de 2011


Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança



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Um artigo infeliz eivado de preconceitos

Vital Moreira, professor de Direito na Universidade de Coimbra, antigo militante do PCP e, até ver, deputado pelo PS no Parlamento Europeu, escreveu, no diário “Público” de 10 de Maio, um artigo titulado “O casamento da ideologia com os interesses”. Um artigo que, a meu ver, no que diz respeito à educação e liberdade de ensino, é infeliz porque ideologicamente redutor e prenhe de um pendor estatizante. No campo educativo escolar, Vital não admite nada que não seja estatal, venha de onde vier, e, pelos seus velhos preconceitos, menos ainda se vier do lado da Igreja Católica.

Em apoio do chefe, de quem se tornou a “voz inteligente” que tenta transformar em teses as intervenções políticas mais incríveis, Vital ataca, logo de início, o programa do maior partido da oposição, que classifica, pelas suas opções como “um manifesto ideológico contra o Estado”. Quando a leitura do que quer que seja é enviesada, o raciocínio não pode ser direito. Não entro nessa discussão. Chamo apenas a atenção para as tendências que, a pretexto de uma interpretação socialista do Estado social, se tornam estatizantes e ditatoriais, porque não respeitam as pessoas e os direitos humanos, os postulados elementares da democracia, o bem dos portugueses, e nem sequer as capacidades de um país que gasta o que não tem e despreza o que tem.

Fixo-me em afirmações de Vital Moreira, referentes à liberdade de ensino e à legítima opção dos pais e dos próprios alunos por uma escola concreta e seu projecto educativo. Não se trata, como diz, de os pais terem liberdade de escolha. Essa é uma liberdade que eles têm de pagar duas vezes. Trata-se, antes, de terem liberdade em pé de igualdade com os demais cidadãos e de entender o Estado Social como garante de serviços públicos qualificados naqueles campos em que todos cidadãos têm direito a beneficiar. O que se pretende, a nível governamental e partidário, é simplesmente, como Vital defende, um Estado social providente e totalitário que afirma que os serviços só são bons para os cidadãos e a seu favor, se for o próprio Estado a realizá-los só e directamente. Assim, na educação, na saúde e já a assomar, como projecto próximo, se isto continuar na mesma, também na segurança social. Só se admitem os privados enquanto o governo não tiver condições para estatizar tudo, à boa maneira colectivista dos ditadores. Os privados são agentes supletivos, nada mais. Admite-os o Estado enquanto ele não puder fazer tudo sozinho. Admiti-los como subsidiários, como é próprio de um Estado democrático, que sabe e respeita, aceita e promove a capacidade da iniciativa privada, em campos sociais fulcrais, isso nunca, porque é contra o Estado social entendido à maneira socialista marxista. Uma acção governamental, se não for ideologicamente viciada e redutora, encontra sempre maneira séria de os cidadãos e o país serem beneficiados com o contributo de todos. Os governantes não podem usar óculos que os impeçam de ver ao longe e ao largo. Quem não confia na iniciativa privada, a única sempre aberta à vigilância e ao confronto, acaba sempre por ir entregando os seus serviços aos menos competentes e por se deixar manobrar por interesses corporativos, que gostam muito de um Estado sem rosto como seu patrão.
No caso da educação, as escolas privadas, com provas dadas e, em muitos casos, pioneiras do ensino onde só muito tarde houve escolas estatais, então desnecessárias porque o campo estava coberto, vão sendo asfixiadas. O governo, colaboradores e ideólogos oficiais, continuam a dizer, sem qualquer pudor, que ficam mais caras ao país, que são apenas para os ricos, e que só as estatais são para todos, ricos e pobres.
Está mais que provada falsidade e a injustiça desta afirmação. Há casos em que os pais, que já pagam impostos, como todos os cidadãos, pagam ainda, como se fosse um castigo, a legítima opção educativa em favor dos filhos. São essas as escolas que os governantes socialistas chamam escolas de ricos. As escolas privadas, com contrato de associação, agora atacadas de morte pelo governo socialista, a pretexto da crise, sempre foram de todos e para todos, e constituem uma maneira de propiciar aos pais opções por projectos educativos concretos e com valores próprios. E são mais económicas que as estatais: administram o que recebem com discernimento, funcionam todo o ano e com o mesmo quadro de professores, do primeiro ao último dia; não são lugares de violência, nem de escândalos; apresentam, em muitos casos, iniciativas educativas diversas sem qualquer prejuízo dos programas oficiais de ensino; estão mais enquadradas no espaço local; apresentam, no seu conjunto, mesmo nas zonas mais desfavorecidas, bons resultados escolares, melhores, por vezes, que as escolas do Estado. O governo sabe isto, mas não gosta. Honestamente, porém, não o pode negar.

