Compasso do tempo
No correr desta semana lá ouvimos o tema das privações e dos medos do pior. Por muito que abundem as repetições, a fome e as incertezas não mudam de rosto. O que aflige é não se saber o que deve ser feito ou a ausência de respostas a perguntas, sempre as mesmas. Com certeza que a produtividade deve crescer e as exportações ganharem a idade adulta. É fácil a retórica. É difícil a prática.
As próprias derrotas têm uma explicação tal (em retórica) que até parecem ter sido vitórias.
Conviver com este “ânimo nacional” pode resultar num perigo: habituamo-nos à depressão e não a enxotamos. A não ser por palavras.
Desde há meses foi anunciada a criação de um “Fundo Social Solidário” com normas rigorosas e com representações credíveis de instituições. A Conferência Episcopal apresentou o nascimento dessa decisão, agora em Fátima. Claro que afirmar a existência de vazios e atropelos incomoda muitas pessoas, que já olharam o seu país como um paraíso sem igual ou entidade menor em crescimento acelerado. E vir falar-se, agora, de cantinas escolares, abertas ao sábado para matar a fome, ou de gente envergonhada a ir almoçar ou jantar a restaurantes, após mostrarem cartões de legítimo acesso… é declarar a falência de promessas ou a mentira de “verdades” indiscutíveis, sempre como tais exibidas.
Que um novo modelo de desenvolvimento tem de ser posto em pé, oferecendo confiança, estabilidade e paz a todos os sofredores, é expectativa incontroversa. Mas até lá, o que fazer de quem não tem casa nem emprego nem alimento nem vestuário nem salário nem férias? Com certeza que há mentiras pontuais e exploração de sentimentos. Bem conhecemos o que se passa.
Apoiar, de momento, é um remendo. A luta afinal é pela justiça, nunca pela esmola ou pelo prato de sopa. Mas enquanto não nasce o sol, como “enganar” a fome dos direitos e do apaziguamento de tantos sobressaltos? É a esta fase intermédia que o “Fundo” criado se aplica.
É um triste sintoma que um país necessite de obras em ordem a acolher crianças ou idosos, adolescentes em perigo social, marginalizados de toda a espécie. Mas ajudar alguém e lutar, ao mesmo tempo, por um plano novo de desenvolvimento, é uma contradição? O apoio solidário não pode ser ludibriado por quem inventa histórias ou imagina urgências de toda a espécie. Mas o rigor prometido, e já experimentado em numerosas situações, oferta-nos a certeza da seriedade e da gestão honesta. Se não há confiança em certas pessoas e suas realizações de justiça e de transformação, o mundo morrerá mais depressa.
De desalento! E de retórica… Não nos resignaremos diante de gente que, de forma indevida, se “alimenta” do Estado e de iguais despudorados a quem, no tocante a dinheiro, nada repugna….
MDN, Capelania Mor, 12 de Novembro de 2010
Januário Torgal Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança
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