Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

30/07/10

Vinte por cento... em favor dos mais pobres

Seria bom que os políticos cristãos pudessem dispor de 20% dos seus rendimentos para um fundo em favor dos mais pobres. Esta sugestão de D. Carlos Azevedo – muito natural e incisiva, após uma reunião do Conselho Consultivo da Pastoral Social – como que provocou alguns respigos de incomodidade, pois certos políticos com proximidade ‘cristã’ consideraram que a sugestão do prelado não era tão bem vinda como seria de esperar. Houve até alguém que, fazendo uso de expressões bíblicas, descartava a possibilidade de entrar nesta onda de partilha, relegando o assunto para o foro privado de consciência... intimista.

*De que pobreza falamos?
Quando ouvimos certas forças – sociais, políticas, sindicais, religiosas ou, mesmo, cristãs – falarem de pobres como que nos parece estarmos a falar de realidades que não têm a ver com o nosso mundo, isto é, o espaço onde vivemos, nos movemos e existimos. De facto, para certas figuras os pobres serão como que uma entidade abstracta que funciona em maré de eleições e depois se esquece (ou faz por esquecer), pois incomodam as certezas e os projectos de ambição. Por outro lado, os pobres parecem ser apenas os despojados de coisas materiais e não são atendidos. Também são pobres os de natureza psicológica, moral e até espiritual. Com efeito, muita da pobreza material é consequência e manifestação de outro tipo de pobreza, bem mais funda no seu diagnóstico e mesmo no combate para a irradicar.
- Será que estamos todos interessados em encontrar as causas da pobreza ou não andaremos a iludir as consequências?
- Será que os pobres são, de verdade, a razão de ser das propostas políticas ou não serão, antes, promotores da distracção dos ricos e oportunistas de ocasião?
- Até onde irá a ousadia em dar aos pobres ferramentas de auto-suficiência – ao nível cultural e educativo, pessoal e familiar – em vez de tentarem prolongar-lhes a dependência com subsídios e artefactos de curto prazo?

*Para uma cultura da pobreza... evangélica
A mais recente crise económico/financeira pôs a nu muitas debilidades do nosso povo – no seu conjunto e não no mero anonimato – em viver com o essencial e não para além das suas posses. Quantas vidas artificiais tiveram de deixar de manifestar riqueza fictícia! Quantas ostentações tiveram de engolir a arrogância! Quantas misérias disfarçadas tiveram de encolher o penacho! Quantas promoções e créditos tiveram de reduzir-se ao possível!
Efectivamente, a ilusão de muitos em tentarem viver acima das suas possibilidades tem sido paga de modo muito caro, tanto no presente como para o futuro. Torna-se, por isso, urgente que os cristãos reflictam sobre a qualidade ética em que estão fundamentados os seus valores: se estão alicerçados na mensagem do Evangelho e assumindo as consequências da concordância entre a fé e a vida.
Depois de uma certa resignação degradante, fomos – subtil, ardilosa e sistematicamente – seduzidos pelo consumo desenfreado. Temos, então, de reler a nossa vida à luz da pobreza evangélica, centrando-nos no essencial e sabendo repartir com os outros, na medida em que damos por caridade fraterna.
Urge, por isso, colocar a nossa vida à luz da condução de Jesus, o nosso mestre e Senhor. Certamente será à luz do código das obras de misericórdia (cfr. Mt 25,31-46) que seremos avaliados/julgados... tanto no tempo presente como na vida futura. Assim saibamos ser dignos de tão profundos e altíssimos desafios.
Comecemos, já e com espírito alegre pela dádiva aos outros... sem olhar a quem!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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O verdadeiro cristianismo será o da compaixão (cum + passio)

As histórias de Jesus tornam claro o seguinte: a atenção especial de Jesus, de certo modo o seu primeiro olhar, não se dirigiu ao pecado dos outros, mas ao seu sofrimento.

E assim interroga o teólogo J. B. Metz: "Não terão talvez os cristãos ao longo do tempo compreendido e praticado o cristianismo demasiado exclusivamente como uma religião sensível ao pecado e consequentemente como uma religião pouco
sensível ao sofrimento? Não baniram os cristãos demasiado rápida e despreocupadamente do anúncio cristológico e escatológico a pergunta, o grito por Deus perante a história do sofrimento humano?

Esta mística da compaixão é, através dos outros que sofrem, uma mística "terrena"; ao mesmo tempo não frequentemente não é senão uma experiência assumida de uma "paixão por Deus", não para, desse modo, às experiências quotidianas, por vezes terrivelmente "profanas" de sofrimento, acrescentar uma religiosa, (...) mas para nesta mística da paixão por Deus reunir todas as nossas experiências de sofrimento que clamam ao céu, arrancá-las ao abismo do desespero e do esquecimento e encorajar uma nova praxis que inclui evidentemente a capacidade de culpa e a necessidade de conversão de quem age - não para a seguir anestesiar de novo a nova acção pública mediante um romantismo afastado da política, mas para lhe retirar a base do ódio e da violência pura. (1) Pois como bem diz o teólogo D. Bruno Forte: "A crise do sentido passa a ser a característica peculiar da inquietação pós-moderna. Neste tempo de pobreza, que, como observa Martin Heidegger, é 'noite do mundo', não por causa da falta de Deus, mas porque os homens já não sofrem com essa falta, a doença mortal é a indiferença, a perda do gosto na busca das razões últimas pelas quais valha a pena viver ou morrer, falta de 'paixão pela verdade', como afirma a Fides et Ratio. Para afirmar mais adiante: " A pior doença que hoje grassa no mundo é a falta de paixão pela verdade: este é o rosto trágico da condição pós-moderna. O clima da decadência leva os homens a não pensarem mais, a evitarem o esforço e a paixão pela busca do verdadeiro, e os impele a buscar vantagens imediatistas, a procurar o único interesse do consumo imediato. É o triunfo da máscara à custa da verdade: é o niilismo da renúncia do amor, quando os homens fogem à dor infinita da evidência do nada, fabricando para si máscaras para cobrir com elas a 'tragicidade' do vazio. No clima da decadência, até o amor se torna máscara e os valores reduzem-se a coberturas desfraldadas para esconder a falta de significado e de verdadeiras paixões: o homem resume-se a uma 'paixão inútil' (J. P. Sartre)". (2)

Neste mundo de crise, sem Deus e sem valores - não será esta a maior pobreza? - os cristãos, como discípulos de Cristo são chamados a seguir o Missionário do Pai, consagrado e enviado a levar a Boa Nova aos pobres (Lc 4, 16ss), que nos confiou explicitamente a missão de anunciar a Boa Nova do Reino a toda a criatura (Mt 28, 16-20).
A igreja terá de apresentar-se com um rosto sorridente e apaixonado pela maioria que irá engrossando nas pariferias da civilização, do poder, do bem comum justo e equitativo, e lançado na humilhação e no desprezo dos famintos e dos abandonados.

Armando Soares

________________

1. Igreja e Missão, Confer. no Congresso "Deus no século XXI e o
futuro do cristianismo", nº 204-206, p. 436 e ss. 2. Em Conferência
no Congresso Missionário Mundial, ano 2000, em Roma.


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23/07/10

A doença do Século e as novas ditaduras

“Fazer para ter, ter para consumir mais, conseguir mais para aparentar uma imagem melhor.”
Livro: Agonia do homem libertário
Autor: Aquilino Lorente



Em plena época de crise, somos autenticamente bombardeados pela imprensa que informa sobre as dificuldades dos países em manter as suas economias e mostrar as diferenças cada vez maiores entre os ricos e os pobres. Muito se fala sobre tudo isto, mas poucos dizem que isto é resultado da doença do século: O consumismo e as suas consequências que tem como resultado novas ditaduras.

Hoje irei falar de três delas:


1-A ditadura da beleza onde as mulheres são transformadas em objectos que desfilam em roupa que ninguém vê ou compra e tentam servir de modelo (modelo que na realidade não o é, porque não vejo na rua ninguém parecido com essas pessoas). São milhões de pessoas que, mais tarde ou mais cedo, ficam reféns por não serem iguais (só se passarem fome e tiverem bons patrocinadores) e amordaçam a sua liberdade, matam o seu bem-estar e destroem a sua auto-estima por não se aceitarem tal como são.
Cada vez me convenço mais de que em nome do lixo que anda por aí em alguma comunicação social as pessoas trocam a sua felicidade pelo esforço de tentarem ser “belas exteriormente”, não percebendo que devemos amarmo-nos tal como somos.

