Ao Compasso do Tempo - Crónica de 16 de Outubro de 2009
Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja
“Talvez seja chegado o momento de todas as escolas, todas as universidades, facultarem pelo menos um par de cursos de Fanatismo Comparado, pois este está em toda a parte. Não me refiro tão-só às óbvias manifestações de fundamentalismo e fervor cego. Não me refiro apenas aos fanáticos natos que vemos na televisão entre multidões histéricas que agitam os punhos contra as câmaras, ao mesmo tempo que gritam slogans em línguas que não entendemos. Não, o fanatismo está em todo o lado. Com modos mais silenciosos, mais civilizados. Está presente à nossa volta e talvez também dentro de nós. Conheço bastantes não-fumadores que o queimariam vivo por acender um cigarro ao pé deles! Conheço muitos vegetarianos que o comeriam vivo por comer carne! Conheço pacifistas, alguns dos meus colegas do Movimento de Paz israelita, por exemplo, desejosos de dispararem directamente à minha cabeça só por defender uma estratégia ligeiramente diferente da sua para conseguir a paz com os Palestinianos. No entanto, não afirmo que qualquer um que levante a voz contra alguma coisa seja fanático. Não sugiro que qualquer um que manifeste opiniões veementes seja fanático, claro que não. Digo que a semente do fanatismo brota ao adoptar-se uma atitude de superioridade moral que impeça a obtenção de consensos. É uma praga muito comum, que, certamente, se manifesta em diferentes graus. Um ou uma militante ecologista pode adoptar uma atitude de superioridade moral que impeça a obtenção de consensos, mas causará muito pouco dano se o compararmos, por exemplo, com um depurador étnico ou um terrorista. Mais ainda, todos os fanáticos sentem uma atracção, um gosto especial, pelo Kitsch. Muito frequentemente, o fanático só consegue contar até um, já que dois é um número demasiado grande para ele ou para ela. Ao mesmo tempo, descobriremos que, com alguma frequência, os fanáticos são sentimentais incuráveis: preferem muitas vezes sentir do que pensar, e têm uma fascinação especial pela sua própria morte. Desprezam este mundo e estão impacientes por trocá-lo pelo “Paraíso”. No entanto, o seu Paraíso é geralmente imaginado como o final de um mau filme”
“No meu ponto de vista, o contrário de guerra não é amor, e o contrário de guerra não é compaixão, e o contrário de guerra não é generosidade ou irmandade ou perdão. Não, o contrário de guerra é paz. As nações precisam de viver em paz. Se vier a ver o Estado de Israel e o Estado da Palestina a viverem lado a lado como vizinhos honestos, sem opressão, sem exploração, sem derramamento de sangue, sem terror, sem violência, ficarei satisfeito mesmo que não prevaleça o amor. E como diz o poeta Robert Frost: «Uma boa cerca faz bons vizinhos»”
(Amos Oz, Contra o Fanatismo, trad., Porto/Lisboa, Asa Ed/Público, Comunicação Social, S.A., 2007, ps 17-18, 46)
O fanatismo não é ave tão rara como o supúnhamos. Quando chega a altura de salvar o “outro”, quem faz tudo para sobreviver é o “eu”…
Lisboa, 16 de Outubro de 2009
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Ordinário Castrense
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