Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

29/10/09

Centelhas de paz... já nesta terra!

- Não consigo explicar – sussurrava Laurinda – que tenha percebido quando minha irmã ia morrer. Senti-o cá dentro de mim e, logo, sacudi a filha dela para que fosse acompanhar os derradeiros instantes da mãe.
É com este desabafo ainda vivo no ouvido e, sobretudo, na reflexão que olhamos – de forma misteriosa e um tanto cúmplice – para os rituais dos dias de Todos os Santos e de Finados (melhor dizendo, cristãmente, de ‘Fiéis Defuntos’). Com efeito, esse mistério da comunicação com os que nos precederam – aos quais nos podem ligar laços de intensa amizade ou de sangue – podemo-lo ir exercitando no trato uns com os outros, pois, de diversas formas, pode(re)mos sentir a proximidade (mais ou menos longínqua) com aqueles a quem estimamos, com os quais estamos em maior sintonia ou até a quem nos sentimos referenciados por especial participação psicológica e espiritual.
Por entre tantas tarefas e urgências do nosso dia a dia como que nos pode(re)mos enganar – ou será não nos deixamos iludir? – na fuga de vivermos para além do imediatismo e da vulgaridade, pois quem se ama, de verdade e no sentido mais profundo do termo, sintoniza-se muito para além das palavras e das vulgares conversas...
- Te(re)mos tempo para nos deixarmos desmascarar pela assumpção da vida com sabor a divinização?
- Esta(re)mos capazes de o dizermos, confirmando-lhes, como com eles/elas estamos em comunhão de sentimentos e de profundidade?

* Riscos de confiança por entre medos... não assumidos
Quando escutamos as pessoas, com alguma facilidade (muito mais do que seria desejável), ouvimos referência ao desencanto para com aqueles/as em quem tinham posto confiança e que os defraudaram. Também se nota, muitas vezes, uma abordagem ao medo em perder com quem se partilha a vida, dada a vulnerabilidade das relações humanas, tanto emocionais como afectivas. Parece, hoje, quase recorrente esta instabilidade quanto ao futuro, seja ao nível económico/profissional, seja na componente familiar/afectiva, podendo ainda envolver a dimensão psicológico/espiritual... no trato com Deus.
De facto, sem nos darmos (totalmente) conta, vamos transmitindo uns aos outros diversos factores de insegurança, nem sempre os assumimos, mas esses indícios de menor confiança pululam o nosso interior e, por vezes, deixámo-los escapar para aqueles que nos rodeiam.
Veja-se como se educa: as crianças e os adolescentes recebem, quase por osmose, demasiados tiques da insegurança dos adultos, que deveriam ser baluartes da maturidade. De múltiplas formas, no sistema educativo, encontramos adultos a defenderem mais a sua razão do que a privilegiarem aqueles que estão ao seu cuidado para crescerem na assumpção da vida actual e futura.
Cada vez mais temos de crescer em maturidade humana, cultural e espiritual, assumindo as nossas obrigações, mesmo que tenhamos de fazer calar a reivindicação dos (nossos) direitos adquiridos, pois construiremos o bem comum sabendo ceder ao bem maior dos outros e não (meramente) de nós mesmos!

* Interpretando os sinais à luz de Deus (estória)
Por estes dias li esta linda estória, que partilhamos, atendendo ao contexto destes dias de ‘crise’ e de reflexão.
Certo dia, durante um programa de rádio, uma senhora que estava a passar dificuldades económicas, ligou, dizendo:
- Estou a passar por uma grande provação. O desemprego bateu à minha porta, tenho filhos pequenos, o meu marido tenta ganhar alguma coisa em pequenos trabalhos, mas não chega... Já estamos a passar fome! Ora, se algum irmão me puder ajudar com alimentos, eu e minha família ficaremos muito gratos. Aquilo com que me puderem ajudar, desde já, em nome de Deus, agradeço...
E deixou o endereço!
Por acaso, um homem ateu ouviu aquele apelo e pensou:
- É hoje que eu vou provar que Deus não se importa com ninguém... muito menos com esta pobre desgraçada!
Dirigiu-se, então, ao mercado e comprou tudo aquilo que achava que aquela família poderia precisar. Aliás, comprou o dobro de tudo.
Chegou a casa e disse a dois empregados:
- Levem à casa desta senhora estas mercadorias e, quando ela perguntar quem lhe mandou isso, dirão que foi o diabo. O diabo é que está a enviar essas compras!
Os homens foram à casa da senhora. Batendo à porta, ela atendeu. Eles disseram:
- Vimos trazer estas compras para a senhora.
- Obrigado. Podem colocar ali...
Depois de terem descarregado tudo, a senhora disse:
- Que Deus abençoe quem se lembrou de mim. Obrigado por esta ajuda.
Os homens estavam ansiosos por perceberem se a senhora ia perguntar quem lhe tinha mandado aquelas compras.
Então, um deles mais afoito, perguntou:
- A senhora não quer saber quem lhe mandou estas compras?
A senhora, calmamente, retorquiu:
- Não vejo necessidade, pois quando o meu Deus manda, até o diabo obedece!...

Venha de quem vier semeemos sinais de esperança à nossa volta sem nada esperar em troca!

A. Sílvio Couto


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Reformas na Igreja e espírito conciliar

De quando em quando há quem pergunte se o Vaticano II está ou não a cumprir-se ou se é já um acontecimento do passado. Assim se expressa uma certa perplexidade ou mesmo dúvida quanto ao agir da Igreja e dos seus responsáveis, em relação a alguns aspectos nos quais parece que as coisas não andam no sentido conciliar ou andam, mas em sentido contrário.
Ninguém pode duvidar da intenção e da acção de Bento XVI que, desde o início do seu pontificado, expressou a sua fidelidade ao Concílio e a vontade de levar a bom termo, na continuidade, as reformas necessárias então previstas e os caminhos que se abriram
Passos importantes continuam a dar-se no campo do ecumenismo com os ortodoxos e as confissões protestantes, bem como no diálogo inter religioso, mormente com o judaísmo e o islamismo. O Papa vem prestando, diariamente, uma especial atenção ao conhecimento da Palavra de Deus, viva e eficaz, ao património doutrinário, pouco conhecido, da patrística e da patrologia, às relações com o mundo da cultura, à urgente necessidade de evangelização proporcionando sempre uma iniciação cristã esclarecida e enraizada, à evangelização dos ambientes e dos dinamismos sociais mais influentes, à necessária interioridade da vida cristã, à vocação comum à santidade, à preocupação de tornar presente, no mundo e nas consciências, o Deus vivo e actuante de Quem Jesus Cristo é o rosto, que se tornou próximo e visível a todos os crentes.
Na Igreja são muitos os campos pastorais e apostólicos a merecer atenção, tanto a nível universal, como local e pessoal. Em muitos destes é mais difícil actuar as reformas necessárias, se as pensarmos segundo o espírito conciliar
Logo a seguir ao Concilio, Paulo VI mostrou que a reforma devia operar de imediato em relação a coisas importantes como as reformas na Cúria Romana e estruturas pastoris de participação e corresponsabilidade e em relação a outras coisas importantes de ordem história. A Igreja devia mostrar que o essencial não podia continuar abafado por atavios históricos que não tinham qualquer sentido e desvirtuavam o espírito conciliar. Assim, acabou-se com a tiara pontifícia, a sédia gestatória, as vestes papais e episcopais necessitadas de caudatários, os vistosos arminhos, peças de luxo a cobrir outras já de si excêntricas, as luvas nas mãos e os humerais sobre os joelhos nas liturgias solenes. Simplificaram-se também as relações com o Papa, com um acesso mais facilitado, acabaram de vez expressões de reverência que humilharam muita Paulo VI quis, pessoalmente, que terminassem exageros históricos com um gesto humilde e reparador, em relação a Atenágoras, Patriarca da Igreja Oriental. Devolveram-se relíquias famosas, trazidas à força de templos orientais.
Tudo sinais, na Igreja e para a Igreja, a marcar a necessidade de simplicidade no vestir e no agir, de respeito, de espírito de serviço, de reconhecimento de direitos atropelados e de dignidade alheia, nem sempre reconhecida.
Restam ainda coisas supérfluas e equivocas, que deviam ter caído por si. Assim o exigia o novo rosto da Igreja, mercê do regresso às fontes bíblicas que inspiraram a teologia conciliar. Numa Igreja, Povo de Deus, todos os seus membros são radicalmente iguais, todos gozam da mesma dignidade e liberdade. Apesar disso, perduram, sem qualquer justificação e vontade de cedências, os superlativos e a redundância dos senhores” dons” no tratamento dos eclesiásticos, os brasões e os títulos, os monsenhores e as condecorações, como outras manifestações de tipo profano que obscurecem o rosto da Igreja, pela carga humana que retiram o brilho espiritual à grandeza do servir.
Roupagens da história, coladas ao corpo eclesial, nada consonantes com uma Igreja Serva e Pobre, Mãe e Mestra, cuja missão é testemunhar Jesus Cristo. Uma Igreja de irmãos, luz para todas as gentes, aberta ao diálogo salvador hoje e sempre. Os atavios profanos e as honrarias com cheiro profano só complicam, dificultam e dividem, dando da Igreja de Cristo uma imagem do que ela não é, nem pode querer ser.