2 - A ditadura Ligth é mais uma palavra maldita, hoje em dia politicamente correcta, utilizada com a intenção de vender produtos de menor valor energético e que tem como objectivo atingir uma boa linha. Esses produtos estão por todo o lado: nas colas, nas manteigas, nos queijos, no café sem cafeína ou até na cerveja sem álcool.
Hoje em dia o Homem é um ser transfigurado, que procura cada vez mais mostrar o ter e nem sequer se preocupa com o ser…sim, tal como os produtos LIGHT!
Para o homem que se deixa conduzir pelo consumismo e pela publicidade massiva (que cria na maior parte das vezes falsas necessidades) o que importa é mostrar aos outros que se tem um estatuto, mas na verdade, na maior parte dos casos, interiormente evidencia-se uma debilidade, uma fraqueza e uma carência extremas, bem como a existência de um grande vazio moral, mesmo que materialmente possam ter quase tudo.


3- A ditadura do Relativismo Absoluto, como muitas vezes criticada pelo Papa Bento XVI. Vemos um homem permissivo onde não há proibições nem limitações. Tudo é válido, tudo é permitido desde que traga satisfação. Qualquer análise que se faça é positiva e negativa, pode ser boa ou má, dependendo do seu ponto de vista. Desta intolerância interminável nasce a indiferença pura. A verdade deste tipo de pessoa é imposta pelo politicamente correcto em comportamentos onde não há princípios sólidos e nem referências, onde as fronteiras entre o bem e o mal, o positivo e o negativo foram apagadas.
Com certeza, tal como o amigo leitor, eu também tenho amigos com estas “doenças” e sempre que saio com alguns deles é lamentável assistir a comportamentos em que tudo é plástico: as compras, a beleza e as marcas, num autêntico esbanjamento para dar a ideia do triunfador, do 'heroizinho' que tem êxito, prestigio social e, sobretudo, dinheiro… muito dinheiro.

Estará tudo perdido?

Quero acreditar que não. Tem que se começar por dar primazia às pessoas e àquilo que elas são. Dar dignidade, viver liberto daquilo que materialmente temos e deixarmo-nos de preocupar com o que os outros pensam.
Perceber definidamente que a aposta tem que ser no interior e que não vale a pena ser como aqueles bolos todos bonitos por fora e que à primeira dentada notamos logo que não tem creme nenhum.

A vida é simples. Todos somos seres humanos especiais e únicos e temos um lugar insubstituível neste mundo, que tem que ser mais solidário, fraterno, menos consumista e principalmente mais humilde. Se assim for, estas novas prisões como estas novas ditaduras poderão acabar, já que na verdade as pessoas valem por aquilo que são e não por aquilo que aparentam ser ou possuir.

Cláudio Anaia
claudioanaia@hotmail.com


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Ao compasso do tempo - 23 de Julho de 2010

Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja


Caro Alfredo

Tenho seguido há longuíssimos meses o bilhete-postal que o bispo emérito de Setúbal lhe tem endereçado através do “Notícias de Setúbal”.
Dirijo-me à sua pessoa para lhe dizer, com o respeito que nos une ou deve unir, que tenho estranhado o seu silêncio. Muitos calam-se (quase sempre) para não serem apanhados pelo veredicto do nosso Miguel Torgal, quando sentencia que o português, ao abrir a boca, só solta banalidades. É exagerada a sentença, com certeza.
Talvez o Alfredo (com o respeito devido, o pronuncio) esteja com medo que seja acoimado de jogar no “politicamente correcto”. Da sua parte, nem um esgar de palavra. Nem uma reverencial divergência. E a sua mudez – tão lata como as fronteiras do país – torna-se moléstia. Após D. Manuel da Silva Martins, recentemente ter sido homenageado pelo município de Vila Nova de Gaia, não ouvi da sua parte o mínimo sinal de alegria…
Não leve a mal… Leve a bem o meu protesto. Andam para aí uns choramingas sempre a manear a cabeça, pela razão das mulheres e dos homens da Igreja Católica, em Portugal, não terem microfone, nem canal televisivo baptizado, nem uma notícia de primeira grandeza nos jornais de estimação… E, ao contrário destas invernias pensantes, quando surge a contradição desses impropérios, o que se regista é a sepulcral timidez ou a amaricada negação de Pedro: “Nem sequer o conheço”, ou a indiferença, porque os interesses são os de outros “reinos”, ou a inveja ou a maledicência…
E não consigo deter o meu espanto, quando referem laicismos ou “crucifixos” a apresentarem-se em paredes que não são nossas, (que nunca nos nossos critérios ou nas salas de reunião ou de almoçar/jantar de gente sempre em cruzada…)…
A contrariar o dedo estendido ao “deserto sacral” do descontentamento patriótico, pergunto a meus botões: e a Rádio Renascença não oficia 24 sobre 24 horas? E o Diário do Minho não é escritura santa, “comungada” diariamente? E o Canal televisivo 2, mais a Antena 1, não transmitem quase todos os dias os ecos da “Boa Nova”? Mas não será sempre o mesmo do mesmo… (assuntos, pessoas, perspectivas, estilos…)?!
Em certos terrenos do país já se percebe que não convém a mudança… E na Igreja? E na Igreja diocesana local?
Já vai longe a minha navegação, Alfredo. O que as pessoas gostam é de aperitivos. Uma refeição mais sólida é sempre inconveniente.
Lamento que o “Diário de Notícias”, em 20 de Julho corrente, a pág. 13, me ponha a falar, citando a minha defesa da “obediência do padre (de Fafe)” a seu bispo, mas sempre em abertura e diálogo: assim é correcto e lógico. Agora referirem que eu “compreenda a manifestação” do povo (de trezentas pessoas…) contra um servo do Evangelho, é da menos avisada esperteza! Foi isto que comuniquei telefonicamente à jornalista, cujo nome aparece no jornal citado.
Os tempos vão ser bons. Mas até lá, a ventania estraga-nos a praia.
Já reparaste na confusão que aí vai no tablado político? Dum lado. Do outro lado. A nível de palavra… A nível da vida ninguém tem curado a fome e a falta de esperança.
Vou gozar uns dias de férias, Alfredo. Deixo-te estas indignações. Quando regressar em Setembro (logo, nos princípios) espero ser ainda mais vigoroso.

Os meus cumprimentos fraternos e do maior respeito.

MDN, CSARFA, Lisboa, 23 Julho de 2010

Januário Torgal Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança



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16/07/10

Ao compasso do tempo - 16de Julho de 2010

Em matéria de cultura política e de situação de verdade, chegamos a um ponto convergente: todos andam zangados! Até a este momento, era contra algumas pessoas… Mesmo, do ponto de vista fraterno da Igreja Católica, quem falasse de pobreza, de salários injustos, de situações sociais infernais, de que sector surgiam as críticas, o dedo estendido, o “português” que não vem no dicionário educado? Não respondo. Mas a missão evangelizadora, de que sou intérprete, tem obrigação de pôr fim à confusão, de esclarecer situações, de discutir aspectos sociais concretos.

