Ao Compasso do tempo - 20 de Janeiro de 2012
Comemoram-se hoje, em Fátima, os cinquenta anos da existência da “Obra Católica das Migrações”. Nasceu nos momentos do “salto”, do medo, da fome, da separação de membros da família, da ausência do trabalho, ou, mantidos postos de laboração, da insuficiência dos salários.
Esses tempos heróicos (menos para os responsáveis de um país votado ao subdesenvolvimento e com as alternativas das “colónias” fechadas a quem cometia o crime de buscar um emprego) e os anos seguintes caíram no esquecimento para a maioria de opinião pública. Os emigrantes foram sempre considerados (e alguns condecorados) nas horas amargas do país, altura própria para bater à porta dos portugueses no estrangeiro à espera que eles enchessem os cofres do Estado… O economicismo vem de longe e os terrenos da emigração têm capítulos de exploração, de agiotagem, de oportunismo, de interesses escondidos. Os heróis são reduzidos à balança onde se pesam os dinheiros… O patriotismo não é muito o nosso forte, quando se trata de sagas de solidariedade. Em sessões solenes ou em paradas não faltam homenagens nem leituras retóricas dos gigantes do país. Mas nem aí (e talvez bem) se têm registado honras e gratidão perante vencedores dos desprezos da terra mãe. Era oportuno estudar estas questões, rever essas pessoas, reconciliarmo-nos com postergados do país. A Igreja esforçou-se por fazê-lo, e com os limites próprios de missão tão exigente, viveu a honestidade de estar com os mais sofredores. Houve leigos e padres, de que o país e a Igreja se devem recordar. Tenho pena que, no programa publicado, não apareçam lá como comunicadores ou presença na primeira fila, padres e leigos a quem a Obra Católica das Migrações tudo deve nas várias fases do seu serviço. Foram, com certeza, “servos inúteis” mas construíram a inutilidade da utilidade. Neste, e em todos os outros terrenos, é necessário cultivar uma mentalidade desenvolta, uma coragem evangélica, um à vontade de nunca se julgar superior ao mundo e às suas linguagens, um sentido convivente de gente normal, um sentir-se solidário com as lutas dos outros, quaisquer que sejam as suas opções religiosas e políticas.
A emigração foi um campo farpado da miséria e um laboratório de desenvolvimento dos mais descartáveis. Mas acho que a Igreja em Portugal, no seu todo, nunca encarou com o devido relevo evangélico esta questão. Num organigrama de proclamadas “novas evangelizações” era capaz de ser classificada nos lugares mais modestos a tal emigração… Não me contradigo. A Igreja devia ter ido mais longe.
Mais uma razão para aprender com caminhos andados e com os precursores. E tenhamos presente que é lá para fora que nos indicam a rota. Quando falta pão na nossa casa, comamo-lo na casa dos outros, com o nosso suor e dignidade. Mas assuntos de tal delicadeza não podem ser tratados com a ligeireza e o ar primário, com que têm sido.
Os emigrantes não são mercadoria de exportação. Nem aqueles que, não sendo emigrantes, se tornaram tais, ao dedicarem a sua vida a “vencedores”.
Estou convicto de que o tema migratório irá explodir entre nós.
Que resposta dará a Igreja de Portugal?
MDN – Capelania Mor, 20 de Janeiro de 2012
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
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