Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

24/11/10

Um doente famoso em Jornadas de evocação republicana

Em duas recentes jornadas despertaram interesse comunicações do autor, o qual também deu o seu testemunho sobre tratamentos de insulina, EC por ter participado neles e ter assistido presencialmente a quatro leucotomias no seu tempo de ajudante de enfermaria nos anos de 1940 no Telhal. Abordou nas comunicações o caso de um doente mental que se tornou muito conhecido pelo seu envolvimento na I República ao assassinar no dia 4 de Outubro de 1910 o principal mentor da revolução republicana, o Dr. Miguel Bombarda.

Numa delas (Castelo Branco,13.11.10) ligava-se a doença desse doente à corrente da degenerescência mental defendida por Miguel Bombarda e por quase todos os maiores expoentes nacionais e europeus da psiquiatria. Noutra (Lisboa, 17.11.10) ligava-se o internamento do doente assassino à Casa de Saúde do Telhal como hospital militar de rectaguarda na I Grande Guerra, 1917-1922, em que foram internados 93 militares “gaseados”; e mais tarde, nos anos 1930-1950, em que no Telhal eram internados todos os doentes mentais militares tendo 117 em 1938.
Esta posição da degenerescência mental baseada na organogénese excluía à partida a cura e propunha o encerramento para toda a vida dos degenerados mentais por serem perigosos e irresponsáveis. Além disso esta corrente levou à ascensão do poder médico dos alienistas/psiquiatras, à medicalização da sociedade e aos conflitos entre alienistas e juízes. Teve ainda outra consequência avassaladora que foi a da medicalização estigmatizante de alguns grupos sociais como degenerados mentais. Os grupos mais estigmatizados pelo poder médico medicalizante foram as mulheres, os pobres, as pessoas religiosas e, acima de todos, para Miguel Bombarda, os Jesuitas.
Miguel Bombarda defendeu antes e no momento da morte a incurabilidade do Tenente Apparício Rebêllo dos Santos, o qual, após o atentado, foi internado, sem julgamento, no Hospital de Rilhafoles onde já estivera em 1909 e aí foi mantido até 1934. Em Novembro desse ano foi transferido para a Casa de Saúde do Telhal, tornada por acordo com o Serviço de Saúde Militar, Hospital Militar Psiquiátrico de Rectaguarda.
E agora temos o paradoxo de um degenerado mental que se cura contra o que parecia ser ciência psiquiátrica definitiva. O Tenente Aparício Rebêllo dos Santos tinha então 56 anos. Foi tratado pelo Dr. Diogo Furtado, neurologista destacado do Hospital Militar Principal para os doentes militares do Telhal em 1933. O doente entrara já com pouca actividade delirante de paranóia, com delírio persecutório, que naqueles anos fora desaparecendo ficando apenas a sua critica e memória dos mesmos. No dizer de Diogo Furtado “pode falar-se de cura completa”. Aparício pediu para continuar na Casa de Saúde.
Após o alerta do artigo de Maria João Antunes e Francisco Costa no livro “Miguel Bombarda e as Singularidades de uma época”, Coimbra 2006, pp. 101-104, verificou-se que do processo clínico deste doente na Casa de Saúde do Telhal, encontrado pelo nome de Aparício Rebêllo dos Santos [com acento e dois l] e o nº 1811, só havia uma capa vazia. Do processo administrativo nem a capa. Só um "buraco" entre o nº1810 e o 1812. O Tenente Aparício faleceu em Abril de 1943 na Telhal.
Funchal, 22 de Novembro de 2010
Aires Gameiro



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23/11/10

Da verdade de cada um à orfandade de todos

No último ano, em treze das dioceses portuguesas, o número de pessoas atendidas (socorridas) pela ‘Caritas’ aumentou de cinco mil para 62 mil. Esta revelação foi feita, no último conselho geral da ‘Caritas’, que decorreu, em Fátima, recentemente.

Segundo os responsáveis deste organismo da Igreja católica os pedidos atendidos – porque a muitos outros não tem sido possível responder – têm a ver com situações de desemprego, que se reflecte na incapacidade da aquisição de alimentos e de medicamentos e mesmo na comparticipação para a renda e/ou a prestação para a casa.
Mais do que lamúrias e discursos eivados de desgraçadismo, é preciso encontrar e assumir as (possíveis) causas que têm dado tais consequências e nem a (apelidada) crise pode servir de paliativo para que não façamos uma reflexão séria sobre nós mesmos e sobre o povo do qual fazemos parte... com toda a honra e glória.