Vamos defender a quebra de salários de funcionários públicos?
Vamos aumentar impostos a partir de uma determinada base ou instância? Prosseguiremos com os pobres às nossas costas, fechando a boca, diferindo do estatuído oficial, apanhando com os adjectivos de demagogos e aproveitadores da oportunidade, acusando o desperdício e apanhando com o desperdício na cara, zangando-nos e conspirando… E, quando nos encontramos em grupos e sectores, mais abertos ou fechados, são, em multidão, os “ditos” as histórias, as narrativas de corrupções, os inventonas, as tristezas de ruas escuras.
Mas volto ao início, para defender todos quantos, desde há longos anos, clamaram contra as desgraças e opressões, o imperialismo das opulências, os desvios e injustiças.
Então, agora, falam todos em desgraça? E os que chamaram a atenção? E os que pediram salvação e amor á Pátria? E os “aproveitadores” que, no silêncio e na sombra, estiveram atentos aos denunciadores, e para si fizeram refluir cargos e dinheiros?
E, na sequência do que tenha chamado á atenção nas últimas semanas, ponho-me, como Igreja, em questão… Alguém me escreveu, há poucos dias, profundamente ferido na sua sensibilidade católica, pela razão de ter escutado, uma homilia na Antena 1, em 4 de Julho corrente, onde era zurzido, de forma mais desumana, um sacerdote de Lisboa, falecido em 1998, e do qual era referido que após traição, se terá convertido porque foi vítima de doença cancerosa.
E, homilias deste jaez decorrem há mais de vinte anos! E no mesmo lugar! Quem permitiu tal continuasse?! “Isto” é dito e comentado!
É urgente a produtividade. Mas a favor de todos. O produto desqualificado não tem mercado. Ninguém compra a má qualidade.
Nos sectores da Igreja, acontece o mesmo… E, mais ainda: em governo público e em acção da Igreja, todos gritam pela urgência da “criatividade”. Mas “criar”, ou seja, originar novos aspectos no acolhimento, na administração dos sacramentos, na produção catequética, num conjunto de acções formativas (que não há!), não deverá ser uma responsabilidade?
Na altura que passa, nunca se falou tanto em responsabilidade!
Só espero que, em nome da nobreza tão própria, ninguém nos atire ainda mais para a desgraça. Mas, de minha parte, sem pessimismo. Sem desesperança! Havemos de dar a vitória à dignidade! Havemos de mudar para melhor!
MDN, Capelania Mor, 16 de Julho de 2010
Januário Torgal Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança


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À descoberta do essencial

Por estes dias fui visitar um doente. Não tinha grande proximidade, directamente, à pessoa, mas somente ao filho. Nem sabia muito bem como poderia ser recebido, pois o doente – tanto quanto se sabe – não é muito religioso nem tão pouco praticante.
Era espantosa a serenidade – creio que real e não meramente induzida por medicamentos nem por disfarce – como aquele homem – consciente do estado de saúde, embora tentando evitar a total assumpção diante dos outros – quase olhava para as coisas de Deus... se é que n’Ele acredita!

Aquela espécie de serenidade foi como que provocadora. Naquela serenidade se revelava algo mais do que o passar de uma esponja sobre ‘sacanices’ (um eufemismo para talvez dizer pecados ou coisas menos correctas para consigo mesmo e os outros) do passado mais ou menos longínquo. Naquela serenidade poder-se-ia reflectir a confiança em quem o assiste (directa ou indirectamente) nestas horas (possivelmente) derradeiras.
Ficou-me, no entanto, a necessidade de reflectir sobre alguns aspectos a exigir maior ponderação e discernimento, sugerindo-me breves perguntas:
. Que cuidado temos com os doentes?
. Que consolação dámos aos doentes?
. Que presença de fé manifestamos para com os (nossos) doentes?
. Quando devemos (se devemos!) falar de Deus aos doentes em fase terminal?
. Como se pode (ou deve) preparar um doente descrente para o encontro com Deus?
. Sabemos enfrentar a nossa doença, cuidando da doença dos outros?
. Que temos feito pelas famílias dos doentes, sobretudo, nossos conhecidos e até familiares?

Sem pretendermos ideologizar a questão do cuidado prestado ou a prestar aos doentes, poderemos delinear breves sinais para uma preparação dos doentes que estão ao nosso cuidado e para que, quando estivermos em idêntica situação, possamos ser acompanhados condignamente... mesmo no aspecto espiritual/cristão.

1.Na debilidade somos mais autênticos?
Só uma pessoa com uma grande maturidade humana, psicológica e espiritual é capaz de aceitar-se na sua debilidade, sem se expor em excesso nem se esconder em exagero.
De facto, há pessoas que só estão bem a lamuriar-se, enquanto outras tentam fazer-se de fortes não deixando escapar as suas mais elementares fraquezas. O digno equilíbiro estará em sabermos ser nós mesmos, tanto nas horas de contentamento como nos momentos de revelação da nossa fraqueza, seja na doença seja na necessidade de apoio dos outros.
Nem a dimensão mais profunda e intensa da fé nos pode substrair às contigências de sermos e de vivermos na contínua exposição de nós mesmos à debilidade, que nos faz (ou deve fazer) mais humildes, mais fraternos e mais solidários.

2. Desmontar a máscara
Quando passamos pelo crivo da dificuldade – tanto psicológica como espiritual e moral – como que nos vamos conhecendo um pouco melhor, pois valorizamos o mais importante – pelo menos para nós – e relativizamos coisas que anteriormente (nos) pareciam imprescindíveis. No trato com as pessoas pode acontecer o mesmo: é nas horas de maior dificuldade que passamos a conhecer melhor quem gosta, efectiva e afectivamente, de nós. Tal como diz o povo: na prisão e na doença se percebe quem são os verdadeiros amigos. Certamente já todos podemos fazer este teste. No entanto, podemos dizer: como dói o abandono; como é difícil engolir as traições... sobretudo daqueles/as que consideravamos amigos!

3. O essencial está no nosso interior
Na caminhada da vida podemos ir descobrindo que o essencial não são as roupagens da moda nem as linguagens (mais ou menos) lisonjeiras, mas antes a correcção de vida entre os valores – dizemo-lo no contexto cristão – e a aferição do interior ao exterior, isto é, da nossa espiritualidade profunda até à profundidade da nossa correlação com o Espírito de Deus em nós.
Na medida em que se for degradando – como dizia São Paulo – o nosso homem interior se irá revelando o nosso homem espiritual, até à configuração com Cristo, o homem perfeito e glorioso em nós e através de nós.

Porque acreditamos na força da descoberta do essencial ousemos deixar que o Espírito Santo nos descasque e faça verdadeiramente autênticos n’Ele e uns para com os outros.

A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)


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Nossa Senhora de Fátima e das vocações: história real

“No dia 13 de Outubro de 1917, último dia das aparições de Nossa Senhora, o seu pai foi a Fátima com mais dois ou três homens daquela freguesia [S. Simão de Litém] e, ao voltar, contava maravilhado o que vira de prodigioso. Tudo contribuiu para lhe [ao filho António] radicar na alma profundas convicções e lhe aumentar a fé” levando a dizer sim à vocação.

Esta narrativa é da revista Hospitalidade (nº 30 Abr-Jun1943 pp.43-51) em artigo que associa a memória de António Gameiro, Irmão de S. João de Deus, e os seus “traços biográficos” da autoria do Pe. João Gameiro Alexandre, OH, seu irmão.
Fr. António Gameiro Alexandre era superior-director da Casa de Saúde de S. João de Deus de Barcelos, quando O Pai o chamou no dia 10 de Fevereiro de 1943 com apenas 45 anos. Nascido a 31 de Julho de 1898 no Arnal, freguesia de S. Simão de Litém, Pombal, filho de Joaquim Gameiro Alexandre e de Joaquina Nogueira foi baptizado no dia 6 de Agosto de 1898.

Era camponês mas gostava de cuidar da sua aparência, “sabendo compor o cabelo à moda, e preparar-se com toda a elegância para as festas e reuniões”. O pároco do início do século “preocupava-se mais com o seu grande passal que com a santificação das almas”. Apesar de fascinado com as ilusões mundanas, o jovem António não descurava a sua prática cristã: terço em família, ladaínha de N. Senhora, etc.
Por 1916 o novo pároco, “cheio de zelo”, o Pe. Joaquim Bernardes, celebrava a missa diariamente na ermida do lugar do Arnal por a casa paroquial estar ainda ocupada pelo outro sacerdote. O facto de terem a missa perto e de este sacerdote visitar a casa dos pais de António “atearam a piedade nas almas daquele lugar” criando um novo clima espiritual. O jovem muito vivo e alegre, em contacto com o novo sacerdote, abriu-se mais à graça. Infelizmente esta influência espiritual durou pouco porque o Pe. Joaquim Bernardes foi vítima da pneumónica. Não se extinguiram, porém, alguns dos seus frutos benéficos.

