Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

31/03/10

Os cristãos perseguidos e a tragédia europeia

1. Vai primeiro um exemplo do que se sofre por Cristo e pela Igreja, na China. Dom Yao foi realmente um bom pastor que deu a vida por suas ovelhas. Em 30 de Dezembro 2009, faleceu com 86 anos, Dom Leo Yao Liang, bispo coadjutor da diocese de Siwantze (Chongli- Xiwanzi), na província de Hebei (China Continental).

Nasceu em 11 de abril de 1923 em Gonghui, Zhangbei. Ordenado sacerdote em 1 de Agosto de 1948, trabalhou em várias paróquias até ser impedido de exercer o ministério sacerdotal e foi obrigado a trabalhar para viver cultivando hortas e vendendo lenha. Em 1956 foi condenado a trabalhos forçados por ter recusado aderir ao movimento de
independência da Igreja Católica. Dois anos depois recebeu a pena de prisão perpétua sempre por causa do mesmo "crime", ou seja, o de permanecer fiel ao Sumo Pontífice e à Igreja Universal. Foi libertado em 1984 depois de trinta anos de prisão. Ordenado bispo em 19 de Fevereiro de 2002, em Julho de 2006 foi de novo sequestrado pela
polícia depois da consagração de uma nova igreja no território de Guyuan, e passou outros trinta meses na prisão. Um vez livre, mas sempre vigiado, pode empenhar-se nos assuntos da diocese não obstante todas as dificuldades. Na missa dominical por ele celebrada participavam toda a semana mais de mil fiéis.
Depois da morte de Yao, as autoridades civis proibiram a comunidade católica de honrá-lo com o título de bispo impondo que se usasse o de pastor clandestino. Na manhã de 6 de Janeiro passado, milhares de fiéis, provenientes de várias partes do país, participaram nas suas exéquias não obstante os controles da polícia e a abundante neve, demonstrando assim que Dom Yao foi realmente o bom pastor, que dá a
vida por suas ovelhas. Nele, como nos outros seis bispos chineses que morreram durante o ano de 2009, se realizaram as palavras do Livro da Sabedoria: "as almas dos justos estão nas mãos de Deus, nenhuma tribulação os atingirá. Aos olhos dos insensatos parece que morreram; o fim deles é considerado uma desgraça, a sua partida uma destruição, mas eles estão em paz, mesmo se aos olhos dos homens foram castigados, a sua esperança está repleta de imortalidade. Por uma breve pena
receberam grandes benefícios, porque Deus os provou e os considerou dignos de si: os conservou como ouro precioso e aceitou-os como perfeito holocausto".

