Jornal de Opinião

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29/10/09

Reformas na Igreja e espírito conciliar

De quando em quando há quem pergunte se o Vaticano II está ou não a cumprir-se ou se é já um acontecimento do passado. Assim se expressa uma certa perplexidade ou mesmo dúvida quanto ao agir da Igreja e dos seus responsáveis, em relação a alguns aspectos nos quais parece que as coisas não andam no sentido conciliar ou andam, mas em sentido contrário.
Ninguém pode duvidar da intenção e da acção de Bento XVI que, desde o início do seu pontificado, expressou a sua fidelidade ao Concílio e a vontade de levar a bom termo, na continuidade, as reformas necessárias então previstas e os caminhos que se abriram
Passos importantes continuam a dar-se no campo do ecumenismo com os ortodoxos e as confissões protestantes, bem como no diálogo inter religioso, mormente com o judaísmo e o islamismo. O Papa vem prestando, diariamente, uma especial atenção ao conhecimento da Palavra de Deus, viva e eficaz, ao património doutrinário, pouco conhecido, da patrística e da patrologia, às relações com o mundo da cultura, à urgente necessidade de evangelização proporcionando sempre uma iniciação cristã esclarecida e enraizada, à evangelização dos ambientes e dos dinamismos sociais mais influentes, à necessária interioridade da vida cristã, à vocação comum à santidade, à preocupação de tornar presente, no mundo e nas consciências, o Deus vivo e actuante de Quem Jesus Cristo é o rosto, que se tornou próximo e visível a todos os crentes.
Na Igreja são muitos os campos pastorais e apostólicos a merecer atenção, tanto a nível universal, como local e pessoal. Em muitos destes é mais difícil actuar as reformas necessárias, se as pensarmos segundo o espírito conciliar
Logo a seguir ao Concilio, Paulo VI mostrou que a reforma devia operar de imediato em relação a coisas importantes como as reformas na Cúria Romana e estruturas pastoris de participação e corresponsabilidade e em relação a outras coisas importantes de ordem história. A Igreja devia mostrar que o essencial não podia continuar abafado por atavios históricos que não tinham qualquer sentido e desvirtuavam o espírito conciliar. Assim, acabou-se com a tiara pontifícia, a sédia gestatória, as vestes papais e episcopais necessitadas de caudatários, os vistosos arminhos, peças de luxo a cobrir outras já de si excêntricas, as luvas nas mãos e os humerais sobre os joelhos nas liturgias solenes. Simplificaram-se também as relações com o Papa, com um acesso mais facilitado, acabaram de vez expressões de reverência que humilharam muita Paulo VI quis, pessoalmente, que terminassem exageros históricos com um gesto humilde e reparador, em relação a Atenágoras, Patriarca da Igreja Oriental. Devolveram-se relíquias famosas, trazidas à força de templos orientais.
Tudo sinais, na Igreja e para a Igreja, a marcar a necessidade de simplicidade no vestir e no agir, de respeito, de espírito de serviço, de reconhecimento de direitos atropelados e de dignidade alheia, nem sempre reconhecida.
Restam ainda coisas supérfluas e equivocas, que deviam ter caído por si. Assim o exigia o novo rosto da Igreja, mercê do regresso às fontes bíblicas que inspiraram a teologia conciliar. Numa Igreja, Povo de Deus, todos os seus membros são radicalmente iguais, todos gozam da mesma dignidade e liberdade. Apesar disso, perduram, sem qualquer justificação e vontade de cedências, os superlativos e a redundância dos senhores” dons” no tratamento dos eclesiásticos, os brasões e os títulos, os monsenhores e as condecorações, como outras manifestações de tipo profano que obscurecem o rosto da Igreja, pela carga humana que retiram o brilho espiritual à grandeza do servir.
Roupagens da história, coladas ao corpo eclesial, nada consonantes com uma Igreja Serva e Pobre, Mãe e Mestra, cuja missão é testemunhar Jesus Cristo. Uma Igreja de irmãos, luz para todas as gentes, aberta ao diálogo salvador hoje e sempre. Os atavios profanos e as honrarias com cheiro profano só complicam, dificultam e dividem, dando da Igreja de Cristo uma imagem do que ela não é, nem pode querer ser.

António Marcelino

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