= Com enfrentar a verdade?
Temos, infelizmente, andado a adiar o reconhecimento da nossa pobreza – muitas das vezes mais moral do que económica – colectiva, tentando disfarçar as mazelas do nosso tecido social e financeiro. Falta-nos, de facto, a cultura do trabalho, feito com sinceridade e como meio de realização humana.
Temos, infelizmente, vivido à sombra de certos preconceitos marxistas onde cada ‘trabalhador’ – espécimen laboriosa de endeusamento de grupo – se torna numa espécie de rezingão militante, vendo em cada outro um potencial ‘explorador’ oportunista e incapaz de ser tão bom ou melhor (trabalhador) do que eu. Com efeito, uma certa dialéctica marxizante ainda envenena as relações entre as pessoas – patrões e trabalhadores, como se aqueles não fossem também estes! – gerando desconfiança e mau ambiente profissional, social e político.
Temos, infelizmente, andado a fugir à nossa incapacidade de percebermos que somos um povo de preguiçosos – salvo raras e bem sucedidas excepções – que preferem viver de expedientes – com esquemas bem urdidos – do que sermos participantes da tarefa comum – que é muito mais do que colectiva! – em construirmos um país de trabalho honesto e benfazejo.
Talvez nos falte, infelizmente, a experiência de nos termos de unir para reconstruirmos o tecido nacional, como aconteceu nos países do Norte da Europa, após as duas Guerras mundiais... no século XX. Continuamos, afinal, com um certo mini-fúndio mental, onde cada um cava no seu quintal e tem água suficiente para não precisar da partilha com o vizinho e vice-versa.
Temos de assumir a verdade do que somos: não temos, normalmente, horizontes de bem comum nem nos unimos no comum do bem... de todos.

= Orfandade do ‘pai’ matado
Nota-se, em geral na psicologia do povo português – muito mais do que em qualquer outro povo, no contexto europeu! – uma espécie de necessidade de proteccionismo, transferindo para o Estado o complexo do pai, que tanto ampara como condiciona a assumpção da personalidade e, nalguns casos, é boa desculpa para adiar a maturidade por si mesmo e pelos seus actos.
Veja-se com facilidade se fala mal do Estado – mesmo que o contestado passe a ser, na prática, o governo – mas se anseia que ele assuma as responsabilidades que devem ser de cada um. De facto, tem-se repetido, por estes dias, a célebre frase atribuída a JF Kennedy: ‘não pergunteis o que o país pode fazer por vós; perguntai antes o que é que vós podeis fazer pelo país’!
Efectivamente, preciamos de ultrapassar esta orfandade do pai tirano, para passarmos a sentir a nossa responsabilidade de pessoas adultas que assumem as suas culpas, as suas façanhas e os seus insucessos sem termos de andar sempre a desculpar-nos...
E nem as instituições da Igreja podem prestar-se a fazer esse papel proteccionista de dar ajudar aos bochechos, prendendo as pessoas pela boca, mas temos, urgentemente, de criar adultos que se empenham em construir a vida com responsabilidade e dever assumido.

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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19/11/10

Ao Compasso do Tempo – Crónica de 19 de Novembro de 2010

A Liturgia de Cristo – Rei coincide com a grande cimeira em Lisboa. Para os representantes da Nato é-lhes conferida a lição de critérios da gestão de conflitos.

