Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

25/11/11

Ao Compasso do Tempo – Crónica de 25 de Novembro de 2011

Já se nota o poder em não poucas instâncias. Uma realidade é o poder. Outra, a autoridade, ou seja, o encargo entregue à responsabilidade de alguém, que, de um dia para o outro, se vê a braços com tarefas nunca imaginadas.

Através da prova prática da competência, da cultura, da sabedoria, da humildade, entre tantos sinais, comprova-se se a quinta está bem ou mal doada.

À excepção dos injustificados desempregados do país, cada um de nós tem o “poder” de uma função. E é avaliado pela forma como a administra. E emendo a mão no tocante ao que afirmei acima: mesmo um desempregado, tem um “emprego”. O de lutar contra o vazio; o de pedir contas, a quem promete e se julga poderoso.

Se alguém pensar em coroas douradas… tem de se lembrar que as há de espinhos.
Tantas corridas em direcção ao poder, traduzido em lugares, direcções, tarefas, gloríolas! E os que assistem à representação, dão-se conta de que para os próprios, era muito mais salutar não ter aceite subir ao palco. Até as vestimentas rotas não escapam ao olhar. E quem tem de os considerar superiores ou iguais, vive desconfortado, porque nunca é modelo nem estrela da manhã, quem nos “mete pena”. (sentimento este tão pouco humano). Como será possível, haver confiança, se os detentores de responsabilidades não convencem, gerando a “falta da fé”, pela desconfiança que operam.

Ninguém vence pelo simples facto de um desempenho. Em todo e qualquer campo, não se trata de vencer. Em termos de verdade e de serviço, é preciso convencer, mesmo quando se é alçado a alturas de comando, por decisões da própria vontade popular. A legalidade de um encargo é sempre sujeita ao teste das qualidades de quem o exerce.
A interrogação destes últimos dias centra-se nesta afirmação: “a crise não pode servir de pretexto para a suspensão dos três critérios fundamentais que deverão orientar a construção do futuro – a justiça, a solidariedade e o bem comum” (“vencer a crise e construir Portugal na justiça e na solidariedade” – documento da Comissão Nacional Justiça e Paz, Lisboa, 11 de Outubro de 2011, p.5).

A compaixão “sem justiça é um dos mais poderosos cúmplices do diabo” (Hannah Arendt, Escritos Judaicos).

E aos “patriotismos avulsos”, convocados em circunstâncias sempre pontuais, (como quem a não tendo estudado, vai estudando a lição, no decurso dos dias…), recordo o amor à Pátria, por parte de um português impoluto, quando em carta de 13 de Julho de 1958, sublinhava ao então Presidente do Conselho, o que se segue:
“Todos estamos de acordo em que há dois problemas fundamentais, sem cuja solução não poderá haver paz social (…). O primeiro é que os frutos do trabalho comum devem ser divididos com equidade e justiça social (…). O segundo é que (…) nunca eles estarão satisfeitos (os indivíduos ou as classes) enquanto não experimentarem (…) que são sujeito e não objecto da vida económica, social e política”.

Lisboa, 25 de Novembro de 2011
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança


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24/11/11

Regime ou mentalidade... de poupança?

Com a assumpção do estado de crise mais ou menos generalizado vão ressurgindo no vocabulário corrente termos e expressões que andavam um tanto arredios na nossa conversa, tais como: poupar e poupança, remendar e remendado, restringir, não desperdiçar... contrastando com conceitos, vivências e comportamentos bem mais contentes na nossa história (pessoal, familiar, social, nacional) recente.

Antes de mais será preciso esclarecer se estamos em regime (temporário) de poupança ou se já assumirmos que a poupança é um bem necessário e uma urgência na mudança de mentalidade. Com efeito, o ‘regime’ poderá ser adaptado, modificado e subvertido se as condicionantes económico-financeiras se alterarem, enquanto a ‘mentalidade’ cria raízes e faz viver, sobretudo, em atitude de vida.

= Em espírito de pobreza... evangélica
Se escutarmos e tentarmos aprender o significado das coisas, lembraremos uma frase emblemática de São Paulo: «sei viver na pobreza e sei viver na abundância. Em todo o tempo e em todas as circunstâncias tenho aprendido a ter fartura e a passar fome, a viver desafogadamente e a padecer necessidade» (Flp 4,12).
De fato, nós, humanos, somos muito fáceis de nos acomodarmos às situações de conveniência, criando uma razoável tendência para o menor esforço e/ou esforçando-nos o menos possível. Por isso, qualquer aceno para o facilitismo – económico, laboral, moral ou cultural – como que têm mais adeptos do que até a aceitação da verdade, seja quanto a nós mesmos, seja na proporção de tentarmos enganar os outros.
Vivendo nós uma espécie de amorfismo subjetivo, temos de detetar quais as influências que sobre nós vão sendo tentadas para que nos acomodemos, tanto à maneira de pensar de uma maioria acrítica, quanto ao comportamento de mediocridade mais ou menos reinante à nossa volta... Nas mais díspares situações vai-nos sendo impondo quem menos presta e para pouco serve, senão contribuindo para que se vá afundando ainda mais o nosso pouco alento... coletivo.

= Queixar-se, resignar-se, lutar ou participar na solução?
É, hoje, recorrente ouvirmos as pessoas queixarem-se por tudo e por (quase) nada, recordando os tempos passados com tal nostalgia que até parece que estavámos – economica, social ou culturalmente – melhor do que atualmente... Fomos, de fato, instruídos – ou talvez antes manipulados – pelas conquistas democráricas, sem que tivessemos dado o nosso consciente contributo para a melhoria de vida que nos foi dado usufruir.
- A União Europeia (UE) despejou sobre o nosso país dinheiro, mas não veio idêntica cultura para o trabalho. - A mesma UE quase que fomentou nos portugueses tal sensação de irresponsabilidade que muitos dos nossos melhores campos de cultivos foram deixados ao abandono, pois era mais barato comprar o que vinha de fora do que trabalhar para comer o que era (é) por nós trabalhado.
- Até cresceu uma expetativa de espírito de impunidade para quem soubesse enganar melhor os nossos ‘benfeitores’ da UE... que sempre cobram pela ajuda.
Volvidos mais de vinte e cinco anos de adesão à UE está hora de acordar e de reconhecer que ninguém dá nada a ninguém sem esperar algo em troca.
. Temos de aprender com a falência do projeto coletivista da Europa de Leste.
. Temos de voltar a saber plantar e semear, regar e mondar, colher e debulhar... pois será, quando tirarmos da terra o nosso pão, que saberemos valorizar as ajudas que nos quiseram dar.
. Basta de queixumes e de lamúrias: mãos ao trabalho, já e em força. Não nos deixemos enganar novamente pelos mentores da coletivização – agora culturalmente desgraçadista – com que alguns senhores dos (atuais) sindicatos nos vão condicionando e até entretendo... Mandemo-los regressar aos locais de trabalho/emprego e saberemos a quem servem e para aquilo que prestam!
Portugal terá futuro, quando a poupança for mentalidade e não mero subterfúgio em maré de pouco dinheiro. Seremos ainda um povo digno dos seus heróis e antepassados?

