Jornal de Opinião

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14/11/11

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 11 de Novembro de 2011

1. A convite de Bento XVI, esteve presente em Assis, em 27 de Outubro último, a psicanalista Julian Kristeva, a qual representou os descrentes naquela assembleia de gente crente.

Há uns anos, precisamente a 19 de Março de 2006, Kristeva “pregou” uma das conferências quaresmais, em Notre Dame de Paris, apresentando-se nestes termos:
“Têm diante de vós, minhas senhoras e meus senhores, uma mulher descrente – psicanalista, professora, escritora – persuadida de que o “génio do cristianismo” introduziu e continua a difundir inovações radicais na experiência religiosa (…) Damo-nos conta de que o humanismo cristão, quando não se fecha no dolorismo, prepara o crente a reconhecer o facto do sofrimento, em ordem a melhor partilhar os combates políticos dos que se encontram em situação de sofrimento” (J. Kristeva, Cet incroyable besoin de croire, Paris, Bayard, 2007, ps 160, 167)
Sem complexos nem receios, os convictos de razões cristãs não se colocam à parte, como grupo pio; com o à vontade próprio dessas razões, dão as mãos a outros(as), cujas vidas estão ameaçadas de ruína.
O que tocou Kristeva, de olhos abertos ao fenómeno da crença, foi a sua experiência comum dos limites e injustiças de gente à sua volta, por motivos da “compaixão” (ou seja, do sofrimento com os sofredores). A lucidez cristã conduz a esta profanidade; a racionalidade é um passaporte para o universal.
Nada nos diferencia, senão os motivos doutrinais. Encontrámo-nos, em coro comum, cantando o desejo do sofrimento ser vencido, tal a paixão que os desastres das vítimas em nós provocaram!

2. Convocando esse humanismo, Kristeva glosa em Assis, o “não tenhais medo” de João Paulo II, sendo de opinião que esse grito também era dirigido aos descrentes.
É urgente construir um diálogo e uma cumplicidade com o humanismo nascido do Renascimento e das Luzes, em ordem a construir o sentimento de liberdade (Liberdade esta que os totalitarismos e os desvios fundamentalistas têm contrariado dramaticamente).
Dever-nos-íamos encontrar neste foro de humanidade destroçada por cálculos da técnica e por pressões financeiras e especulativas:
- “Não ter medo” de falar dos sofrimentos dos que estão a “ficar para trás” na sociedade de Portugal…
- “Não ter medo” de ser livre, apontando a dedo os “novos escravos” dum sistema democrático, onde as opções da justiça social e das reformas estruturais deram lugar a imposições de sinal totalmente contrário.
Os grandes perigos do comando financeiro da hora presente não são os desta ordem… mas os do próprio regime do governo do povo
- “Não ter medo” de viver um exercício de liberdade diante de pressões de toda a ordem, mantendo a reflexão e o diálogo, e sempre guiados pela situação visceralmente desumana em que alargados sectores da sociedade portuguesa estão a cair. Iremos fechar os olhos? Prosseguiremos convencidos de que é este o caminho?
O que assistimos entre nós, na hora presente, é a um conflito a respeito da simples condição humana. Desentendemo-nos no campo do mais elementar.
Foi assim, nas vésperas da conquista de um regime há muito esperado! Por isso me sinto mal ao reler o pensamento de Proudhon: “O povo nunca fez outra coisa senão rezar e pagar: pensamos que chegou o momento de o fazer filosofar” (Le Point, 3 de Novembro de 2011, p. 72)

D. Januário Torgal Ferreira

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