A estratégia militar toma consciência, uma vez mais, de meios valorosos de defesa e de vitória. E os intervenientes deste Tratado Atlântico têm a obrigação de dominar tal cultura. Em vez das armas, surjam a justiça, o desenvolvimento, a politica da verdade, a diplomacia sem peias, a vontade de reconstruir a reconciliação e a confiança. Os critérios tido como mais pobres valem muito mais que todas as riquezas!
A lógica das relações entre povos e nações deve ser outra. Quem “reina” na batalha ou na ágora da cidadania não é a virulência nem a vingança. Também não é a humilhação dos vencidos nem o ar olímpico dos vencedores.
Os valores e as apetências destes são outra força. Mas os interesses mundanos são demolidores: o dinheiro, e as suas variantes de poder e prestígio, transtornaram tudo.
O rei (com todo o respeito pela monarquia e por expressões de mando político, do mesmo tom) é o ventre, na acepção bíblica, ou o desmando ou a mediocridade.
Uma cimeira de poder precisa da “voz da consciência” para defender os fracos, promover os direitos da pessoa, opor-se às agressões e aos monopólios, abrir-se à verdade, desconfiar dos objectivos mais hediondos à sombra de discursos de nobreza e de regulamentos de nova ordem mundial.
A mentira e os negócios engendram convulsões. E as mãos aparentemente limpas são as mesmas que desencadearam o sangue. Temo-lo visto no Médio-Oriente, no Iraque, no Irão, no Afeganistão, no mundo dos Balcãs.
Agnes Heller, pensadora húngara e judia, quando menina, fugiu do gueto onde se escondera, confiando no soldado nazi que a espiava e à sua família. Acreditava na humildade de um carrasco. O soldado, fixado nos olhos por uma criança que surgiu do silêncio do terror, depois de um momento de hesitação, permitiu que ela e os seus escapassem. O humano que há em cada um de nós sobrepõe-se a todas as outras lógicas. Há sempre uma dignidade escondida no coração de cada um. É o diadema de um Cristo que nunca quis ser Rei… “No meio das armas, a caridade” (divisa da Cruz Vermelha). Nas estratégias da Nato, em Lisboa, confio que possam brilhar a crescente defesa e respeito pelo que há de mais humano no coração do poder e da sabedoria.
A abertura a temas de cultura e de justiça abafarão o securitário e lançarão uma luz crescente sobre fanatismos e embriaguez de ódios. Leiam o admirável livro “A Guerra e o Silêncio de Deus” de Bruno Forte (Lisboa, Ed. Paulinas, 2003)

MDN, Capelania Mor, 19 de Novembro de 2010
D. Januário Torgal Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança



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16/11/10

S. João de Deus e a história da Casa de Saúde do Telhal em Jornadas de História da Medicina em Castelo Branco (12-13.11.2010)

O pretexto foram as XXII Jornadas de Medicina na Beira Interior da Pré História ao século XXI, que se realizam todos os anos à volta da figura de vulto da Medicina europeia o Dr. João Rodrigues (1511-1568), mais conhecido pelo seu nome latino Amatus Lusitanus que traduz o seu nome hebraico de Judeu.

Foi um médico muito perseguido pelas Inquisições europeias. Nasceu em Castelo Branco, estudou Medicina em Salamanca, praticou algum tempo em Lisboa donde escapou para praticar, ensinar e escrever suas obras de grande valor, entre as quais as mais famosas “As Centúrias”, em Antuérpia, Ferrara, Ragusa e Salónica onde faleceu. Foi contemporâneo de S. João de Deus.

Foram apresentadas nestas Jornadas cerca de 25 Comunicações, sendo oito sobre vários temas da vida e obra de Amado Lusitano.

Foram já apresentadas e pedidas sugestões para as Jornadas ou Congresso Comemorativo dos 500 anos do nascimento deste vulto da medicina do séc. XVI.

Nas Jornadas S. João de Deus esteve presente já pela quarta vez.

Nestas jornadas três comunicações tomaram a sua figura hospitaleira e a história da O.H. como tema.

O Doutor Moutinho Borges apresentou “S. João de Deus na azulejaria em Portugal, séc. XVII-XXI: figurações assistenciais e de hospitalidade”.

O autor, Conservador do Museu de S. João de Deus, ilustrou a vida do Santo com uma selecção dos azulejos fotografados por ele e limpos por Valter Correia que fazem parte do livro da sua autoria que está no prelo.

O Padre Doutor Aires Gameiro, OH, apresentou duas comunicações: uma síntese da Conferência que proferiu no Congresso Internacional das Ordens e Congregações Religiosas em Lisboa (2-5 Nov. 2010). O título aqui, algo diferente da de Lisboa, foi: “Ordens Religiosas Hospitaleiras na História do Tratar e Cuidar antes e após a I República”.

Na segunda o tema e título que apresentou foi: “Notas à volta da teoria da degenerescência mental e o Dr. Miguel Bombarda. O caso da cura do Tenente Apparício Rebêllo dos Santos na Casa de Saúde do Telhal”.

Castelo Branco, 13 de Novembro de 2010.
Aires Gameiro



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15/11/10

Não é com greves que recuperamos o país

Este mês de Novembro está sob o ciclo das questões de economia, tanto da do trabalho como da contestação.