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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Indignação e educação não se excluem uma à outra

Quando há pouco tempo Bento XVI visitou a Alemanha, o seu país natal, como estava previsto ser recebido no Parlamento, logo umas dezenas de deputados protestaram e, quando o Papa chegou, abandonaram ruidosamente a sala com palavras de protesto. Os jornalistas perguntaram ao Papa como via e classificava esta atitude por parte de compatriotas seus e ele respondeu que eles tinham todo o direito de sair e de protestar, mas que tudo se deve fazer de uma maneira educada e respeitosa. Com o Papa ou com qualquer outra pessoa de quem se discorda.

Esta maneira clara e sem ressentimentos de apreciar uma atitude de que o mundo teve conhecimento tem-me vindo à memória ao ver as contestações de rua, greves ou outras, que entre nós têm abundado no decorrer da democracia. O direito a protestar, ou à indignação, é um direito legítimo. Negá-lo ou dificultá-lo seria pôr em causa uma liberdade democrática, coisa que ninguém hoje admite.

Mas, fica de pé o modo de o fazer, que, muitas vezes, se faz com ataques pessoais, gestos impróprios, juízos de intenção, expressões sujas e irrespeitosas. Até na discordância há lugar para a boa educação e para o respeito que devemos uns aos outros. Parece que quanto pior, melhor, como se a vitória ou o resultado pretendido com a manifestação de protesto dependesse dos gritos soezes e dos ataques pessoais de quem se pode pensar que não tem limpos, nem o coração, nem a língua.

Não tenho procuração para defender quem quer que seja, nem governantes, nem sindicatos ou outros grupos de protesto. Compreendo que quando as dificuldades apertam e o horizonte se torna mais sombrio, gritar pode aliviar e, fazê-lo com outros, dá mais força aos gritos de cada um. Compreendo até que uma multidão que se junta com o mesmo objectivo e é comandada por outrem dá por si a dizer o que não seria capaz de dizer uma pessoa sozinha e noutras circunstâncias. Mas a maturidade também se manifesta na capacidade de não se deixar manietar, nem telecomandar como se fosse marioneta. A pessoa é sempre pessoa e deixar-se anestesiar é sempre possível se falta o respeito de quem se quer aproveitar.

Fazem-se manifestações ordenadas e respeitosas e nem por isso perdem a força do direito que os seus participantes julgam ter e, por isso, se manifestam, por uma acção pública comum.

As opções de quem decide certamente que, na sua intenção, visam o bem comum possível. Não creio que se decida com a intenção maléfica de prejudicar uns para beneficiar outros. Governar, hoje, não é honra que compense e mal vai a quem não tem bem clara esta certeza. A actividade política, porque necessária, é, em si mesma, uma actividade respeitável. Pode sempre acontecer que, por imaturidade ou ambição, haja gente menos válida em lugares de decisão. Se as pessoas em causa não tiverem humildade e vergonha para o reconhecerem e declinarem o convite, a sua incompetência provocará curto-circuito na acção governativa. Quem escolhe tem de prestar atenção, porque quem se põe no bico dos pés ou conquista a atenção do chefe dobrando sempre a cabeça não serve, nem nunca servirá. Um governo não se forma para pagar favores ou fazendo crescer a pirâmide dos incapazes de dissentir e de pensar pela sua cabeça.
No momento difícil que vivemos, facilmente se vê que há gente que entrou no governo por sentir o dever de servir, ainda que com sacrifícios próprios e de vária ordem. Governar nas actuais circunstâncias é mais uma tortura diária que uma honra. E isso merece a gratidão dos cidadãos, sem que deixem de ser participativos nem se sintam obrigados a concordar com tudo quanto se decide e se faz. Mas parece ser presunção pensar-se que, estando de fora a opinar, alguém faria sempre melhor do que aquele que tem na mão a responsabilidade de fazer andar o barco.

Não é agradável verificar-se como são curtos os horizontes de quem pensa só em si. Por dever de solidariedade, o país por inteiro e, muito especialmente, os menos favorecidos, que são muitos, são prioridade de quem governa e de quem protesta.

D. António Marcelino


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22/11/11

Certificado com 225 anos de 19 de Novembro de 1786 de Irmãos de S. João de Deus de Elvas em Colóquio(1) de História Militar

O terramoto de 1755 destruiu o Hospital Militar da Corte no Castelo de Lisboa e Convento da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, que foi transferido para o Convento-Hospital da Ordem nas Janelas Verdes e aí se manteve até 1802, vésperas das Invasões Francesas.

Um aviso da Junta dos Três Estados, datado de Queluz de 28 de Janeiro de 1802, ordena que não se admitam mais enfermos militares no Hospital de S. João de Deus, de Lisboa, que era substituído pelo de Xabregas “por ter sido julgado mais próprio e útil para o seu tracto e curativo”. O Hospital de S. João Deus ficou ainda para depósito de provisões e continuou a ser hospital e sede da Ordem. Um Irmão, pelo menos, Fr. António de Santa Rita prestou serviço no Hospital de Xabregas.

Nesta data os Irmãos pediram ao Superior Geral da Itália para fazerem parte da Congregação italiana em vez da espanhola de que estiveram separados de facto desde o século XVII.

No dobrar do século XVIII-XIX, segundo documentos recentes, havia quatro Irmãos em Chaves, sendo um cirurgião; nove em Elvas; um em Castelo de Vide; em Faro sete; em Almeida quatro Irmãos; em Bragança outros quatro; dois em Miranda do Douro; em Valença do Minho, em 1790 três, e em 1800, cinco; e em Campo Maior por 1790-1803, seis. Os de Almeida, Bragança e Miranda do Douro iam ser dispensados em breve por 1808.

