Jornal de Opinião

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07/06/10

Profetas sem mordaça

A vida nunca foi fácil para os profetas. Perseguidos, amordaçados, calados, apedrejados, eles remam sempre contra a maré. A consciência da responsabilidade nunca os deixou sucumbir ante as dificuldades. Proibidos de falar, respondem, convictos e decididos: “Não podemos é ficar calados”.

Ser profeta não é vida para os ambiciosos de poder, os obcecados por carreiras vistosas, para os que só se ouvi a si próprios. Só para os que cultivam um ideal elevado, têm uma personalidade forte, estão marcados pelo sentido do dever, são humildes e corajosos.
Os profetas incomodam sempre o poder, tanto o civil, como o religioso. Jogam fora do sistema. Não o canonizam, nem o favorecem. Os guardiães do sistema não gostam de quem levanta problemas, denuncia mazelas, aponta caminhos novos A gente do sistema quer ficar na história, sonha e prepara o pedestal da sua estátua. Os profetas olham o futuro dos outros, sonham uma sociedade mais justa e fraterna, resistem ao tempo.
Ao sistema, qualquer que ele seja, agradam mais os trauliteiros que se tornam coroa de defesa de senhores intocáveis, os acomodados com pruridos de uma cultura que não têm, os incapazes de contrariar quem manda ou preside e de quem esperam favores.
Os favores, recebidos ou esperados, são mordaças que tornam o profetismo impossível.
O tempo que tudo relativiza e banaliza, e em que só se sonha com êxitos e interesses pessoais, é tempo sem futuro. O presente fica vazio de ideal, cresce nele a selva dos parasitas, proliferam os videirinhos só úteis aos senhores da corte, sem um futuro procurado e desejado com a gratuidade de quem só quer o bem dos outros.
O sonho de uma Europa unida foi sonho de profetas, como Adenauer, Schumann, De Gasperi, Jean Monet. O carvão e o aço não eram um fim, mas o primeiro passo dos interesses comuns num continente que ainda sangrava de guerras, para se poder caminhar para novos rumos, humanos, morais e sociais Chegaram depois os que secaram a alma da Europa. Entrou em campo a burocracia do cifrão, dos prestígios e das disputas. Aí está o resultado: uma Europa asfixiada por leis e por crises económicas.
Em tempos que ficam na história, não faltaram profetas como Gandhi, Luther King, Nelson Mandela, Oscar Romero, Hélder Câmara. Homens para os outros. Esquecidos, presos ou mortos, eles continuam vivos e a ser ouvidos por quem está atento à vida.
A Igreja é um povo de profetas. Uns activos, outros anestesiados. O papel dos activos não se esgota no religioso. Passa às fronteiras do humano, onde a vida, riqueza e projecto, é muitas vezes amarfanhada e impedida de ser vida. A Doutrina Social da Igreja é assim, para os tempos que correm, Evangelho traduzido em propostas de vida é linguagem de profetas insistentes e incómodos. O mesmo para os Direitos Humanos
Bento XVI, na alocução aos bispos portugueses, em Fátima, deixa esta recomendação:
“Mantende viva a dimensão profética sem mordaças, no cenário do mundo actual, porque a Palavra de Deus não pode ser acorrentada” (2 Tim2,9) E acrescentou, como condição para um profetismo útil e fiel à Palavra, “conhecer e compreender os diversos sectores sociais e culturais, avaliar as carências espirituais e programar eficazmente os recursos pastorais…”
É verdade que, no contexto actual em que os valores morais e éticos se esfumam depressa e as instituições fundamentais da sociedade são denegadas, se os profetas se calam, a destruição aumenta e os problemas, como os falsos profetas, multiplicam-se.
Os profetas cristãos, quando o são de verdade, nada têm a temer, porque não esperam mais que a consciência pacificada pelo dever cumprido e o bem a que todos têm direito.
O maior profeta da história foi Jesus Cristo. Não o foi no templo, mas frente à vida dos mais pobres e excluídos sociais. Nenhum poder humano conseguiu calar a sua voz. Levado à morte pelo mais escandaloso processo histórico, como jamais houve outro. Também, dentro na comunidade cristã, não é fácil a vida dos profetas. Os perseguidos antes do Concílio, foram nele os mestres mais ouvidos. É preciso ser semente disposta a morrer para dar fruto. Na Igreja de hoje, como na sociedade, os profetas são necessários. Quem inova e comanda a vida com futuro é o sonho dos profetas, não o dinheiro.
Multiplicam-se os problemas sociais, os pobres tornam-se mais pobres, disparam as injustiças e os escândalos da corrupção, as comunidades perdem horizontes largos e vontade de ir mais além.
Profetas sem as mordaças! O que já se recebeu ou que ainda se espera, é sempre mordaça num mundo de intocáveis e poderosos.
Os verdadeiros profetas da história, porque assim entenderam, nunca as aceitaram.

António Marcelino

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