De facto, mesmo que estrebuchando o país está na ‘bancarrota’ – não que a banca esteja rota – mas que as finanças do Estado é que faliram... e poucos assumem as suas culpas nem aceitam as consequências dos seus actos. Por isso, como que soa a ridículo que se faça uma jornada de greve geral, quando o que era preciso seria mobilizar o país – população, instituições, partidos, empregados e empregadores – para a recuperação.
Vamos, no entanto, por partes:

+ Os outros não nos levam a sério
Efectivamente, o mercado – outros preferem chamar-lhes os especuladores – não reagiu bem à aprovação do Orçamento de Estado, tendo subido a taxa de juros dos empréstimos que nos querem cobrar. Pudera! Quem seria capaz de ver seriedade num Parlamento onde os quem fazem acordos de viabilização do OE 2011 se ofendem e degladiam daquela forma que vimos entre os dois maiores partidos portugueses? Mais pareciam dois galos à guerra numa capoeira do que gente civilizada a tentar resolver os problemas do país!
É triste a figura que damos àqueles que nos vêem em conflitos de interesses e com isso vamos degradando a economia. Somos uma espécie de país de gente pequena que não olha a meio para atingir os seus fins, mesmo os mais mesquinhos, corporativos e egoístas.
Em vez de nos unirmos para fazer ressurgir o que ainda resta, vendemos a alma aos chineses, pois estes têm dinheiro capaz de nos enfeitiçar, mesmo que isso implique calar a voz da razão nos ofensas aos direitos humanos mínimos.

+ Não acreditamos em nós mesmos
Parece que há múltiplos interesses quando os protestos sobem de tom. Olhamos para o resto da Europa e vemos que cresce a capacidade económico-financeira, enquanto nós vemos, cada dia, surgir mais e mais casos de pobreza e de falências, de desemprego e de corte nos subsídios... Todos se colam à crise, mas pouco ou nada se corta nas extravagâncias. Como é possível que se encham estádios de futebol com bilhetes a mais de duzentos euros e dizem que há crise? Como é possível encher hipermercados aos domingos à tarde para compras, se tudo tem de ser pago a pronto ou, no mínimo, a crédito? Como é possível ver o confronto com casos de miséria ao lado de exibições de novo-riquismo em automóveis e comezainas?
Nem as declarações de apelo à verdade dos nossos bispos parecem ofender a consciência crispada de tantos dos nossos concidadãos. Corre sobre a nossa cabeça uma espécie de maldição, pois não nos assumimos como pobres e empobrecidos, mas antes tentamos culpar os outros pelas falhas do sistema... fiscal, educativo, financeiro, político, etc.

+ Mobilizar-se para a luta em trabalho... solidário
A quem interessa apresentar um país onde o trabalho da luta não é substituído pela luta do trabalho? A quem interessa abespinhar em vez de unir? A quem interessa limpar as culpa sem encontrar os culpados? A quem interessa favorecer os preguiçosos em vez de incentivar o trabalho? A quem interessa promover greves e manifestações – porventura legais mas ilícitas! – em vez de incentivar a solidariedade na construção do bem comum?
Urge, por isso, dizer: há políticos que não merecem ser ouvidos, pois legalmente mentem e não não chamados à responsabilidade cívica... muito antes das votações. Há pessoas que são culpadas do estado do país e continuam com tempo de antena afagando o seu ego incoerente. Há situações que exigem, urgentemente, ruptura com a mentira e a falsidade.
Mais do que o inferno dos outros precisamos de construir um céu de confiança com os outros, já!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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Compasso do tempo

No correr desta semana lá ouvimos o tema das privações e dos medos do pior. Por muito que abundem as repetições, a fome e as incertezas não mudam de rosto. O que aflige é não se saber o que deve ser feito ou a ausência de respostas a perguntas, sempre as mesmas. Com certeza que a produtividade deve crescer e as exportações ganharem a idade adulta. É fácil a retórica. É difícil a prática.