Os nove Irmãos da comunidade em Elvas assinaram um certificado com a data de 19 de Novembro de 1786, faz hoje 225 anos, de que naquele hospital se estava a usar a “quina branca americana sem mistura alguma para curar a malária nas suas formas “treçans simplex, e dobles, como também de quartans”. “E observamos que a mayor parte delles [doentes] lhes faltavão as sobreditas febres, e sem lhes cauzar emcomudo algum nem ainda na cabessa”. Outra documentação de 1803 atesta que naquele hospital se utilizava o leite de burra para tratar certas enfermidades; e o facto de não ter sido encontrado para um cabo foi alvo de censura do médico.

Antes da Terceira Invasão (1810) por Massena, há uma licença notarial de “compra e venda de umas propriedades de casas foreiras do Convento de São João de Deus [Lisboa], assinadas por Fr. Joaquim de São José, Comissário-Geral (12 de Maio) e recibo assinado por Fr. Bento de Nossa Senhora da Penha de França, Definidor e Procurador-geral (12 de Maio), com data de 16 de Maio de 1810. Sabe-se também que no Convento de Santo André de Montemor-o-Novo em 1812 o Superior e Administrador era Fr. José do Carmo e Sampaio

E o Convento-Hospital de S. João de Deus das Janelas Verdes? De 1804 em diante em actos notariais de compra e venda há cerca de uma dezena de nomes de Irmãos comissários gerais, procuradores gerais, etc. É de presumir que mais de três dezenas de Irmãos viveriam no Convento. Os dados seguintes não dão certeza mas apoiam esta suposição.

Em 1810 (altura da 3ª Invasão Francesa) o Provincial Fr. Álvaro de S. José Figueiredo sobre a situação dos Irmãos dizia: em 1645 os conventos cederam 25 religiosos para os hospitais de fronteira; em 1704 fora requisitados mais 30; e durante o reinado de D. Maria I e da Regência do seu filho D. Pedro III os nossos religiosos em hospitais militares ainda subiram para 95. E deplora que apesar dos louvores recebidos, a Ordem enfrentava problema muito sério da subsistência dos Irmãos e iminência do recurso à mendicidade, tanto mais que tinham acabado de ser despedidos os Irmãos dos hospitais de Almeida, Miranda e Bragança e havia o propósito de dispensar todos os outros. Pedia ao regente socorros vitalícios que salvassem os Irmãos da censura pública de ter que mendigar.

Em 1829, a meros cinco anos da supressão dos religiosos em 1834, no Convento de Montemor-o-Novo viviam nove religiosos já em economia de sobrevivência. E em 1834 o património do convento já não cobria sequer 2/3 dos encargos. Os tempos eram de grande crise.

Funchal, 19 de Novembro de 2011

Aires Gameiro


(1) Para mais ler: Comunicação no XX Colóquio de História Militar, 15,16, e 18 Nov. 2011, Palácio da Independência, Lisboa” por Aires Gameiro

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18/11/11

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 18 de Novembro de 2011

Acompanho o caso do Rui Pedro há tantos anos! Transporto comigo as palavras benditas daquela mãe, cicatrizada no olhar e na face, e, no fundo da sua psique, desolada.
Ouvia-a hoje (17 de Novembro): “O Rui Pedro era uma criança feliz. Mas tiraram-mo”.
Tirar, desviar, roubar, assaltar, violar, matar… tudo igual!

Tanto engenho no mal espalhado por adultos que assaltam uma criança (directa ou indirectamente), à semelhança dos desviantes dos nossos dias que fogem com o dinheiro dos postos de gasolina, com o cobre dos sinos da igreja ou da estátua, no coração da vila, com o ouro, comprado em todas as esquinas, como volfrâmio de antigos tempos.
Bem razão tinha aquela criança de oito anos, que bem conheço, quando se escapuliu de casa para ir comprar rebuçados e, a meio do caminho, se sentiu traída por um tio, que teve o cuidado de a seguir, à distância, em zelo tão amigo. Quando se deu conta de estar a ser espiada, desafiou o adulto familiar, nestes termos: “Mas o tio está a seguir-me porque não tem confiança em mim”.

Ainda hoje, esse mesmo tio, repete a sentença, com que a sossegou: “Em ti deposito a maior confiança, filha. Em quem não confio é nos outros”.

Foram outros os responsáveis pelo desaparecimento do Rui Pedro, há treze anos. Igualmente de demais e outros desvios, termos que, no nosso léxico, se tornaram repetitivas e ideológicos.

Todos conhecemos a tragédia de crianças transviadas e ofendidas, conforme ocorreu, e ocorre, de acordo com o julgamento do “caso Casa Pia”.

Foi bom escutar, à porta do tribunal, o veredicto do advogado: “Não se trata de arranjar um culpado à força. Trata-se de buscar a verdade. O mais importante é encontrar o Rui Pedro”.

Deixo aos Queridos Pais (e a tantos outros, que, por este e diferentes caminhos, se viram privados de um filho(a)) a certeza de estar com eles, não deixando de repetir a palavra do Evangelho, após a morte de Jesus:
“Tiraram-me O Meu Senhor e não sei onde o puseram”. E Ele estava ressuscitado!
Retiraram-nos os filhos, a honra, a esperança, a alegria de viver, a justiça e a paz, o trabalho e a justa paga, o à vontade feliz, a coragem, o sentido, a expectativa humanizadora…

Uma sociedade perde o tino e a dimensão quando se roubam crianças com o triste realismo da situação que aqui lembramos. Como é possível não se descobrir onde está o Rui Pedro?!

Falamos em humanidade e em sociedade nova (e original, conforme outro).
Mas foge-se com o Rui Pedro, sem deixar um ai! E, no decurso da noite, há neste civilizado mundo, centenas (milhares) de pessoas, que dormem nas ruas! Há o elementar a salvar. E em Portugal!

“Voltemo-nos para os bárbaros”, revivendo o grito de Ozanam e, mais tarde, de Teilhard de Chardin. “Eles” ainda andam por ai. Pelos vistos

MDN – Capelania Mor, 18 de Novembro de 2011
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança



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17/11/11

Mais gastadores em maré de Natal?

