Jornal de Opinião

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15/01/10

futuro sem projecto ou projecto sem futuro?

O futuro ou é um projecto que se constrói tendo em conta o passado e a reflexão no presente sobre o que nos foi transmitido e a realidade que se vive, ou então é um vazio e apenas se traduzirá uma sucessão de acontecimentos, imediatos e sem nexo.
Quando se diz “ano novo, vida nova”, não estamos a auspiciar um resultado automático. A vida nova é construída por nós com atitudes e gestos que exprimem vida.

O confronto sério entre o já vivido e o que se deseja viver é fundamental para projectar o futuro, com critérios válidos, tanto para as pessoas, como para as instituições. A menos que se pense que tudo esteve e continua bem e não vale a pena mudar nada, nem sonhar nada diferente. De uma atitude de morte não se pode esperar vida. Cada um sabe de onde parte e o que é que anima os seus votos e desejos de futuro.

Há, porém, um espaço comum de que todos podemos falar, com os elementos públicos de que dispomos e a seriedade que o tema comporta. Falo do futuro do país que somos.
O passado recente traz até nós a percepção de que ele não constituiu, a seu tempo, um futuro programado. A não ser que a programação tenha sido inspirada numa cultura à revelia da vida e da realidade, só ao gosto de alguns, para os quais o bem comum e as suas indeclináveis exigências nada dizem.

O passado recente deu ao país um presente sem solução para o aborto, mesmo o clandestino; uma escandalosa facilidade de divórcio, nunca vista nem imaginada; um menosprezo pela instituição familiar, com consequências dolorosas que se multiplicam em espiral incontrolável; muitas escolas com professores agastados, alunos desinteressados, pais preocupados; o emprego, um bem cada vez mais efémero quando ainda se tem e mais difícil de se conseguir, quando se perde ou se procura pela primeira vez; uma pobreza sem caminhos de solução ou de diminuição; uma insegurança pessoal, nalguns sítios em cada esquina, e de bens a ponto de nada estar seguro; uma falta de respeito pelos outros, gesto que se vai tornando raro, a ponto de muitos já nem saberem o que isso é; uns meios de comunicação social a deformar novos e velhos pelo ideal de vida das telenovelas em série; uma vida cada vez mais difícil para famílias sem grandes recursos, para pobres sem sorte, para os idosos que os filhos abandonam, para doentes que esperam em vão; uma corrupção sem sanções e um proteccionismo descarado.

Mas serão os governos os culpados de tantas desgraças, se vemos que hoje e pela acção dos mesmos se vive melhor do que há quarenta anos e com mais oportunidades?
Ninguém terá bom futuro se não colaborar na construção do mesmo ou se apenas pensar no seu próprio bem, esquecendo que onde muitos se omitem, todos ficam prejudicados.
Porém, os governantes têm uma parte de que ninguém os pode dispensar: ver o bem comum, como bem ao alcance de todos e o único projecto que avaliza o governo; não pôr os interesses partidários acima dos nacionais, pois o programa partidário é esquecido ou alterado, segundo os seus interesses; respeitar nas decisões as prioridades justificadas e exigidas, com maior atenção em tempos de crise social; ter em atenção os direitos fundamentais, como exigência indiscutível da democracia que, apesar das suas limitações é a que temos, enquanto não houver coragem para corrigir os seus defeitos mais graves; atender às minorias, sem se desprezarem as maiorias…

Sabendo que não é fácil governar, temos, por vezes, a sensação que o país vai “sem rei nem roque”, de tal maneira o pragmatismo e imediatismo imperam e as opiniões de passagem abafam as razões permanentes.

Um projecto sem futuro nasce sempre de um futuro sem projecto. O tempo passa, queiramos ou não, e é na sabedoria do presente que se pensa e se programa o futuro.
Se governar não é isto, então a vida pessoal, familiar e nacional é um contínuo pesadelo.

António Marcelino

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