Jornal de Opinião

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24/11/10

Um doente famoso em Jornadas de evocação republicana

Em duas recentes jornadas despertaram interesse comunicações do autor, o qual também deu o seu testemunho sobre tratamentos de insulina, EC por ter participado neles e ter assistido presencialmente a quatro leucotomias no seu tempo de ajudante de enfermaria nos anos de 1940 no Telhal. Abordou nas comunicações o caso de um doente mental que se tornou muito conhecido pelo seu envolvimento na I República ao assassinar no dia 4 de Outubro de 1910 o principal mentor da revolução republicana, o Dr. Miguel Bombarda.

Numa delas (Castelo Branco,13.11.10) ligava-se a doença desse doente à corrente da degenerescência mental defendida por Miguel Bombarda e por quase todos os maiores expoentes nacionais e europeus da psiquiatria. Noutra (Lisboa, 17.11.10) ligava-se o internamento do doente assassino à Casa de Saúde do Telhal como hospital militar de rectaguarda na I Grande Guerra, 1917-1922, em que foram internados 93 militares “gaseados”; e mais tarde, nos anos 1930-1950, em que no Telhal eram internados todos os doentes mentais militares tendo 117 em 1938.
Esta posição da degenerescência mental baseada na organogénese excluía à partida a cura e propunha o encerramento para toda a vida dos degenerados mentais por serem perigosos e irresponsáveis. Além disso esta corrente levou à ascensão do poder médico dos alienistas/psiquiatras, à medicalização da sociedade e aos conflitos entre alienistas e juízes. Teve ainda outra consequência avassaladora que foi a da medicalização estigmatizante de alguns grupos sociais como degenerados mentais. Os grupos mais estigmatizados pelo poder médico medicalizante foram as mulheres, os pobres, as pessoas religiosas e, acima de todos, para Miguel Bombarda, os Jesuitas.
Miguel Bombarda defendeu antes e no momento da morte a incurabilidade do Tenente Apparício Rebêllo dos Santos, o qual, após o atentado, foi internado, sem julgamento, no Hospital de Rilhafoles onde já estivera em 1909 e aí foi mantido até 1934. Em Novembro desse ano foi transferido para a Casa de Saúde do Telhal, tornada por acordo com o Serviço de Saúde Militar, Hospital Militar Psiquiátrico de Rectaguarda.
E agora temos o paradoxo de um degenerado mental que se cura contra o que parecia ser ciência psiquiátrica definitiva. O Tenente Aparício Rebêllo dos Santos tinha então 56 anos. Foi tratado pelo Dr. Diogo Furtado, neurologista destacado do Hospital Militar Principal para os doentes militares do Telhal em 1933. O doente entrara já com pouca actividade delirante de paranóia, com delírio persecutório, que naqueles anos fora desaparecendo ficando apenas a sua critica e memória dos mesmos. No dizer de Diogo Furtado “pode falar-se de cura completa”. Aparício pediu para continuar na Casa de Saúde.
Após o alerta do artigo de Maria João Antunes e Francisco Costa no livro “Miguel Bombarda e as Singularidades de uma época”, Coimbra 2006, pp. 101-104, verificou-se que do processo clínico deste doente na Casa de Saúde do Telhal, encontrado pelo nome de Aparício Rebêllo dos Santos [com acento e dois l] e o nº 1811, só havia uma capa vazia. Do processo administrativo nem a capa. Só um "buraco" entre o nº1810 e o 1812. O Tenente Aparício faleceu em Abril de 1943 na Telhal.
Funchal, 22 de Novembro de 2010
Aires Gameiro


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