Segundo um estudo, recentemente, publicado, os portugueses dizem que vão gastar quinhentos e setenta e cinco euros em compras na maré de Natal, distribuídos da seguinte forma: prendas (375 €), comida (150 €) e convívio social (50 €). A tão falada crise parece, afinal, que não é vivida (tão) a sério... ao menos por alguns, embora se possa, comparativamente, verificar uma quebra de 6,3% em relação às despesas natalícias, que ocorreram em 2009.

Tendo em conta as medidas de austeridade do governo e as dificuldades financeiras em geral seria de esperar os portugueses se contivessem nos gastos. Se colocarmos os mesmos dados de referência podemos ver que os alemães pensam gastar 430 euros e os holandeses 410 euros... em compras por ocasião da Natal deste ano.
Colocando ainda como referência aquele estudo podemos concluir que as consequências das medidas de austeridade entre os portugueses sentir-se-ão mais na forma de gastar do que no valor a dispender... recorrendo menos ao crédito, antecipando as compras – sobretudo aproveitando as promoções e os saldos – e oferecendo prendas úteis e mais baratas.

= Que futuro estamos a construir?
Apesar das preocupações quanto ao emprego e aos cortes na percentagem do subsídio de Natal, os portugueses vão sendo dos europeus mais gastadores. Será que esta atitude revela inconsciência pessoal, familiar e coletiva para entendermos as coisas? Até onde vai o real diagnóstico sobre as dificuldades que são difundidas? Não haverá uma economia subterrânea, que permite viver acima das contas submetidas às finanças? Os (ditos) sinais exteriores de riqueza como é que não são detetados e taxados correta e urgentemente?
Com efeito, estas e outras questões podem assumar à nossa inquietação ao sermos confrontados com aqueles dados supra citados. De fato nem toda a gente poderá afirmar que vai fazer tais gastos na éposa natalícia em curso. Nem os cerca de vinte mil inquiridos, que serviram de critério para gerar aqueles dados de gastadores, podem esconder que há muita gente sanguessuga no sistema económico-financeiro, que tentará subverter as medidas preconizadas pelo governo.
Efetivamente que se poderá dizer dos registos em cafés e restaurantes que nos fazem pagar – sobretudo esses que nós conhecemos e que até nos conhecem – a conta pedida, mas que se furtam a dar-nos o talão de pagamento? Como se poderá viver numa atitude de transparência de impostos, quando nos apercebemos que, na máquina registadora, se escreve uma parcela que não corresponde àquilo que temos de pagar?
Somos, de verdade, um povo de chico-espertos, que se enconcha na sua autofagia e que vive tentando enganar o Estado, pois deste tenta difundir a noção de que ainda nos rouba mais do que as nossas espertezas inventam!

= Haverá, ainda, solução?
Diante de tantas desconfianças como que surge a tentação de desistir. Perante tantos fatos de incoerência como que somos levados a entrar na onda do ‘vale-tudo’. Castigados pela inoperância da justiça podemos entrar na lógica do ‘faz-de-conta’. Acrisolados pelo torniquete dos impostos podemos tentar fugir, aliviando a carga para os vindouros...
No entanto, temos, urgentemente, de assumir a nossa tarefa de:
- Viver na verdade, segundo critérios de autêntica pobreza... à luz das fontes do Evangelho;
- Criar condições de pacificação, assumindo cada um o seu papel de construtor do bem comum;
- Gerar amor ao trabalho mais do que à preguiça e à ditadura da subsidio-dependência;
- Gerir as economias e a poupança mais do que os créditos e as dívidas não-pagas;
- Insuflar nova esperança mais do que entrar num certo desespero e na tristeza em nós e à nossa volta.
Cristamente temos responsabilidades acrescidas. Assim as saibamos assumir e compartilhar!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)




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Em prol de uma ecologia da pessoa humana

Os movimentos ecológicos acordaram, em comum, para a resposta à interpelação urgente de um sinal dos tempos, que se pode traduzir pelo grito de respeito e defesa da natureza criada, ameaçada e, em muitos casos, já destruída, pelos atropelos que contra ela muitas pessoas fazem. Justifica-se a preocupação, dado que se trata de um bem de todos e a todos necessário.

O que já se conseguiu neste campo, sobretudo com as crianças e a gente mais nova, é impressionante. Muito é o que se tem feito através da educação nas escolas, das campanhas publicitárias e da multiplicação dos meios adequados e acessíveis que ajudam a respeitar ambiente natural e a saber classificar e recolher resíduos e desperdícios. Se recordarmos o que entre nós se passava há trinta ou quarenta anos, vemos uma diferença abissal neste aspecto, hoje com proveito para toda a gente.

Acontece, porém, que natureza criada é, também, a natureza humana, a pessoa concreta e, no respeito por ela, há ainda muito caminho para andar. É verdade que a defesa da natureza criada e do que ela comporta e significa faz-se em razão das pessoas. Mas não podem parar aí os cuidados comuns. Há, segundo o que vemos e sentimos, a urgência de uma defesa clara da natureza humana, ou seja, das pessoas concretas, frente às agressões graves contra as leis que regem a sua vida. Pensemos, por exemplo, na distribuição, nos centros de saúde públicos, de anticonceptivos químicos que bloqueiam, interrompem e desviam o curso normal das leis da natureza, muitas vezes com consequências graves na saúde da mulher. Cientistas de grande valor internacional, defendem e provam que os métodos naturais, não por razões morais ou religiosas, mas por razões científicas provadas, são os únicos que respeitam a sequência normal das leis da natureza em relação à concepção de novas vidas.
Atento, desde há muitos anos, a este problema, nunca vi os movimentos de ecologistas preocupados com o que se faz em relação ao aborto e com a destruição das mulheres, protagonistas de primeira importância, humana e social, na procriação. Os raciocínios correntes são redutores e parece interessar mais a eficácia, o imediato sem esforço, que o respeito pela natureza humana e suas leis, em ordem à vida procurada e defendida. Dirão que a ciência tem, também, a sua palavra. Pois que a diga, ao serviço da vida, não da sua destruição. A educação sexual promovida e programada, que se dá a crianças e adolescentes nas escolas, onde leva ou pode levar esta gente indefesa?

