É tempo de cada um se assumir com os seus direitos, deveres e responsabilidades de cidadão e de cristão, se for o caso. Tempo é sempre. Porém, há acontecimentos que nos fazem acordar e nos empurram para caminhos novos, abertos e estimulantes, porventura incómodos, mas necessários. O tempo de eleições para escolher servidores do bem público, como devem ser sempre os deputados da Assembleia da República e os responsáveis autárquicos, não pode deixar-nos indiferentes e passivos.
Quando impera o medo de falar ou a apatia generalizada, há sempre o perigo de serem incómodas as opiniões mais livres e realistas. É esse medo e essa apatia que agradam tanto aos ditadores, como aos políticos fracos. Mas a uns e outros não se lhes pode proporcionar tal favor. Pelo contrário, há que mostrar que democracia é espaço de participação de todos e respeito pela liberdade de opinião de cada um.
“ Na prática, mais uma vez a sociedade partidária procedeu à captura da sociedade civil para o debate politico partidário….Aquilo que poderia ser uma manifestação interessada da sociedade civil por um problema específico, apenas veio fortalecer argumentos da liça partidária…Ou nos resignamos ou temos de escolher uma ala que nos é oferecida na vida colectiva…Nalgum momento, a posição do cidadão deve ser assumida num ponto de linha que une as diversas esquerdas, centros e direitas, na eterna e inacabada luta entre os divergentes modelos, opções e pessoas para a gestão da nossa vida colectiva. …. Nem todas as opções da vida colectiva e do cidadão devem ser opções para servir uma luta partidária.” Assim opinou um gestor, Jorge Marrão, no Espaço Público, do jornal com o mesmo título. (27.07.09).
Uma opinião de quem parece ter os pés no chão, capaz de denunciar as querelas partidárias que geram absolutos para servir pessoas e interesses, mas que passam ao lado do bem comum, tarefa de todos, cidadãos e partidos políticos, e em que ninguém está a mais.
Nas minhas leituras de férias esteve um livro, começado há tempos e de que só agora pude continuar a proveitosa leitura. Trata-se de “China, a escalada do dragão” da jornalista italiana, Renata Pisu, uma profunda conhecedora e estudiosa. da China histórica e da actual. É uma verificação e uma advertência que, não sendo nós chineses, não deixa de vir a propósito. Diz ela logo no fim do prólogo: “ Na China, agora como antigamente, quem coloca questões e levanta problemas e é malvisto. Dizer “gostava de fazer um pergunta” significa que há um problema. Então, é melhor nunca colocar perguntas, nunca levantar problemas”. Assim já não há obstruções. Parece ser este o preço exigido pelo governante que não quer ser incomodado. Quem abafa pessoas nunca dará um passo para construir uma sociedade de pessoas.
Há muita gente que opta pela crítica fácil da mesa do café, sempre inconsequente. É verdade que os comícios de campanha eleitoral estão desvirtuados. Só lá vai a gente da cor e essa vai para aplaudir, não para reflectir ou questionar. Alguém com opinião própria, se ousa discordar do orador de serviço e faz perguntas, sai ou é vaiado.
Uma sociedade que se diz livre está capturada pela linguagem partidária. E, se forem perdidas as ocasiões para opinar, perguntar e desabafar, pode tornar-se uma sociedade amorfa, ainda mais decapitada e entregue a quem não queremos, nem desejamos.
Certamente que há que relativizar muitas coisas e ter consciência de que os governantes são pessoas normais, mesmo que julguem que não o são. Por isso eles precisam de ouvir para conhecer a realidade, de dar valor até aos próprios opositores, de encontrar em comum os melhores caminhos, de não se considerarem donos do país.
António Marcelino
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