António Marcelino


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26/10/09

"O Rei vai nu"!...

Conhecemos certamente a história do “rei nu”. Para alguém que a desconheça, apresento-a em poucas palavras.

Conta-se que um certo rei, muito vaidoso, se passeava nu pela cidade.
O alfaiate a quem o rei tinha encomendado um vestuário muito especial, não se julgando capaz de corresponder às sua altíssimas e reais exigências, tinha-o convencido de que o traje de nudez que lhe aconselhara, era tão belo e aprimorado que só podia ser visto por quem fosse muito inteligente. Os tolos não o podiam ver. Como ninguém queria passar por tolo, todos os que assistiam à passagem do rei, achavam que o rei ia… simplesmente magnífico!... Mas um miúdo, que estava a assistir ao cortejo no varandim da sua casa, astuto, sincero e espontâneo, ao ver o rei assim na rua, começou a gritar, rindo à gargalhada: - O rei vai nu!... O rei vai nu!... O rei vai nu!...

A história vem a propósito do seguinte:
Há anos, quando o escritor Saramago foi contemplado com o “Prémio NOBEL” pela Academia Sueca, tentei ler um ou outro dos seus livros, mas não consegui levar a leitura por diante. Os textos eram chatos e cansativos, eu não tinha tempo para ler e voltar atrás, uma e outra vez … e desisti. Nessa altura, pensei que a culpa era só minha: que não tinha capacidade para entender ou saborear a escrita do famoso Nobel.
Há uns tempos, porém, nuns dias de férias que consegui arranjar, adquiri numa livraria o “Memorial do Convento”, com a intenção de verificar se já era capaz de ler e de gostar. Insisti, teimei e consegui…mas não gostei.
Antes de continuar, e como parêntesis, quero deixar bem expresso o meu respeito sincero por todos os que gostam ou admiram a escrita de Saramago. Quem sou eu para ter razão… e os outros não?! Permitam contudo que eu possa dar o meu parecer, ao jeito da criança que gritava da janela. É um direito que me assiste e que ninguém certamente me negará.
Para mim, o texto de cada página é um emaranhado de ideias embrulhadas umas nas outras, sem ordem, sem nexo, sem ritmo e sem beleza literária. A gente lê, perde-se, tem de voltar a ler…a ver se consegue entender alguma coisa. Falta-lhe a beleza, o sabor, a simplicidade e a clareza dos textos deliciosos da nossa melhor literatura. Ler Saramago, para mim, é um martírio! Um suplício!
Ao escrever, Saramago não respeita as regras fundamentais de uma língua culta. A sua escrita parece português arcaico. Quase tão difícil de ler como os escritos dos hagiógrafos e dos cronicões medievais. Quanto a sinais de pontuação, o autor só conhece as vírgulas (que se repetem continuadamente), e os pontos finais (de longe a longe). Os períodos (frases entalhadas umas nas outras, sem nexo e sem sentido muitas vezes) são tão grandes e complexos que ocupam páginas inteiras. Chegando-se ao meio, a gente já não sabe o que lera no princípio. Perdeu-se o sentido do texto, a compreensão da mensagem, o prazer da leitura e a vontade de ler mais.
O vocabulário também é baixo. Por vezes, soez, reles e ordinário. Para o autor, os personagens do romance (rei, rainha, pajens, fidalgos, padres, frades, freiras e frequentadores das igrejas) são todos uns sabujos, uns tarados sexuais. Não há nenhum que seja íntegro ou respeitador de si e dos demais. O escritor, não respeita nada nem ninguém. Para além do mais, troça e achincalha tudo o que é religioso ou sagrado : Cristo, e tudo o que a Ele se refere ou relaciona. No romance em causa, o autor não passa de um sebáceo que não vê mais nada senão “porcaria”, em tudo, e em todos.
Só um período, para poderem constatar: Referindo-se à “Procissão do Corpo de Deus”, em Lisboa, e pondo D. João V a falar, diz o seguinte: ….“Cristo vai dentro dela (da Sagrada Custódia), dentro de mim a graça de ser rei na terra, ganhará qual dos dois, o que for de carne para sentir, eu, rei e varrasco, bem sabeis como as monjas são esposas do Senhor, é uma verdade santa, pois a mim me recebem nas suas camas, e é por ser eu o Senhor que gozam e suspiram segurando na mão o rosário, carne mística, misturada, confundida, enquanto os santos no oratório apuram o ouvido às ardentes palavras que debaixo do céu se murmuram, sobrecéu que sobre o céu está, este é o céu e não há melhor, e o Crucificado deixa pender a cabeça para o ombro, coitado, talvez dorido dos tormentos, talvez para melhor poder ver a Paula quando se despe, talvez ciumento de se ver roubado desta esposa, flor de claustro perfumada de incenso, carne gloriosa, mas enfim, depois eu saio lá lhe fica, se emprenhou, o filho é meu, não vale a pena anunciar outra vez, vêm aí atrás os cantores entoando motetes e hinos sacros, e isso me está fazendo nascer um ideia, não há como os reis para as terem, as ideias, senão como reinariam, virem as freiras de Odivelas cantar o Bendito ao quarto da Paula quando estivermos deitados, antes, durante e depois, ámen”. (1)
Gostaram, os leitores?
É provável que este e os outros livros de Saramago estejam na biblioteca de grande parte dos portugueses, mas eu, entretanto, atrevo-me a perguntar: quantos os lêem?

Post Scriptum
O texto que acabam de ler esteve guardado nos meus “excedentários” quase três anos, por me faltar a coragem de o publicar. Mas agora…e pensando que não estou sozinho…decidi trazê-lo à luz do dia. Dê para o que der. Como não ofendo ninguém…quem não concordar nem gostar, paciência.
A grande escritora Agustina Bessa Luís, ao “ESPECIAL 2 ANOS”, de 4 de Maio de 2006, disse: ---- Não gosto de ler Saramago. É uma escrita elitista!
Vasco Pulido Valente, historiador e comentador bem conhecido, em entrevista ao “Diário de Notícias”, também disse: - Saramago pensa tão mal como escreve. (Revista ” Sábado”, 6 de Julho de 2006)
No “Público” de 20 de Maio de 2006, veio uma crítica publicada no “Financial Times”, onde se afirmava: “…A escrita de Saramago é decididamente frustrante como ficção”; … “os romances de Saramago foram sempre impregnados pelas suas posições políticas”; “A sua tradutora para o inglês fez um trabalho notável, tornando claro, preciso e legível um texto palavroso e enrolado”. Se calhar, quem merecia o Nobel eram os tradutores…
Pela minha parte (espero que não me levem à guilhotina), com toda a humildade e com todo o respeito, mas também com toda a sinceridade, atrevo-me a dizer:
-O REI VAI NU!

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1) .-Saramago, José – “O Memorial do Convento” – Ed. Caminho / Agosto 05, pág. 163
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Resende, 25.10.09