Privatização escandalosa e com privilegiados à vista é a que faz o governo de muitas escolas estatais com a criação da “Parque Escolar”, uma empresa público-privada, que se vai tornando dona e senhora irreversível das escolas do país e à qual o Estado fica para sempre a pagar rendas chorudas de aluguer do que é seu. Trata-se de um grande negócio para bancos e entidades privadas que construíram e remodelaram escolas em com dinheiros do país, da Europa e seus. Hoje, felizmente, vai-se sabendo tudo: erros cometidos na construção e equipamentos, os encargos assumidos na conservação e no uso diário, já visíveis em edifícios, novos ou remodelados; milhões pagos a gabinetes de arquitectos; gastos astronómicos em aquecimento e ventilação mal programados, segundo o parecer dos técnicos. E até acontece pelo país interior e também na sede de concelho de Vital Moreira, onde existindo um equipamento escolar qualificado, mas privado, o famigerado Parque Escolar vai construir um mega escola – as mega escolas já foram postas de parte nos países que querem educar e ensinar a sério - que vai custar, para já, quase vinte milhões de euros… Será que Vital Moreira sabe disto? Ou sabe, mas não lhe convém falar porque o chefe irrita-se? E porque se cala a Fenprof, em relação à Parque Escolar, ela sempre tão atenta ao que o Ministério diz e faz? Que interesses, para além dos ideológicos, se escondem nisto tudo, com prejuízo das pedagogias educativas mais modernas, dos cidadãos e do erário público? O governo, perito em simulações, diz apenas o que lhe convém e justifica tudo. Assim o exige o Estado Social!
Vital Moreira insiste, ora vejam, nos privilégios que os cidadãos, em geral, teriam de pagar com o alargamento do ensino privado. Que privilégios? Depois, lá vem a picada contra a Igreja, alimentada com desprimor, pelos preconceitos estafados conhecidos, ao dizer: “O interesse pelo ensino privado, boa parte dele ligado à Igreja, o qual ambiciona aumentar a clientela, o negócio e a influência, parasitando financeiramente o Orçamento do Estado…” Antes dissera ele: “…A liberdade individual do ensino (liberdade de ensinar e de aprender) é mais assegurada na escola pública, justamente por esta não ter, nem poder ter, um programa ideológico ou doutrinário, como frequentemente sucede nas escolas privadas, constrangendo a liberdade de docentes e de alunos no altar do proselitismo, religioso e ideológico”. Lamentável, é o mínimo que pode dizer. Não sabe Vital Moreira que o desastre da escola estatal é, a pretexto de não ter ideologia, estar dependente da ideologia do partido e, a seu gosto, da ideologia de cada docente? Não sabe que não há educação neutra e que falar de liberdade, sem referências abertas e concretas, é expropriar e matar a própria liberdade? Não sabe que o fundamental da educação são os valores que nelas se propõem e transmitem para a vida? Já esqueceu que nos estados comunistas – sabia isso quando por lá andou –, os governos retiravam os filhos aos pais e mandavam-nos para Cuba ou para a Rússia, para aí serem domesticados e ensinados pela cartilha marxista? Quando se quer uma democracia a sério não se pode querer unicidade de ensino, mas sim uma escola plural, que respeite a todos, e proponha o que é válido e sério, tenha projectos educativos conhecidos e abertos. Vital Moreira se gritou, em tempos idos, pela unicidade sindical e pelas práticas marxistas do Leste, como é de prever, ainda não limpou a ferrugem que se armazenou na inteligência e na memória…