Noutro campo em aberto, não parece haver especial cuidado educar no respeito pelos outros, em atitudes e gestos de concórdia e paz. A violência nas escolas cresce e ganha cada dia formas novas e requintadas. Assim o dizem os serviços do Estado, preocupados com o que se passa e com as consequências que daí derivam. Mas, já não é apenas o espaço escolar, mas, também se verifica no espaço familiar e no espaço público, que são bens e direitos de todos nós. Há desprezo pela vida, agressividade incontrolada, violência cheia de consequências. Matam-se pessoas como se fossem coelhos, dentro lar e com filhos menores por testemunhas. Muita gente anda armada com armas de morte, porque tem a violência a encher-lhe o coração. As pessoas valem menos que os gatos, os cães e os touros de lide. E porquê? Quantos são os que se preocupam, denunciam e clamam?

Medidas contra a pessoa humana são ainda as leis que banalizam o divórcio que não respeitam, antes destroem, impunemente, a instituição do casamento e os direitos da criança, traduzidos em cuidados que devem defender e garantir o seu equilíbrio afectivo e emotivo, propiciando uma vida tranquila, fomentada, diariamente, pelo amor insubstituível e simultâneo do pai e da mãe. Muitas crianças são forçadas a viver um presente sem futuro, sem que deixemos de reconhecer que há casais divorciados que olham para os filhos, em comum, como a grande riqueza da sua vida. Quantas crianças, porém, se tornam violentas, caminham cedo já para psicólogos e psiquiatras! É muito difícil a uma criança crescer e viver pacificada, se o clima em que é criada, e trocada nos fins de semana, não lhes propicia uma ambiente sereno e o amor efectivo e afectivo, a que tem direito. Que respeito existe por uma criança que tem direitos, mais do que os legais, mas nem sempre promovidos e defendidos eficazmente, num período fundamental do desenvolvimento das suas capacidades, sentimentos e integração social? Medidas e tutelas legais são, por vezes, farisaicas e fáceis de driblar.
As violações da pessoa humana são mais numerosas e graves que as violações da restante natureza. Delas passam ao lado muitos ecologistas, delas se ocupa o Estado com mezinhas jurídicas. A sociedade foi-se deixando anestesiar e para tudo encontra justificação? Kabril Gibran, um profeta dos tempos novos, escreveu: “Os homens não têm a felicidade nos lábios, nem a verdade nas suas entranhas, porque a felicidade é filha das lágrimas e a verdade é gerada pela dor”. Quando as pessoas não valem, todas as coisas sobram.

Uma ecologia a favor da pessoa humana não pode ser fruto de facilidades, de distracções, de prazeres imediatos. É uma luta diária. A natureza é para as pessoas e são as pessoas que lhe dão sentido e valor consistente.

D. António Marcelino


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16/11/11

Conversas com Vida - “As Jornadas Mundiais da Juventude e o Voluntariado”

“Foi tudo muito bonito! Gostei muito!
Mas eu fui a Madrid com o intuito de responder a uma pergunta…
Para que serve uma Jornada Mundial da Juventude?
Agora gostava de saber a vossa opinião! Para que serve uma JMJ?”



Passados poucos meses do encontro mundial em Madrid, serviram estas questões de mote para um Conversas com Vida dedicada às Jornadas Mundiais da Juventude e ao Voluntariado. Estes jovens que se juntaram à Família Claretiana em Segóvia e depois rumaram a Madrid fazendo parte dessa mesma família, relembraram os momentos que viveram nestes doze dias. Partilharam os diferentes momentos, as alegrias, o sofrimento, o medo, as tristezas, todos os sentimentos e sensações vividas e partilhadas pelas dezenas de milhar de jovens de todo o Mundo.

Apontaram os motivos individuais e dos seus grupos de jovens a estarem juntos com o Santo Padre sob o tema “Enraizados e Edificados em Cristo, Firmes na Fé”.

Na audiência estavam vários jovens, alguns dos quais tinham partilhado a mesma vivência, e com o desenrolar dos testemunhos relembraram momentos e dificuldades que se transformou num desafio que os tornou mais fortes ”a chuva e trovoada em Cuatro Vientos, as caminhadas e longas filas do metro”.

Muitos que não foram a estas Jornadas colocaram questões sobre os diversos acontecimentos. As respostas e partilha de experiências comuns despertaram sorrisos e algumas lágrimas, de felicidade, do que lá se passou e, principalmente, dos desafios apontados pelo Papa Bento XVI e as respostas que cada um tem procurado dar.
As partilhas foram sendo enriquecidas à medida que cada um falava das suas experiências pessoais, pois a sua caminhada como cristãos é muito diversificada, o que fez com que cada um desse ênfase ao que mais lhe tocou no coração, os “abraços grátis” em várias Línguas, as ajudas, o dar sem receber em troca, o partilhar uma noite ao relento com centenas de milhar de jovens. Relembraram acontecimentos comuns e, à questão colocada pelo Santo Padre em Cuatro Viento “Mas, como pode um jovem ser fiel à Fé cristã e continuar a aspirar a grandes ideais na sociedade atual”, cada um partilhou a sua experiência pessoal enquanto cristão e as experiências de voluntariado em que já participaram ou participam. A sala ficou comovida e até mesmo surpreendida com o cunho pessoal de cada um e as suas experiências tão enriquecedoras. O trabalho com os Missionários Claretianos de uns, o trabalho com o Vicentinos de outros e o trabalho de todos na sua comunidade paroquial.

A interação que se estabeleceu entre os jovens que deram o seu testemunho e a audiência foi frutuosa para todos os presentes, principalmente porque mostrou que o Voluntariado é uma das respostas ao desafio colocado nestas Jornadas Mundiais da Juventude.

Na reta final deste “Conversas com Vida” foi tempo de apresentarmos um pequeno projeto de voluntariado dedicado aos idosos doentes, visto que o ano de 2012 será o ano europeu do “Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações”. E de desafiar os jovens e menos jovens aos projetos de “Visita aos Sem-Abrigo” a partir do Colégio Pio XII, Lisboa e ao projeto “Casa Claret” dedicado ao Voluntariado Missionário, na Trindade, São Tomé e Principe.

Como sempre no final um “lanchinho”. Visto que o dia de S. Martinho ainda estava bem presente fizemos um pequeno magusto.










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14/11/11

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 11 de Novembro de 2011

1. A convite de Bento XVI, esteve presente em Assis, em 27 de Outubro último, a psicanalista Julian Kristeva, a qual representou os descrentes naquela assembleia de gente crente.