J. CORREIA DUARTE



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Saramago, o provocador

Têm sido numerosas e frequentes, nas últimas semanas, após o lançamento da sua última obra, “Caim” inspirada num “manual de maus costumes e num catálogo de crueldade”, tal como Saramago apelidou a Bíblia, têm sido numerosas, dizia, as afirmações polémicas, provocadoras e agitadoras de Saramago sobre temas, situados, sistemática e obsessivamente, no âmbito da religião, da fé e do cristianismo, com destaque para a Igreja Católica.
Na sequência de tais afirmações provocatórias, têm surgido os mais díspares comentários, uns nitidamente contra, outros decididamente a favor e em defesa do autor das polémicas afirmações que foram feitas, não à mesa de um qualquer café, mas perante as câmaras de televisões, ou à frente de microfones de outros meios de comunicação social.
Seria absurdo e materialmente impossível exigir-se que as serenas e tranquilas águas de um qualquer lago ficassem indiferentes ou inertes a um pedregulho que alguém lançasse para o seu interior.
As águas só não responderiam ao lançamento da dita pedra, com uma sequencial formação de ondas, se elas estivessem completamente geladas.
Esta analogia da pedra e do lago vem a propósito de um conjunto de comentadores saramaguistas que, não só defendem cegamente as afirmações do autor da mais recente re-criação da história bíblica de Caim e Abel, como condenam, intransigentemente, toda a indignação que por todo o lado tem surgido na sequência, não tanto do livro em si, como sobretudo das suas polémicas afirmações proferidas por ocasião e após o seu lançamento.
Quereriam, talvez, os tais defensores de Saramago que o pacífico lago das crenças religiosas e da fé de milhões de crentes estivesse completamente gelado e ficasse indiferente ao arremesso de tantos calhaus provocadores.
Se Saramago defende o direito à “dissidência e à blasfémia”, tal como referiu em directo, num dos canais televisivos do País, terá todo o direito de o fazer, em seu próprio nome.
Mas será que os milhões de crentes, não terão também o direito ao respeito pelas suas convicções religiosas, pelas suas crenças e ritos sagrados?
As mais recentes afirmações de Saramago, baseadas numa leitura simplista e literal do Livro Sagrado, não me parecem que se integrem, minimamente, neste salutar princípio do respeito pelas convicções religiosas e pelos valores sagrados que certos símbolos, ou objectos, como a Bíblia, merecem, desde há milhares de anos, para milhões de crentes e até de muitos não crentes.
O que vale a Saramago é que os cristãos, à imitação d’Aquele cuja doutrina pretendem seguir, são tolerantes, compreensivos e sabem perdoar, mas não são gelo e também têm o direito à indignação.
Se tais provocações saramaguistas fossem dirigidas, a outro livro sagrado, como por exemplo, o Alcorão, talvez o prémio Nobel fosse obrigado, por segurança pessoal, a seguir o caminho do escritor Salman Rushdie, condenado à morte em 1989 pelos líderes do Irão, por causa de seu livro “Versos Satânicos”.
Sinceramente, mesmo no meu pleno direito à indignação, não desejo, nem defendo que tal venha a acontecer, pois tenho um pressentimento de que Saramago ainda vai acabar por ser tocado pelo dedo do Deus que diz não existir, apesar de conhecer as histórias da Bíblia, melhor do que muitos cristãos.

José Cerca


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23/10/09

Comunhão e plurlismo na Igreja

Os meios de comunicação social falaram largamente da intervenção do Cardeal José Policarpo, no Simpósio do Clero. Alguns viram nas palavras proferidas uma clara advertência a bispos e padres quando, na Igreja, expendem opiniões que põem ou podem bulir com a unidade, a comunhão e a aceitação do magistério do Papa.
Não está em causa que a unidade da fé, a comunhão na caridade e a adesão fraterna ao Sucessor de Pedro são elementos fundamentais para a vida da Igreja de Cristo. Também não está em causa que defendê-las e estimulá-las é missão diária do bispo e, logicamente, dos seus mais imediatos colaboradores, os presbíteros. No entanto, é necessário que, ao mesmo tempo, se tenha presente que, na Igreja, não há só verdades intocáveis, mas há, também, um espaço de liberdade de opinião, aceite e recomendado, para saber interpretar e estimular a vivência, à luz da realidade, pessoal e social, das verdades de sempre. A leitura dos sinais dos tempos, recomendada pelo Vaticano II, não é privilégio, direito ou dever da hierarquia, mesmo entendendo esta, como deve ser, um serviço permanente, em nome de Deus, à Igreja e ao mundo das pessoas.
Na Igreja, sem que se tenham apagado ou esquecido as verdades essenciais, foram-se multiplicando, ao longo da história, costumes e hábitos, que geraram normas e orientações, encostados à doutrina. Em muitos casos não eram mais que fruta de uma pobreza espiritual em que o essencial da fé andava arredado das preocupações de muita gente. Muitos responsáveis da Igreja deixaram-se invadir pela tentação de esta ser uma sociedade vazada à maneira de senhores, fidalgos e poderosos, e modelada por critérios meramente temporais e profanos. Assim se foram introduzindo situações espúrias, marcadas pelos ventos do tempo, que recolhiam o proveito de quem na Igreja, as desejava, admitia e por elas lutava. Criou-se, então, uma sociedade semelhante àquela que Jesus Cristo, por via de uma revolução activa, mas pacífica, denunciou e alterou, por ser contrária aos seus valores. Foi neste contexto que pregou o Reino de Deus, chamou e formou os que livremente aceitaram segui-lo e se tornaram Seus discípulos. O Seu projecto não podia ser alterado e deviam estar atentos a quanto o podia desvirtuar. Um trabalho que se foi fazendo ao longo do tempo, por cristãos fieis e corajosos, profetas e santos, sempre com não poucas dificuldades.
Porém, os séculos que identificaram a Igreja com o mundo, no propósito de que todo o mundo fosse Igreja, levaram esta a obedecer a critérios e a seguir caminhos que não eram os seus, carregando-a de excrescências inúteis onde não cabiam os valores evangélicos. Muitas delas ainda aí estão, visíveis e luzidias, a ilustrar tempos que passaram e não são de recordar, mas que parecem agradar a quem prefere mais os ornatos e as aparências passageiras, que a verdade permanente e consistente.
O Espírito que dá a vida e renova todas as coisas, foi dando luz e fortaleza a membros da Igreja - bispos, padres, religiosos e leigos - para denunciarem caminhos de uma uniformidade que não nascia da fé e limparem inutilidades, que pesavam sobre os cristãos e suas comunidades, e denunciavam, à maneira profana, uma grandeza que não vem da fidelidade a Deus, nem ao Evangelho. Os profetas escolhidos foram fieis ´+a sua fé, mas desprezados e perseguidos por gente que defendia interesses instalados. Francisco de Assis encarnou a denúncia de um Evangelho que não era o de Cristo. Chamaram-lhe louco. Rosmini ousou, corajosamente, apontar as “chagas” da Igreja. Foi condenado e só muito mas mais tarde recuperado como profeta. A lista podia continuar.
João XXIII surgiu inesperado. Convocou um Concílio, dizia ele, para limpar o rosto da Igreja, em muitos aspectos confuso e conspurcado. Também para ele e para aqueles que apoiaram a sua intuição, como sinal do Espírito, a vida não foi fácil.

António Marcelino


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País real ou Portugal dos pequeninos?

Cada vez aparece mais lúcida e actual, a expressão “país real”. Esse país que, de norte a sul, trabalha no campo ou nas empresas, nos serviços ou nas escolas, que luta pela justiça e pelo bem-estar, que sofre injustiças de que ninguém se acusa, solta gritos que ninguém ouve. País real, como lhe chamou Sá Carneiro, é este povo desconhecido de muitos que dele falam eloquentemente e até dizem que é ele quem ordena, e se julgam mesmo, ciclicamente, os legítimos delegados e defensores dos seus direitos.
Só conhece o país real quem se cobre com o pó dos seus caminhos, suja os pés na sua lama, gasta tempo a ouvir quem nele luta e é a reserva nacional do bom senso, da honestidade, do trabalho, do respeito, da verdade e da justiça a toda a prova. Povo que cresceu com a chave sempre na porta, aberta, como o coração, a quem chegava e, agora, se vê ameaçado e inseguro nas suas pessoas e bens, vendo admirado, incólumes e à solta, os profissionais da mentira, do assalto aos bens alheios, do ataque infame a idosos indefesos, do crime frequente. Povo com centenas de milhares de portugueses que não querem o pão dos subsídios, mas o salário justo de um trabalho certo.
Pó e lama deste povo significam a dor e os sacrifícios de milhões de portugueses que, aqui ou lá fora, lutam para viverem uma existência de pessoas, que muitos não a tiveram antes, e poderem transmitir aos filhos, com a educação que os prepare para a vida, os valores duradoiros que a tornam digna.
Pó e lama é a carência sofrida de muita gente que ainda não dispõe de meios para cuidar a tempo da saúde, nem possibilidade de uns dias de férias repousantes, necessárias e justas. É o esforço inglório de milhares de jovens para quem um diploma de curso é pouco mais que um papel inútil, e vêem voar o tempo, sem lobrigarem trabalho e condições para constituir uma família com estabilidade. É a dor inconsolável de muitos idosos que trabalharam uma vida inteira sem horários, antes do sol nascer e para além do sol se pôr, e, que hoje, sofrem com a míngua do pão, cada dia mais caro, e a premência de ter de contar os tostões para poder comprar remédios indispensáveis. Os passeios gratuitos por todo o país, com almoço incluído, que os políticos lhes proporcionam, não apagam carências essenciais do dia a dia, nem enxugam lágrimas choradas no silêncio das noites sem fim e, agora, de uma casa sem gente.
Muitas coisas melhoraram neste pai real. Mal seria se assim não fosse. Mas não se atribuam honras próprias ao que se faz por dever e sempre com o dinheiro que não é dos que governam. Nenhum bem social é favor, a que título seja, de políticos generosos.
Ao lado deste país há outro que, também, é Portugal. Quem vir os canais de televisão em concorrência, onde cada vez mais vale tudo, ler os jornais que procuram fugir à falência, vendendo títulos enganosos, folhear, ainda que só nas salas de espera dos consultórios médicos, as revistas cor-de-rosa que desvirtuam a vida e os sonhos de muita gente; quem reduzir os seus horizontes humanos e sociais ao mundo do futebol, perceber os objectivos, públicos e ocultos, de algumas juventudes partidárias, e mesmo de gente adulta que navega nas mesmas águas, observar a saída apressada das tocas e esconderijos dos que nela escondidos na hora da luta, investem logo que lhes cheira a proventos possíveis da morte ou da infelicidade de outros do seu mundo, ficará, com uma ideia razoável, ainda que não perfeita, do que é o “Portugal dos pequeninos”.
Intrigas e coscuvilhices políticas, até ao extremo, dão horas intermináveis a politólogos, jornalistas, políticos profissionais, gurus do pensamento e do saber, que esclarecem pouco e intoxicam muito. Tudo gente que só tem certezas, fala e não deixa falar, só as suas opiniões são verdades incontestáveis. Neste momento, Portugal são apenas duas pessoas. O resto é gente que não interessa. Neste país de gente pequena, os modelos em promoção reduzem-se a políticos vazios, futebolistas de milhões, gente fútil de telenovelas e passarelas… O povo que trabalha, esse não tem história.