As próprias derrotas têm uma explicação tal (em retórica) que até parecem ter sido vitórias.
Conviver com este “ânimo nacional” pode resultar num perigo: habituamo-nos à depressão e não a enxotamos. A não ser por palavras.
Desde há meses foi anunciada a criação de um “Fundo Social Solidário” com normas rigorosas e com representações credíveis de instituições. A Conferência Episcopal apresentou o nascimento dessa decisão, agora em Fátima. Claro que afirmar a existência de vazios e atropelos incomoda muitas pessoas, que já olharam o seu país como um paraíso sem igual ou entidade menor em crescimento acelerado. E vir falar-se, agora, de cantinas escolares, abertas ao sábado para matar a fome, ou de gente envergonhada a ir almoçar ou jantar a restaurantes, após mostrarem cartões de legítimo acesso… é declarar a falência de promessas ou a mentira de “verdades” indiscutíveis, sempre como tais exibidas.
Que um novo modelo de desenvolvimento tem de ser posto em pé, oferecendo confiança, estabilidade e paz a todos os sofredores, é expectativa incontroversa. Mas até lá, o que fazer de quem não tem casa nem emprego nem alimento nem vestuário nem salário nem férias? Com certeza que há mentiras pontuais e exploração de sentimentos. Bem conhecemos o que se passa.
Apoiar, de momento, é um remendo. A luta afinal é pela justiça, nunca pela esmola ou pelo prato de sopa. Mas enquanto não nasce o sol, como “enganar” a fome dos direitos e do apaziguamento de tantos sobressaltos? É a esta fase intermédia que o “Fundo” criado se aplica.
É um triste sintoma que um país necessite de obras em ordem a acolher crianças ou idosos, adolescentes em perigo social, marginalizados de toda a espécie. Mas ajudar alguém e lutar, ao mesmo tempo, por um plano novo de desenvolvimento, é uma contradição? O apoio solidário não pode ser ludibriado por quem inventa histórias ou imagina urgências de toda a espécie. Mas o rigor prometido, e já experimentado em numerosas situações, oferta-nos a certeza da seriedade e da gestão honesta. Se não há confiança em certas pessoas e suas realizações de justiça e de transformação, o mundo morrerá mais depressa.
De desalento! E de retórica… Não nos resignaremos diante de gente que, de forma indevida, se “alimenta” do Estado e de iguais despudorados a quem, no tocante a dinheiro, nada repugna….

MDN, Capelania Mor, 12 de Novembro de 2010
Januário Torgal Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança


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Ordens e Saúde: Curar em Nome de Deus

Este foi o tema do painel, na Sessão XII, apresentado no Congresso Internacional Ordens e Congregações Religiosas em Portugal: Memória, Presença e Diásporas, que decorreu nos passados dias 2 a 5 de Novembro.

A Sala 3 da fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, recebeu dezenas de participantes que, atentamente, ouviram os comunicantes falar da importância e papel fundamental que as Ordens e Congregações tiveram e continuam a ter para o desenvolvimento da Hospitalidade.

Os Doutores João Rui Pita e Ana Leonor Pereira, da Universidade de Coimbra, deram um valioso contributo ao incidir o seu tema sobre a abordagem sobre os religiosos boticários, quer os que escreveram as farmacopeias, quer os que se dedicaram ao cultivo das ervas para abastecer as boticas conventuais.

Houve três comunicações que se destacaram neste capítulo assistencial pela forma como abordaram a acção dos instituidores e fundadores das Ordens e Congregações. O Doutor Augusto Moutinho Borges desenvolveu o tema Ordens e Saúde: Curar em Nome de Deus. O Pe. Doutor Aires Gameiro incidiu no tema Os Frades na Saúde: do Antigo Regime à República. A Irmã Mestre Paula Carneiro explorou a temática Ordens e Congregações Femininas na Saúde.

As três comunicações citadas analisaram as causas e motivos pelo qual as Ordens e Congregações se responsabilizaram pelas questões assistenciais, com maior evidência para as que, a partir do século XVI, se dedicaram quase exclusivamente à prática assistencial, hospitaleira e caritativa, irradiando pela Europa em direcção às Missões em longínquos Continentes.

Pelo exposto foi referido o papel actuante das Ordens e Congregações Hospitaleiras, com destaque para a Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, a Ordem dos Ministros dos Enfermos (Camilianos) e das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, tendo sido abordadas nesta análise outras Ordens e Congregações mais antigas, como a Hospitaleira de S. João de Jerusalém, actual Ordem de Malta, e de Santa Maria de Rocamador.

Conclui-se que as Ordens e Congregações continuam actuantes no campo assistencial, seguindo o carisma com que foram fundadas, tendo sempre como objecto de acção o ser Humano.

Sem dúvida que este painel fazia falta se não fosse incluído no vasto programa que debateu, ao longo de 4 dias, a presença das Ordens e Congregações Religiosas em Portugal, tendo aprofundado mais a história da História da arte de curar em nome de Deus.

Lisboa, 5 de Novembro de 2010

Augusto Moutinho Borges
e Aires Gameiro



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12/11/10

Num tempo de grave crise... uma Igreja ainda mais solidária!

Temos vindo a saber, através da televisão, que existem neste momento no país inúmeras pessoas a passar dificuldades, e muitas, já a passar fome.


