Verdade e mentira na boca dos políticos e no ouvido dos cidadãos
Ouvimos nos últimos dias, vindos de pessoas respeitáveis, recomendações e pedidos, endereçados aos políticos para que sejam transparentes e verdadeiros, não prometam o que não podem cumprir, informem os cidadãos sobre tudo quanto eles têm direito de saber, respeitem-se uns aos outros, pensem mais no país que nos interesses partidários.
Vai-se dizendo por aí, em alguns casos até o atribuem a políticos europeus famosos, que “a verdade não ganha votos” e que um “político que não minta nunca será bom político”. Ao mesmo tempo vai-se verificando, também, que muitos cidadãos se desinteressam da política ou a vêem só nos aspectos negativos, não se preocupam demasiado com a perda de identidade da nação, os valores vilipendiados e, nem sequer, com os objectivos do bem comum e da reconstrução da sociedade, à base da justiça, da verdade e do respeito mútuo. Por outro lado, dominam os bairrismos e os interesses locais de quem quer deixar o nome numa rua ou na praça da terra, e segue-se, acriticamente, quem mais promete satisfazer estes gostos e preocupações.
Ouvindo os discursos e entrevistas e, a seguir, os comentários de quem também ouviu, fica-se perplexo sobre as reacções provocadas. No congresso do PS, ouvi atentamente o discurso do secretário-geral, que também é primeiro-ministro, e, ao mesmo tempo, as reacções dos seus camaradas. Dei por mim a perguntar se naquele partido e congresso já não havia pessoas inteligentes e sensatas, tal era o seguidismo cego, os gritos e os aplausos bem comandados. Sei bem que tudo aquilo estava encenado ao pormenor. Isso é que me preocupou, porque o bem do país não é, nem será nunca, o resultado automático de um espectáculo bem encenado de um partido político.
As opiniões de muita gente deste país, séria, comprometida, responsável e que pensa pela sua cabeça, a partir de princípios válidos e de facto conhecidos, mesmo apelando à esperança, não podem ser positivas, nem alheias com o rumo que o país está levando, com as manobras enganadoras de alguns e com a apatia com que muitos assistem a tudo isto. Nem todo o país está alienado e disposto a deixar-se enganar por palavras bonitas e aliciantes, ou por discursos de gente que só é heróica e vitoriosa.
Os próprios políticos partidários, mesmo os que proclamam a sua angélica inocência ante as desgraças à vista de toda a gente, não podem estar tranquilos e fazer dos adversários bodes expiatórios dos males, já em campo e a caminho. É talvez o escândalo mais preocupante, vindo do mundo partidário que aí temos, a coragem e a desfaçatez de dizer, com serenidade ou com raiva, que “o inferno são os outros”.
Certamente que o problema não é a troika que aí está a preparar-se para dar a sua sentença dolorosa, mas sim a razão porque ela está aí. E, também, não é, toda a gente o sabe, porque, de modo concertado, não se deixou passar o PEC. Nunca a última coisa que acontece é a causa da desgraça visível. A seriedade tanto se exige para reconhecer os êxitos, como para assumir os erros. Os malabarismos são dos circos, não podem ser atitudes da vida real de gente responsável.
Verdade, transparência, respeito mútuo, responsabilidade? Está à porta a campanha eleitoral para que se possa ver quem ainda entende o sentido destas palavras e, também, para que se possa ver quem, no momento da votação, optou pelo seguidismo do chefe ou pela reflexão e decisão pessoal, serena e livre.
D. António Marcelino
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