António Marcelino


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Tempo de profetas que ninguém poderá calar

Profetas não têm faltado na Igreja, e a incompreensão, em relação a eles, também não. Se na Igreja de Cristo há o fermento novo do apelo à conversão e à mudança interior, também resta nela o fermento velho que a impede de ser serva, neste tempo em que a luz de Cristo é ainda, para muita gente. o único pão da esperança.
O Cardeal Martini, profeta a que não falta lucidez, coragem, sabedoria, amor à Igreja e aos homens e mulheres deste tempo, é, como bispo, um cristão humilde e consciente, que exerce o seu dever de promover a comunhão eclesial, com o profetismo do realismo e da esperança. Sempre houve gente de lugares cimeiros, não Bento XVI nem os seus predecessores, que o temeram, desconfiaram dele e puseram reservas públicas às suas intervenções, lúcidas, pertinentes e corajosas. Gente que, por certo, se sentiu aliviada, a quando da sua passagem a emérito. Porém, a doença progressiva não lhe apagou o dom que nele Deus outorgou à Igreja e à sociedade, nem as suas limitações de saúde, lhe limitaram o direito e o dever de discernir, criteriosamente, os sinais dos tempos e, em comunhão, ser profeta, numa Igreja em que todos se deviam sentir estimulados a exercer o profetismo que lhes é próprio, e de que muito necessita a Igreja e o mundo.
Não falo do Cardeal Martini, por uma simpatia de última hora. Conheci-o de modo directo e de vivência, não meramente ocasional, ao longo de três sínodos, de vários simpósios, de encontros frequentes, por essa Europa fora, e pela leitura e reflexão atentas a que nos habituou nas suas intervenções orais e escritas.
A Martini podemos juntar Hélder Câmara, que legou à Igreja um riquíssimo património profético, avalizado por um compromissos eloquente, ainda não entendidos.
O momento histórico que a Igreja vive, obriga a caminhos novos aos já acordados para as urgências da fé esclarecida e do testemunho coerente, que não podem enredar-se em tradições e costumes que, não raro, sossegam o espírito e anestesiam a vontade.
Sempre que se calam os profetas, proliferam os falsos profetas. A sementeira das seitas, os movimentos pseudo religiosos que fazem da ignorância e da dor de muitos uma fonte de réditos, a onda de indiferença que atinge jovens e adultos, o descrédito programado que caiu sobre o casamento e a família, a carga pesada de tantas vidas que procuram, por vezes em vão, cireneus generosos e compreensivos, as incursões diárias nos meios de comunicação social para desvirtuarem a verdade cristã e que pugnam para impor sentimentos e opiniões falaciosas, a diminuição de vocações de consagração, tudo grita por um apelo a profetas corajosos e atentos e por um retorno urgente ao essencial.
Mais parece, em muitas circunstâncias, que a Igreja de alguns roda à volta de si própria, gasta, com os seus problemas internos, as melhores energias e, em detrimento do Reino, mais dá atenção aos “acréscimos”, que não resistem ao tempo.
Construir o Reino de Deus, fermento novo na humanidade, é o grande e apaixonante projecto de Jesus Cristo. Foi esse projecto que legou à Igreja e lhe pediu lhe fosse fiel.
Os interpelados por acontecimentos da vida que afectam o agir da Igreja, juram fidelidade ao Vaticano II. Já lá vão mais de quarenta anos, tempo suficiente para amadurecer orientações e lhes dar vida. Porém, não podemos esquecer que são já muitos os padres, leigos e consagrados, que do Vaticano II apenas ouviram falar e os seus documentos são um livro volumoso, ao lado de outros, que o pó vai cobrindo.
Sente-se, aqui e ali, ao arrepio do Concílio, um agir pastoral e uma vida comunitária, que pouco tem a ver com as intuições e orientações conciliares. Recebemos um património conciliar que nos honra e responsabiliza. Ele está vivo, mas só se for posto em prática.

António Marcelino

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22/10/09

Ateu, graças a Deus!

Nos últimos dias vimos voltar a falar e a ser falado José Saramago. O seu mais recente livro: ‘Caim’, trouxe à liça um certo clima de contestação a Deus e aos crentes, sobretudo, na incidência católica.
O laureado com o prémio Nobel da Literatura, em 1998, com alguma regularidade parece incomodar-se com Deus, sobretudo na sua revelação judaico-cristã. Nesta recente aparição disse coisas como:
- ‘A Bíblia passou mil anos, dezenas de gerações, a ser escrita, mas sempre sob a dominante de um Deus cruel, invejoso e insuportável’;
- ‘Deus só existe na nossa cabeça, é o único lugar em que nós podemos confrontar-nos com a ideia de Deus. É isso que tenho feito, na parte que me toca’;
- ‘O Corão, que foi escrito só em 30 anos, é a mesma coisa. Imaginar que o Corão e a Bíblia são de inspiração divina? Francamente! Como? Que canal de comunicação tinha Maomé ou os redactores da Bíblia com Deus, que lhes dizia ao ouvido o que deviam escrever? É absurdo. Nós somos manipulados e enganados desde que nascemos’.
De facto, Deus é Alguém que faz José Saramago ficar com arrepios de medo, não sabemos se por lhe ter respeito ou se por não querer admitir que, mesmo depois de octogenário, continua em busca da sua identidade...
Com efeito, ninguém se incomoda com outro alguém que não exista ou a quem não reconheça identidade, pois se não existe não se daria ao trabalho de o contestar ou até de o refutar, arreliando, repetidas vezes, aqueles que nele acreditam.
José Saramago – cuide-se do significado mais amargo desta erva rural! – parece continuar a alimentar-se (e a alimentar) do arquétipo mais anti-clerical subjacente a muitos comportamentos lusitanos... da segunda República, agora que caminhamos para o primeiro centenário da sua implantação.

* Golpe publicitário ou contumácia na arrogância?
Mesmo que de forma um tanto cordata fomos ouvindo – sobretudo na área da Igreja católica – algumas intervenções denunciando as palavras de José Saramago sobre Deus, a sua visão sobre a Bíblia e a particular atitude com que ele olha a Igreja do passado ou na actualidade.
Atendendo à verborreia do incréu José Saramago – com toda a máquina editorial anti-cristã e minimamente com sabor marxista – quis fazer-se passar por ‘suficiente’ conhecedor da Bíblia e das passagens que lhe interessa esmiuçar, fomos sentindo que biblistas, teólogos, bispos e responsáveis da Igreja católica ousaram contestar os vitupérios contra a Bíblia e a sua interpretação ortodoxa.
* “A Bíblia pode ser lida por alguém que não tem fé, mas supõe alguma honestidade intelectual de quem a lê”, tendo em conta os géneros literários que a compõem – disse o frade capuchinho Fernando Ventura, segundo o qual “não saber situar o texto no contexto é imperdoável para um escritor”.
* D. Manuel Clemente, bispo do Porto e responsável da área da cultura da Conferência Episcopal Portuguesa, considerou José Saramago como “uma personalidade, que tem mérito literário inegável, [mas] que deveria ser mais rigoroso quanto fala da Bíblia”, pois Saramago usou um discurso de “tipo ideológico, não histórico nem científico”, revelando ainda uma “ingenuidade confrangedora” quando faz incursões bíblicas.
* O porta-voz da CEP, Padre Manuel Morujão, lamentou a “superficialidade” com que Saramago se debruçou sobre a Bíblia, lamentando o recurso a certas ideias de Saramago como “pseudo/dogmas”, denotando uma falta de cultura bíblica do escritor... de ‘Caim’.