E aqui entra N. Senhora com a experiência de graça do pai vivida em Fátima no dia 13 de Outubro de 1917 e o entusiasmo comunicado à família.A nota biográfica descreve uma experiência mística de António. Na festa de Santo Amaro, patrono da capela, houve missa solene e exposição do SS. Sacramento no custódia. “O povo comprimia-se à porta e falava sem respeito pelos Augustos Mistérios, que se estavam celebrando. Nisto [António] pensa quanto Jesus Sacramentado estava sendo esquecido e ultrajado e, olhando para a sagrada Custódia, vê não já uma hóstia mas um coração que o comove. Nesse dia à noite, refere à família o que vira, dizendo ter pena de não ter mandado olhar para a Hóstia um dos seus companheiros para saber se também ele via alguma coisa de extraordinário”.

António começou a reduzir os seus passatempos mundanos e a ser mais respeitoso e dedicado em casa. Durante o serviço militar manteve-se forte contra os respeitos humanos e permaneceu fiel à sua consciência e à devoção a Nossa Senhora.
Entrou na GNR em Lisboa e isso facilitava-lhe visitar a sua irmã mais velha, Maria, nas Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, na Idanha; e no Telhal os seus dois primos Irmãos de S. João de Deus: Fr. Manuel Maria (entrado em 1906) e Fr. Crisógono (José, entrado em 1913), que já tinham dito sim ao chamamento de Deus. Já preparado por Nossa Senhora as visitas despertaram nele a vocação hospitaleira a que ele respondeu entrando nos Irmãos de S. João de Deus a 28 de Fevereiro de 1922, aos 20 anos de idade. Professou a 24 de Fevereiro de 1924. Durante os breves anos de vida consagrada foi sucessivamente responsável por inúmeras actividades: “guarda nocturno, cozinheiro, esmoleiro, enfermeiro, superior da Casa de S. Miguel (1934) e da Casa de Barcelos (1937), começando aqui a sofrer dos rins sendo-lhe extraído um deles. Mesmo adoentado foi nomeado pelo governo geral da Ordem para 1º conselheiro provincial e superior do Telhal (1938), e em 1940 o capítulo provincial colocou-o de novo como superior da Casa de Barcelos (1940). A doença agravou-se e em oração veio a falecer em 10 de Fevereiro de 1943 rodeado de Irmãos.

O seu exemplo levou o seu irmão João a decidir juntar-se a ele nos Irmãos de S. João de Deus quando já no curso de teologia no seminário de Leiria por o ter visitado no Telhal. Conhecido na Ordem como o Padre João Gameiro Alexandre, foi religioso exemplar, sacerdote apostólico, formador, director espiritual e escritor-historiador da Provincia. E mais duas irmãs deles faleceram como religiosas hospitaleiras da mesma congregação. A irradiação apostólica de uns, em especial do Padre João Gameiro Alexandre, foi ocasião de que mais jovens de S. Simão de Litém respondessem às inspirações do Espírito e da Virgem de Fátima para se consagrarem na vida religiosa, entre os quais se conta o autor e o Pe. Manuel Nogueira, OH, que após 30 anos missionário em Nampula, faleceu em fama de santidade e têm o processo de beatificação prestes a ser aberto naquela diocese.
Fátima, 13 de Julho de 2010
Aires Gameiro



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13/07/10

Erradicar a Pobreza

O século XXI iniciou com a formalização de um pacto mundial que tinha em vista reduzir significativamente a pobreza no pessoas a satisfação de uma das necessidades básicas. Em segundo lugar, priva os pobres das condições necessárias ao exercício dos seus direitos civis e políticos. Mundo até ao ano 2015.
No entanto, a posta em prática das medidas para esse efeito têm tido muitas lacunas e, se não se superarem os défices havidos nestes anos por um compromisso mais forte e bem assumido por todos, a humanidade não terá oportunidade de ver realizados os objectivos, e os pobres continuarão connosco e mesmo em maior número. O desemprego já vai em 10,9%. Numa sociedade democrática, a pobreza configura uma situação de violação dos direitos humanos.
A pobreza na nossa sociedade portuguesa - cerca de 25% da população - não é uma fatalidade, porque os recursos materiais, humanos e de conhecimento, já alcançados, são suficientes para que todos tenham acesso à satisfação de necessidades humanas consideradas básicas segundo os padrões correntes.
Se a pobreza continua a existir é porque a sociedade, não dispõe ainda, dos indispensáveis mecanismos para proporcionar a todos uma igualdade de oportunidades no acesso a bens essenciais e a serviços básicos de saúde, educação, habitação ou segurança.
Consideramos a pobreza como uma violação de direitos humanos. Cabe ao Estado, a nível central e autárquico, um papel determinante na luta contra a pobreza, através da adopção de medidas, programas e projectos direccionados para prevenir as causas geradoras da pobreza e para minimizar as suas consequências. Estas medidas existem no nosso país.
Mas falta-lhes a qualidade técnica, clareza de objectivos, e meios adequados para os atingirem com os menores custos.
Por seu turno, a sociedade civil não pode desinteressar-se do objectivo de erradicação da pobreza. Devem apoiar e pressionar os poderes públicos e as suas instituições pertinentes para que desenvolvam aquelas acções de proximidade para as quais nem o mercado nem o estado têm respostas satisfatórias. No entendimento de que a luta pela erradicação da pobreza no território nacional é tarefa de todos, cabe salientar a necessidade de sensibilização da sociedade para um sistema de valores que promova a ideia de que o desenvolvimento não se reduz ao mero crescimento económico, antes pressupõe sustentabilidade e coesão social.
A pobreza não é uma realidade homogénea, antes assume diferentes naturezas e múltiplos rostos. A pobreza implica não só a privação material, mas também todo um conjunto de desvantagens no que concerne à educação / formação, viver em permanente insegurança, ter que trabalhar um número excessivo de horas com prejuízo para o acompanhamento dos filhos, a saúde e a qualidade de vida. Há muitos preconceitos sobre as causas da pobreza: associação da pobreza à preguiça, quando, na verdade, os pobres são, maioritariamente, trabalhadores no activo ou reformados. A pobreza parece incomodar bastante os não pobres predispostos que estão para aceitar a pobreza como uma fatalidade. Consideramos por isso, ser urgente proceder à melhoria das estatísticas acerca das desigualdades e, em particular, acerca da pobreza.
A erradicação da pobreza, além de beneficiar as pobres envolvidas na pobreza, constitui uma mais valia para as pessoas não pobres e para a sociedade no seu todo que ganha em aproveitamento de recursos humanos potenciais, em coesão social, em segurança e em qualidade de vida.
Dar vida e poder aos pobres na resolução dos seus problemas é uma condição para o sucesso das estratégias de luta contra a pobreza. Há que dinamizar a participação dos utentes nos serviços sociais públicos e nas instituições de solidariedade social mas, também, há que fomentar as associações que integrem pessoas de grupos sociais mais fragilizados, dando-lhes a possibilidade de poderem participar na resolução dos seus problemas.
A pobreza e a exclusão social são vividas por pessoas concretas e num determinado contexto sócio-cultural. Só através de uma maior participação dos pobres na concretização das medidas e projectos que lhes são dirigidos se podem encontrar as respostas mais eficientes. Em especial, é necessário dar maior poder às mulheres que continuam a ser discriminadas socialmente e no mercado de trabalho.
O empenhamento em erradicar a pobreza tem levado a destacar a importância das iniciativas no âmbito da Economia Nacional e do terceiro Sector, as quais têm o mérito de permitir gerar emprego e de aproveitar recursos endógenos e direccioná-los para a satisfação das necessidades da comunidade local, facilitando assim a coesão social.
FONTE: Dar Voz aos pobres para erradicar a Pobreza por Dra Manuela Silva, da CNJP

ARMANDO SOARES
missionário da smp


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ÁFRICA DO SUL - Falta de moral dos líderes e o Mundial 2010

1. Em documento enviado à Fides, os bispos sul-africanos declararam-se, em Março deste ano 2010, "profundamente preocupados com o escandaloso comportamento dos lideres que vergonhosamente ignoram as normas da moral e da decência, aceites e exigidas pela grande maioria da população" afirmam, em um comunicado assinado em nome da Southern African Catholic Bishops' Conference (SACBC) pelo Cardeal Wilfrid
Napier, Arcebispo de Durban.
E, continua o documento - deploramos as tentativas de desculpar ou defender o mau comportamento moral em nome da 'cultura'. Baseando-nos no claro ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre as relações entre homens e mulheres, casados ou não, apelamos aos nossos líderes para que se empenhem em serem modelos positivos para os jovens e crianças da nação".
O comunicado foi publicado após a revelação de que o Presidente sul-africano Jacob Zuma, polígamo e fiel às tradições zulu, teve um filho fora do matrimónio. Zuma, 67 anos, casou-se no mês passado pela quinta vez, e tem, actualmente, três mulheres legítimas. Seu último filho nasceu da relação com a filha de Irvin Khoza, Presidente do Comité organizador do campeonato mundial de futebol, no próximo mês de Junho. O presidente sul-africano, já pai de 19 filhos legítimos, reconheceu seu vigésimo filho pagando o Inhlawulo, a tradicional indemnização à família Khoza. Zuma apresentou suas desculpas, afirmando estar profundamente sentido pelos sofrimentos causados à sua família, a seu partido, Consellho Nacional da África do Sul, e aos sul-africanos em geral, e reiterou "a importância da família como instituição". Recentemente, no fórum internacional de Davos, na Suíça, Zuam defendeu a poligamia, dizendo que "é um problema apenas para as culturas que se julgam superiores".

