Vinte por cento... em favor dos mais pobres
Seria bom que os políticos cristãos pudessem dispor de 20% dos seus rendimentos para um fundo em favor dos mais pobres. Esta sugestão de D. Carlos Azevedo – muito natural e incisiva, após uma reunião do Conselho Consultivo da Pastoral Social – como que provocou alguns respigos de incomodidade, pois certos políticos com proximidade ‘cristã’ consideraram que a sugestão do prelado não era tão bem vinda como seria de esperar. Houve até alguém que, fazendo uso de expressões bíblicas, descartava a possibilidade de entrar nesta onda de partilha, relegando o assunto para o foro privado de consciência... intimista.
*De que pobreza falamos?
Quando ouvimos certas forças – sociais, políticas, sindicais, religiosas ou, mesmo, cristãs – falarem de pobres como que nos parece estarmos a falar de realidades que não têm a ver com o nosso mundo, isto é, o espaço onde vivemos, nos movemos e existimos. De facto, para certas figuras os pobres serão como que uma entidade abstracta que funciona em maré de eleições e depois se esquece (ou faz por esquecer), pois incomodam as certezas e os projectos de ambição. Por outro lado, os pobres parecem ser apenas os despojados de coisas materiais e não são atendidos. Também são pobres os de natureza psicológica, moral e até espiritual. Com efeito, muita da pobreza material é consequência e manifestação de outro tipo de pobreza, bem mais funda no seu diagnóstico e mesmo no combate para a irradicar.
- Será que estamos todos interessados em encontrar as causas da pobreza ou não andaremos a iludir as consequências?
- Será que os pobres são, de verdade, a razão de ser das propostas políticas ou não serão, antes, promotores da distracção dos ricos e oportunistas de ocasião?
- Até onde irá a ousadia em dar aos pobres ferramentas de auto-suficiência – ao nível cultural e educativo, pessoal e familiar – em vez de tentarem prolongar-lhes a dependência com subsídios e artefactos de curto prazo?
*Para uma cultura da pobreza... evangélica
A mais recente crise económico/financeira pôs a nu muitas debilidades do nosso povo – no seu conjunto e não no mero anonimato – em viver com o essencial e não para além das suas posses. Quantas vidas artificiais tiveram de deixar de manifestar riqueza fictícia! Quantas ostentações tiveram de engolir a arrogância! Quantas misérias disfarçadas tiveram de encolher o penacho! Quantas promoções e créditos tiveram de reduzir-se ao possível!
Efectivamente, a ilusão de muitos em tentarem viver acima das suas possibilidades tem sido paga de modo muito caro, tanto no presente como para o futuro. Torna-se, por isso, urgente que os cristãos reflictam sobre a qualidade ética em que estão fundamentados os seus valores: se estão alicerçados na mensagem do Evangelho e assumindo as consequências da concordância entre a fé e a vida.
Depois de uma certa resignação degradante, fomos – subtil, ardilosa e sistematicamente – seduzidos pelo consumo desenfreado. Temos, então, de reler a nossa vida à luz da pobreza evangélica, centrando-nos no essencial e sabendo repartir com os outros, na medida em que damos por caridade fraterna.
Urge, por isso, colocar a nossa vida à luz da condução de Jesus, o nosso mestre e Senhor. Certamente será à luz do código das obras de misericórdia (cfr. Mt 25,31-46) que seremos avaliados/julgados... tanto no tempo presente como na vida futura. Assim saibamos ser dignos de tão profundos e altíssimos desafios.
Comecemos, já e com espírito alegre pela dádiva aos outros... sem olhar a quem!
António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)
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