Jornal de Opinião

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14/10/09

Festa de beatificação, mistura de culturas e N. Sra. Rosário

Nas ruas de Ratisbona (Regensburg) naquele dia 3 de Outubro havia duas movimentações. Uma por ser o dia da queda do muro e da cortina de ferro com a unificação das duas Alemanhas; as quais viveram de costas voltadas por imposição da União Soviética de 1945 a 1989. Outra por ser a véspera do dia 4 de Outubro em que se celebrava festivamente a Beatificação de Eustáquio Kugler, e já se movimentarem milhares de peregrinos no centro da cidade.

Uma das movimentações era política e oportunística. Em fez de ser só festiva pela unificação, uma facção protestava contra a construção de uma grande mesquita na cidade para os 7.000 muçulmanos imigrantes. Uma das praças emblemáticas desta manifestação era aquela que ostenta a estátua do Dom Juan de Áustria, a dois passos da catedral, ali colocada por este personagem ter nascido em Regensburg numa rua adjacente. Foi filho ilegítimo do Imperador de Carlos V, cuja mulher legítima foi a princesa portuguesa Isabel, tornada imperatriz e mãe de Filipe I de Espanha. Mas ainda não é tudo.

À volta da catedral, a duzentos metros da praça dessa estátua, cerca de 10.000 peregrinos da Baviera e Alemanha; e muitos vindos de largas dezenas de países dos cinco continentes, incluindo Portugal, faziam encenações, apresentações, conviviam, tomavam refeições. Uma logística gigante conseguia distribuir alimentação mínima a todos, vender extras de alimentação e bebidas, incluindo a famosa cerveja Bischopshof. Inúmeras tendas vendiam recordações relacionadas com o Beato Eustáquio Kugler e artigos produzidos numa dezena de centros de educação especial que ele fundara ou administrara na sua vida de hospitalidade, como Irmão de S. João de Deus, e que ainda hoje se mantém. Estas actividades continuaram no dia seguinte com celebração litúrgica da beatificação dentro da Catedral e a maioria dos participantes a seguir por ecrã gigante as cerimónias na grande praça.

No crítico dia 3, sábado, a dois minutos de ali, grupos de polícia bloqueavam precisamente a praça da estátua do Dom Juan de Áustria. Importava evitar o aproveitamento emblemático da estátua pelos que eram contrários à mesquita e reagiam à presença dos muçulmanos na região de Regensburg, podendo acender os ânimos de uma possível contra-reacção nos que se mantinham silenciosos. No dizer de um dos presentes, estes limitavam-se a não apoiar os primeiros. O sinal mais visível que observei da contra-reacção foi um poster pendurado de uma janela dum terceiro ou quarto piso em que se lia “os nazis fedem” ( Nazis stinken), a insinuar que os primeiros eram movidos pela ideologia do social-nacionalismo.

De que lado estaria o Beato Eustáquio como cidadão de Regensburg? Do lado dos mais fracos, claro, como sempre esteve na sua vida. Do lado dos deficientes mentais, dos dementes e a favor de uma assistência humana para eles e também para os doentes para os quais construiu um grandioso hospital geral que ainda hoje é o hospital de referência da cidade. E tentando resistir a que a Gestapo os carregasse em camiões para os campos de concentração e morte, como fez com 1760.

Um pormenor vinha tornar mais difícil a tarefa da polícia. Dom Juan de Áustria era tomado ali como bandeira dos anti-mesquita e dos turcos muçulmanos. Ele foi um comandante de valor na famosa batalha de Lepanto de 1571 terminada em retumbante vitória no dia 7 de Outubro contra uma colossal armada dos turcos muçulmanos na costa da Grécia. Considerada invencível, esta armada aterrorizava o mundo cristão e ameaçava invadir e ocupar a Itália e a Europa tal como noutras investidas os muçulmanos já tinham ocupado a Hungria e continuavam a tentar ocupar a Áustria.
Vem ao caso um pormenor dessa batalha: dois Irmãos de S. João de Deus, a caminho de Roma para impetrar do Papa Pio V a aprovação da Ordem, assistiram os feridos na batalha a pedido do próprio Dom Juan de Áustria. Esta vitória foi revelada no dia 7 de Outubro a Pio V no Vaticano no preciso momento em que acontecia. A vitória foi atribuída à oração do rosário na Igreja e deu origem precisamente à festa de Nossa Senhora do Rosário do dia 7 de Outubro que, por sua vez daria a Outubro o nome de mês do Rosário. S. Pio V aprovou de facto a a Ordem Hospitaleira de S. João de Deus no dia 1 de Janeiro de 1572.

Um outro pormenor que tornou esta estátua uma bandeira para a manifestação é a seguinte: o herói de Lepanto tem o pé esquerdo apoiado sobre a cabeça de um muçulmano na atitude de o esmagar. Todo este cenário era apetitoso para os extremistas da manifestação.

O Beato Eutáquio Kugler se estivesse por Regensburg neste dia, havia de desejar que não houvesse atropelos contra os mais fracos, como ele, os seus assistidos e a Igreja suportaram das ideologias nazis. Não responderia à violência com a violência e desejaria que a muçulmana Arábia Saudita mude a sua ideologia fundamentalista: deixe construir igrejas católicas e cristãs no seu território e não apenas queira construir, livremente, mesquitas nos países estrangeiros. Sob penas terríveis, não dá liberdade de construir uma única igreja católica no seu país.

Regensburg, 5 de Outubro de 2009
Aires Gameiro

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