2. Este testemunho é condensado duma noticia da Agência Fides. No entanto, a Igreja de Cristo continua a ser perseguida, e de uma maneira feroz. E presentemente são as próprias instituições que a atacam na Europa . E temos de incluir nesse continente o nosso país.
Já em muitos artigos dissemos com o Papa João Paulo II e com Bento XVI que a Europa está "caminhando para o abismo", porque rejeitou e rejeita Deus. Perdeu a sua identidade e o principal factor de unidade. Podemos mesmo afirmar que alguns governos desta UE são mesmo demoníacos. E, mais cedo ou mais tarde este modelo acabará por
definhar, e oxalá que não seja numa confusão babélica, em multiculturalismos ligados aos anteriores países. Seria o caos, que já é económico. O cristianismo deveria ser o natural factor de unidade. O que a Europa é, aprendeu-o à sombra da Igreja católica. Já no ano 2000, o teólogo Bruno Forte, em Conferências do Congresso Missionário
Internacional, em Roma, com a presença de representantes de 123 países do mundo, apelou, clamou para o grande problema do nosso mundo caminhando para o abismo "porque rejeitou Deus" e por isso tornou-se um mundo sem sentido. E a Igreja e muitos foram levados na onda e não compreenderam esta perseguição ao cristianismo que já se adivinhava por todos os lados. Igreja calada, responsáveis calados ou medrosos. E
agora, o italiano Marcello Pera, filósofo agnóstico e senador, e que
várias vezes debateu questões culturais e religiosas em Simpósios com o Cardeal Ratzinger, no dia 17 de Março pp. publicou um excelente artigo no conceituado diário "Corriere della Sera" que nos vai permitir desenvolver mais em pormenor a tragédia que estamos e vamos vivendo. "O último ataque ou questão dos padres pedófilos e
homossexuais que surgiu recentemente na Alemanha, tem como alvo o Papa. Cometer-se-ia, no entanto , um grave erro se pensássemos que o golpe não conseguiria atingir o alvo, dada a enormidade da iniciativa.
E seria um erro maior ainda se se considerasse que a questão será rapidamente ultrapassada, como tantas outras. Não é assim. Está em curso uma guerra. Não apenas contra a pessoa do Papa porque, nesse campo, a guerra é impossível; Bento XVI tornou inexpugnável a sua imagem, na sua serenidade, na sua limpidez, firmeza e doutrina. Basta o seu sorriso manso para derrotar um exército de adversários." Assim
começa o realista artigo de Marcello Pera. Queremos repetir esta imagem bonita de Bento XVI, que sempre me pareceu assim nas cinco vezes que o vi em Roma e bem perto de mim: a serenidade, a paz, a calma, a quietude de um rosto transmitindo o divino. Foi a imagem que eu cativei para mim, comentei com bispos portugueses e a que várias
vezes me referi, inclusivamente na revista "BOA NOVA actualidade missionária", ano 2008, número 949, páginas 8-9, com o título "Bento XVI Papa da serenidade", acrescentando o testemunho de Áura Miguel num comentário na RR: "O seu sorriso e a serenidade com que o Papa acolhe cada um (dos bispos portugueses) é surpreendente. Isto mesmo já o tinham os italianos, no dia em que Bento XVI celebrou 80 anos.
Aquele rosto tão tranquilo e cheio de certezas é o reflexo de algo maior do que ele, que vem de dentro, de alguém que, depois de velho, aceitou o vertiginoso desafio de conduzir a Igreja e confirmar os seus irmão na fé". É certo que "está aberta a guerra do laicismo contra o cristianismo" que já "é uma batalha campal", para citar Marcello Pera.
Mas o timoneiro acolhe, enfrenta e não desilude os que andam com os pés no chão e o coração em Deus.

Armando Soares


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Ao Compasso do Tempo - Crónica de 01 de Abril de 2010

Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja

Nem a ocultação nem a caça às bruxas. Nem a desculpabilização, que agrava o crime, nem o farejar doentio à busca de sangue.
A confidencialidade no tocante a desmandos pode traduzir o brio falso da instituição (família, Igrejas, partido político, clube desportivo…) ao procurar defender as aparências, encobrindo a verdade e o escândalo ou, em tantos casos, embora de forma tosca, a esperança da cura ou da mudança.
Trago à memória pessoal e colectiva alguns sobressaltos da opinião pública, no momento da revolução de Abril: em todas as esquinas adivinhava-se um “pide” …; em escolas, aldeias ou autarquias estendia-se o dedo ao “explorador” do povo e os saneamentos igualaram o fedor que a sã higiene sempre quis evitar.
Houve vítimas, que não foram réus; houve réus que não chegaram a vítimas.
E, nos inícios do “fenómeno Casa Pia”, ouviu-se não poucas vezes, o juízo irónico de que, no fim, só seriam condenadas as crianças exploradas… Mas houve também a sensatez para se afirmar que muitos julgados pela turba, sem a mínima presunção de inocência, seriam, porventura, isentos de qualquer culpa.
Nas grandes emoções ou nos “barulhos da praça” há sempre alguém que grita: “agarra que é ladrão”…
Lembram-se que, nos preâmbulos do “Casa Pia”, houve órgãos de informação que alvitraram serem eventuais abusadores, dois ou três nomes sonantes, até de algum xadrez político, com fotografias e letras graúdas?
Não restem equívocos: a verdade, sempre! Custe o que custar… e a quem custar. Certas notas atenuantes ou certas desculpas de ocasião “enterram” quem as profere (tem sido o caso), a instituição visada e os indiciados.
Dá a impressão que tudo é campanha ou má vontade. Em alguns casos, podê-lo-á ser (entre nós até um primeiro ministro não se livrou de uma campanha sexual, em momento eleitoral (!), que muitos puristas alimentaram. O que pensará hoje Hulk a propósito de um simples túnel?!!!)
Mas, no caso presente da pedofilia, há, pelo mundo, objectividade de casos numerosos e de suas decisões jurídicas. Uma andorinha não faz a Primavera, é verdade.
Mas também é verdade que a parte de um todo esteve ou está doente. E o “corpo é que sofre” (pela solidariedade e… pela infâmia)
O amor da Verdade é caminho para a Verdade do Amor!
A Semana Santa e a Páscoa de 2010 no-lo recordam. E mais uma nota: seria bem útil ler os dados que aparecem na edição do Diário de Notícias, de 29 de Março corrente, pag. 6, onde se diz que para José Braz, responsável da directoria de Lisboa e Vale do Tejo da Polícia Judiciária, os dados de Pedro Pombo, inspector da mesma polícia, em regime de licença sem vencimento, na tese a ser apresentada na universidade de Salamanca, “carecem de sustentação estatística sólida”, acrescentando: “só os conheci pela comunicação social e verifico que não correspondem à verdade”.

Lisboa, 01 de Abril de 2010

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança

http://castrense.ecclesia.pt



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Em defesa de Bento XVI

1. Confrontado com o alastrar de denúncias de abusos sexuais de menores por parte de membros do clero católico, e na sequência do trabalho desenvolvido enquanto Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Papa Bento XVI tudo tem feito para urgir a purificação da Igreja e acabar com a cultura de encobrimento que, durante décadas, foi usada em muitas dioceses de vários países – a carta aos Católicos da Irlanda, publicada a 19 de Março, é apenas o exemplo mais recente e vigoroso deste empenho do Papa.

2. Nesta busca de transparência e conversão, a Igreja Católica já foi mais longe do que qualquer outra instituição, pública ou privada – as quais, durante décadas, usaram da mesma política de encobrimento face a situações semelhantes vividas no seu interior. Isso não desculpa, como é evidente, o que aconteceu nas instituições da Igreja – pois estas devem sempre reger-se por padrões mais exigentes do que aqueles praticados pela sociedade. O facto é que apenas a Igreja Católica foi colo-cada no pelourinho. Mas compreende-se, se pensarmos que este julgamento público e sem direito a defesa acontece numa comunicação social ávida de escândalos e, em muitos casos, ao serviço dos “poderes de facto” que dominam a sociedade – embora encham a boca com a denúncia do suposto “poder” da Igreja.

3. Bento XVI, mais do que ninguém na Igreja, tem suportado as dores e penitên-cias desta longa quaresma, ainda sem fim à vista. Infelizmente, não poucos católicos têm acrescentado peso à cruz que ele vai corajosamente carregando: uns, pelo silêncio de quem não ousa uma palavra em defesa do Papa; outros, pela compla-cência com as mentiras que se vão publicando (veja-se o modo descuidado como até alguns media católicos trataram a mentira do New York Times sobre Bento XVI); não poucos, por palavras acintosas em relação a Joseph Raztinger, reveladoras da má fé com que, desde o início, acolheram a sua eleição à cátedra de Pedro.