As desculpas do Presidente não parecem suficientes pelo que os Bispos católicos: "estão indignados pelo facto de que, não tenha expressado remorso e arrependimento por seu adultério. Igualmente abalados pelo dano irreparável causado aos esforços da nação para reduzir ou reverter a galopante difusão da AIDS".
Pedimos, portanto, a toda a comunidade eclesial, que realize a sua vocação e a missão de testemunhar a vida e o ensinamento de Cristo, rechaçando todo comportamento imoral, de modo especial, a imoralidade sexual, comprometendo-se em manter os ensinamentos do Criador para construir uma sociedade sólida e saudável" - conclui o comunicado.

2. Quando saiu este comunicado estávamos em Março de 2010. Em Junho, a África do Sul e o continente africano acolheram o Mundial de Futebol. Julgo ter sido muito positiva a escolha do continente africano para um acontecimento que sempre galvaniza multidões. Se há muito de positivo, também não faltará o lado negativo. A África do Sul é certamente um país onde reina a Sida e proliferam outros males graves em detrimento dos direitos da pessoa humana. Um país rico onde os Botas deixaram um alto grau de desenvolvimento e de investigação científica, embora com os efeitos negativos de dois mundos paralelos.
Eu mesmo fui bem tratado no Hospital Central de Joanesburgo. Continua no entanto a haver bolsas de pobreza e de miséria, a exigirem a atenção dos governantes e da comunidade internacional. É preciso ver para crer. Creio que os largos milhares de visitantes nestes dias, ficaram com uma ideia mais completa do país.

De certeza que sentiram o calor do acolhimento característico do povo africano, e sentiram que o povo africano é mais forte em muitas tradições que se referem aos grandes valores da família, da sociedade e do bom viver, do que o povo ocidental, que até "escandaliza" com procederes a que "insensatamente" chama modernidades. A África do Sul cresceu fortemente aos olhos do mundo, com milhões de espectadores com os olhos postos nos écrans gigantes que várias cidades e grupos desportivos dispuseram para os seus apaniguados, em todo o mundo livre. Ao de cimo veio a nobre figura de Nelson Mandela, ovacionado no passeio de carro, que fez ao campo de futebol onde se iria jogar a final. Ovacionado porque foi o homem do país. Pensou-o, sonhou-o, lutou por ele, sofreu, perdoou, e seguiu os passos positivos dos governantes, sem qualquer resquício de vingança para com os que o fizeram sofrer. Grande homem. Grande estadista. A África do Sul, um país lindo, de cores e de vida, ganhou com o Mundial 2010 mas, bem podemos dizer que, foi toda a África que ganhou.

ARMANDO SOARES
padre missionário da smp



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12/07/10

Por uma Igreja da compaixão (cum + passio)

"É lamentável constatar - salvo situações de tragédia como a do Haiti em 12 de Janeiro 2010, com acento na cidade de Port-au-Prince) que o pragmatismo da sociedade pós-moderna acabou ou amorteceu o sentido da solidariedade entre as pessoas.
Pensa-se mais no seu bem-estar, conforto e segurança. As pessoas são avessas a abrir a mão aos que precisam, mas não se coibem de gastar fortunas em coisas supérfluas,
como roupas que âs vezes nem usam, comidas cuja metade vai para o lixo.
Ao dizer: "eu tive fome e deram-me de comer... eu tive sede e deram-me de beber... eu estavam nu e vestiram-me", Jesus exalta a esmola dada, a caridade oferecida, a solidariedade compartilhada. A caridade é um dom. Ela nos vem por inspiração de Deus. Caridade é ter misericórdia.
É sentar junto, é escutar e participar ao lado do outro. A decomposição de miser (miserável) + corde (coração) nos aponta para uma atitude de quem sente no coração o sofrimento do pobre e marginalizado. A indiferença e a omissão fazem crescer a pobreza, a marginalidade, a infância abandonada, os meninos da rua, os bébés
jogados ao lixo e as famílias desfavorecidas. Esmola e caridade são juízos afins, que se interpenetram na busca da fartura do Reino, que primeiro é espiritual, e depois se transforma em bênçãos materiais em favor do pobre, do oprimido e do faminto.
A compaixão é um dos motores mais actuantes da caridade e da solidariedade. Na verdade, a compaixão brota a partir de uma profunda generosidade do coração humano. Se misericórdia é sentir com o coração a necessidade do outro, compaixão é sofrer solidariamente pela desgraça de alguém, próximo ou distante. Compaixão aparece pela
justaposição de cum + passio, capaz de evidenciar um sofrimento por causa das dores de alguém. Alguns dão a paixão, como sinónimo do amor, mas paixão, por derivar de pathos, aproxima-se mais de um sofrimento do que outra coisa. Tudo aponta para uma participação, com fulcro espiritual, na infelicidade alheia, o que suscita um impulso de ternura para com o sofredor. Na compaixão não sofremos
prioritariamente pela pessoa, mas pelo sofrimento da pessoa.
Compaixão é isto: sofrer pelo sofrimento, solidarizar-se com as dores e, ao mesmo tempo, fazer algo no sentido de erradicar ou minorar a desgraça. A compaixão é caracterizada através de acções, na qual uma pessoa procura ajudar aqueles pelos quais se compadece.
Jesus estava pregando na Galileia quando um homem leproso se aproximou dele. Sabendo do poder do Senhor, o leproso pediu que Jesus o curasse.
Ao ver o homem no seu sofrimento, Cristo ficou cheio de compaixão ( v. 41). Esse sentimento pode ser descrito em vários estágios que evidenciam o processo de compaixão do Mestre: Ele viu o homem, tomou conhecimento do seu sofrimento, ouviu os apelos do sofredor, teve compaixão do homem, conversou com o leproso e por fim, atento ao clamor do sofredor, curou-o. A exemplo de Jesus, nós cristãos devemos
mostrar a mesma compaixão em relação aos sofredores à nossa volta.
Precisamos reconhecer que as pessoas existem e que têm problemas reais para podermos falar palavras de conforto ou agir para ajudá-las.
A tarefa duma Igreja posta em dia não será outra, senão a de actualizar os gestos de Jesus. Por isso podemos dizer que a Igreja d) o presente e do futuro não será outra senão a Igreja que sofre com os que sofrem e se coloca no lugar deles para os humanizar integralmente.
Tem de ser a Igreja da compaixão. Há uma multidão de pobres de coisas materiais fundamentais para terem uma vida digna e sustentável e outra multidão daqueles que vivem indiferentes para com os outros porque rejeitaram Deus e sofrem a tragédia do vazio e da falta de sentido na vida. (Fundamentado em "A compaixão" de A. M. Galvão")

Armando Soares


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09/07/10

Baptizados: Padrinhos... ou Testemunhas?

Um dos maiores motivos de aborrecimentos e uma das causas de maus-tratos a muitos párocos dos nossos dias é o problema dos padrinhos de Baptismo.
Felizmente, eu não posso queixar-me disso.

