Jornal de Opinião

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04/01/10

75 anos da Acção Católica

Fábrica, meio, comércio, ribeira, militância, mulheres, ver...; operários, evangelho, vida, família, mudar, julgar...; ambiente, trabalho, oração, igualdade, testemunhar, paróquia, incarnar, agir...!
Cresci saudável entre muitas palavras repletas de vida, densas de significado humano e atitudes consequentes; descobri que a fé se desenvolve, como fermento, bem longe do adro da igreja; aprendi a respeitar as margens do mesmo lago que teimosamente buscam diálogo; abracei histórias de vida, sofrida, simples e vizinhas que, apaixonadas por Jesus Cristo, homem novo, me levaram distante; decidi partir em missão para que todos os meios e ambientes possam ser transformados pela Boa Nova de Cristo.

De facto, escrevo de lá, da “terra de missão” onde o Evangelho me enviou a trabalhar. Desejo também eu, unindo-me a outros, agradecer os 75 anos da Acção Católica em Portugal! Assim testemunhando. Sem triunfalismos políticos, nem lamentações eclesiásticas, nem suspeitas ideológicas. Com muita gratidão na minha alma inquieta!
Em família, com os pais e irmãos que Deus me regalou, provei uma bebida inebriante – talvez o leite e mel de que fala a Bíblia?! - que me tem mantido fortemente vulnerável e sabiamente ignorante ao longo da minha existência: a militância evangélica! A paixão pela justiça e pela condição trabalhadora da pessoa marcam-me como a água do baptismo. Quanto o trabalho não diz de cada um de nós, da sociedade e da própria Igreja! Quanto o trabalho e decisivo para a vida e para a morte! Quanto o trabalho dignifica e da felicidade!
Procuro, mas não encontro! Vejo cristãos a levantar a voz, com grandes apoios mediáticos e hierárquicos, e a organizar-se em plataformas de elite contra o aborto, os casamentos homossexuais, a laicidade, e bem! Mas, parecem aparecer apenas em certas estações do ano com as andorinhas! Anunciam uma moralidade sem ética do viver quotidiano que reduz o viver a uma questão relativa a minorias quando a maioria carece do essencial!
A verdade é que me sinto sempre mais estrangeiro na Igreja quando vejo outros leigos - poucos e com apoios e meios menores – a querer intervir na sociedade em prol dos direitos humanos essenciais – básicos! - única garantia de paz, coesão social e da vida “em abundância”. Reclamam uma vida sóbria, popular, poupada, amiga do ambiente, solidária, tolerante, com uma dignidade cristã ao alcance de todos os que vivem do trabalho humano.

A JOC continua a ser sinal da Igreja solidária com os reais problemas das pessoas, jovens e famílias excluídas de forma crescente do moderno “estilo de vida luso-europeu”. Modelo económico de vida que, não dignificando o trabalho como actividade humana, as deixa na margem rochosa do lago, onde é cada vez mais difícil fazer-se ao largo... Uma das causas é a omissão em paróquias e recentes movimentos de leigos – alguns muito “espiritualistas” e burgueses! - da prática da “revisão de vida” que deu à Igreja uma militância de santos e santas sob os mais variados regimes políticos e pontificados.
Procuro, mas não encontro! Onde estão os militantes cristãos a defender o trabalho digno, a casa digna, a saúde digna, o bairro digno, a escola digna, a política digna, a economia digna, o município digno, a segurança social digna, o partido digno, a imigração digna, o lazer digno, as eleições dignas... ? Onde estão?
Muitos me dizem para não usar a palavra militante pois já não diz nada. Acautelam-me sobre as conotações políticas. Mas, o problema é que não encontro outra para falar de cristãos no mundo, de pessoas que se empenhem na transformação das estruturas sociais, algumas pecaminosas e degradantes. Não encontro outra palavra com a idêntica força e profecia bíblica segredada pelo Espírito, em 1925, ao padre belga Joseph Cardijn, fundador da Juventude Operária Católica (JOC). Não encontro outra para proclamar a novidade luminosa que continua a ser o Vaticano II para o mundo de hoje, em que o trabalho irmana todo o género humano num único projecto civilizacional!
Como filho de uma militante da Juventude Operaria Católica sou fiel ao testemunho que vi, julguei e me levou a agir. Com o Cardeal Cardjin e prior da terra aprendi a fidelidade que tem rosto e se incarna na história que não se repete, nem se arrende diante do mal.
Continuam a ser precisos militantes cristãos, como a minha mãe, antiga dirigente, eleita - como ela gosta de sublinhar – presidente da JOC paroquial. Trabalhadora e militante numa vila constituída por pescadores empobrecidos pelas próprias duras condições laborais que viviam sem jeito em terra firme, que acreditavam, mas de maneira pouco canónica, pois sua labuta era o mar salgado que, sem avisar, engolia camaradas e embarcações, homens reféns de uma profissão desprotegida, indigna para muitos, sem direitos humanos e familiares. Trabalhadores que, nos anos quarenta e cinquenta, não sentiam por perto o carinho de Deus, nem a solidariedade da Igreja. Foram precisamente mulheres, como a minha mãe Maria, que levaram a dignidade a esses trabalhadores, operários do mar e as suas esposas e filhas, operárias da indústria da conserva de peixe. Foram elas que estimularam a criação da secção masculina da JOC para que os rapazes também se organizassem em movimento.
Com o Evangelho no coração, sem sair do lugar onde Deus as colocara, os jocistas ao longo destes 75 anos anunciaram Cristo na rua onde todos passam, nas ribeiras do mar salgado, no salões de baile e cinemas, nas igrejas e lojas, nas fábricas e armazéns, e transformaram o mundo semeando os valores que mudaram inevitavelmente também a minha própria vida.

Um sacerdote missionário

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