O maior desafio feito à Igreja
Gostaria de perguntar a muitos cristãos, leigos e clérigos, dos mais diversos meios e idades, qual consideram ser o grande, senão mesmo o maior, desafio que a Igreja enfrenta hoje.
Admito que uns falariam da crise das vocações, do desnorte das famílias, da idade avançada dos padres, da evangelização, assim em geral, como que a dizer tudo e a não dizer nada. Também se poderiam ouvir as dificuldades da linguagem usada para comunicar o Evangelho, os diminutos passos dados no diálogo com o mundo e a cultura emergente, da crise da vida comunitária das pessoas e das estruturas pastorais. Talvez ainda, apesar dos ecos favoráveis das Jornadas Mundiais da Juventude, em Madrid, falariam do desafio que os jovens constituem. Todos estes e muitos outros temas, em campo, constituem, por certo, problemas e desafios incómodos e difíceis. Mas qual o maior?
Não podemos deixar de concretizar, a ponto de incomodar, aquele que se poderá considerar o desafio mais englobante, no qual vão entroncar todos os outros. Será, talvez, a debilidade da fé dos que se dizem crentes e consideram a Igreja como espaço que ainda lhes diz algum respeito. Não há meios técnicos para medir a autenticidade e a verdade da fé das pessoas. Cada uma tem o seu itinerário religioso próprio, foram diferentes as oportunidades que se lhe abriram para crescer na fé, e, ao afirmar-se cristão, ninguém gosta que duvidem da sua religiosidade. A prova final é a vida de cada um. Há gente com grande coerência entre o que acredita e o que vive. Outra que deixa os sentimentos e as coisas religiosas para determinados dias, acontecimentos e lugares. Alguém disse que, tal como na sociedade actual, também na Igreja reina o caos, onde se encontra de tudo. Aí se expressam as maiores diversidades e opções em relação à prática religiosa, ao estilo de família, à intervenção social e política, para não falarmos já dos permanecem no templo e exprimem a pluralidade de caminhos de acção, da liturgia às estruturas de participação, dos leigos agindo quase por favor, àqueles que evoluíram e reivindicam, legitimamente, o direito à iniciativa, à palavra, à liberdade de associação.
É neste contexto, a meu ver, que emerge o grande problema: uma Igreja que, por sua natureza, é uma comunidade de crentes adultos e na qual muitos dos seus membros não o são, nem têm vontade ou motivação para o vir a ser. O ambiente é marcado por valores e tradições cristãs, que permitem humanização da vida e a sua dimensão transcendente. Porém, os dinamismos mais influentes na sociedade, nem sempre contrários à Igreja, processam-se, normalmente, à margem da Igreja, sem que se vislumbrem propostas alternativas. Dir-se-á que ainda há igrejas cheias. É verdade.
O pluralismo é um valor estimável, que nem sempre se vê assumido e promovido nas comunidades com marcas de um clericalismo serôdio. João Paulo II levantou a bandeira da “nova evangelização” para ir ao encontro dos cristãos tradicionais, adormecidos ou convencidos. Bento XVI caminha no mesmo sentido. Mas, a nova evangelização não vive de acontecimentos de massa, ou de iniciativas de passagem que podem comover, mas não chegam a converter. A pedagogia de uma evangelização com futuro é de promoção e aproveitamento das relações primárias, de modo a gerar motivação; de formação de líderes que testemunhem, com normalidade, a sua fé; da criação grupos, não nascidos por força de decisões superiores, mas propostas de reflexão serena, aberta e de confronto da vida com a Palavra de Deus; de uma prática orante adequada; de progressiva abertura aos outros e às suas condições de vida… Evangelizar as pessoas, pelo anúncio jubilosos de Jesus Cristo, Redentor e Salvador, exige que, ao mesmo tempo, para que o seja depois de modo mais alargado, tocar nos ambientes e nas estruturas da sociedade. Evangelizar não é fazer praticantes de culto, mas crentes adultos com testemunho de vida e compromisso apostólico.
Bento XVI fala de uma Igreja na Alemanha com muita organização e pouco espírito, com muito mundo e pouca espiritualidade. Também se pode falar nos países de tradução religiosa, como Portugal, de uma Igreja ainda mais voltada para conservar tradições e estruturas paralisantes e menos atenta a caminhos novos, exigidos pelas mudanças sociais e culturais, e por ser essa uma necessidade urgente de tornar o Evangelho acessível. Com esta apreciação pouco optimista, como se pode pensar, não se podem esquecer as muitas iniciativas válidas e promissoras, não se pode passar ao lado do esforço generoso de bispos, padres e leigos que, na sua vida e acção, animados pelo Espírito vão criando caminhos novos. Mas, até neste ponto, no conjunto nacional, dentro das dioceses e das paróquias, há estrangulamentos individuais lamentáveis. A evangelização não dispensa testemunhos comunitários e estes não se improvisam.
D. António Marcelino
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