A perda de emprego, os encargos assumidos com empréstimos para a compra de casa, do automóvel, do electrodoméstico etc, e ainda, e sobretudo, os maus hábitos de consumo exagerado e impensado, adquiridos nos últimos anos, quer a nível de Estado e do Governo, quer a nível familiar e pessoal, conduziram-nos a esta situação aflitiva.
Se têm estado atentos, hão-de ter verificado, como eu, que, quem tem vindo a acudir a esta pobreza e miséria, é principalmente a nossa querida e amada Igreja, através da CARITAS, das MISERICÓRDIAS e das PARÓQUIAS.
Eu diria que, agora, já começam a lembrar-se da Igreja!
Esta Igreja, que tão desprezada e combatida tem vindo a ser por governos laicos, por concidadãos agnósticos, por vanguardistas de esquerda e por movimentos ditos de “libertação”, mas também pelos seus próprios filhos (em Portugal as pessoas tiveram sempre um especial prazer em falar mal dos padres, da igreja e da religião), esta Igreja, dizia, volta a ser mais uma vez a mãe que esquece, a amiga que perdoa, a irmã que acolhe e ajuda a todos, seja qual for a sua religião, a sua raça, o seu clube ou a sua posição política.
Tenho a certeza de que muitos dos que agora estão a ser socorridos pela Igreja, estiveram contra ela em muitas ocasiões (e talvez amanhã voltem a estar…) nomeadamente quando defende a família contra o divórcio, a pedido, ou contra o casamento de pessoas do mesmo sexo, quando protege a vida humana contra o aborto e contra a eutanásia, ou quando defende uma vida com dignidade, contra os desmandos duma sociedade que quer viver sem regras, sem valores e sem ideais.
Pesem embora as manchas frequentes dos seus filhos pecadores, a Igreja sempre assim se comportou. Foi essa a mensagem que recebeu do seu maravilhoso fundador que passou a vida a fazer o bem a todos e nos ensinou a ser misericordiosos como o Pai do Céu é misericordioso.
Quem estuda um pouco a história da nossa Igreja, para além de encontrar muitas sombras e negruras, porque ela é feita de homens e mulheres pecadores por natureza, verifica também que a sua existência de dois milénios é uma enorme epopeia de amor e de caridade.
Bastará dizer-lhes que, durante séculos e séculos, a Igreja foi a única organização a preocupar-se e a fazer tudo o que podia pela educação e instrução das populações, e a única instituição que se dedicava a consolar os aflitos, a cuidar dos doentes, a acudir e a defender os perseguidos, a visitar os prisioneiros e a matar a fome aos desgraçados. Bastará informá-los de que, ao longo da Idade Média, não havia igreja alguma que não tivesse organizada uma “relação dos pobres” existentes na paróquia. Bastará acrescentar que era à porta das igrejas e aos refeitórios dos mosteiros que os pobres e os maltrapilhos vinham buscar roupas e mantimentos. Bastará lembrar também que era nas enfermarias dos mosteiros que os doentes encontravam uma cama feita, uma mesa posta e tratamentos ao seu dispor…e sem pagarem taxas moderadoras.
A Igreja não deixava que alguém fosse excluído, maltratado ou abandonado à sua sorte. Até os foragidos às justiças encontravam asilo nas igrejas. Os hospitais, as albergarias, os asilos, as gafarias, os hospícios, as mercearias (para acudir a “pessoas honradas mas empobrecidas”, hoje diríamos, os pobres envergonhados), as confrarias de mesteres e artesãos e todas as outras instituições de caridade e bem-fazer foram, até ao século XIX (data em os governos liberais começaram a assumir as questões sociais como encargo seu), uma enorme epopeia de amor e de caridade por parte da Igreja Portuguesa.
Um ilustre investigador dá-nos conta de terem existido no país, antes de, no século XV, aparecerem as Misericórdias, 77 gafarias para acolher e tratar os leprosos, 186 albergarias para cuidar de peregrinos e viajantes e 36 hospitais para receber e tratar dos doentes, tudo por iniciativa de particulares e à sombra das igrejas. Isto, numa população que rondaria apenas um milhão de habitantes.
Tal acção benemérita da Igreja avolumou-se e floresceu mais ainda quando, em 1498, começaram a surgir, às centenas, as Irmandades das Santas Casas da Misericórdia pelo país, primeiro no continente, e mais tarde nas províncias ultramarinas: umas 388, actualmente, só aqui no continente.
Sintamo-nos felizes por pertencer a esta Igreja, tão odiada por muitos mas sempre de mãos abertas para todos. E, nesta fase de grave crise, não deixemos de olhar para o lado. Demos as mãos uns aos outros, organizemo-nos melhor se for preciso, façamos de novo “relações” de necessitados em cada paróquia e, sem dar nas vistas nem humilharmos ninguém, acudamos a todos os que precisam de nós e da nossa ajuda fraterna e solidária.
É isto o que mais interessa agora.
Deve ser isto o que Deus mais quer de cada um de nós.

