Jornal de Opinião

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02/10/09

Resultado eleitoral e perspectivas de futuro

Um comentário objectivo não pode restringir-se apenas ao resultado saído das urnas. A conclusão, lógica ou menos lógica, tem sempre premissas anteriores, que influenciam tanto as opções de voto, como a crescente e significativa abstenção: o grau de vivência democrática já atingida, o estilo e os objectivos do último governo, as dependências procuradas e criadas ao longo de quatro anos, a capacidade crítica de quem vota para apreciar programas e campanhas, o discernimento em relação ao que na vida de um país é essencial, os ouvidos atentos ou surdos ao clamor do pobres, os valores objectivos defendidos e cultivados, o respeito manifestado por todos, sem discriminações… A minha opinião, agora e aqui expendida, é pessoal, livre, sobre o acontecimento, e que só a mim compromete.

O povo votou e há que aceitar o resultado do seu voto. Mas este depende muito de quem, do que e do modo de o ter influenciado. Há dias ouvimos uma velha raposa da política, dizer que o PS, partido no governo, tem de vencer. Muitas interpretações são possíveis, em relação a esta proclamação.
As eleições inserem-se num processo e não significam o encerrar do mesmo. Marcam o início de uma nova etapa, que permite antever o rumo que se vai seguir e o sentido pretendido para o futuro do país. Algumas certezas, muitas dúvidas e interrogações.
Pondo de parte previsões de como o PS vai governar daqui em diante, a situação anterior, de todos conhecida, permite algumas preocupações sérias.
Portugal não está no melhor caminho, e não se afigura que se possa esperar, com a mesma gente e o mesmo pensar, que se encontre, como que, por um golpe mágico, um rumo próspero para os mais sacrificados e uma clarificação das situações mais preocupantes. A crise internacional não explica tudo, nem pode ser o bode expiatório do que se fez, do que não se fez, em Portugal.
O PS, como partido, não tem uma ideologia própria, porque o “socialismo puro” não existe, nem nunca existiu. Todos os países comunistas se reivindicaram de socialistas. A ideologia do PS é parcelada e fruto de tendências internas variadas e desgarradas. Tem aspectos circunstanciais, respigados de muitas fontes, mas que não formam uma ideologia consistente e clara. No caso, vive e age sob influências marxistas, maçónicas, laicas, e até, por vezes, liberais… Uma amálgama formada consoante os interesses. Não é um partido de políticas consequentes e definidas, mas de decisões avulso, de atear e de apagar, de agradar e de esquecer. Empenha-se em respostas imediatas agradáveis para cultivar dependências. Desconhece a história e o povo que a viveu, a vive e lhe dá sentido. Trata por cima do ombro os dinamismos sociais mais válidos e influentes
Os históricos do PS, mais cultos, mais lidos e mais confrontados com as correntes exteriores, não gostam deste PS. Toleram-no, entram nas suas campanhas decisivas para que o partido perdure e tenha visibilidade. Está à vista.
Nisto tudo e apesar de tudo, o governo socialista tomou algumas medidas acertadas. Delas, algumas ficaram a meio e sem grande futuro. Fruto, a meu ver, da limitação de horizontes e perspectivas mais largas. O país é feito de pessoas e as decisões tomadas devem visar sempre as pessoas, os seus direitos e necessidades e não os interesses partidários e a glorificação dos seus mais responsáveis. Governar é servir. Missão dura e difícil, mas que vai avante quando o alicerce é sólido Nas circunstâncias actuais, a honra não compensa, e mal vai para quem ainda não percebeu isso.
Se o novo governo olhar com olhos objectivos e críticos a realidade do país, aceitar o contributo de uma oposição lúcida e esclarecida, não adaptar as exigências da democracia aos seus interesses, dispensar gente que já mostrou que mais divide que concilia e constrói, contar com as capacidades da sociedade civil, fizer uma política humanista com critérios claros e valores duradoiros, respeitar o povo com as suas convicções profundas e os seus valores religiosos, morais e éticos, tomar consciência de que o orgulho confunde e empobrece e só a humildade dá lucidez e coerência, respeitar e defender a família, única instituição natural indispensável, corrigindo os erros graves já cometidos que a destroem e minimizam, for vanguardista no respeito pela verdade e pela isenção, der aos pobres condições de vida digna e não apenas subsídios de dependência, proporcionar aos jovens perspectivas sérias de futuro, respeitar quem trabalha e lutar, sem tréguas, pelo direito ao trabalho e à paz social…então, o povo que votou maioritariamente PS não se sentirá iludido nem enganado e o partido vencedor não tirará da vitória senão a responsabilidade diária de melhor servir a todos e a ninguém esquecer.
E a Igreja? Porque ela subsiste, antes e para além dos governos concretos, será fiel ao seu profetismo, com maior lucidez e coragem, como é seu dever, lutará, pelos meios ao seu alcance, pela humanização da sociedade e colaborará, sem condições, na prossecução séria do bem comum, defendendo os valores essenciais em que acredita, servindo as pessoas concretas, elas que são o caminho permanente da sua missão.

António Marcelino, bispo emérito de Aveiro

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