Ao Compasso do Tempo – Crónica de 21 de Maio de 2010e 2009
Leitura semana dos problemas do mundo e da Igreja
Alguns dias antes de o helicóptero do Papa Bento XVI aterrar no Regimento de Artilharia da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, achei que era meu dever oferecer-me para, em breve conferência, destacar aspectos da doutrinação do actual Sumo Pontífice.
Revelei como peças-mestras desse pensamento as seguintes três dimensões: a)o diálogo da Igreja com correntes culturais em todos os preciosos momentos da história.
A este propósito, recordei uma opção de há cerca de quarenta anos! Tendo sido, nessa altura, encarregado da cadeira de História da Filosofia Medieval, na Faculdade de Letras do Porto, escolhi o 2º capítulo da “Introdução ao Cristianismo” do teólogo Joseph Ratzinger para articularmos o encontro interdisciplinar entre o cristianismo nascente e a cultura filosófica da época. Do conjunto de conhecidos peritos (E.R. Dodds, J. Pépin, W. Yaeger), optei por Ratzinger, cuja obra citada constituía publicação recente (1968, em Munique, e traduzida em 1969, nas Edições Sígueme, em Espanha).
“Não é necessário insistir na revolução que, em ordem à direcção da existência humana, implica o facto de que o Supremo não seja já a autarquia absoluta e fechada sobre si mesma, mas a relação, o poder que cria, conduz e ama todas as coisas… (…) Aparece assim a identidade original da verdade e do amor” (trad., Salamanca, Ed. Sígeme, 1970, p.119);
b) a frontalidade com os problemas e o tempo. Nesta perspectiva, o discurso em Ratisbona (12 de Setembro de 2006) põe a nu as violências operadas pela irracionalidade de uma escolha (no caso, a islâmica), salientando que o mesmo défice, após o apogeu do século treze, foi visível nos últimos tempos da medievaliedade, quando o voluntarismo menorizou a Razão, tornando-se prioritárias as decisões no tocante ao questionamento reflexivo.
E vejamos… Se Bento XVI foi julgado e inadequado (pois a civilização muçulmana não foi um património de desvios e irrelevâncias…), poucos, em atenção ao texto, foram capazes de notar que equivalente reparo foi endereçado ao pensamento cristão, particularmente no tocante a Duns Escoto, muito próximo (ou influenciado?) pelo árabe Ibn Hazim. A reflexão de Bento XVI não é preconceituosa, do ponto de vista lateral islâmico. A menos ponderação racional opera no pensamento cristão, de alguns momentos, como, na época contemporânea, a racionalidade não se pode confinar a delírios tecnicistas, marginalizados restantes aspectos da instrumentação intelectual.
Se hoje tivesse como responsabilidade o magistério filosófico, adoptaria como texto de aula teórica ou prática, este ensinamento-síntese das múltiplas irrupções doutrinais da Idade Média.
Como a matéria não é fácil… nem sequer se estuda um texto… Nem sequer se defronta um “adversário”… que pensa a história do próprio pensamento! Esta a Raiz de preconceitos e de desinteresse pelo que é complexo…;
c) em terceiro lugar (numa revisão tão sintética), salienta-se a sensibilidade ao empenhamento social, onde a defesa da justiça é o início do compromisso solidário.
A “caridade na verdade” foi analisada por multidão de pessoas. Mas foi também ignorada por uma multidão maior.
No decurso do texto, a “crise” actual é posta em cena, respondendo-lhe o Papa com soluções de mudanças, onde a ética governa o lucro, a Riqueza é uma partilha ao serviço de todos, e a solidariedade conduz até lonjuras inauditas, o que um tímido direito vai esboçando…
E agora, na visita de Bento XVI ao Porto, a Câmara Municipal do Porto ofereceu aos bispos, em 14 de Maio, o livro “A Teologia da História de São Boaventura” pela primeira vez traduzida no nosso meio, da autoria de J. Ratzinger (1957), sendo responsável a editorial franciscana.
Nota: Em 30 de Março último morreu, com oitenta anos, o bispo alemão (emérito de Hildesheim), Joseph Homeyer. Foi um europeísta exemplar. A Igreja de Portugal é-lhe devedora em algumas das nossas dioceses.
MDN, Capelania Mor, 21 Maio de 2010
Januário Torgal Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança
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