Sucedâneos!...
A nossa experiência de vida mostra-nos à saciedade que há coisas sem as quais nós não conseguimos viver nem morrer felizes. Entre elas, a Fé, a Esperança e o Amor.
Se não cremos em Deus, arranjamos ídolos pessoais…ao nosso gosto, e adoramo-los…à nossa própria maneira. Se não confiamos em Deus, recorremos às bruxas ou aos astrólogos. Às vezes, na insegurança de uma fé mal esclarecida ou nunca fundamentada, acabamos até por ir a tudo: num dia cumprimos a promessa ao santo e no dia seguinte levamos um presente à bruxa.
Se não sabemos rezar ou a nossa fé não chega, fazemos em vez disso todos os gestos que sabemos, à espera de termos sorte: beijamos o chão do estádio, garatujamos uma cruz à pressa, beijamos a própria mão, rezamos com número certo, arranjamos uns santos especiais para nos protegerem de invejas e maus-olhados, e entramos em correntes imparáveis de orações e de mezinhas para que nos saia a sorte grande ou para que nada de ruim nos caia em cima.
Se não amamos ou não somos amados, entramos facilmente em depressão. Para substituir essa falta de amor, recorremos à comida, ao tabaco, à bebida, ao isolamento, à marginalidade, ou mesmo à droga.
Não querendo ou não sabendo rezar e meditar, recusando uma vivência religiosa séria que nos enche e nos sacia, e tendo uma necessidade imperiosa de silêncio e de paz, fazemos agora ioga e outras técnicas de concentração orientais para aquietarmos a nossa mente: mesmo pagando por isso…mesmo perdendo longas horas.
Como não vamos às celebrações religiosas nas igrejas, mas precisamos de estar e celebrar com os demais, corremos para as discotecas, para os estádios, para os supermercados e para os centros comerciais.
Quando algo de doloroso ou de difícil nos acontece, em vez de recebermos o conforto da família e acolhermos as palavras de Fé e de Esperança que a Igreja e os amigos nos oferecem, como era dantes, deixamo-nos agora consolar por uns psicólogos que não conhecemos, que nunca vimos, que nada sabem da nossa vida, que talvez nem tenham Fé, e que o Estado nos manda e põe à nossa beira, por tudo e por nada.
Não alimentando o nosso espírito com a oração e os sacramentos; então, tentamos preencher o vazio interior que daí nos fica, comprando, gastando e consumindo tudo o que podemos, até não podermos mais.
Desprezando os valores espirituais e abafando as carências das nossas almas - que não se vêem mas que são verdadeiras e nos perturbam - acabamos por dar toda a atenção ao corpo, frequentamos piscinas e ginásios onde gastamos longas horas e muitos euros, e até somos capazes dos maiores sacrifícios, em corridas e em dietas, para “estarmos bem connosco próprios”, como agora se diz.
Como abandonamos as igrejas e já não vamos escutar a Palavra de Deus nem celebrar os Sacramentos, levamos connosco o nome das coisas santas e aplicamo-lo às coisas profanas: aos estádios chamamos catedrais; às tribunas e estantes, púlpitos; e às entrevistas ou confidências, confessionários!
Se não cremos na eternidade, procuramos aproveitar esta vida o melhor que podemos, enquanto cá estamos, por vezes até sem regras e sem respeito pelos demais, o que se compreende.
Se nos falta marido, mulher ou filhos, arranjamos cães e gatos e outros bichos e damos aos animais carinhos e cuidados que só eram para crianças.
Se a nossa consciência nos acusa de coisa grave, e dormimos mal por causa disso, como deixamos de nos confessar, trocamos o confessor pelo psiquiatra, sem compreendermos que o psiquiatra só cura a ferida mas não tira a cicatriz.
Vem isto a propósito do “funeral” de Saramago.
Pareceu-me que muitas daquelas pessoas que velaram o defunto e o acompanharam ao forno, sofriam de uma nostalgia gritante de não terem fé e tudo fizeram para compensar essa falta ou nostalgia com uma outra celebração”litúrgica” que não ficasse a desdizer!
Em meu parecer, o “funeral” de Saramago foi um dos momentos altos para alguns dos nossos concidadãos que cultivam o agnosticismo e a descrença.
Pelo facto de ter recebido o Nobel, os seus admiradores vêem nele a sua bandeira e o seu símbolo e aproveitaram o momento da sua morte para exibirem o símbolo e para desfraldarem a bandeira. Não crendo em Deus nem na Vida Eterna (no que estão no seu direito), os que então discursaram e choraram tentaram consolar-se (?) a si próprios, falando de um Saramago exemplo de honradez e de virtude, de um protótipo de respeito pelos outros e pelas suas crenças, de um modelo de compreensão e humanismo, de alguém vivo depois de morto, de alguém “eterno a existir em qualquer sítio”!
Eu não consigo nem sei explicar o que então se disse e o que então se fez, senão como uma ausência de fé que lhes doía e lhes fazia muita falta, sobretudo nessa hora, e como uma necessidade enorme de substituir as orações e as exéquias religiosas que tanto confortam quem crê e que eles não aceitam nem querem, pelas palmas, os slogans, as coroas e os discursos de quem não crê.
Em minha opinião, foi simplesmente…mais um sucedâneo.
Resende, 25 de Junho/2010
J. CORREIA DUARTE
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