Senhor presidente, francamente, não gostei!
Quando sua Ex.cia o senhor Presidente da República promulgou, “à primeira”, a lei do casamento de pessoas homossexuais, fiquei triste, magoado… deveras desapontado. Não tanto por tê-lo feito, mas sobretudo pelo modo como o fez.
Senhor Presidente, eu não vou ser malcriado. Em obediência ao Quarto Mandamento da Lei de Deus que nos manda “honrar pai e mãe e outros legítimos superiores”, minha mãe sempre me ensinou com todo o cuidado a respeitar as autoridades legitimamente constituídas. É o caso de V. Ex.cia. E mais lhe direi ainda: num tempo de democracia tão baixa em que a maior parte do povo, aprendendo aliás com o exemplo dos políticos, referindo-se a Vossas Excelências, diz simplesmente e sem respeito “o Cavaco”, o Guterres” e “o Sócrates”, eu continuo a dizer o “Senhor Prof. Cavaco Silva” e “o Senhor Engenheiro Sócrates”. Já vê Vossa Excelência o respeito que tenho pelas autoridades, quer concorde com elas quer não concorde.
Não me fico porém sem lhe dizer que a ideia que tinha a seu respeito – um homem firme, honesto, seguro, coerente – desvaneceu-se no meu espírito.
Sinceramente, não era isto o que eu esperava de V. Ex.cia.
Não me leve a mal por favor, que a minha intenção não é ofendê – lo, nem eu tenho tal direito. Porém, quando vi V. Ex.cia na televisão a explicar ao país e à nação, por a mais b (com alguma dificuldade, notava-se), a sua decisão de aprovar de bandeja a lei que lhe chegara da Assembleia da República a legalizar os casamentos (?) entre pessoas do mesmo sexo, eu não consegui deixar de me lembrar do governador Pilatos que, em Jerusalém, dois mil anos antes de nós, também veio ao pátio exterior do seu palácio dizer ao povo que não concordava com a morte de Jesus mas que, já que o povo assim pedia e queria, o ia entregar de imediato. Ele, ao menos, ainda lavou as mãos!...tentando purificar-se do crime e desresponsabilizar-se da decisão.
Senhor presidente, não é tanto a promulgação que está em causa. V. Ex.cia, mais cedo ou mais tarde, acabaria possivelmente por ter de o fazer.
O que está em causa é a sua incoerência: diz ao povo que não concorda com a lei e promulga-a de imediato, tendo outras soluções? Não concordando com a lei e indo a mesma lei contra a sua consciência, entendo eu que o mínimo que V. Ex.cia deveria fazer era devolvê-la à sua origem, indicando as razões por que o fazia, nomeadamente explicando a sua oposição pessoal fundamentada, incluindo a sua repugnância pessoal por uma coisa tão aberrante para a sua consciência e dignidade de português de lei. Tanto mais que o Governo e o Partido Socialista, com o apoio de outros mais, tinham decidido como lhe aprouve, nas costas do povo, sobre um tema tão fracturante na sociedade portuguesa, desprezando inclusivamente um pedido de referendo assinado por cerca de 100 mil portugueses merecedores de outro respeito por parte do poder político! Não acha, senhor Presidente?
Se Vossa Ex.cia agisse de modo diferente, os senhores deputados seriam obrigados a discutir de novo o assunto. Pensariam duas vezes. Aprofundariam melhor a questão. E logo depois se veria.
Se, por hipótese, a lei voltasse à mão de V. Ex.cia aprovada de novo por dois terços da Assembleia, teria então forçosamente de a promulgar, mas, nesse caso, já não era responsável pelo seu acto nem culpado pela sua assinatura. A sua discordância ficaria de pé. Honrosamente de pé. Assim, não. Assim, o seu acto foi semelhante ao de Pilatos, e desgostou muitos e muitos honestos, respeitosos e educados portugueses.
Disse V. Ex.cia que teria de o fazer mais tarde, e que só se iria perder tempo com novas e repetidas discussões no Parlamento, havendo necessidade e urgência de os senhores deputados tratarem de outros assuntos relacionados com a crise nacional. Até agora, não vi nada, senhor Presidente, a não ser as “tricas-tricas” do costume, o lançamento de mais e mais impostos sobre o povo e um aumento brutal das despesas vergonhosamente escandalosas da Assembleia da República, em dias de tão difíceis para o resto do país.
Peço desculpa ao senhor Presidente se fui inconveniente ou injusto. V. Ex.cia sabe muito melhor do que eu o que deve ou não deve fazer. Está informado de assuntos e problemas que eu desconheço certamente.
Uma coisa porém é certa: aos olhos de muitos e bons portugueses, exemplares no cumprimento dos seus mais sagrados deveres cívicos, não lhe ficou nada bem ir dizer adeus ao Papa ao aeroporto Sá Carneiro e voltar a correr para o seu Palácio para assinar uma lei destas.
Desculpe…mas eu não gostei.
E não fui só eu.
Resende, 25 de Maio de 2010
J. CORREIA DUARTE
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