Ao Compasso do tempo - 03 de Fevereiro de 2012
No seguimento da última semana, cumpro o prometido sobre dificuldades decorrentes do recente estatuto dos capelães hospitalares.
Crentes ou descrentes (e de qualquer confissão religiosa) devem ser gratos a quem sempre foi samaritano junto de gente caída.
Bem sei que há sombras nesta função eclesial. Noutras, a luz também tem eclipses. Mas, num hospital (laboratório da humanidade) reside um crucificado(a) na maioria das vezes. Mesmo errada que tenha sido a nomeação para a trincheira de tal combatente, uma cruz provoca sempre a razão e a emoção. A sabedoria de um coração amigo e civilizado, convicto e pleno de fé, nunca fugirá.
A quem serve um doente, ser-lhe-á solicitado sempre o que foi registado por um autor, que não deixou rasto e se assinou “anónimo”:
“Não vos peço nada fora de comum. Só ouso solicitar-vos um pouco de humanidade. Nisso mostrareis de que espírito sois”.
Decorrentes do estatuto regulamentador dos capelães hospitalares (o mesmo sucedeu com os prisionais e militares) nascem concretas dificuldades, já expostas por mim a quem de direito (pela experiência e saber).
Em nome da prática da liberdade religiosa, o capelão só pode agir, se lhe for solicitada a intervenção. Nada poderá ser imposto nem organizado a favor de pessoas (doentes e família) que não requereram a sua presença. E muito bem. Por via disso, a prática do seu ministério deverá ser pedida, que nunca ofertada ou exibida, por muito que o “marketing” seja ou tenha sido conveniente e sagaz.
Só que nunca poderei compreender que tenha sido possível processar juridicamente um sacerdote com tal missão. Pelo simples motivo de, em diálogo com o enfermo, ter pronunciado… o nome do “seu” Deus.
Não resultou em nada. Mas deu origem ao absurdo, um princípio legal mal digerido… Em nome de regulamentação tolerante, possibilita-se a “caça às bruxas” e o furor da delação?
Nesta mesma lógica, um Capelão não poderá “passear-se” ao longo do estabelecimento hospitalar, como quem “vende um produto” ou publicita a salvação. Neste caso, será um intruso, um propagandista, um habilidoso.
Bem sei que, em muitas situações, não é tomada à letra como “subversivo”, o seu deslocamento geográfico. Mas, no rigor da lei, podê-lo-á ser. É proibido fazer comícios ou trazer para o grande público, a banca da feira missionária…
Relevem-me a linguagem. Mas num hospital, se não lhe for requisitada a presença, o padre deve limitar-se à sacristia (ou ao seu gabinete), como o senhor bombeiro deverá ser o cidadão de seu quartel…
E, por último, nem sequer pode afixar-se na porta da capela ou do gabinete o número de telemóvel daquele servidor do Evangelho. Seria um perigo noticiar-se, para além muros, o seu contacto. Seria o risco de expor alguém a pressões desrespeitadoras. E a liberdade, pelos vistos, dá-se mal com a publicidade…
Nem acredito no que acabo de escrever. Só gostaria que me esclarecessem. Acho tudo isto, conforme me foi explicado, uma tristeza obscurantista, quando um doente, como Goethe no seu leito de morte, o que deseja é mandar abrir as janelas do quarto e exclamar: “Luz, mais luz!”
MDN – Capelania Mor, 3 de Fevereiro de 2012
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
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