Há uns anos, precisamente a 19 de Março de 2006, Kristeva “pregou” uma das conferências quaresmais, em Notre Dame de Paris, apresentando-se nestes termos:
“Têm diante de vós, minhas senhoras e meus senhores, uma mulher descrente – psicanalista, professora, escritora – persuadida de que o “génio do cristianismo” introduziu e continua a difundir inovações radicais na experiência religiosa (…) Damo-nos conta de que o humanismo cristão, quando não se fecha no dolorismo, prepara o crente a reconhecer o facto do sofrimento, em ordem a melhor partilhar os combates políticos dos que se encontram em situação de sofrimento” (J. Kristeva, Cet incroyable besoin de croire, Paris, Bayard, 2007, ps 160, 167)
Sem complexos nem receios, os convictos de razões cristãs não se colocam à parte, como grupo pio; com o à vontade próprio dessas razões, dão as mãos a outros(as), cujas vidas estão ameaçadas de ruína.
O que tocou Kristeva, de olhos abertos ao fenómeno da crença, foi a sua experiência comum dos limites e injustiças de gente à sua volta, por motivos da “compaixão” (ou seja, do sofrimento com os sofredores). A lucidez cristã conduz a esta profanidade; a racionalidade é um passaporte para o universal.
Nada nos diferencia, senão os motivos doutrinais. Encontrámo-nos, em coro comum, cantando o desejo do sofrimento ser vencido, tal a paixão que os desastres das vítimas em nós provocaram!

2. Convocando esse humanismo, Kristeva glosa em Assis, o “não tenhais medo” de João Paulo II, sendo de opinião que esse grito também era dirigido aos descrentes.
É urgente construir um diálogo e uma cumplicidade com o humanismo nascido do Renascimento e das Luzes, em ordem a construir o sentimento de liberdade (Liberdade esta que os totalitarismos e os desvios fundamentalistas têm contrariado dramaticamente).
Dever-nos-íamos encontrar neste foro de humanidade destroçada por cálculos da técnica e por pressões financeiras e especulativas:
- “Não ter medo” de falar dos sofrimentos dos que estão a “ficar para trás” na sociedade de Portugal…
- “Não ter medo” de ser livre, apontando a dedo os “novos escravos” dum sistema democrático, onde as opções da justiça social e das reformas estruturais deram lugar a imposições de sinal totalmente contrário.
Os grandes perigos do comando financeiro da hora presente não são os desta ordem… mas os do próprio regime do governo do povo
- “Não ter medo” de viver um exercício de liberdade diante de pressões de toda a ordem, mantendo a reflexão e o diálogo, e sempre guiados pela situação visceralmente desumana em que alargados sectores da sociedade portuguesa estão a cair. Iremos fechar os olhos? Prosseguiremos convencidos de que é este o caminho?
O que assistimos entre nós, na hora presente, é a um conflito a respeito da simples condição humana. Desentendemo-nos no campo do mais elementar.
Foi assim, nas vésperas da conquista de um regime há muito esperado! Por isso me sinto mal ao reler o pensamento de Proudhon: “O povo nunca fez outra coisa senão rezar e pagar: pensamos que chegou o momento de o fazer filosofar” (Le Point, 3 de Novembro de 2011, p. 72)

D. Januário Torgal Ferreira


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À descoberta do sentido da pertença...

Cada um de nós vive, aceita-se e enquadra-se, mais ou menos conscientemente, segundo vários círculos – sem qualquer linguagem esotérica nem outra afetação menos clara – de relacionamento e de comportamento: nascemos numa certa família, inseridos numa determinada localidade (mais ou menos bairrista, com beleza ou sem grande atração), no contexto de um certo concelho/distrito/província – para nos enquadrarmos na divisão territorial ainda em curso – e tendo, na devida conta, o país/nação e o continente mais alargado e culturalmente significativo.

Deixem, por isso, que concretize a minha história: nasci (ainda em casa e não na maternidade) numa família de gente honesta, simples e trabalhadora, numa freguesia semi-rural, num concelho do litoral, do distrito e diocese de Braga, inserida na província do Minho, do território de Portugal, que faz parte do continente da Europa (do sul), no hemisfério norte do planeta Terra... Tudo muito normal e simples... aparentemente!

No entanto, tudo isto condiciona a minha forma de pensar, de sentir, de reagir e até de rezar, pois aprendi a ler e a escrever, em tenra idade (graças a Deus e uma razoável ajuda humana) em português – embora tenha aprendido outras línguas com maior ou menor capacidade de expressão oral, por gestos ou na escrita – que se foi cuidando, na forma e no conteúdo, acrescentando a isto o mínimo enquadramento sócio-religioso, fazendo a descoberta de pertença, tanto às várias configurações humanas como às incidências de leitura religiosa, que, foram quase sempre vividas, no contexto católico...

Quem quer que nos leia poderá fazer o seu diagnóstico de pertença e descobrirá, certamente, razoáveis surpresas, nas quais não tinha ainda reparado, convenientemente!

= Compreender as raízes ou abjurar as pretensões?
Pela mais simples nota familiar foi-me dado a beber que o que há de mais sagrado é quem nos dá – com que sacrifícios e em atitude de entrega – a vida e dela cuida, mesmo que à custa de muito trabalhado, esforçado, mal pago, mas honesto.
Aprendi, simbolicamente falando, a não ambicionar se não posso atingir a pretensão. Aprendi a não gastar mais do que aquilo que se pode. Aprendi a viver com pouco, mesmo que isso não seja benéfico para a nossa imagem. Numa palavra: quem não tem vícios não alimenta modas!
Sem qualquer ressentimento tenho visto que, ao perto e ao longe, há quem tente fazer crer que é pelo ter que se pretende deixar boa impressão, mesmo que à custa do incumprimento das obrigações e malbaratando os favores e ajudas... até de âmbito económico.