* Questões sérias ou criações sensacionais?
Recorrentemente José Saramago tenta provocar os crentes – sobretudo os de lastro católico – para que se entretenham a ler divagações subjectivas que ele interpreta como criação literária a que tem direito, isto é, serve-se de conceitos, de figuras, de mitos ou de personagens e dá-lhes o ‘seu’ tratamento com roupagem vendável ao público que lhe enche os bolsos e o faz capitalista com intuitos proletários.
Quando lhe interessa, José Saramago desce, estrategicamente, à sua condição de português – mesmo que recauchutado de iberismo – para acirrar os ânimos dos cristãos/católicos, ousando denunciar-lhes (mesmo) a ignorância nas áreas da Bíblia e dos temas mais fracturantes da semântica teológica. Por breves instantes ele pretende tornar-se uma espécie de guru dos ressabiados para colher os frutos da maior venda de exemplares dos seus livros que o farão sentir-se no seu ‘céu’ na terra, aureolado de anjos e demónios à guisa de fomentadores da sua fama a caminho da cova e do (razoável) esquecimento... a curto prazo.
De facto, Saramago tem uma razoável esperteza, mas esta vale o que vale e serve para o que serve... até que haja quem o compre... mesmo que não o leia!
Este ‘fait-divers’ terá servido para ocupar a falta de notícias sobre um novo governo?

A. Sílvio Couto


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21/10/09

José Saramago um nobel arrogante atrevido e insolvente

O autor do “Ensaio sobre a Cegueira” esteve em Penafiel em 18 de Outubro para lançar o seu “CAIM”.
Para publicitar o novo livro, não se coibiu o escritor de usar o meio mais simples e menos honesto de chamar a atenção para si e para a sua obra e de mostrar que ainda está vivo: o insulto reles e o escândalo fácil. Efectivamente, e infelizmente, esse é o melhor meio de levar leitores às bancas.
Da Bíblia, disse que é “um manual de maus costumes, um catálogo de crueldades” e um mostruário de crimes, devassidões e baixezas; e acrescentou ainda que “deve ser totalmente afastada dos jovens e das crianças.
De Deus, declarou que “não está em lado nenhum e que não existe senão na nossa cabeça” e, ao Deus da Bíblia, chamou “cruel, sádico, invejoso e insuportável”.
Da Igreja, afirmou que não passa de “um grupo de simplórios que se deixam enganar e são manipulados desde a sua infância”.
Penso que ninguém se sente ofendido com isso. Eu, pelo menos, não me sinto. Vindo donde vem, outra coisa não era de esperar. Quem leu o “Memorial do Convento” ou o “Evangelho segundo Jesus Cristo”, deu bem conta do gosto que tem o escritor em ridicularizar os que crêem em “Alguém” ou em “Alguma Coisa”! No “seu” “evangelho”, os grandes personagens (Maria, José, Jesus e os Apóstolos) não foram o que foram…mas o que o escritor quis fazer deles e desejava que tivessem sido! No seu “Memorial”, reis, padres e freiras são todos uns sabujos e uns tarados sexuais. Até parece que só ele é inteligente e sábio e só ele é honesto e probo.
Neste homem, existe uma obsessão doentia, teimosa e persistente contra tudo o que seja Religião e Fé, e um ódio constante e latente contra todos os que crêem.
Porquê?... Porque será que ele se sente tão incomodado com tais assuntos e com pessoas desse género?
Porque será também que ele, sendo ateu e anti-religioso, não consegue na sua escrita desenvencilhar-se da Bíblia e dos temas religiosos?
Se é ateu…que autoridade moral tem ele para falar de Deus? Se é anti-religioso, que crédito poderá merecer quando fala de temas religiosos?
Uma Bíblia onde constantemente se ensina o cuidado pelos mais pobres, se defende a toda a hora a defesa dos mais fracos e se condenam os abusos dos poderosos, é um “manual de maus costumes”?
Uma Bíblia onde se valoriza quem é justo e sincero (ABEL) e se condena quem é falso, malandro, invejoso e arrogante, a ponto de derramar sangue inocente (CAIM), mas, mesmo assim, se promete castigo a quem lhe fizer algum mal, é um livro escandaloso?
Uma Bíblia onde se manda honrar os pais, respeitar as pessoas e os seus bens, e amar o próximo incluindo os inimigos, é um livro pouco recomendável para jovens e crianças?
Os da sua autoria, sim, esses são mesmo recomendáveis!...

Onde está na Bíblia um Deus sádico, cruel, irado e vingativo?
Quando se agrada do bem, e recompensa quem o faz? Quando segura a mão de um pai posto à prova na sua fé, no momento em que ele se prepara para imolar o próprio filho? Quando, numa situação de desrespeito pelas Suas Leis e pelas leis da própria natureza, com imoralidade pública, abuso de crianças, homossexualidade e incestos generalizados (pouco mais ou menos o que se exalta e se pratica em nossos dias, convenhamos…), se vê forçado a corrigir os erros e a renovar o mundo, chegando ao ponto de desistir do castigo se houver dez pessoas de moral sã na sociedade? Quando perdoa e poupa os habitantes de Nínive, aceitando o seu arrependimento e o seu esforço de conversão e de mudança? Quando perdoa a uma mulher adúltera, no momento em que todos se preparam para a apedrejar?
Diga-nos o senhor Saramago onde viu na Bíblia sacrifícios humanos, ou ódios, crimes e vinganças abençoados por Deus?
Se o escritor tivesse um pouco de bom senso, em vez de falar do Deus cruel da Bíblia, falaria antes das crueldades do camarada Estaline, o filho do sapateiro da Geórgia que foi expulso do Seminário, e dos milhares de pobres “kulaks” por ele mandados liquidar, sem dó nem piedade, nos campos siberianos.
Mesmo que a ideia de Deus não tenha sido sempre a mais correcta por parte dos homens que escreveram a Escritura, que admira? Deus não mudou nem mudará alguma vez, porque é PEFEITO, ETERNO E SANTO, mas a ideia que os homens fazem d’Ele foi mudando ao longo dos séculos e dos milénios, aperfeiçoando-se sempre mais, até ao ponto de JESUS- o FILHO DE DEUS nos vir mostrar o rosto verdadeiro de DEUS que é PAI: o melhor dos pais!
Saramago, na sua escrita tendenciosa e nas suas afirmações atrevidas, revela uma escandalosa ignorância, uma lamentável arrogância, uma indesculpável sobranceria e uma enorme desonestidade intelectual e moral.
De duas uma: ou não leu a Bíblia toda…ou só leu o que lhe interessava!
Quem recebeu o “Prémio Nobel” (que julgo nunca ter merecido e ainda hoje não consigo entender porque o terá recebido), tinha a obrigação de ser mais educado e mais respeitador dos outros e das ideias e crenças dos demais.
Será que todos esses milhões e milhões de crentes, que até agora leram e amaram as Sagradas Escrituras e nelas encontraram a luz dos seus caminhos e o sentido do seu viver (grandes sábios, conhecidos inventores, famosos teólogos, homens notabilíssimos nas Ciências, nas Artes e nas Letras do mundo), foram todos lorpas e andaram todos enganados até aparecer no mundo um Saramago alentejano?
Mesmo sem fé (que não a tem), Saramago devia ao menos compreender que a Bíblia é o maior monumento da Literatura Mundial e que as suas obras, ao lado dum “Livro dos Salmos” ou de um “Cântico dos Cânticos”, não passam de composições imperfeitas de um primeiranista de escola.
Apetece-me dizer como a minha avó, quando tinha pena de alguém que fazia fraca figura, arrogando-se ser mais importante do que era na verdade.
-“Valha-nos Deus, valha”!

Resende, 19.10.09
J. CORREIA DUARTE

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16/10/09

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 16 de Outubro de 2009

Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja

“Talvez seja chegado o momento de todas as escolas, todas as universidades, facultarem pelo menos um par de cursos de Fanatismo Comparado, pois este está em toda a parte. Não me refiro tão-só às óbvias manifestações de fundamentalismo e fervor cego. Não me refiro apenas aos fanáticos natos que vemos na televisão entre multidões histéricas que agitam os punhos contra as câmaras, ao mesmo tempo que gritam slogans em línguas que não entendemos. Não, o fanatismo está em todo o lado. Com modos mais silenciosos, mais civilizados. Está presente à nossa volta e talvez também dentro de nós. Conheço bastantes não-fumadores que o queimariam vivo por acender um cigarro ao pé deles! Conheço muitos vegetarianos que o comeriam vivo por comer carne! Conheço pacifistas, alguns dos meus colegas do Movimento de Paz israelita, por exemplo, desejosos de dispararem directamente à minha cabeça só por defender uma estratégia ligeiramente diferente da sua para conseguir a paz com os Palestinianos. No entanto, não afirmo que qualquer um que levante a voz contra alguma coisa seja fanático. Não sugiro que qualquer um que manifeste opiniões veementes seja fanático, claro que não. Digo que a semente do fanatismo brota ao adoptar-se uma atitude de superioridade moral que impeça a obtenção de consensos. É uma praga muito comum, que, certamente, se manifesta em diferentes graus. Um ou uma militante ecologista pode adoptar uma atitude de superioridade moral que impeça a obtenção de consensos, mas causará muito pouco dano se o compararmos, por exemplo, com um depurador étnico ou um terrorista. Mais ainda, todos os fanáticos sentem uma atracção, um gosto especial, pelo Kitsch. Muito frequentemente, o fanático só consegue contar até um, já que dois é um número demasiado grande para ele ou para ela. Ao mesmo tempo, descobriremos que, com alguma frequência, os fanáticos são sentimentais incuráveis: preferem muitas vezes sentir do que pensar, e têm uma fascinação especial pela sua própria morte. Desprezam este mundo e estão impacientes por trocá-lo pelo “Paraíso”. No entanto, o seu Paraíso é geralmente imaginado como o final de um mau filme”