Resende, 10 de Novembro/2010
J. CORREIA DUARTE


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10/11/10

Entre a gratidão e a expectativa... serena

Num breve espaço de um ano tive de retirar da minha lista telefónica alguns nomes, que, entretanto morrreram, ou que, infelizmente, noutros casos se verificou alguns distanciamento psicológico e, sobretudo, espiritual. Da lista dos segundos tenho algum pudor em referir-me, mas da primeira desejo registar, particularmente, alguns padres, cuja perda me foi difícil – mesmo na linha da fé – de digerir.

Talvez sem menosprezar as perdas irreparáveis pelo falecimento, parece que os vivos foram mais difíceis de recepctionar na ruptura da ausência, pois esta revestiu, inconscientemente, um certo esquecimento quase inglório.
Estamos no mês de Novembro, muito propício à memória das partidas, tantos dos defuntos como dos ‘sepultados’ (como ou sem enterro), na medida em que somos, minimamente, susceptíveis de avaliar quem nos marcou afectiva, psicológica e espiritualmente.
Daqueles que partiram podemos colher lições de vida entregue e consumada. Dos que ainda caminham connosco podemos aprender a prudência, recompondo a forma de estar em maior humilde e confiança... uns para com os outros e sempre em abertura à dimensão do divino em nós e à nossa volta.

Gerir emocionalmente
Em breve fará um ano a partida do ‘reino dos vivos’, sobre esta terra, do senhor Padre Agostinho Gomes – falecido com mais de noventa anos – que se foi apagando paulatinamente. Homem de parcas palavras, deixou sinais simples da sua passagem, que não pode nem deve ser esquecida. Vê-lo jacente na urna, nos últimos dias do ano passado, continua a ser uma recordação acre de golpe atroz. À memória me vêm conversas de circunstância e situações de aprendizagem até nas anedotas simples... a propósito de tudo ou de quase nada... aprendendo a descobrir as lições da vida em factos de simplicidade.
Meses depois – já em Junho... simbolicamente no dia de santo António – vivi o funeral de Monsenhor Manuel Bastos, em Peniche: tudo se cobriu de luto... sem choro, mas por entre lágrimas contidas de gratidão. Foram mais de seis décadas a marcar uma cidade. Quase ninguém escapou à sua influência. Chorar este homem do mar em terra de gaivotas ariscas foi o mínimo que se pode apreciar... A sua memória, certamente, nunca será esquecida pela sua diferença e pela salutar ousadia...

Aceitar serenamente
Na turbulência da nossa vida – interior sobre o exterior e vice-versa – vamo-nos encontrando ou cruzando com pessoas que nos fazem compreender (melhor) o mistério de nós mesmos. Deus permite – pelo menos até certo tempo – na sua benevolência que haja pessoas que nos ajudam a descobrir a nossa vocação e/ou missão neste mundo. Alguns/algumas entram de rompante, outros/as de mansinho e outros/as ainda entram e saem como se fossem elásticos em maré de ensaio... de aprendizagem. Quantas vezes só percebemos as causas pelas consequências... à vista da condução divina. Quantas vezes uma espécie de inocência se descobre por entre alguma maledicência. Quantas vezes há vivências que fazem amadurecer... dolorosamente.
Não é fácil viver a serenidade quando falham as ‘seguranças’ humanas e se gera alguma desconfiança em nós e à nossa volta. Muito se abala, na medida em que as expectativas são defraudadas...

À luz dos que já partiram e do respeito pela sua memória podemos entender quem nos aprecia ou despreza... agora. Se nem os mortos são honrados, muito menos o serão os vivos... convenientemente!
Basta desta mentalidade do descartável... da utilidade pela conveniência. Até quando?

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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08/11/10

O Ser e o fazer dos religiosos num Congresso Oficina

Podemos chamar oficina ao Congresso Internacional das Ordens e Congregações Religiosas (2-5 Nov.2010) por ter produzido e “vendido” mais de 160 temas investigados.

