Saramago e a defesa judaico-cristã
As questões levantadas por José Saramago, à volta da sua última publicação, “Caim”, exigem que este país debata, seriamente, e de uma vez por todas, questões tão antigas como a da revelação, a do sagrado, em oposição ao que, ao longo da história, se teve sempre por, profano, mundano, secular. A defesa judaico-cristã a que nos habituámos ao longo dos séculos há muito que deixou de fazer sentido.
Ao defender que o que nos governa é algo de humano, de demasiado humano, Nietzsche, revela que a história resulta da oposição de dois termos complexos – talvez, no seu entender, os mais perigosos de todo o vocabulário humano: o bem e o mal. A sua invenção, e a relação que se foi estabelecendo entre eles, ao longo do tempo, que está também na origem, por um lado, da criação de divindades más, violentas, sangrentas e, por outro, de divindades boas, compassivas e misericordiosas, é a grande geradora da nossa história, e os traços que caracterizam a ontologia do nosso momento presente. Há quem continue a defender, nesta linha, e numa reflexão séria sobre a condição humana, que nascemos todos de deuses e diabos, que estes mais não são que fruto da interpretação humana, feita ao longo dos séculos, tornada, nuns casos, sagrada e noutros pagã. E que a segurança local e global, exigida não pelo direito natural (de facto não nascemos iguais), mas pela fragilidade que a todos é comum, só será possível na medida em que nos conseguirmos libertar destes opostos e dos rostos que os tornaram absolutos, quer na religião como na política que se alimente de tradições religiosas, de alternativas a estas ou de todo o tipo de secularismo, de saber científico e tecnológico.
Programa do governo e oposição
Ouvia outro dia dizer ao actual presidente do BPI, Fernando Ulrich, que processos como a “Face Oculta” e outros ainda em curso, e cujo o termo se antevê inatingível, têm tido um impacto tão negativo no país, que as pessoas começam, cada vez mais, a perder a confiança nas instituições e nas pessoas directamente responsáveis pela sua liderança, como na justiça, dada a sua real bagunça, desorganização e consequente morosidade. Não é a primeira vez que a justiça se apresenta célere em processos que envolvem pessoas acusadas de roubar para comer, e tão desastrosamente lenta diante de suspeitas de corrupção, envolvendo pessoas que têm tido a seu cargo zelar pelas poupanças dos portugueses e pelo bom governo do país.
O debate parlamentar, que levou à recente aprovação do programa do governo, serviu, uma vez mais (para quem teve pachorra de o seguir, através dos meios de comunicação social) para alimentar um confronto de interesses partidários, que simplesmente se marimba para os verdadeiros problemas do país. O povo quer melhor acesso à saúde, melhor justiça social, melhor educação, melhores e mais fáceis oportunidades de emprego, mais respeito, mais afecto, mais carinho e mais espírito de serviço, capaz de privilegiar os mais negligenciados e carenciados. Não estará no meu poder fechar a Assembleia da República, agora sofisticadamente informatizada, mas não pensaria duas vezes em fazê-lo até que alguém, eleito para servir o país, começasse a fazê-lo desapegado do poder, numa total entrega à resolução dos reais problemas dos portugueses, e num diálogo ininterrupto com a sociedade civil. Se os programas de qualquer governo e oposição não se elaboram a partir da nossa situação presente, dos nossos problemas e desafios, não serão outra coisa que puros cultos de personalidade, a precisar de erguer, com muita agitação e pressa, monumentos, em quatro ou mais anos de legislatura.
2010 – Memória e erradicação da Pobreza – Uma Marcha
Fazemos memória, neste mês de Novembro, de todos os que faleceram, vítimas da fome, da pobreza… aqui e no mundo, muitas vezes sem que o seu nome tivesse sido conhecido ou recordado por quem lhe fosse mais próximo, como família ou simples amigo. Concordo com o Fernando Nobre quando diz, a respeito de Portugal, que os pobres não são apenas 18 ou 19% da população mas 41%. As transferências sociais poderão aliviar o pesado fardo de alguns, mas não conseguem, por si, romper com o fenómeno de quem há gerações vive refém da mais severa miséria. Defenderei sempre que o problema não está no facto de termos nascido num país pobre, até porque não o é, mas no facto de não termos ainda aprendido a partilhar o que é todos com todos.
Por isso, no aproveitamento do ano de 2010, ano que a União Europeia dedica à erradicação da pobreza, um conjunto significativo de organizações, IPSS, ONG, Fundações e outras entidades, irão procurar mobilizar Lisboa para que cada um tome parte numa Marcha que entende fazer memória de quem nasceu, viveu e morreu pobre e abrir, num anúncio festivo, também colorido pelas mais diversas comunidades de imigrantes presentes em Portugal, este grande desafio colocado aos 27 Estados membros da União Europeia. Erradicar a pobreza e amar o planeta que é de todos continuam a ser as duas grandes tarefas que devem dominar as agendas individuais de cada família, comunidade e nação, neste século XXI.
A Marcha terá lugar no dia 17 de Dezembro, com concentração no Marquês de Pombal. Desfilará, pela Avenida da Liberdade e pela Rua Augusta, e terá um momento de memória e esperança junto à laje pela erradicação da pobreza (uma réplica da que está no Trocadero de Paris - 1987), que fica próxima do Arco da Rua Augusta, em Lisboa. A Marcha deseja também concluir uma iniciativa anual da CAIS, Pão de Todos Para Todos, e será na tenda do Pão que todos os marchantes continuarão a fazer festa, partilhando um pão que tal como o sol, todos desejam fazer nascer para todos.
Por isso, não falte. Junte-se a nós, com aquele igual ou maior entusiasmo com que sempre apoia Portugal em competições desportivas. Pão de Todos Para Todos deseja recuperar a gratuidade das coisas e instituir em Portugal o Dia da Não Cobrança. Trabalhamos para que o que hoje parece impossível seja uma possibilidade amanhã.
Henrique Pinto
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