“No meu ponto de vista, o contrário de guerra não é amor, e o contrário de guerra não é compaixão, e o contrário de guerra não é generosidade ou irmandade ou perdão. Não, o contrário de guerra é paz. As nações precisam de viver em paz. Se vier a ver o Estado de Israel e o Estado da Palestina a viverem lado a lado como vizinhos honestos, sem opressão, sem exploração, sem derramamento de sangue, sem terror, sem violência, ficarei satisfeito mesmo que não prevaleça o amor. E como diz o poeta Robert Frost: «Uma boa cerca faz bons vizinhos»”
(Amos Oz, Contra o Fanatismo, trad., Porto/Lisboa, Asa Ed/Público, Comunicação Social, S.A., 2007, ps 17-18, 46)

O fanatismo não é ave tão rara como o supúnhamos. Quando chega a altura de salvar o “outro”, quem faz tudo para sobreviver é o “eu”…

Lisboa, 16 de Outubro de 2009

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Ordinário Castrense


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15/10/09

Porque discutem/gritam as pessoas umas com as outras?

Li, por estes dias, uma breve estória, que passo a contar... para posteriormente colhermos as lições – mesmo que mínimas – para a nossa vida do dia-a-dia... pessoal e social.

Um dia um pensador indiano fez a seguinte pergunta aos seus discípulos:
- Por que gritam as pessoas, quando estão aborrecidas?
Disse um deles:
- Gritámos porque perdemos a calma!
O pensador retorquiu:
- Mas porque havemos de gritar, quando a outra pessoa está ao nosso lado?
O discípulo replicou:
- Gritámos porque desejamos que a outra pessoa nos ouça.
E o mestre volta a perguntar:
- Então não é possível falar-lhe em voz baixa?
Foram surgindo outras respostas, mas nenhuma convenceu o mestre, tendo ele, por fim, esclarecido:
- Sabem porque se grita com uma pessoa, quando se está aborrecido? A razão é que, quando duas pessoas estão aborrecidas, os seus corações afastam-se muito e para poderem cobrir essa distância precisam de gritar de modo a poderem escutar-se mutuamente. Quanto mais aborrecidas estiverem mais fortemente têm de gritar para se ouvirem uma à outra através da grande distância...
Por outro lado, sabem o que sucede quando duas pessoas estão enamoradas? Não gritam, falam suavemente! E por quê? Porque seus corações estão mais perto, a distância entre eles é pequena e, às vezes, os seus corações estão tão próximos que nem falam, só sussurram. Aliás, quando o amor é muito intenso nem sequer é preciso sussurrar, basta apenas olhar, pois os seus corações entendem-se... porque estão muito próximos!
Por fim, o pensador concluiu, dizendo:
- Quando vocês discutirem não deixem que os vossos corações se afastem, não digam palavras que os distanciem ainda mais, pois chegará o dia em que a distância será tanta que não encontrarão o caminho de regresso...


Mesmo de forma simples podemos (e devemos) colher lições deste ‘episódio’ de teor um tanto moralista, na medida em que nele estão contidos vários desafios à nossa vida quotidiana, com maior ou menor repercussão no trato de uns para com os outros.
De facto, vemos com regular presença – desde os debates televisivos até às conversas de rua, passando pelo trato nas famílias – que as pessoas parecem não saber falar senão aos gritos, interrompendo-se mutuamente, cortando a linha de pensamento com futilidades, cruzando conversas... Está quase a tornar-se moda esta atitude de que ‘quem mais grita, mais razão tem’!

* Quando se usa ou não se usa a mesma linguagem
Certamente sabemos que para haver diálogo tem de verificar-se sintonia entre emissor e receptor, atendendo ainda à consonância de linguagens. Com efeito, podemos usar as mesmas palavras, mas dar-lhes conteúdos diferentes e não se faz conversa, antes se pode gerar mais confusão, discussão e, sobretudo, mal-estar.

Por entre a multiplicidade de códigos com que nos comunicamos, torna-se difícil – sobretudo num primeiro instante – descodificar tanto aquilo que nos dizem como aquilo que nós pretendemos revelar aos outros. Por vezes, será necessária uma boa dose de benevolência para que nos entendamos razoavelmente. As barreiras das línguas (idiomas) até nem são as mais difíceis de ultrapassar, se houver sintonia de linguagem. Quantas vezes um simples gesto ou mesmo um sorriso faz compreender quem, pelas palavras, não seria fácil comunicar.

Por outro lado, há situações onde mesmo que falando a mesma língua as pessoas desconversam porque cada qual pretende impor aos demais os significados nem sempre concordes das palavras usadas. Ainda recentemente vimos esta discrepância de conceitos (verbais e intelectuais) nas campanhas eleitorais – e foram três no espaço de cinco meses! – em que cada força partidária revestia de conteúdos palavras que os adversários também usavam mas às quais não conferiam o mesmo significado primário.
Urge, por isso, aprendermos a comunicar com a mesma linguagem, explicando, por vezes, os termos que usamos, quando se podem tornar dúbios os significados e fazendo o esforço por nos colocarmos do outro lado da nossa compreensão, isto é, será que o que dizemos é entendível por quem nos escuta.

* Querer aprender... continuamente
Num tempo onde as influências culturais são tão diversificadas, já não vêem todos os mesmos programas televisivos, já não comentam uniformemente as mesmas ‘graças’ (piadas) e nem sequer se confrontam com as mesmas modas ou tiques:
- torna-se essencial estar pronto a aprender sem querer ninguém impor-se;
- torna-se urgente ser compreensivo para com a diversidade sem querer nivelar os outros por si;
- torna-se imperioso viver em abertura aos outros, sabendo quem se é, respeitando e sendo respeitado;
- torna-se fundamental esclarecer os termos para consertar os conteúdos, por forma a sabermos crescer na aceitação e no compromisso.

* Em qual destes estádios nos poderemos encontrar?
* Até onde irá a capacidade humilde de reconhecimento das culpas e do arrependimento?
Por certo o desprezo será a maior ruptura na amizade e na concórdia entre as pessoas, tanto nas famílias como nas comunidades!

A. Sílvio Couto


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Código genético da Acção Católica

Ando há 40 anos na Acção Católica como conselheiro diocesano de um dos seus movimentos, a actual Acção Católica Rural, embora menos “praticante” nos últimos anos, devido à missão paroquial que desempenho. Feitas as contas, a minha “pertença” à Acção Católica é quase “genética”: a minha mãe e uma irmã já pertenciam à Acção Católica quando eu ainda era criança. Nasci com a Acção Católica, movimento eclesial que agora completa 75 anos, comemorados no Porto, em 7 e 8 de Novembro próximo.

A Acção Católica, que chegou a ter 20 organismos, dez para adultos, homens e mulheres em separado, e dez para jovens, também uns só para rapazes e outros para raparigas, foi a “universidade popular” para milhares e milhares de portugueses.

É um movimento que sempre privilegiou a metodologia e a espiritualidade da revisão de vida, tentando que os seus membros, pessoal e, sobretudo, em grupo, vejam as realidades da vida, as iluminem com as orientações bíblicas, em particular os evangelhos, e programem acções concertadas para a transformação de mentalidades e dos meios sociais em que vivem. Foi sempre um saudável movimento de acção que preparou os cristãos para deixar marcas na vida que assumiam com critérios profundamente humanos e cristãos.

Ao contrário de outros movimentos eclesiais da época ou mais modernos, a Acção Católica nunca teve uma teoria e uma prática de ver, julgar e agir como se fosse o único movimento para a santificação e a salvação das pessoas. Era um caminho e uma espiritualidade entre outras vias de crescer na fé e na vida.

Um dia, em Fátima, participei numa reflexão, a nível nacional, sobre a actualidade da Acção Católica. Tive a ousadia de dizer que tinha “nostalgia” dos tempos áureos da Acção Católica, mas fui logo mal interpretado e até censurado, como se fosse um velho que só sabe desejar que o tempo volte para trás!

Não, não era essa a minha intenção, mas, tão-só que a Acção Católica continuasse hoje, embora menos massiva do que antes, a ser fermento no meio da massa. Queria manifestar a minha gratidão pelo testemunho de tantos cristãos leigos que se cruzaram comigo nos caminhos da vida e, em Acção Católica, aprenderam a excelência do apostolado associado e organizado, que lhes deu sentido para a vida e os ajudou a ser solidários com a transformação dos meios sociais a que pertenciam.

