Ainda não li o livro, e não sei se o vou ler.
O que eu ouvi, foi a entrevista dada pelo seu autor na RTP 2, na noite de Sábado, 22 do corrente, dia do lançamento da obra. Ouvi-a, e achei tão despropositadas as suas afirmações que, primeiro, fiquei nervoso e irritado, mas depois ri-me, ri-me sem parar. As “patacoadas” do jornalista, ditas com tanta desfaçatez e prosápia, na mesa das entrevistas, primeiro pareceram-me jactantes, e depois, também ridículas.
Eu sei que não sou biblista, nem exegeta, nem teólogo, nem investigador dessa área, mas não é preciso ser nada disso para ser capaz de detetar a insensatez do visado e a ligeireza das suas afirmações, em questões tão sensíveis e tão graves.
Para mim, antes de mais, as suas afirmações são indício de uma enorme ignorância em assuntos religiosos.
Por falta de espaço, só três ou quatro, a título de exemplo:
-“Jesus nunca foi cristão”! Pois não. Que assombrosa descoberta! Como é que Ele havia de ser cristão? Cristãos são os Seus discípulos! Cristãos são aqueles que O seguem!
-“Jesus não se chamava Cristo”! Pois não. Que estupenda novidade! Toda a gente sabe que o nome indicado pelo Anjo anunciador da Sua vinda é apenas Jesus: Deus que salva. O nome ou o título de Cristo foi-lhe aposto pelos seus discípulos para significar a Sua missão messiânica, título que Ele aceitou e com o qual sempre concordou, uma e outra vez.
-“Os que escreveram os Evangelhos não conheceram Jesus”! Toda a gente sabe que o evangelista Lucas foi discípulo de S. Paulo e Marcos, de S. Pedro. Mas Mateus? E João? O Evangelho deles não conta? E não andaram os dois com Jesus? João até assistiu à Sua Morte no Calvário! E Lucas? E Marcos? Não ouviram o que escreveram, da boca dos que conheceram Jesus? Não terão ouvido mesmo muitas coisas sobre Jesus e a sua vida privada e pública, da boca de Maria que sobreviveu a Jesus?
-“José não era indigente”! Meus Deus, mas quem disse alguma vez que o carpinteiro era indigente ou andava pelas portas de Nazaré a mendigar?
-“Jesus foi racista e malcriado”! Só por brincar um pouco com a mulher que haveria de curar e libertar dos seus males, logo a seguir, usando a metáfora dos filhos e dos cachorrinhos?
Valha-nos Deus, valha!
Para alguém se tornar famoso e vender muito livros, é preciso entrar por esse caminho de afrontar a fé dos outros e de lançar a confusão entre pessoas portadoras de uma fé menos bem fundamentada?
A partir do século XVIII, legitimamente, têm alguns autores tentado escrever biografias de Jesus fazendo uma análise crítica dos Evangelhos, e fazendo ressaltar o “Jesus histórico” em contrabalanço ao “Jesus da Fé”. É útil que tal se faça e continue a ser feito. Muitos deles são gente séria, com amor à verdade e com objetivos honestos. Esses merecem todo o nosso respeito, e talvez até a nossa gratidão. Outros porém, fazem-no para se escaparem ao Jesus da Fé - o “Filho de Deus” feito “Homem” para nos vir salvar - que recusam e não aceitam, e acabam por descobrir em Jesus o que a cada um deles interessa ou satisfaz: entre estes últimos, já houve quem visse em Jesus um “sábio”, um “curandeiro”, um “profeta”, um “contador de histórias”, um “rabino”, um “marginal perturbador”, um “revolucionário” de esquerda, e até já houve quem o considerasse o primeiro “comunista” da história.
No caso de Rodrigues dos Santos, na fila de Saramago e de Dan Brown, deseja-se apenas, a meu ver, fazer sensação e dar escândalo, para despertar a curiosidade dos incautos e fazê-los correr às livrarias.
Será honesto e sério chamar ao livro romance e dizer depois lá dentro que, o que nele se contém, “é fruto de informações e investigações históricas genuínas”? Que brincadeira é esta? Trata-se de ficção, ou de história? De factos comprovados, ou de imaginação e sonho?
Essa de o autor se fazer filmar em Jerusalém e nos corredores do Arquivo do Vaticano, para mostrar que andou mesmo por lá à procura dos manuscritos, e para exibir depois os filmes na hora da apresentação do livro, fez-me rir às despregadas!
Que pobreza a nossa! Que literatura se lê e admira, hoje, em Portugal! Lobo Antunes tem razão e mais que razão no que disse há dias acerca Rodrigues dos Santos. Os grandes mestres da língua, Eça de Queirós ou Camilo, se pudessem cá dar um pulo, varriam todos estes aprendizes da escrita à vassourada.
Para além de tudo isto, doeu-me também muito ver um padre a fazer a apresentação de uma “coisa destas” e alinhar num truque destes, contribuindo também ele, ainda mais, para lançar a confusão entre os bons crentes. A escolha do apresentador não foi inocente!...e o sacerdote em causa, ou caiu num logro, ou também gosta destas coisas, o que ainda é mais lamentável.
O autor, tentando camuflar os seus propósitos, disse que o seu livro era “apenas um ponto de partida, permitindo aos leitores irem depois investigar…”. Até parece que o autor inventou agora a pólvora, que toda as pessoas antes dele, inclusive os verdadeiros investigadores, viveram na ignorância e no erro, e que a Igreja nada mais tem feito do que meter patranhas na cabeça dos católicos. Se não o disse claramente, andou lá perto!
As discussões acerca da personalidade de Jesus começaram cedo, logo nos primórdios do cristianismo: Jesus, Filho de Deus? Jesus, apenas um filho do Homem? Não foi Rodrigues dos Santos que lhe deu início. No Concílio de Niceia (ano 325), encontraram os cristãos os elementos fundamentais para a unidade da sua Fé e registaram-nos no chamado Credo ou Símbolo de Niceia. Não os inventaram ou forjaram…como disse o autor do livro em causa.
Também não estou a ver, a partir de agora, os católicos a correr os corredores dos arquivos de Roma e de Jerusalém à procura das ditas fontes e a decifrar os citados manuscritos, para verem se Rodrigues dos Santos tem razão ou apenas despejou algumas atoardas!
Valha-nos Deus, valha!
P.Scriptum. –Lamento ainda, e tenho pena, que tendo toda a gente ouvido Rodrigues dos Santos na televisão negar o dogma da Virgindade de Nossa Senhora, nenhum dos nossos bispos nem o Conselho Permanente do Episcopado tenham vindo em sua defesa. Para não darem ao autor a importância que ele julga ter e não tem?... Talvez. Mas a verdade é que, quem cala consente…ou pelo menos parece consentir, o que é muito prejudicial, por permitir mais uma vez a incerteza e a confusão na nossa Igreja. Os bispos, que me perdoem, mas são eles, por função própria, os vigilantes defensores da fé católica. Ou devem sê-lo. Não podem deixar o seu rebanho à mercê dos lobos salteadores que agora são muitos, se multiplicam como os labrestos, e abafam cada vez mais a semente da Fé e a flor da Caridade.
Ouvi alguns dos nossos bispos manifestar o seu protesto contra os impostos recentemente introduzidos…assunto que diretamente lhes não diz respeito a eles…E agora? Em assunto da sua responsabilidade, ficam retraídos, calados e desinteressados?
Perdoe-se-me o desabafo, mas é o que eu sinto. É assim que eu penso.
Resende, 25 de Outubro de 2011
J. Correia Duarte
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