4. Uma coisa, porém, é certa: como afirma Marcello Pera (Corriere della Sera, 17 de Março de 2010), os católicos que julgam poder ficar descansados, assistindo impassíveis à via crucis do Santo Padre, até à sexta-feira da paixão, ainda não per-ceberam nada: não perceberam que “esta guerra do laicismo contra o Cristianismo é total. É necessário lembrar o nazismo e o comunismo para encontrar algo semelhan-te. Mudam os meios, mas o fim é o mesmo: hoje como ontem, aquilo que se preten-de é a destruição da religião. [...]. A destruição da religião implicou, então, a destrui-ção da razão. Agora, não implicará o triunfo da razão laica, mas uma outra barbárie”.

5. Estes católicos não perceberam que a perseguição ao Santo Padre não é por causa dele, mas porque quem a leva a cabo sabe perfeitamente que toda a Igreja Católica sofrerá as consequências se, pela mentira e pela insídia, Bento XVI for moralmente destruído. E esse, sim, é o verdadeiro objectivo. E não perceberam também que de pouco lhes servirá permanecerem como espectadores, julgando, assim, defender o seu bom nome social, passando despercebidos aos olhos do ini-migo e caindo nas boas graças do mundo. Porque a barbárie que Marcello Pera vê no horizonte, com a destruição do Cristianismo na Europa, será também “a destrui-ção da Europa”, no lugar da qual restará apenas o multiculturalismo e o relativismo que tudo igualam pelo mínimo denominador comum.

5. Isto é o que os católicos “de braços cruzados” precisam de perceber. Voltando a Marcello Pera, defender Bento XVI não é necessário porque ele precise das minhas palavras – “Bento XVI permanece inexpugnável na sua imagem, na sua serenidade, na sua inteireza, firmeza e doutrina. Basta o seu sorriso para pôr em debandada um exército de inimigos”. Defender Bento XVI é necessário porque, nele, é a Igreja e o Cristianismo que estão em causa. É uma cultura e uma civilização. É uma ideia de Europa. E sem esta ideia, o que nos resta é a barbárie. Os teólogos “dissidentes”, os bispos “cautelosos” e silenciosos, os cardeais “críticos” podem não entender ou não querer entender isto. Oxalá haja quem os substitua na linha da fren-te, porque as batalhas que por aí vêm não serão menos duras do que esta que Ben-to XVI, quase sozinho, continua a travar.