= Tentar construir algo de novo
Na medida em que formos capazes de aceitar as nossas contigências – mas não em mera resignação – poderemos viver num certo estado de felicidade, onde o ser – cultural, ontológico e espiritual – se aprende não pela simples reivindicação mas pela assumpção da verdade de nós mesmos. Em nada deste plano está contido esse tão típico portiguês do deixar correr, pois outros cuidarão do nosso futuro, mas antes temos de viver em esforço de competição, em ordem a deixarmos este mundo harmonioso e fraterno...depois de por ele termos passado, mais ou menos tempo, com maior ou menor destaque, mas sempre assumindo a construção de um mundo mais humano e mais cristão.
Acreditamos que a nossa tarefa em tentarmos civilizar – passar do estado pagão (do campo) ao de cidadão (na cidade) – este mundo passa pela interpenetração da consciência cristã de que somos cidadãos de duas cidades – a terrena e a celeste – com plena participação em ambas, respeitando a esfera de cada uma, mas fazendo crescer a cidade terrestre pela tranfiguração ativa da missão recebida rumo à cidade celeste.
Basta de excomunhões e de anátemas sobre este mundo, pois foi neste espaço e neste tempo que Deus nos fez viver agora. De pouco adiantará tentar fugir do mundo ou refugiar-se na religião, se não formos capazes de divinizar tudo e todos à nossa volta. Pelo verdadeiro sentido de pertença é que podemos evangelizar!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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10/11/11

Uma desmotivação perigosa

Refiro-me à educação e à escola. Uma desmotivação que pode afectar alunos, pais, professores, governantes e a própria sociedade.

A escola, espaço-tempo cada vez mais indispensável, no presente e no futuro, necessita do amor, da paixão e da competência de todos os que a ela estão ligados e, muito justamente, integram uma desejável comunidade educativa. É uma instituição diferente de uma máquina de produzir coisas. A máquina só precisa de ser alimentada e orientada em função do que produz. A escola é, por sua vez, um espaço humano de relações pessoais e institucionais, com objectivos definidos. Se estas relações perdem o equilíbrio ou deixam empobrecer os laços comuns necessários, todo o processo se desvirtua e entra em perigosa derrapagem. Então, nem se ensina, nem se educa.
Um preocupante abandono da escola e o insucesso escolar, ainda verificado em grau elevado, as reacções violentas dos alunos e dos pais de “filhos sem defeitos”, para com os professores, a escola e quem a dirige, um desprezo alargado, por parte dos alunos, do esforço necessário e da disciplina indispensável, um número elevado de professores, com frequência enrodilhados nos seus problemas profissionais, a comunidade envolvente que só se queixa do que sopra dos lados da escola, o Estado, sempre distante das pessoas e dos problemas, a baralhada de ordens e contra ordens dos últimos anos, sem que se consiga ver o porquê, tudo isto são ingredientes perigosos, que podem fazer explodir um sistema, já de si frágil e melindroso.

Há escolas que funcionam bem, professores exemplares, alunos brilhantes e cumpridores, pais abertos e próximos, comunidades colaborantes, gente do governo, atenta, que sofre e não desiste. Porém, a escola será sempre o ponto de encontro e o eco inevitável das famílias desestruturadas, dos filhos não amados, das crises sociais, dos professores sem segurança, das metodologias de ocasião, de uma sociedade sem rumo, de acontecimentos inesperados. Todos os ventos borrascosos que se levantam na sociedade açoitam duramente as famílias e entram, na escola, por portas e janelas. Não os impedem os seguranças contratados, nem lhes muda o rumo a simples boa vontade de esforços isolados.

A educação e a escola são uma causa nacional premente, a pedir urgência de reflexão e decisão. De quando em quando, surgem por aí, vindos de longe e com prestígio garantido, sociólogos e filósofos, educadores e políticos, com reflexões sobre a escola, no contexto de um projecto educativo realista. Ainda há pouco, em Lisboa, um sociólogo americano trouxe ao Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, propostas concretas e avaliadas para se ir ao encontro das dificuldades de comunicação entre a escola e a família, entre a escola e a sociedade local. Li, com interesse, o relato alargado dos jornais, e fiquei a pensar se o que se reflectiu parou nos que participaram, ou chegou a quem tem de experimentar, avaliar e decidir.
Família e escola não podem ser realidades em tensão permanente a acusarem-se mutuamente e a defenderem-se como indiferentes ou mesmo inimigas. Custe o que custar, têm de comunicar entre si, fazer rede, ir além dos preconceitos e das desconfianças. A escola, por meios adequados, pode educar a família, e a família pode, ao mesmo tempo, a ajudar a escola a ser melhor escola. Quem está em causa sãos os filhos, preocupação primeira e permanente, dos pais, e os alunos, razão de ser dos professores e da escola. Não há pais sem filhos, nem professores sem alunos.

A educação escolar, como a educação em geral, tornou-se uma actividade social cada vez mais complexa e difícil, qualquer que seja o espaço onde se realiza e os agentes que a assumem, como encargo ou tarefa de vida. Não pode, por isso, realizar-se no meio de escaramuças ou de indiferenças. Se o objectivo é formar pessoas para uma vida responsável, a colaboração vai mais longe que a procura de bons resultados escolares. Se fora apenas isto, os professores e a escola dirão que não recebem lições de quem não competência para as dar. Já se perdeu demasiado tempo com horizontes tão limitados. Pouco mais se tem procurado nos encontros com os pais, provocados pela escola, e com as reivindicações dos pais que raramente franqueiam as portas da mesma por outros motivos que não sejam as classificações escolares dos filhos.

Só rompendo um círculo tão pobre, se podem encontrar caminhos novos. Este só se romperá com pessoas motivadas, abertas a novos horizontes educativos e dispostas a colaborar. E tudo isto, só se faz, fazendo-se.

D. António Marcelino


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04/11/11

Aprender a educar em tempos de crise... rumo ao Natal

É gratificante ver o desenvolvimento de uma criança, sobretudo, se ela manifesta alguma ‘diferença’ no seu comportamento: como se torna importante ajudar a fazer crescer alguém na sua fragilidade -- muito mais do que em mera debilidade! -- assumindo a sua autonomia e identidade. Tendo em conta a personalidade de cada pessoa -- muito mais a de cada criança -- todos somos poucos para fazermos crescer a sua maturidade. Com efeito, cada gesto, cada palavra (mais ou menos serena ou até agressiva), cada sinal... tudo concorre para o crescimento de uma criança, sobretudo, em certas idades e circunstâncias.

Se atendermos às lições da psicologia poderemos considerar que os primeiros cinco anos de vida de uma pessoa -- logo na idade da primeira infância -- são marcantes para o seu desenvolvimento equilibrado. Sabemos que nem sempre é fácil nem se colhem resultados imediatos, mas é fundamental saber que, nas nossas mãos e, sobretudo, no nosso coração, estão depositados muitos desígnios de futuro e de nobre condição.
Todos -- pais (mãe e pai), educadores, Igreja e comunidade social -- somos poucos para esta tarefa, mas temos de estar coordenados, para conseguirmos construir nos nossos mais pequenos homens e mulheres de amanhã com sentido de amor e com consciência de bem-fazer.