Assim não é possível dialogar. Nem o governo e seus mentores, orgulhosos das suas verdades, o desejam. O unidimensional ideológico e político que não admite nem críticas, nem opiniões diversas, impossibilita o diálogo, não reconhece aos outros cidadãos a sua dignidade e capacidades. É esta a denegação e a falsificação da democracia. É também a estagnação e a morte do país e do progresso. É a instauração do desrespeito pela pessoa e pelos seus direitos. É o transformar os deveres normais em fardos insuportáveis. É a destruição da comunidade e dos seus valores morais e culturais. É a total inversão da verdade e da realidade. É isto mesmo o que estamos vendo e sentindo, não obstante as muitas coisas boas e válidas que o tempo nos foi ropiciando, e agora o país está ameaçado de perder se não abrir os olhos e não raciocinar para saber o que finalmente quer e precisa.

D. António Marcelino


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01/06/11

As próximas eleições e os cristãos

Ao Compasso do tempo, 27 maio 2011

1. Foi sempre notório no nosso país o desmerecimento da exigência da justiça social por parte de um certo tipo de pessoas e de instituições. Tenho para mim que um certo “monopólio” das temáticas sociais, de que se arvoram ideologias e sectores, deriva, em grande parte, da repugnância pela revisão da vida à luz destes combates. De imediato vem o remoque de que “se faz política” (e faz… E por que não?!). Mas não política partidária ou sectorial; ao contrário, política genérica ou cidadania (quem não se vê inquieto diante da pressão dos impostos, das baixas salariais, da inexistência de empregos, de sofrimentos e opressões? Quem não se sente cidadão?).
Há uma geração de cidadãos (e de cidadãos cristãos) perfeitamente indiferentes ou pouco sensíveis. Praticou esta sã mentalidade a Acção Católica, a qual foi definhando em número de pessoas, mas nunca no campo das convicções. Para esse decréscimo muito contribuíram a crítica interna e a repulsa de gente do mesmo clube. Os devocionistas nunca se colaram aos que chamaram de progressistas (estes amavam o mundo; aqueles fugiam dele).

2. Não faltam hoje movimentos nem impulsos pastorais, muito metidos consigo; quando muito, espreitam pelas frinchas o que circula nas “praças da liberdade”!

Relaciono esta indiferença ou falta de saber e de interesse com um fenómeno passadiço que voga por aí: abundam opas e indumentárias, togas e vestidos longos, ressuscitando ou inventando associações ou ordens ou irmandades, com sabor militar (sem que os militares, na sua maioria, tenham a mínima culpa), com ar selectivo e bem, em clima de gueto sem querer ser seita, não discriminando ninguém, mas não convidando um certo tipo de pessoas. O ar beatífico enforma o clã; as promoções sociais e os sócios e irmãos são tendências de subida e de reconquista. E, em paralelismo, lá medram os títulos eclesiásticos (que se pagam), os cartões com armas e tons coloridos e as revivescências de “desfiles da moda” clerical (sem negar o mau tom de muitos “looks” seculares…).

Alguma vez passou pela cabeça de alguém que os bispos devam ter papel de carta com armas? E pratos e baixela? Mas essa tradição genericamente não é contrariada… A heráldica, antes de mais, é ridícula!

Parece que germinam hoje agremiações com bandeiras e guiões, botas e clarins, roupeta de todo o jaez, evocando salões e desajustes de costumes. Por que se chamaram cristãos alguns cidadãos(ãs) de Antioquia? Porque neles(as) brilharam formas de ser, tendo Cristo como espelho. Por que não voltar ao único necessário, pondo de lado o imperial?!

Há textos luminosos escritos por leigos(as) no âmbito da Conferência Episcopal. Refiro-me aos documentos da Comissão de Justiça e Paz.

