Centelhas de paz... já nesta terra!
- Não consigo explicar – sussurrava Laurinda – que tenha percebido quando minha irmã ia morrer. Senti-o cá dentro de mim e, logo, sacudi a filha dela para que fosse acompanhar os derradeiros instantes da mãe.
É com este desabafo ainda vivo no ouvido e, sobretudo, na reflexão que olhamos – de forma misteriosa e um tanto cúmplice – para os rituais dos dias de Todos os Santos e de Finados (melhor dizendo, cristãmente, de ‘Fiéis Defuntos’). Com efeito, esse mistério da comunicação com os que nos precederam – aos quais nos podem ligar laços de intensa amizade ou de sangue – podemo-lo ir exercitando no trato uns com os outros, pois, de diversas formas, pode(re)mos sentir a proximidade (mais ou menos longínqua) com aqueles a quem estimamos, com os quais estamos em maior sintonia ou até a quem nos sentimos referenciados por especial participação psicológica e espiritual.
Por entre tantas tarefas e urgências do nosso dia a dia como que nos pode(re)mos enganar – ou será não nos deixamos iludir? – na fuga de vivermos para além do imediatismo e da vulgaridade, pois quem se ama, de verdade e no sentido mais profundo do termo, sintoniza-se muito para além das palavras e das vulgares conversas...
- Te(re)mos tempo para nos deixarmos desmascarar pela assumpção da vida com sabor a divinização?
- Esta(re)mos capazes de o dizermos, confirmando-lhes, como com eles/elas estamos em comunhão de sentimentos e de profundidade?
* Riscos de confiança por entre medos... não assumidos
Quando escutamos as pessoas, com alguma facilidade (muito mais do que seria desejável), ouvimos referência ao desencanto para com aqueles/as em quem tinham posto confiança e que os defraudaram. Também se nota, muitas vezes, uma abordagem ao medo em perder com quem se partilha a vida, dada a vulnerabilidade das relações humanas, tanto emocionais como afectivas. Parece, hoje, quase recorrente esta instabilidade quanto ao futuro, seja ao nível económico/profissional, seja na componente familiar/afectiva, podendo ainda envolver a dimensão psicológico/espiritual... no trato com Deus.
De facto, sem nos darmos (totalmente) conta, vamos transmitindo uns aos outros diversos factores de insegurança, nem sempre os assumimos, mas esses indícios de menor confiança pululam o nosso interior e, por vezes, deixámo-los escapar para aqueles que nos rodeiam.
Veja-se como se educa: as crianças e os adolescentes recebem, quase por osmose, demasiados tiques da insegurança dos adultos, que deveriam ser baluartes da maturidade. De múltiplas formas, no sistema educativo, encontramos adultos a defenderem mais a sua razão do que a privilegiarem aqueles que estão ao seu cuidado para crescerem na assumpção da vida actual e futura.
Cada vez mais temos de crescer em maturidade humana, cultural e espiritual, assumindo as nossas obrigações, mesmo que tenhamos de fazer calar a reivindicação dos (nossos) direitos adquiridos, pois construiremos o bem comum sabendo ceder ao bem maior dos outros e não (meramente) de nós mesmos!
* Interpretando os sinais à luz de Deus (estória)
Por estes dias li esta linda estória, que partilhamos, atendendo ao contexto destes dias de ‘crise’ e de reflexão.
Certo dia, durante um programa de rádio, uma senhora que estava a passar dificuldades económicas, ligou, dizendo:
- Estou a passar por uma grande provação. O desemprego bateu à minha porta, tenho filhos pequenos, o meu marido tenta ganhar alguma coisa em pequenos trabalhos, mas não chega... Já estamos a passar fome! Ora, se algum irmão me puder ajudar com alimentos, eu e minha família ficaremos muito gratos. Aquilo com que me puderem ajudar, desde já, em nome de Deus, agradeço...
E deixou o endereço!
Por acaso, um homem ateu ouviu aquele apelo e pensou:
- É hoje que eu vou provar que Deus não se importa com ninguém... muito menos com esta pobre desgraçada!
Dirigiu-se, então, ao mercado e comprou tudo aquilo que achava que aquela família poderia precisar. Aliás, comprou o dobro de tudo.
Chegou a casa e disse a dois empregados:
- Levem à casa desta senhora estas mercadorias e, quando ela perguntar quem lhe mandou isso, dirão que foi o diabo. O diabo é que está a enviar essas compras!
Os homens foram à casa da senhora. Batendo à porta, ela atendeu. Eles disseram:
- Vimos trazer estas compras para a senhora.
- Obrigado. Podem colocar ali...
Depois de terem descarregado tudo, a senhora disse:
- Que Deus abençoe quem se lembrou de mim. Obrigado por esta ajuda.
Os homens estavam ansiosos por perceberem se a senhora ia perguntar quem lhe tinha mandado aquelas compras.
Então, um deles mais afoito, perguntou:
- A senhora não quer saber quem lhe mandou estas compras?
A senhora, calmamente, retorquiu:
- Não vejo necessidade, pois quando o meu Deus manda, até o diabo obedece!...
Venha de quem vier semeemos sinais de esperança à nossa volta sem nada esperar em troca!
A. Sílvio Couto
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