Só promessas, não
1. Ainda ecoam, no nosso espírito, os votos que trocámos na viragem de 2009 para 2010.
Muitas foram as promessas que nos fizeram. Bastantes foram as promessas que nós mesmos fizemos.
No alvorecer de um ano novo, é muito forte o desejo de uma vida nova. Mas já estamos precavidos e é quase certo o resultado do embate que tal desejo vai ter na realidade.
Esta, com a sua incoercível inclemência, acaba por trucidar sempre os sonhos mais ousados e a vontade mais decidida.
No dia 2 de Janeiro (ou, talvez, no dia 4, segunda-feira), já acordámos para os problemas habituais e para as dificuldades de sempre.
As expectativas são tão baixas que qualquer melhoria será apontada como um enorme êxito.
A sensação que dá é que todos estamos à espera do pior. Precisa-se, pois, de um suplemento de esperança.
E, neste particular, valerá a pena parafrasear a célebre recomendação de Kennedy: «Não perguntes apenas ao mundo o que pode fazer por ti; pergunta sobretudo a ti o que podes fazer pelo mundo».
2. O cenário não é entusiasmante e a tarefa não será fácil. Não são as promessas que, por si só, alteram a realidade.
Aliás, numa época dominada pelo efémero, as promessas depressa se esfumam. A esta altura, os votos de bom ano novo parecem já imolados pelas agruras do quotidiano.
As promessas tornaram-se uma espécie de balão de oxigénio que nos remetem para um mundo de ilusões que depressa se desfazem.
A vida tornou-se uma rotina em que cada fracasso gera propósitos de mudança. Que, rapidamente, verificamos que não se cumprem.
Dostoiévski bem alertava: «Prometer uma mudança, no fundo, resume-se a mentir, por mais respeitável que seja quem promete».
Talvez haja, aqui, algum excesso, mas não deixa de sobrar uma nesga de verdade.
Não basta prometer. É preciso, acima de tudo, realizar. O maior poder, como nos adverte José Antonio Marina, é precisamente este: tornar real o possível.
3. Sempre ouvi dizer que o demónio se alimenta de propósitos. No início de um ano, não faltarão.
Ninguém questiona que muitos deles são formulados com a melhor das intenções. Mas não podemos viver ao ritmo dos propósitos que nunca se realizam.
Sábia é, por isso, a recomendação de Santo Inácio de Loyola. Trata-se da recomendação dos três p’s.
Dizia o fundador da Companhia de Jesus que os propósitos devem ser poucos, pequenos e possíveis.
É que, se forem muitos, facilmente nos dispersamos. Se forem grandes, dificilmente os fixamos. E se não forem possíveis, instintivamente os pomos de lado.
Na verdade, somos muito ambiciosos na formulação de propósitos, quando devíamos ser mais ambiciosos na sua concretização.
Ainda me lembro do primeiro retiro em que participei e da cara de espanto do seu orientador quando leu o propósito que alguém tinha feito: «Prometo fazer tudo o que ouvi aqui»!
Há quem diga que o Islão mobiliza muita gente por causa da simplicidade da sua doutrina. O próprio Cristianismo, que, por vezes, se nos afigura tão complicado, também é luminosamente simples.
Jesus tudo resumiu numa única lei: a lei do amor. Amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a nós mesmos é a súmula da mensagem e a chave do seguimento de Cristo.
Curiosamente, Sebastião da Gama percebeu isto muito bem quando escreveu: «Tenho muito que fazer? Não. Tenho muito que amar».
O Evangelho desponta, por vezes, como uma proposta muito bela, mas também como um caminho que teimamos em não trilhar.
4. No início de mais um ano, não prometamos fazer muita coisa. Sem dúvida que muito é preciso fazer. Mas seleccionemos uma coisa de cada vez.
Achamos que é necessário mudar muito lá fora, nas estruturas. E é verdade. Mas comecemos a mudança por nós.
Não é mais fácil, mas sempre será mais exequível, basicamente porque depende de nós.
O que nunca podemos presumir é que a mudança ocorre por inércia. Já, há séculos, dizia Francis Bacon que, por inércia, as coisas só pioram.
Se queremos que as coisas melhorem, temos de fazer alguma coisa. A começar pela nossa vida.
João António Pinheiro Teixeira
padre
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