O Concílio Vaticano II (1962-1965) fez sua a metodologia da revisão de vida na sistematização das orientações teológicas e pastorais dos seus 16 documentos. Depois dele, todos os Papas fizeram referências amáveis sobre a Acção Católica, dando-lhe alento para que continue a formar cristãos activos e para que os caminhos de vida cristã não se fiquem, tentação muito recente, por um espiritualismo alheio à sorte das pessoas, que são, como sabemos, a bendita “paixão” de Deus.

RUI OSÓRIO
conegoruiosorio@diocese-porto.pt


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14/10/09

Festa de beatificação, mistura de culturas e N. Sra. Rosário

Nas ruas de Ratisbona (Regensburg) naquele dia 3 de Outubro havia duas movimentações. Uma por ser o dia da queda do muro e da cortina de ferro com a unificação das duas Alemanhas; as quais viveram de costas voltadas por imposição da União Soviética de 1945 a 1989. Outra por ser a véspera do dia 4 de Outubro em que se celebrava festivamente a Beatificação de Eustáquio Kugler, e já se movimentarem milhares de peregrinos no centro da cidade.

Uma das movimentações era política e oportunística. Em fez de ser só festiva pela unificação, uma facção protestava contra a construção de uma grande mesquita na cidade para os 7.000 muçulmanos imigrantes. Uma das praças emblemáticas desta manifestação era aquela que ostenta a estátua do Dom Juan de Áustria, a dois passos da catedral, ali colocada por este personagem ter nascido em Regensburg numa rua adjacente. Foi filho ilegítimo do Imperador de Carlos V, cuja mulher legítima foi a princesa portuguesa Isabel, tornada imperatriz e mãe de Filipe I de Espanha. Mas ainda não é tudo.

À volta da catedral, a duzentos metros da praça dessa estátua, cerca de 10.000 peregrinos da Baviera e Alemanha; e muitos vindos de largas dezenas de países dos cinco continentes, incluindo Portugal, faziam encenações, apresentações, conviviam, tomavam refeições. Uma logística gigante conseguia distribuir alimentação mínima a todos, vender extras de alimentação e bebidas, incluindo a famosa cerveja Bischopshof. Inúmeras tendas vendiam recordações relacionadas com o Beato Eustáquio Kugler e artigos produzidos numa dezena de centros de educação especial que ele fundara ou administrara na sua vida de hospitalidade, como Irmão de S. João de Deus, e que ainda hoje se mantém. Estas actividades continuaram no dia seguinte com celebração litúrgica da beatificação dentro da Catedral e a maioria dos participantes a seguir por ecrã gigante as cerimónias na grande praça.

No crítico dia 3, sábado, a dois minutos de ali, grupos de polícia bloqueavam precisamente a praça da estátua do Dom Juan de Áustria. Importava evitar o aproveitamento emblemático da estátua pelos que eram contrários à mesquita e reagiam à presença dos muçulmanos na região de Regensburg, podendo acender os ânimos de uma possível contra-reacção nos que se mantinham silenciosos. No dizer de um dos presentes, estes limitavam-se a não apoiar os primeiros. O sinal mais visível que observei da contra-reacção foi um poster pendurado de uma janela dum terceiro ou quarto piso em que se lia “os nazis fedem” ( Nazis stinken), a insinuar que os primeiros eram movidos pela ideologia do social-nacionalismo.

De que lado estaria o Beato Eustáquio como cidadão de Regensburg? Do lado dos mais fracos, claro, como sempre esteve na sua vida. Do lado dos deficientes mentais, dos dementes e a favor de uma assistência humana para eles e também para os doentes para os quais construiu um grandioso hospital geral que ainda hoje é o hospital de referência da cidade. E tentando resistir a que a Gestapo os carregasse em camiões para os campos de concentração e morte, como fez com 1760.

Um pormenor vinha tornar mais difícil a tarefa da polícia. Dom Juan de Áustria era tomado ali como bandeira dos anti-mesquita e dos turcos muçulmanos. Ele foi um comandante de valor na famosa batalha de Lepanto de 1571 terminada em retumbante vitória no dia 7 de Outubro contra uma colossal armada dos turcos muçulmanos na costa da Grécia. Considerada invencível, esta armada aterrorizava o mundo cristão e ameaçava invadir e ocupar a Itália e a Europa tal como noutras investidas os muçulmanos já tinham ocupado a Hungria e continuavam a tentar ocupar a Áustria.
Vem ao caso um pormenor dessa batalha: dois Irmãos de S. João de Deus, a caminho de Roma para impetrar do Papa Pio V a aprovação da Ordem, assistiram os feridos na batalha a pedido do próprio Dom Juan de Áustria. Esta vitória foi revelada no dia 7 de Outubro a Pio V no Vaticano no preciso momento em que acontecia. A vitória foi atribuída à oração do rosário na Igreja e deu origem precisamente à festa de Nossa Senhora do Rosário do dia 7 de Outubro que, por sua vez daria a Outubro o nome de mês do Rosário. S. Pio V aprovou de facto a a Ordem Hospitaleira de S. João de Deus no dia 1 de Janeiro de 1572.

Um outro pormenor que tornou esta estátua uma bandeira para a manifestação é a seguinte: o herói de Lepanto tem o pé esquerdo apoiado sobre a cabeça de um muçulmano na atitude de o esmagar. Todo este cenário era apetitoso para os extremistas da manifestação.

O Beato Eutáquio Kugler se estivesse por Regensburg neste dia, havia de desejar que não houvesse atropelos contra os mais fracos, como ele, os seus assistidos e a Igreja suportaram das ideologias nazis. Não responderia à violência com a violência e desejaria que a muçulmana Arábia Saudita mude a sua ideologia fundamentalista: deixe construir igrejas católicas e cristãs no seu território e não apenas queira construir, livremente, mesquitas nos países estrangeiros. Sob penas terríveis, não dá liberdade de construir uma única igreja católica no seu país.

Regensburg, 5 de Outubro de 2009
Aires Gameiro

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02/10/09

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 02 de Outubro de 2009

Não me compete entrar em análises de política partidária, a qual é competência (deve-o ser…) e “profissão” de quem optou por vias tão responsáveis.

Mas, no horizonte da cidadania em que me sinto, devo declarar, pelos motivos éticos da instabilidade social que espreita, através de janelões abertos por quem não os devia escancarar, que as posições do Senhor Presidente da República, no seguimento do “sigilo” de uma ou outra anteriores, ficarão na memória histórica desta época.
Tenho pena (no sentido nobre de solidariedade) pelo país. Tenho pena (em idêntico sentido) pela verdade e pela intranquila adultez do meio em que nos situamos.
Acho que ninguém compreendeu nada. E ainda bem, ao evitar deixar-se embalar por “cantos de sereia”, onde as denúncias cavilosas e os esquadrões a entrarem pelo computador adentro nunca deveriam ter ocasionado mais um “mártir do dever”… Se trincheiras houve, se invasores houve, por que motivo se assiste a um “girardiano” bode expiatório ou a um imolado de qualquer radicalismo?

É lamentável que, em época muito recente, se tenha feito silêncio quando o Senhor Procurador-Geral da República assinalou, calma e lucidamente, que até era capaz de estar a ser objecto de escutas no âmbito de seu telemóvel (facto este repetidamente destacado por um Presidente de insigne clube desportivo).

Mas, analisado o texto e os textos publicitados, assiste-se a deslocamentos dos centros de atenção, os quais, longe de espionagem e contra-espionagem, mencionavam passos descompassados pela Avenida Roma, tão descompassados quanto em não sintonia (pelos vistos) com os chefes da Casa Civil e Militar. Não se tratará, então, de “martírio”, mas de penalização. Será mesmo assim?

Em questões da mais simples hermenêutica, a confusão semeada não impede uma visão cristalina. E esta é acompanhada por gente que pensa. Felizmente.
Como reorganizar a confiança e reconstruir abalos e suspeitas, se uma narrativa cheia de alçapões não nos garante, de momento, a solidez e a esperança de que todos carecemos?

Lisboa, 02 de Outubro de 2009

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Ordinário Castrense
http://castrense.ecclesia.pt


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Resultado eleitoral e perspectivas de futuro

Um comentário objectivo não pode restringir-se apenas ao resultado saído das urnas. A conclusão, lógica ou menos lógica, tem sempre premissas anteriores, que influenciam tanto as opções de voto, como a crescente e significativa abstenção: o grau de vivência democrática já atingida, o estilo e os objectivos do último governo, as dependências procuradas e criadas ao longo de quatro anos, a capacidade crítica de quem vota para apreciar programas e campanhas, o discernimento em relação ao que na vida de um país é essencial, os ouvidos atentos ou surdos ao clamor do pobres, os valores objectivos defendidos e cultivados, o respeito manifestado por todos, sem discriminações… A minha opinião, agora e aqui expendida, é pessoal, livre, sobre o acontecimento, e que só a mim compromete.