Algumas pessoas vivem como querem, fazem o que entendem e julgam-se no direito de ser padrinhos de uma criança que vai ser baptizada ou de um adolescente que vai ser crismado. Se os sacerdotes cumprem o seu dever e se recusam a aceitar as pessoas que não estão em condições de ser padrinhos, são insultados, ameaçados, difamados, e até “denunciados”, com “apelação” para o bispo da diocese…
Não pode ser assim. Pelas leis da Igreja, as crianças ou os jovens imaturos, os casais que estão juntos nas chamadas “uniões de facto” (sem qualquer compromisso sério de vida), as pessoas que estão casadas apenas pelo civil (sem reconhecerem valor ao Sacramento do Matrimónio), as que romperam com o seu casamento religioso, se divorciaram pelo civil e estão juntas ou se voltaram a casar pelo registo civil com outra pessoa diferente do seu primeiro cônjuge, e todas as que não têm uma vida de acordo com a função que vão desempenhar, não podem ser aceites por nenhum sacerdote como padrinhos de Baptismo.
Se o Código de Direito Canónico (Leis da Igreja Católica) falasse da necessidade de testemunhas para o Baptismo e para o Crisma como fala para o Casamento, qualquer pessoa capaz de testemunhar um acto e de o confirmar com a sua presença e a sua assinatura podia exercer a função. É o que acontece nos casamentos. Nesse acto (embora pela tradição os noivos lhes chamem padrinhos) não existem padrinhos. Trata-se apenas de duas ou mais pessoas que testemunham o compromisso mútuo dos dois noivos com a sua presença. Tal como acontece num acordo ou escritura, qualquer pessoa pode testemunhar um acto desde que seja lúcida e esteja presente.
Não é assim com o Baptismo ou com o Crisma.
O Baptismo marca o início de uma caminhada de Vida Cristã, uma entrada na Comunidade de Jesus, um renascimento espiritual da criança como Filho de Deus e um compromisso de Vida Nova, em Cristo e segundo os valores e os critérios do Evangelho. Ora, tal facto, supõe e traz consigo duas exigências sérias e sagradas: que os pais da criança dêem garantias seguras à Igreja que os acolhe, de que vão educar na Vida Cristã a criança que se baptiza, e que os padrinhos assumam o compromisso de testemunhar a Fé e dar exemplo da Vida em Cristo ao seu afilhado e que, no caso de os pais falharem ao seu compromisso de o educar cristãmente, os padrinhos os substituam com toda a responsabilidade.
Como é fácil de ver, nem todas as pessoas estão em condições de fazer isto, mormente aquelas cuja vida não serve de exemplo ou de modelo na vida cristã para os que são baptizados.
Se os que dirigem a Igreja (Bispos e Párocos) fossem mais corajosos e mais rigorosos (e deviam sê-lo!) grande parte das crianças não podiam nem deviam ser baptizadas, e grande parte dos padrinhos também não podiam sê-lo. Se assim fizéssemos, não seríamos certamente maioria sociológica no país como temos sido, mas seríamos um grupo de pessoas mais conscientes e mais sérias na nossa vivência cristã…e, por exemplo, não votaríamos a favor da legalização aborto, como muitos católicos fizeram…em desobediência frontal à Igreja a que dizem pertencer!
Muitos pais que pedem o Baptismo para os filhos vivem como se não fossem cristãos: não vão à igreja nem recebem os sacramentos, estão sempre contra a igreja a que pertencem, e até chegam a ridicularizar os que frequentam a igreja e os sacramentos. Ora, o que não serve para eles também não deverá servir para os filhos. Para que vão pôr os filhos num caminho e numa vida que eles próprios rejeitam e não respeitam? Outros, não dão verdadeira garantia de educar os filhos na vida cristã; e outros, até estão a viver em oposição e desobediência às Leis de Deus e da Santa Igreja.
Muitos padrinhos, que até são aceites pela Igreja por estarem casados religiosamente e de acordo com as leis da Igreja, também não deviam sê-lo. Entre eles, os católicos não praticantes. Como pode dar testemunho de vida cristã à criança que é baptizada um padrinho ou uma madrinha que não faz caso de cumprir os Preceitos da Igreja que são indispensáveis para alguém viver como cristão, nomeadamente a Santa Missa de cada Domingo e a Confissão e Comunhão na Páscoa de cada ano?
A mim, pessoalmente, esse tipo de padrinhos – os católicos não praticantes – são os que mais me magoam pela sua falta de seriedade e de coerência. Se eu pudesse, eram eles os que eu rejeitava em primeiro lugar. Só não o faço, porque a lei actual da Igreja mo não permite!
A falta de responsabilidade das pessoas e o enorme peso da tradição, levam muita gente a baptizar os filhos, sem qualquer compromisso sério de os educar na vida cristã. Até nos habituamos a dizer sim, diante de Deus, num momento sagrado, sem qualquer intenção de cumprir o que dizemos. O que muitos querem é quase só a festa (com o fotógrafo) e o almoço (com muitos convidados).
Agora, até já se marcam os Baptizados (às vezes com anos e anos de espera e de atraso), apenas em função da festa e do banquete. Isso é que é o importante!...
Nós, os párocos, constatamos todos os dias que muitas e muitas famílias baptizaram os filhos e depois nada fazem para os acompanhar na sua vida cristã.
Essa de o pai ou a mãe ir levar e buscar o menino ou a menina à catequese, de automóvel, “só para o menino ou a menina fazer as Comunhões” (de novo com muitos fotógrafos na cerimónia e muitos convidados no almoço, que é o que agora fazem muitos pais, sem qualquer compromisso de vida e de coerência), é o sinal claríssimo de que andamos a brincar com coisas sérias. Em vez de procurarmos a Fé, a Vida em Cristo, a Lei do Senhor, valorizamos apenas e tão só os “actos sociais”, cheios de vaidades e pejados de exibicionismos.
É o que explica que 90 % dos portugueses se digam católicos no país e que só 15 % apareçam nas igrejas: a adorar a Deus e a alimentar a sua Fé. Nem guardam respeito a Deus de Quem se tornaram Filhos, nem à Comunidade Cristã em que entraram e de que fazem parte desde o seu Baptismo.
Não passam de filhos mal-educados e insubmissos que nem vão a casa do Pai que os convida e tanto os ama, desprezando-O, nem se dignam reunir-se com os Irmãos que tanto lhes querem, ignorando-os.
E pior ainda, se pensarmos que muitos desses cristãos já nem sequer consideram essa falta da Missa como algo de grave e ofensivo a Deus e prejudicial à Igreja: um pecado tão grave que até os impede de comungar, se tiverem ainda um mínimo de consciência e de sensibilidade às “coisas santas”. Muitos, até levam a mal que alguém o diga ou denuncie! Uma vergonha!
Desculpem-me pela palavra que vou usar…mas os mais responsáveis da Igreja deviam fazer alguma coisa para acabar com esta “fantochada”!

Não se exige certamente que todos sejamos santos…
… mas esperava-se ao menos que todos fôssemos mais sérios.

Resende, 05 de Julho de 20010
J. CORREIA DUARTE



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Humildade e confiança

Nesta época do ano, nas várias dioceses, vão surgindo informações sobre mudanças de padres, tanto de paróquias como de serviços ou de várias outras dimensões do ministério eclesial. Este designado ‘movimento eclesiástico’ tem (ou pode ter) várias vertentes, motivações e até repercussões, tanto para quem é (directamente) envolvido como para quem é (mais passivamente) atingido pelas modificações.


Numa época, que muitos têm apelidado de ‘crise de vocações sacerdotais’, o provimento de paróquias com um pároco (padre) próprio quase se torna uma tarefa de imensa responsabilidade, desde o bispo que o faz – depois, normalmente, de aturado processo – até àquele que é colocado, pois vai ocupar o lugar de um outro, que, por mais ou menos tempo, exerceu idêntica tarefa, podendo ter um estilo, ser uma pessoa, revelar-se... diferente.
Desde já uma nota: como também temos estado a viver este processo de mudança, as coisas ganham outro significado, quando nos tocam mais de perto. Deste modo esta partilha/reflexão não é de todo inocente nem desadequada do enquadramento que estamos a sentir... por agora.