= Nas dificuldades (até) nos podemos transcender
Os tempos históricos e económicos, em Portugal, na Europa e no mundo, não são fáceis. Por isso, também na educação dos filhos algo está (ou pode estar) em crise.
- Como se pode educar, quando se aperta o cerco ao ter tudo e do melhor?
- Como se pode educar um filho/a a não ter, se antes, tudo era mais abundante?
- Como se poderá ensinar o não esbanjamento – desde a comida até ao custo da eletricidade -- quando os ordenados encolhem e os impostos apertam cada vez mais?
Somos, de fato, devedores de uma geração (ou até já duas!) que não teve de conviver com guerras e conflitos bélicos. Com efeito, quem tiver, hoje, pelo menos, cinquenta anos, não passou fome, não teve de sofrer perseguição política e habituou-se a receber muito mais do que a dar.
Diante deste panorama muitos dos filhos -- e até netos -- foram criados sem as restrições que muitos dos avós sofreram. Por vezes, até os brinquedos perderam o fascínio da novidade, pois podem ter sido dados sem custo e oferecido sem serem recompensa por algo conseguido na escola ou na vida de esforço.
- Agora que muito se aperta o cerco ao esbanjamento de outrora, como poderão pais e avós educar na dificuldade e talvez na contenção do menos mau?
- Estaremos capazes de apresentar às nossas crianças sugestões de boa conduta sem pretendermos disfarçar que está tudo a correr sem dificuldade?
- Será possível gerar, para o futuro, uma educação sincera e onde se fale verdade, sem ter medo das consequências?
Antes de mais é preciso:
- responsabilizar os mais novos nas pequenas renúncias do dia a dia: antes podíamos, agora estamos sem certos meios de luxo;
- fazer participar na contenção de gastos, com pequenos gestos de poupança, desde a eletricidade até à conversa ao telefone, passando mesmo pelas guloseimas e brinquedos;
- tentar promover a dignificação do trabalho e não favorecendo a preguiça ou a reclamação constante;
- apresentar o esforço sincero dos mais velhos na recuperação de Portugal como cidadãos que amam o seu país e não como pessoas que dizem mal de tudo e de todos;
- fazer crer que já houve tempos de carência e que foi possível vencer essas dificuldades com trabalho, com unidade de todos e com harmonia social.

= Pelo testemunho se ganha... o filho/educando
Agora que se aproxima um tempo de exaltação do consumismo, pelo Natal, talvez seja importante apresentar às crianças algo mais do que um mal-estar por não ter ou ainda por desejar ter, ficando azedo e com raiva de quem tem ou possa comprar.
Pode ter chegado a ocasião:
- de ir gerando nas nossas crianças uma abertura ao essencial, que é mais do que coisas;
- de ir aprendendo a valorizar aquilo que é simples e não aquilo que é de moda;
- de ir ajudando a conhecer o esforço de quem nos presenteia e não quem nos tenta comprar com prendas de fachada;
- de ir tentando olhar as pessoas mais pelo que elas valem (e são de verdade) e menos por aquilo que nos oferecem.

Temos de sacudir, já neste Natal, o papel de embrulho com que nos temos andado a enganar e, talvez, a querer ludibriar as nossas crianças. Tentemos dar-lhes mais amor, carinho e atenção e Jesus nascerá em nós e à nossa volta.

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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O saber moral

Se observarmos com calma veremos que, nos nossos dias, muitos pais estão preocupados com a educação dos seus filhos. Eles falam inglês — melhor que os pais — navegam pela internet e até ouvem música no MP3 — “geringonça” que os pais nem se atrevem a tentar perceber como é que funciona. No entanto, parece que lhes falta alguma coisa.

Os filhos têm uma visão da vida e um modo de actuar que parecem pôr em risco o seu futuro. Os pais tentam repetidamente chamar-lhes a atenção para isso, mas tudo fica em águas de bacalhau. De onde é que vêm essas atitudes, se nunca lhes faltou nada na vida? Porque é que parecem faltar pontos de referência no seu modo de actuar?
Demasiadamente tarde, muitos pais apercebem-se de que essa ausência de pontos de referência está directamente relacionada com uma defeituosa formação moral dos filhos. Parecia — a muitos que agora são pais — que a formação moral era uma imposição de valores desnecessária e até contraproducente. Parecia a história da carochinha. No entanto, essa “história” parece ter deixado alguns pontos de referência à geração anterior — pontos que agora se lamenta que a geração actual não possua.

Qual é a mentalidade actual mais difundida sobre a formação moral? Diria, sem carregar demasiadamente as tintas, que para muitos jovens a “moral” se reduz aos mandamentos da Igreja — sobretudo em matéria sexual — que mantêm as pessoas “reprimidas” — gente masoquista — à espera de chegar à felicidade na outra vida. Claro que com uma visão tão “maravilhosa” e “motivante” como esta, só os tolos desejam uma formação deste tipo.

É preciso que os primeiros e os principais educadores — se alguém se esqueceu, são os pais! — não tenham nenhum tipo de receios em explicar aos seus rebentos desde a mais tenra idade — primeiro com o exemplo e depois com a palavra — que a moral não é um conjunto de regras que nos reprimem e nos impedem de sermos felizes. Nada mais longe da realidade! A formação moral ajuda-nos a encontrar o caminho para sermos felizes nesta vida — e também na outra.

É muito oportuno explicar que um animal pode viver bem deixando-se arrastar pelos seus instintos — mas o homem não. O homem é um ser especial porque é um ser livre. Precisa de ser educado para viver de acordo com aquilo que é. Nem tudo o que ele pode fazer — roubar, mentir, drogar-se — ele deve fazê-lo. Não porque não seja livre, mas porque não lhe convém. Não se pode confundir — e muitas vezes confunde-se — a liberdade com a espontaneidade. O homem, para agir bem, deve pensar antes de actuar — coisa que os animais não fazem.

Por isso, a educação moral não tira nem diminui a liberdade do homem — muito pelo contrário! Dá-lhe luz para que — se ele quiser — possa viver de acordo com aquilo que é. É verdade que o saber moral é difícil e delicado. Mas também é verdade que vale a pena esforçar-se por obtê-lo. Porquê? Porque é o saber mais valioso para o homem. É o saber que o ensina a usar bem a sua liberdade.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria



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