O povo votou e há que aceitar o resultado do seu voto. Mas este depende muito de quem, do que e do modo de o ter influenciado. Há dias ouvimos uma velha raposa da política, dizer que o PS, partido no governo, tem de vencer. Muitas interpretações são possíveis, em relação a esta proclamação.
As eleições inserem-se num processo e não significam o encerrar do mesmo. Marcam o início de uma nova etapa, que permite antever o rumo que se vai seguir e o sentido pretendido para o futuro do país. Algumas certezas, muitas dúvidas e interrogações.
Pondo de parte previsões de como o PS vai governar daqui em diante, a situação anterior, de todos conhecida, permite algumas preocupações sérias.
Portugal não está no melhor caminho, e não se afigura que se possa esperar, com a mesma gente e o mesmo pensar, que se encontre, como que, por um golpe mágico, um rumo próspero para os mais sacrificados e uma clarificação das situações mais preocupantes. A crise internacional não explica tudo, nem pode ser o bode expiatório do que se fez, do que não se fez, em Portugal.
O PS, como partido, não tem uma ideologia própria, porque o “socialismo puro” não existe, nem nunca existiu. Todos os países comunistas se reivindicaram de socialistas. A ideologia do PS é parcelada e fruto de tendências internas variadas e desgarradas. Tem aspectos circunstanciais, respigados de muitas fontes, mas que não formam uma ideologia consistente e clara. No caso, vive e age sob influências marxistas, maçónicas, laicas, e até, por vezes, liberais… Uma amálgama formada consoante os interesses. Não é um partido de políticas consequentes e definidas, mas de decisões avulso, de atear e de apagar, de agradar e de esquecer. Empenha-se em respostas imediatas agradáveis para cultivar dependências. Desconhece a história e o povo que a viveu, a vive e lhe dá sentido. Trata por cima do ombro os dinamismos sociais mais válidos e influentes
Os históricos do PS, mais cultos, mais lidos e mais confrontados com as correntes exteriores, não gostam deste PS. Toleram-no, entram nas suas campanhas decisivas para que o partido perdure e tenha visibilidade. Está à vista.
Nisto tudo e apesar de tudo, o governo socialista tomou algumas medidas acertadas. Delas, algumas ficaram a meio e sem grande futuro. Fruto, a meu ver, da limitação de horizontes e perspectivas mais largas. O país é feito de pessoas e as decisões tomadas devem visar sempre as pessoas, os seus direitos e necessidades e não os interesses partidários e a glorificação dos seus mais responsáveis. Governar é servir. Missão dura e difícil, mas que vai avante quando o alicerce é sólido Nas circunstâncias actuais, a honra não compensa, e mal vai para quem ainda não percebeu isso.
Se o novo governo olhar com olhos objectivos e críticos a realidade do país, aceitar o contributo de uma oposição lúcida e esclarecida, não adaptar as exigências da democracia aos seus interesses, dispensar gente que já mostrou que mais divide que concilia e constrói, contar com as capacidades da sociedade civil, fizer uma política humanista com critérios claros e valores duradoiros, respeitar o povo com as suas convicções profundas e os seus valores religiosos, morais e éticos, tomar consciência de que o orgulho confunde e empobrece e só a humildade dá lucidez e coerência, respeitar e defender a família, única instituição natural indispensável, corrigindo os erros graves já cometidos que a destroem e minimizam, for vanguardista no respeito pela verdade e pela isenção, der aos pobres condições de vida digna e não apenas subsídios de dependência, proporcionar aos jovens perspectivas sérias de futuro, respeitar quem trabalha e lutar, sem tréguas, pelo direito ao trabalho e à paz social…então, o povo que votou maioritariamente PS não se sentirá iludido nem enganado e o partido vencedor não tirará da vitória senão a responsabilidade diária de melhor servir a todos e a ninguém esquecer.
E a Igreja? Porque ela subsiste, antes e para além dos governos concretos, será fiel ao seu profetismo, com maior lucidez e coragem, como é seu dever, lutará, pelos meios ao seu alcance, pela humanização da sociedade e colaborará, sem condições, na prossecução séria do bem comum, defendendo os valores essenciais em que acredita, servindo as pessoas concretas, elas que são o caminho permanente da sua missão.

António Marcelino, bispo emérito de Aveiro


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Apontamentos no Campo

Entrara pelo telhado e encontrara-se na água-furtada daquela velha casa de campo. Pobre pardalito! O que o teria levado a penetrar ali? Voou em todas as direcções, como a querer inteirar-se do lugar onde se encontrava, empoleirando-se por fim no espaldar de uma cadeira, onde docemente, adormeceu.

Despertou a madrugada, enchendo a mansarda de claridade. O passarinho acordou e, com estranheza olhou em seu redor. Fê-lo, porém, por breves instantes, imediatamente abriu as asas, voando em direcção à janela, através da qual, vislumbrara uma nesga do céu. Caíu, atordoado, não contára com o vidro, com aquele vidro duro e frio em que esbarrara. Tremente, o coraçãozinho a bater desordenado, refugiou-se no "poleiro", onde pernoitara. Depois, já mais refeito, voltou a voar. Tinha fome e sede, e uma ânsia imensa, de sentir, de aspirar o ar fresco da manhã. E novamente a janela o atraiu, tornando a esbarrar na vidraça. Quantas vezes se teria repetido aquela cena?!...O tempo foi passando, hora após hora e o pardalito, exausto, dorido, faminto e sedento, já não tinha forças para voar, para tentar ultrapassar a impenetrável janela. Caído no assento da cadeira, por não se equilibrar no espaldar, aquecia-se ao calor de um raio de sol, quando o ruído de passos ecoou na mansarda; e a janela abriu-se enfim, de par em par! Então a pequenina ave agonizante, despertou do seu torpor, ao aspirar a golfada de ar puro, que invandira todo o aposento e, num último arranco, num derradeiro sôpro de vida, voou para cima do parapeito. Abriu as asas, abriu o bico, fixou os olhos baços no céu, porém, tombou inerte.

Atenção, jovens leitores, não sejam incautos, como o pardalito. Há várias formas de perder a liberdade...Vejam bem o terreno que pisam...Não faltam "telhados, com carência de telhas", por cujos intervalos, os imprudentes podem penetrar; depois quererem reconquistar a liberdade mas não o conseguirem, por surgirem obstáculos intransponíveis e, tal como aconteceu com o passarinho, mesmo abrindo-se-lhes uma janela, já não terem ânimo para transpô-la...

Aconchegando ao peito, amorosamente, o menino levava o papagaio, um papagaio de papel, de papel de garridas cores. Nunca fizera nenhum tão bonito, tão leve, tão perfeito!...Caminhava apressado, ansioso de o lançar ao vento e de o ver subir, subir, direito ao céu! Alcançou os campos verdejantes e, com o coração a pulsar de prazer, deitou o papagaio. E o papagaio, lindo como o sonho, colorido e leve como a própria ilusão, elevou-se no ar. E o menino ficou-se a olhá-lo maravilhado! E tão embevecido se encontrava nessa contemplação, que se lhe escapou a guita com que o segurava. Quando compreendeu o que se passara, que para sempre perdera o seu papagaio, rompeu num chôro convulso. Pobre menino, pela vida fora, quantos papagaios te hão de fugir das mãos, se não prenderes com força as guitas com que os segurares...

Um sonho, mesmo depois de realizado, se não o agarrarmos bem, e nos limitarmos a ficar extasiados a usufruí-lo, por menos que pareça, se não estivermos atentos, ainda pode fugir-nos das mãos!...

Logo ali, junto daquela roseira, é que se tinham lembrado, de despejar o estrume. E que monte! Por um pouco ocultava o mimoso arbusto, carregado de botões. Um deles estava prestes a desabrochar. Já se antevia a alvura acetinada das delicadas pétalas. E, realmente, na manhã seguinte, uma linda rosa abriu; uma rosa branca, de brancura imaculada, exalando um perfume suave, mas que por instantes, suplantou o fétido odor do estrume. Cedo porém, a rosinha, curiosa de conhecer o mundo em que nascera, deixou pender a corola perfumada, sobre o monte de estrume que a cercava. E então, a pobre flor, não tardou a sujar as pétalas delicadas. Perdeu o viço, perdeu o perfume, perdeu toda a beleza da sua castidade. Uma, após outra, tombaram-lhe as pétalas murchas. e quando o jardineiro adubou o jardim, a rosa outrora branca, tão branca e tão pura, também serviu de estrume.

Pequeninos botões de rosa humanos, não deixeis pender as vossas corolas perfumadas, sobre o esterco que vos rodeia, mas erguei-as sempre em direcção ao céu, e dele recebereis a luz divina que vos tornará de dia para dia, mais brancos, mais perfumados, mais puros e lindos!...

Susana Maria Cardoso


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