Por que não são estudados, citados, praticados, erigindo-os em vozes evangélicas das nossas comunidades? Por que não aceitamos ler o mundo através destes olhos laicais?
Mais ainda: por que Razão ou razões nunca aparecem nestes diálogos eleitorais (para os quais são chamados peritos e analistas, sobretudo económicos) pessoas ligadas à Universidade Católica? Esta área económico-financeira possuirá nas escolas de inspiração cristã um número significativo de intelectuais com uma mentalidade superior, muito para além de modelos parados e sem eficácia? Ou será o contrário?
Nota: Dizem-me que os Padres Congo e Raul Pati, de Cabinda, terão sido objecto de uma chamada de atenção por parte da Santa Sé. Não acredito. O beato João Paulo II, quando lutou pela autonomia da sua pátria, foi olhado de soslaio. Mas nunca o exilaram…

MDN – Capelania Mor – 27 de Maio de 2011

Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança



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A Igreja não tem salvação?...

Este é o início da minha postagem.



Num artigo publicado no Diário de Notícias de 21 de Maio, um colunista nosso conhecido que aí costuma expressar as suas opiniões semanalmente, e que eu leio de vez em quando, começava o seu testemunho com esta pergunta: A IGREJA AINDA TEM SALVAÇÃO?

Depois, no rasto do teólogo alemão Hans Kung posto há muito pelo Vaticano no catálogo dos hereges mas que ele segue devotamente, o autor refere-se na quinta e última coluna do seu artigo à nossa Igreja, dizendo-a “altamente hierarquizada e ao mesmo tempo caótica", e acaba por concluir com as seguintes admoestações, além de outras que me abstenho de citar: “deve-se acabar com a Inquisição e com todas as formas de repressão"; "deve-se permitir o casamento dos padres e dos bispos”; “deve-se abrir às mulheres todos os cargos da Igreja”; “deve-se incluir a participação do clero dos leigos na eleição dos bispos”; “não se pode continuar a vedar a Eucaristia a católicos e protestantes".

Confesso que me senti magoado e triste com toda esta diatribe e o mesmo me aconteceu já mais vezes.

Primeiro porque, amando a Igreja como minha Mãe muito querida, a quem devo tudo o que sou (julgo que o colunista a amará tanto ou mais do que eu), não gosto que alguém a trate deste modo; segundo porque, apresentando-se como teólogo e sacerdote, o autor é causador de uma enorme confusão entre os seus leitores num púlpito de tanta audiência; terceiro porque, sendo um membro da igreja e continuando dentro dela, os inimigos da igreja aproveitam-se do que ele escreve para enfatizar as suas críticas, fazendo dele o seu porta-bandeira. Alguém lho devia já ter dito.

Já ouvi vários jornalistas e comentadores que se dizem orgulhosamente laicos a pô-lo nos píncaros da fama, como único homem lúcido que a nossa Igreja tem em Portugal. Será assim?

A Igreja – Comunidade de Jesus no Mundo – portadora da Sua mensagem e continuadora da Sua Obra Salvadora pelo mandato que recebeu do Fundador, é constituída por homens frágeis, defeituosos e mesmo pecadores. Sem dúvida. Quem de nós já está constituído em santidade? Quem de nós já está beatificado ou envolvido em manto de inocência? Só quem é já perfeito teria algum direito de lhe atirar alguma pedra! Penso eu!

A Igreja, na medida em que é constituída por homens, nunca foi perfeita. Nenhuma instituição é perfeita...mas, se a Igreja não é perfeita, que diremos das instituições políticas e sociais deste país e deste mundo?!

Se o Papa e os Bispos que dirigem a Igreja por mandato de Cristo mantêm esta disciplina e estas regras… fá-lo-ão por ignorância, por orgulho, por teimosia, ou por falta de lucidez?

Não o creio. Parece-me estranho que o articulista e o seu mestre saibam tanto e tenham tanta razão, e que tantos outros teólogos do mundo saibam tão pouco e sejam tão atrasados e teimosos. Uma coisa é a responsabilidade dura e séria, outra coisa é o exibicionismo e a procura de audiências!

A crítica positiva, honesta, humilde e bem intencionada à Igreja e às suas instituições é benéfica, e deve ser sempre bem-vinda. Para a fazer, não é justo porém que alguém continue a comer em casa, e se passe de vez em quando para o campo do adversário para, de lá, acirradamente, atirar pedras à sua própria mãe, à sua própria família.

Não gosto disto.

Não o posso aceitar.

Resende, 25 de Maio de 2011
J. Correia Duarte


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