Da Teologia da Libertação à libertação da Teologia
1. Uma correcta Teologia da Libertação — poucos o negam — continua a ser indispensável.
Já uma necessária libertação da Teologia — muitos o reconhecem — é cada vez mais urgente.
Dir-se-ia que, para libertar, a Teologia tem de se libertar. Para ajudar a libertar da opressão, tem de se libertar da auto-suficiência. Em suma, para participar na libertação dos outros, tem de se libertar de si.
A Teologia tem de respirar mais Deus e de aspirar mais o Homem. Tem de sair dos átrios das faculdades e das capas dos livros. Não pode ser feita só na secretária, na posição de sentado. Tem de ser feita de joelhos e a pé: à escuta de Deus e ao ritmo da vida.
A determinada altura, deu-se muita atenção à Teologia da Libertação. Era bom que se dispensasse igual cuidado à libertação da Teologia.
O problema da Teologia da Libertação radicou na redução da salvação à libertação da exploração económica, política e social.
A salvação trazida por Cristo é englobante. Envolve a libertação de toda a exploração e de toda a injustiça. Mas não fica por aí. Cristo liberta-nos do mal (de todo o mal), do pecado e da morte.
Aos teólogos da libertação devemos o alerta para o esquecimento da dimensão social da salvação. Acontece que a salvação não é sectorial; é global.
E importa não perder de vista que, antes de ser uma conquista, a salvação é um dom, uma oferta. Há salvação porque há um salvador. Há libertação porque há um libertador: Jesus Cristo.
2. A Teologia tem de se libertar da prisão do conceito e da tirania do preconceito.
O conceito é importante, mas não constitui o único nem o central. O conceito serve para descrever, para apelar, para arrotear. Mas nunca pode servir para comprimir, para esganar, para esgotar.
A missão do conceito é a transcorrência: da realidade da vida do Homem para a vida da realidade de Deus.
Quando a Teologia estaciona no conceito, pode ganhar em consistência, mas acaba por perder em pertinência. Torna-se um mero exercício diletante dos seus cultores.
Ora, a Teologia não se pode fazer apenas (nem principalmente) nas universidades. Tem de se fazer, primordialmente, na vida das pessoas.
A Teologia das universidades (e dos manuais) há-de ser ecóica relativamente à Teologia que se pratica na vida. Aquela tem de ser em eco desta. Se não, caímos no puro sebentismo.
Visa a Teologia não somente exercitar a análise, mas, acima de tudo, excitar a militância. A Teologia tem de apontar sempre para uma Teopraxia. O logos há-de desaguar no amor. Antes de mais e no fim de tudo, a Teologia está chamada a ser carta de amor.
O escopo da Teologia — adverte Gustavo Gutiérrez — não é uma simples metafísica religiosa, mas «o anúncio do Evangelho e o serviço da Igreja».
Aliás, já Paul Tillich afirmou, há décadas, que «a Teologia existe para servir a Igreja».
3. É, porém, na relação com a Igreja que a Teologia é chamada a superar um preconceito que, aqui e ali, se torna demasiado notório.
Trata-se do preconceito em relação ao Magistério. Como nota Ruiz de la Peña, parece que teólogo que não critique o Papa é falho de qualidade e destituído de prestígio.
Ainda recentemente, o Santo Padre advertiu que o debate teológico é, sem dúvida, sadio, mas «desde que procure a verdade e aceite que o Magistério tem sempre a última palavra».
O Magistério não é um entrave à Teologia. Pelo contrário, é o seu aliado, o seu interlocutor e, por assim dizer, a sua luz.
A Teologia é um serviço fundamental na Igreja, mas ela própria sabe que o carisma da interpretação válida da Revelação foi confiado a Pedro e aos Apóstolos em união com Pedro.
Em causa não está, pois, o poder ou a influência. Em causa está a fé. É aqui, aliás, que Joseph Ratzinger encontra a distinção entre Ciência da Religião e Teologia. Enquanto aquela se norteia prioritariamente pela razão, esta guia-se sempre pela fé.
E é na fé que encontramos explicação para tudo. Especialmente para o que desponta como (humanamente) inexplicável.
João António Pinheiro Teixeira
padre
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