Durante cerca de oitenta horas e quarenta sessões de conhecimentos especializados distribuídos a cerca de mil clientes, equivaleu, sem favor, a um curso académico de um ano de duas horas semanais. Investigação histórica científica, séria, de todas as áreas e assuntos. Muitos deles ocultados por repetidas tácticas ideológicas, anticlericais, anti-jesuitismo e anticongreganistas agora desocultados por anos de investigação e postas à luz nesses dias. Textos de apoio de dois dicionários únicos e duas dezenas de volumes de apoio sobre a matéria deram nível ímpar à realização. Podia ser triunfalista nesta leitura do Congresso. Com milhares de razões para isso. Contudo,vou moderar-me.

Foram apresentados e avaliados factos, correntes de ideias, ideologias, modos de viver a vida de fé em Jesus Cristo, radicalismos de consagração e fundamentalismos sectários. Dois mil anos de história do cristianismo, da arte, filosofia, das ciências universais, da adesão a Jesus Cristo, Verbo do Pai, e ainda de deslizes e afeições a ídolos insidiosos, desfilaram na passarelle das salas do congresso. Vozes a ensinar, animar, interpelar, provocar, chocar e alertar os empenhados, os curiosos da história, os acomodados, os tíbios e os fiéis. As formas e os desvios da consagração e entrega a Cristo neste e naquele século; o que foram os consagrados, o que deviam ter sido, o fazer agitado e ganancioso sem o ser, o falso ser sem o fazer; formas e desvios da harmonia entre o ser e o fazer com Cristo e sem Cristo na fuga mundi e na renovatione mundi -- tudo por ali desfilou. As lições mostraram triunfos e fraquezas, oscilações e desvios no ser e no fazer dos religiosos, e no ser e fazer, ora imparcial ora sectário, dos semeadores de antijesuitismo, de anticongreganismo, anticlericalismo e de pseudociência.

As investigações mostram sucessivas ondas de harmonia de vida entre o ser e o fazer dos consagrados com Cristo presente e ondas de ser e fazer sem Cristo no centro. Umas a corrigir desvios em que a adesão a Jesus Cristo é substituída por adesão a ídolos; ondas de inconformismo com o espírito mundano e de conformismo com o mesmo espírito. Mostram religiosos e religiosas desviados e corrigidos e chamados à ordem por nova onda de seus pares mais fiéis ao Cristo despojado da Cruz. E “chamados” também pelos ataques implacáveis, injustos e cruéis de anticongreganistas, quais vozes desafinadas, contra desmandos, e quais linhas tortas oferecidas para que Deus e os fiéis servos ao seu serviço escrevam direito. Desmandos no apego ao ter e ao poder, ao fazer agitado e pavoneado de vaidades, aos prazeres e aos orgulhozinhos in-consagrados. Substituindo o ser com Cristo humilde na Cruz por querer ser os maiores mesmo em ridículos tronos de vã glória.

Chocaram as cenas de consagrados vítimas dos 1757, 1834 e 1910, irmãos dos que um tempo foram mendicantes de Deus por opção a dar lugar agora a consagrados mendigos de migalhas por humilhação injusta e banidos da cidadania pelos que se arrogaram o poder e lugar de Deus. Chocou aquele banido do seu país sem crime a reconhecer que foi pelo nosso orgulho que estamos a sofrer agora.

Pelo seus méritos a muitos níveis, o maior evento das comemorações da I República, deixou o apelo a todos os consagrados: mantende-vos consagrados, vivei consagrados! E ao “restos” dos anticongreganistas: sede homens de Ciência, com maiúscula!

Lisboa, 5 de Novembro de 2010

Aires Gameiro




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Ao Compasso do Tempo - Crónica de 05 de Novembro de 2010

Leitura semanal dos problemas do mundo e da Igreja

São dois os emblemas do português (a): o nevoeiro e a margem.
O primeiro é uniforme do visionário: “haverá um dia”, “chegará”, e sobretudo, “fica para amanhã”…
A margem é o escuro, estragando a partida: “é impossível” a viagem…
Por que motivo, à boa maneira grega, o claro e o escuro sempre nos acompanham como irmãos-gémeos?
É sempre de nós que irrompem as desordens. A reanimação não se consegue com unguentos. Só com lavagem da alma.


Nota
Na esquina do “Dia dos Fiéis Defuntos”, unam-se à Memória de (entre tantos) dois amigos: o Carlindo Pinto de Oliveira (de S. João da Madeira) e do Manuel Frazão (de Lisboa), falecidos recentemente. Uno-me aos vossos desconfortos também.

MDN, Capelania Mor, 05 de Novembro de 2010
Januário Torgal Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança

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