1. Xadrez ou presbitério?
Mais do que peças de um ‘xadrez’ eclesiástico, os padres de uma diocese têm de ser vistos como pessoas integradas na Igreja local, onde cada um pode e deve ser enquadrado para que o todo da Igreja diocesana – composta por hierarquia, leigos e religiosos – deve e pode funcionar harmoniosamente, desenvolvendo cada qual os seus dons e carismas e todos manifestam o espectro da diversidade na comunhão. Deste modo um padre não será colocado tendo só em conta a falha na máquina deixada pelo antecessor – sobretudo em caso de morte ou doença – mas terá de ser ‘aproveitado’ na prossecução do projecto da Igreja no sentido lato e na sua concretização na sua dimensão mais estrita.
Atendendo à optimização do rendimento de cada pessoa, também a colocação de um padre num determinado arciprestado ou vigararia – depende da designação em cada diocese – deverá ser estudada (tanto quanto possível) no encaixe com os demais já a trabalharem naquele espaço territorial. Deste modo o estudo dos superiores exigirá mínimo conhecimento daquele que vai ser colocado e do contexto em que será inserido. Não é fácil atender a tantos pormenores!

2. Dimensão de Igreja ao serviço
Num tempo em que não se pode escolher em demasiado – pois a quantidade não permite uma grande selecção e a qualidade quase exige aproveitar tudo – nem assim se deve descer a fasquia do mínimo. Isto serve tanto para os cristãos que temos, como para os padres que conseguimos e ainda para as vocações que vão surgindo... Todos fazemos falta, quando estamos conscientes, humildes e em abertura aos outros.
Eis, por isso, breves sugestões:
- Urge criar no povo de Deus a consciência da pertença em que o padre/pároco possa sentir a proximidade de quem serve e estes sintam que o padre/pároco é uma espécie de ‘pater familias’ na fé pela esperança e para a caridade.
- Urge também retomar o espírito do Concílio Vaticano II nas suas diversas dimensões e não só naquelas que nos convém ou são mais populares.
- Urge ainda ‘Repensar juntos a pastoral da Igreja em Portugal’, sem pretendermos dar lições, mas antes vivendo na escuta do voz do Espírito Santo, hoje.

Como me dizia, por estes dias, um responsável eclesiástico: é preciso humildade e confiança em cada momento da Igreja, sobretudo, se nos temos de aferir a novos projectos, recomeçando noutro local, mas respeitando quem nos precedeu.

A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)





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06/07/10

Sucedâneos!...

A nossa experiência de vida mostra-nos à saciedade que há coisas sem as quais nós não conseguimos viver nem morrer felizes. Entre elas, a Fé, a Esperança e o Amor.
Se não cremos em Deus, arranjamos ídolos pessoais…ao nosso gosto, e adoramo-los…à nossa própria maneira. Se não confiamos em Deus, recorremos às bruxas ou aos astrólogos. Às vezes, na insegurança de uma fé mal esclarecida ou nunca fundamentada, acabamos até por ir a tudo: num dia cumprimos a promessa ao santo e no dia seguinte levamos um presente à bruxa.


Se não sabemos rezar ou a nossa fé não chega, fazemos em vez disso todos os gestos que sabemos, à espera de termos sorte: beijamos o chão do estádio, garatujamos uma cruz à pressa, beijamos a própria mão, rezamos com número certo, arranjamos uns santos especiais para nos protegerem de invejas e maus-olhados, e entramos em correntes imparáveis de orações e de mezinhas para que nos saia a sorte grande ou para que nada de ruim nos caia em cima.
Se não amamos ou não somos amados, entramos facilmente em depressão. Para substituir essa falta de amor, recorremos à comida, ao tabaco, à bebida, ao isolamento, à marginalidade, ou mesmo à droga.
Não querendo ou não sabendo rezar e meditar, recusando uma vivência religiosa séria que nos enche e nos sacia, e tendo uma necessidade imperiosa de silêncio e de paz, fazemos agora ioga e outras técnicas de concentração orientais para aquietarmos a nossa mente: mesmo pagando por isso…mesmo perdendo longas horas.
Como não vamos às celebrações religiosas nas igrejas, mas precisamos de estar e celebrar com os demais, corremos para as discotecas, para os estádios, para os supermercados e para os centros comerciais.
Quando algo de doloroso ou de difícil nos acontece, em vez de recebermos o conforto da família e acolhermos as palavras de Fé e de Esperança que a Igreja e os amigos nos oferecem, como era dantes, deixamo-nos agora consolar por uns psicólogos que não conhecemos, que nunca vimos, que nada sabem da nossa vida, que talvez nem tenham Fé, e que o Estado nos manda e põe à nossa beira, por tudo e por nada.
Não alimentando o nosso espírito com a oração e os sacramentos; então, tentamos preencher o vazio interior que daí nos fica, comprando, gastando e consumindo tudo o que podemos, até não podermos mais.
Desprezando os valores espirituais e abafando as carências das nossas almas - que não se vêem mas que são verdadeiras e nos perturbam - acabamos por dar toda a atenção ao corpo, frequentamos piscinas e ginásios onde gastamos longas horas e muitos euros, e até somos capazes dos maiores sacrifícios, em corridas e em dietas, para “estarmos bem connosco próprios”, como agora se diz.
Como abandonamos as igrejas e já não vamos escutar a Palavra de Deus nem celebrar os Sacramentos, levamos connosco o nome das coisas santas e aplicamo-lo às coisas profanas: aos estádios chamamos catedrais; às tribunas e estantes, púlpitos; e às entrevistas ou confidências, confessionários!
Se não cremos na eternidade, procuramos aproveitar esta vida o melhor que podemos, enquanto cá estamos, por vezes até sem regras e sem respeito pelos demais, o que se compreende.
Se nos falta marido, mulher ou filhos, arranjamos cães e gatos e outros bichos e damos aos animais carinhos e cuidados que só eram para crianças.
Se a nossa consciência nos acusa de coisa grave, e dormimos mal por causa disso, como deixamos de nos confessar, trocamos o confessor pelo psiquiatra, sem compreendermos que o psiquiatra só cura a ferida mas não tira a cicatriz.

Vem isto a propósito do “funeral” de Saramago.
Pareceu-me que muitas daquelas pessoas que velaram o defunto e o acompanharam ao forno, sofriam de uma nostalgia gritante de não terem fé e tudo fizeram para compensar essa falta ou nostalgia com uma outra celebração”litúrgica” que não ficasse a desdizer!
Em meu parecer, o “funeral” de Saramago foi um dos momentos altos para alguns dos nossos concidadãos que cultivam o agnosticismo e a descrença.
Pelo facto de ter recebido o Nobel, os seus admiradores vêem nele a sua bandeira e o seu símbolo e aproveitaram o momento da sua morte para exibirem o símbolo e para desfraldarem a bandeira. Não crendo em Deus nem na Vida Eterna (no que estão no seu direito), os que então discursaram e choraram tentaram consolar-se (?) a si próprios, falando de um Saramago exemplo de honradez e de virtude, de um protótipo de respeito pelos outros e pelas suas crenças, de um modelo de compreensão e humanismo, de alguém vivo depois de morto, de alguém “eterno a existir em qualquer sítio”!
Eu não consigo nem sei explicar o que então se disse e o que então se fez, senão como uma ausência de fé que lhes doía e lhes fazia muita falta, sobretudo nessa hora, e como uma necessidade enorme de substituir as orações e as exéquias religiosas que tanto confortam quem crê e que eles não aceitam nem querem, pelas palmas, os slogans, as coroas e os discursos de quem não crê.
Em minha opinião, foi simplesmente…mais um sucedâneo.

Resende, 25 de Junho/2010
J. CORREIA DUARTE



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Férias, sobretudo, em casa

Dois terços dos portugueses farão o seu período (designado) de férias em casa, durante, sensivelmente uma semana. Esta é uma das conclusões de um estudo ao nível de dezanove países, isto é, quinze no contexto europeu e mais os Estados Unidos, Brasil, Colômbia e Índia.

Os resultados deste estudo foram publicados, esta semana, no jornal ‘Wall Street Journal’ e parceria com uma consultadora de mercado.
Por seu turno, os alemães e os holandeses são dos que mais dias dizem gozar de férias e ao longo de uma quinzena. Se os portugueses têm (ainda) a tendência a passar férias acompanhados pela família (76%), os espanhóis preferem ter férias sozinhos (13%), seguidos dos britânicos (11%) com idêntica atitude.

