Indignação e educação não se excluem uma à outra
Quando há pouco tempo Bento XVI visitou a Alemanha, o seu país natal, como estava previsto ser recebido no Parlamento, logo umas dezenas de deputados protestaram e, quando o Papa chegou, abandonaram ruidosamente a sala com palavras de protesto. Os jornalistas perguntaram ao Papa como via e classificava esta atitude por parte de compatriotas seus e ele respondeu que eles tinham todo o direito de sair e de protestar, mas que tudo se deve fazer de uma maneira educada e respeitosa. Com o Papa ou com qualquer outra pessoa de quem se discorda.
Esta maneira clara e sem ressentimentos de apreciar uma atitude de que o mundo teve conhecimento tem-me vindo à memória ao ver as contestações de rua, greves ou outras, que entre nós têm abundado no decorrer da democracia. O direito a protestar, ou à indignação, é um direito legítimo. Negá-lo ou dificultá-lo seria pôr em causa uma liberdade democrática, coisa que ninguém hoje admite.
Mas, fica de pé o modo de o fazer, que, muitas vezes, se faz com ataques pessoais, gestos impróprios, juízos de intenção, expressões sujas e irrespeitosas. Até na discordância há lugar para a boa educação e para o respeito que devemos uns aos outros. Parece que quanto pior, melhor, como se a vitória ou o resultado pretendido com a manifestação de protesto dependesse dos gritos soezes e dos ataques pessoais de quem se pode pensar que não tem limpos, nem o coração, nem a língua.
Não tenho procuração para defender quem quer que seja, nem governantes, nem sindicatos ou outros grupos de protesto. Compreendo que quando as dificuldades apertam e o horizonte se torna mais sombrio, gritar pode aliviar e, fazê-lo com outros, dá mais força aos gritos de cada um. Compreendo até que uma multidão que se junta com o mesmo objectivo e é comandada por outrem dá por si a dizer o que não seria capaz de dizer uma pessoa sozinha e noutras circunstâncias. Mas a maturidade também se manifesta na capacidade de não se deixar manietar, nem telecomandar como se fosse marioneta. A pessoa é sempre pessoa e deixar-se anestesiar é sempre possível se falta o respeito de quem se quer aproveitar.
Fazem-se manifestações ordenadas e respeitosas e nem por isso perdem a força do direito que os seus participantes julgam ter e, por isso, se manifestam, por uma acção pública comum.
As opções de quem decide certamente que, na sua intenção, visam o bem comum possível. Não creio que se decida com a intenção maléfica de prejudicar uns para beneficiar outros. Governar, hoje, não é honra que compense e mal vai a quem não tem bem clara esta certeza. A actividade política, porque necessária, é, em si mesma, uma actividade respeitável. Pode sempre acontecer que, por imaturidade ou ambição, haja gente menos válida em lugares de decisão. Se as pessoas em causa não tiverem humildade e vergonha para o reconhecerem e declinarem o convite, a sua incompetência provocará curto-circuito na acção governativa. Quem escolhe tem de prestar atenção, porque quem se põe no bico dos pés ou conquista a atenção do chefe dobrando sempre a cabeça não serve, nem nunca servirá. Um governo não se forma para pagar favores ou fazendo crescer a pirâmide dos incapazes de dissentir e de pensar pela sua cabeça.
No momento difícil que vivemos, facilmente se vê que há gente que entrou no governo por sentir o dever de servir, ainda que com sacrifícios próprios e de vária ordem. Governar nas actuais circunstâncias é mais uma tortura diária que uma honra. E isso merece a gratidão dos cidadãos, sem que deixem de ser participativos nem se sintam obrigados a concordar com tudo quanto se decide e se faz. Mas parece ser presunção pensar-se que, estando de fora a opinar, alguém faria sempre melhor do que aquele que tem na mão a responsabilidade de fazer andar o barco.
Não é agradável verificar-se como são curtos os horizontes de quem pensa só em si. Por dever de solidariedade, o país por inteiro e, muito especialmente, os menos favorecidos, que são muitos, são prioridade de quem governa e de quem protesta.
D. António Marcelino
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