1. Férias: direito, dever ou intenção?
À luz da crescente cultura do lazer, vamos aferindo que as férias nem sempre são um direito de todos, mas antes uma condição de privilegiados com emprego e com capacidade económica mínima. No entanto, vemos crescer uma certa prosápia de fazer férias em lugares exóticos, sem olhar a custos e a exuberâncias provocatórias de tantos pobres, de desempregados, de vítimas de salários baixos e mesmo da exploração do trabalho alheio.
A máquina do (dito) turismo vai trucidando muitos incautos, na medida em que a promoção de certos clichés vai gerando ambição, mas nem sempre com qualidade de concretização. Há, com efeito, múltiplos excluídos da mesa faustosa de ricos sem escrúpulos que poderão voltar-se contra os fautores da sociedade do ‘faz-de-conta’, seja por conta própria, seja nas maquinações das invejas e das promoções insidiosas.

2. Verdade da crise ou crise de verdade?
Como poderão os pais educar os filhos se lhes prolongam a não assumpção da crise económica em que a família vive? Como poderão disfarçar por mais tempo, quando as dívidas se acumulam sobre as suas cabeças e os seus destinos? Até quando será adiada a verdade à luz das imensas dívidas sem pagamento?
Ora quando alguém – como o Presidente da República, nos tempos mais recentes – tenta denunciar o irrealismo de certos projectos, logo se levantam esqueletos em decomposição para dizerem que é mau falar verdade aos meninos que já não conseguem distrair as mazelas da arrogância. Cada vez mais se torna irresponsável fugir das consequências dos actos mal calculados. Urge, por isso, ser(mos) verdadeiros... mesmo que isso custe votos, a popularidade ou até o poder.

3. Férias estão postas em risco?
Tempo de descontracção, as férias podem servir para muita coisa ou para quase nada. Com efeito, as férias tornaram-se quase uma instituição de ‘direito adquirido’, fazendo parte das regalias laborais.
De facto, até agora – isto é, até à crise mais recente – não se questionava o direito a ter um mês pago sem trabalhar, pois este direito seria como que uma distribuição das ‘mais valias’ – expressão marxista de teor muito ideológico – que o patrão compartilhava com os empregados, que o ajudaram a gerar riqueza.
Mas, se o posto de trabalho está posto em risco, poderá ainda o patrão/empregador ter de pagar um mês sem que o trabalhador/empregado crie riqueza? Por isso, há quem questione se não será justo suspender a pagamento das férias enquanto as empresas – caso a caso – estiverem em dificuldade.
Efectivamente, em nada disto estão postos em causa os direitos laborais, mas antes ter-nos-emos de adequar às circunstâncias de cada momento, salvaguardando o mais possível o futuro de todos.

4. Que fazer nas férias?
A expressão ‘estar de férias’ por certo faz lembrar boas recordações, na medida em que esses momentos de descontracção nos permitem usufruir de vivências que a azáfama do trabalho nos impediu. As ocupações de férias para muitas pessoas quase se reduzem ao ‘não fazer nada’, numa espécie de preguiça em continuidade. Mas será este o melhor projecto de férias? Claro que não.
. Férias poderá ser (simplesmente) mudar de lugar ou tentar conhecer outros lugares diferentes.
. Férias poderá ainda ser o dar mais espaço às coisas de Deus e ao contacto com a natureza.
. Férias poderão como que incluir viver sem relógio, embora ao ritmo do descanso... em Deus e para os outros.

Para quem puder: boas férias em casa, na praia, passeando ou pelo campo...

A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)




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01/07/10

Esperança média de vida aumentou

Nos três últimos anos – de 2007 a 2009 – a esperança média de vida à nascença, em Portugal, subiu nos homens para 75,80 anos e nas mulheres para 81,80 anos. Estes dados do Instituto Nacional de Estatística confere que as mulheres poderão viver, em média, mais seis anos do que os homens

No triénio anterior os homens viviam 75,49 anos e as mulheres 81,74 anos.
Se atendermos àqueles que têm, hoje, 65 anos a esperança média de vida nos homens será de 81 anos e nas mulheres poderá atingir 84 anos.
Estes dados, mesmo que meramente estatísticos, colocam-nos várias questões: como são cuidados os nossos velhos? Estará a família preparada para os enquadrar correcta e dignamente? O Estado cuida ou menospreza os ‘seus’ velhos? Até onde irá a ousadia cultural em favor dos velhos? Como será uma sociedade onde a maioria da população seja velha e as estruturas económico/físicas tenham sido pensadas para adolescentes?
Ao vermos estes dados como que nos lembramos de uma espécie de esquema, que resume a nossa vivência e a aceitação dos outros e de nós mesmos, tendo em conta a idade físico/biológica e a dimensão psicológico/espiritual: até aos vinte anos – posso tudo; dos vinte aos trinta – sei tudo; dos trinta aos quarenta – tenho algo a ensinar; dos quarenta aos cinquenta – já não sei tudo; dos cinquenta para a frente – tenho muito a aprender... Não será que a nossa capacidade de amadurecimento está (exactamente) na proporção inversa daquele esquema?

1. Qualidade de vida
Quem tenha hoje mais de setenta e cinco anos viveu, certamente, a II Guerra Mundial no tempo da sua infância, tendo, por isso, na sua maioria, sido submetida a uma atroz purga de necessidades mínimas. Houve pessoas que tiveram de estar nas filas do sabão racionado, do grão para moer em farinha, das senhas... para os mais diversos bens essenciais. Ora estas pessoas, vencidas as vicissitudes de antanho, chegaram à provecta idade de poderem usufruir de alguma qualidade de vida, sobretudo, junto dos seus filhos e netos. Mas dão-lhes em troca a catalogação para ‘lares’ – o termo continua a ser o de asilo ou de pensionato – de velhos, mesmo que os rotulem de ‘3.ª idade’. Por isso, a (dita) qualidade de vida como que se reduz à recolha – à custa da pensão de reforma e de outros acrescentos suplementares – de velhos e velhas em situação de quase cemitério de vivos.
Por outro lado, há quem tente apresentar refúgios onde a ‘qualidade de vida’ tenha outros atractivos. Até pode(re)mos encontrar soluções em favor de uma quase eutanásia implícita. Pois, quem entrega os seus velhos aos ‘lares’ e não os vai visitar, não estará a sepultá-los em vida? Quem tenta pagar serviços, mas não dá coração nas horas de fragilidade, não estará a fazer enterro em maré de festas e de comemorações?
A (pretensa) qualidade de vida será sobretudo um estado de alma e não pode ser (reduzidamente) uma espécie de ir amparando a carcaça sem criar soluções para a dimensão psicológica e espiritual... da pessoa fragilizada, hoje uns, amanhã outros!
A ‘qualidade de vida’ tem muito a ver com a dimensão moral/ética dos que a vivem, atendendo às mais profundas motivações, seja qual for a idade, a condição social ou mesmo o estatuto profissional.

2. Desafios culturais
Com a longevidade a crescer temos de enfrentar novos desafios culturais, pois muitas pessoas terão de ocupar o seu tempo para além da idade de trabalho em ocupação com horário rígido, isto é, na profissão remunerada e com impostos. De facto, não podemos reduzir a idade da reforma à capacidade de execução de uma determinada tarefa. Não podemos também obrigar todos a cumprir a mesma exigência laboral até ao tempo extremo de prova.
Urge, por isso, reflectir sobre novas formas de ocupação de tempo, levando-nos a estarmos ainda mais em favor dos outros:
- Não se criem falsos sistemas de voluntariado nem se iludam os desempregados com subsídios de prolongamento da preguiça.
- Valorizem-se as iniciativas de valorização das pessoas naquilo que elas sabem fazer, sendo úteis aos outros... sem as explorarmos.
- Recolham-se depoimentos de pessoas com histórias de vida para que não sejam sepultadas enciclopédias do saber com cãs de memória colectiva.
- Criem-se condições mínimas para que os nossos velhos não sejam tratados como crianças envelhecidas, mas antes sejam dignamente acolhidos na família e nos espaços de bem comum, como as igrejas, as colectividades e as autarquias.
Afinal, pelos cuidados que damos aos mais velhos se poderá aferir o nosso nível cultural, humano, espiritual e cristão.

A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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