Elias Couto


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29/03/10

Ressurreição páscoa vida nova

A Natureza vinga-se mas a vida será nova

Hoje temos a ânsia de viver. Queremos agarrar a vida, e ela se nos escapa, apesar de todo o desenvolvimento da ciência e da técnica. É que a vida é passageira, nós somos peregrinos numa terra que não é nossa a não ser de passagem. A nossa casa, por mais bela, encantadora e confortável que seja, deixá-la-emos aos nossos vindouros ou um simples cataclismo pode reduzi-la nuns breves segundos ou minutos a uma montanha de entulho. Temos diante dos nossos olhos imagens da Madeira, do Porto do Príncipe (Haiti), do Chile, da Turquia, do tsunami que atingiu as costas orientais.
A nossa casa não passa de uma tenda nesta terra de peregrinação onde se estão multiplicando os cataclismos, os terramotos, os tornados, as grandes cheias, provocadas por pluviosidade nunca vista, provocando milhares de mortos, de feridos e sem tecto.
No livro de Isaías, o profeta apresenta Israel como um povo pecador. Mas, exilado para a Babilónia, ou obrigado a viver no Egipto, acaba por reconhecer o seu pecado, o mal que fez a um Deus bom e amigo, pondo de parte suas leis e preceitos. Arrepende-se e Deus vai buscá-lo com o carinho de Pai amoroso. V ai buscá-lo ao Egipto onde os carros, os cavalos e cavaleiros e guerreiros do faraó ficaram soterrados nas águas do mar, extinguindo-se "como um pavio que se apaga".
São Paulo diz aos Filipenses que as coisas materiais são um prejuízo. Daí que tenha renunciado a todas, Diz mesmo "a todas", e "considera-as como lixo. Esqueceu tudo o que ficou para trás e vai, corre ao encontro do Bem supremo, ao encontro de Cristo que o chama, para o atingir na ressurreição.
Nos, baptizados, pertencemos a uma nova família. Somos o novo Israel. Adquirimos uma nova humanidade em Cristo. Através de provações, de privações e de contradições Paulo e nós vivemos na esperança da ressurreição e da vida vida nova com Cristo. Não esquecemos que Deus abriu através do deserto um caminho, e fez brotar rios e fontes de água na terra árida, para matar a sede ao seu povo e aos animais dos seus rebanhos. Levou-os ao colo para a sua terra, terra onde correrá leite e mel...
Em São João deparamos, por exemplo, com a cena da mulher apanhada em adultério e que, segundo a Lei de Moisés, devia ser apedrejada. Então, os fariseus tentam armar uma cilada a Jesus (se dissesse que devia ser apedrejada, onde estaria a bondade que tanto anunciava? e se dissesse que não devia sê-lo, estaria contra a Lei. Tu que dizes? E Jesus não respondeu. Insistem. E Jesus respondeu: "Quem estiver sem pecado, atire a primeira pedra". E eles começaram a ir embora, um a um, até ao último. Ficou só a mulher e Jesus. Ninguém te condenou? Ninguém, Senhor! Nem eu te condeno, vai e não voltes a pecar...
Hoje estamos num mundo de fariseus e hipócritas, num mundo corrupto, porque sem Deus, e sem aquilo a que falsamente chamam humanidade. Ultraja-se a Natureza ecológica, incluindo a Natureza humana, em muitos países , também no nosso e na UE, com leis iníquas, que só manifestam a corrupção e a podridão sob a capa de sermos modernos. No ano 2000 no Congresso Missionário Mundial, em Roma, o teólogo conferencista, hoje arcebispo Bruno Forte dizia: "o grande pecado do homem de hoje é ter posto Deus de lado, é ter rejeitado Deus, não faz caso do pecado. Nada é pecado. Por isso não é demais dizer que o mundo está à beira do abismo." O poder, o consumismo, a traição, a vingança, a destruição do outro: mortes, assassínios, roubos, desrespeito pela vida,... não é este o mundo em que vivemos?
Católicos, ainda que perseguidos, embora com palavras de tolerância... não desanimemos e permaneçamos firmes na nossa fé em Jesus Cristo.
Envergonhar-se-iam aqueles que pensaram uma Europa unida, pois pensaram numa Europa cristã. E estamos numa Europa sem Deus e que ataca Deus. Que se pode esperar das sociedade secretas? Duma sociedade que não se interessa pelo bem dos seus, especialmente dos pobres e dos idosos? Tudo isto vai ser um borrão na história humana, como já houve tantos através da história. Mas Deus triunfará e fará surgir um povo novo, uma nova humanidade. Numa verdadeira ressurreição.

ARMANDO SOARES


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Ao Compasso do Tempo - Crónica de 26 de Março de 2010

Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja

Tenho publicado uma série de textos nesta caminhada para a Páscoa, e deles recolher sinais de Esperança!
Hoje abalanço-me à estrada… Eu… Recordando o convite para os “Sinais de Fogo” de Miguel Sousa Tavares, no passado dia 15, em ordem a dialogar sobre a pedofilia de sacerdotes, nunca poderia ter previsto que, bem antes da conversa se estabelecer, já o meu telemóvel era bombardeado por conselhos de “treinadores” antes da “equipa” entrar em campo, por alertas em ordem a fazer-me entender, por comentários sob o halo da desconfiança…
Enquanto o preâmbulo decorria, o bom humor aconselhava-me a paciência.
Não era para menos… Até uma oferta recebi de ser submetido a um “ensaio geral”, sob o fogo de perguntas e respostas, mais indicações (presumo eu) de onde colocar as mãos e os pés, de não olhar de esguelha, de fitar as câmaras, acenando (interiormente) para “a malta” lá de casa, contentando o orgulho dos adeptos…
E lá transportei comigo a responsabilidade e a convicção, o estudo e o ensino de tantos doutos, e o júbilo de não ter aceite um magistério cénico, evitando as malhas do ridículo… Como comenta um amigo meu: “tornei-me iconoclasta ao repudiar… a “imagem”.
E tenho cogitado: se o assunto fosse outro (salários em baixa ou salários 0; desemprego; desilusões de quem não conseguiu entrada no mercado de trabalho; desproporções económico-sociais; misérias e tugúrios…) ninguém me teria telefonado! Tenho abundantes pontos de comparação: nas múltiplas vezes em que me têm convocado para sessões televisivas, não tenho sido bafejado por vozes “off”…
Mas o tema era um perigo para a Igreja: sexo e as infâmias cometidas com crianças e a sua objectividade.
A melhor forma de discutir tão profunda tristeza… não será a da luz da verdade? Ou a de evitar agravar ainda mais esse quadro vergonhoso, com o silêncio diante das vítimas?
Só sei que após a prestação televisiva, dos conselheiros, ninguém me telefonou! Resta-me a tranquilidade das mensagens sem fim recebidas. E a primeira, logo à saída do estúdio, de um bispo emérito.
O que terá a ver tudo isto com a Páscoa?
Um ponto muito concreto: há uma mentalidade de isenção (e de justiça) a renovar!
Que acham?

Lisboa, 26 de Março de 2010

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança

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O nosso "Santo Fundador"

Aproxima-se mais uma vez a celebração feliz da Páscoa Cristã.
Nós, discípulos de Cristo pelo Baptismo e pela Fé, celebramos nestes dias os maiores acontecimentos da história da salvação da humanidade: a Morte e a Ressurreição de Jesus.

Sabemos todos, certamente, que as comunidades religiosas, de homens ou de mulheres, têm uma enorme estima e uma santa veneração pela pessoa que deu origem à sua Ordem e até usam chamar-lhe “o nosso santo fundador”. É o caso de S. Francisco para a Ordem Franciscana, de S. Inácio para os Jesuítas, de S. Bento ou S. Bernardo para os Beneditinos, de S. João Bosco para os Salesianos, de S. Clara para as Clarissas e de S. Teresa para as Carmelitas, para referir apenas as mais antigas e mais notáveis.
Outro tanto acontece com as grandes religiões do mundo. Todas tiveram o seu próprio fundador, a quem veneram como justo e venerável e a quem celebram como inspirador e modelo: Buda - o criador do Budismo; Maomé - o fundador do Islamismo; Abraão - o promotor do Judaísmo; e Jesus, o iniciador do Cristianismo.
Todas as religiões que há no mundo têm um dogma e uma moral, indispensáveis e úteis à vivência feliz de cada ser humano. Eu chamar-lhes-ia imprescindíveis, por corresponderem a uma ânsia natural do homem que nada nem ninguém consegue preencher ou saciar. Em todas as religiões há verdades úteis e virtudes necessárias. Eu costumo dizer que é melhor ter alguma religião do que não ter nenhuma. Não crer em nada e não seguir nenhuma norma moral com o mínimo de seriedade é viver sem sentido e caminhar sem esperança: infelizmente, em nossos dias de materialismo e indiferentismo, é o que mais se está a ver.
Assim sendo, e havendo hoje uma profunda ignorância nos assuntos da religião, existe a tendência de considerar e afirmar que todas as religiões são boas, que todas são iguais, que todas têm valor idêntico…e cai-se no indiferentismo, não valorizando nenhuma e desinteressando-se de todas. Se eu vivesse assim, acho que seria a pessoa mais infeliz do mundo! – acrescento sinceramente.
Há porém profundas e indiscutíveis diferenças entre o Cristianismo e as demais religiões
Antes de mais, porque os fundadores das outras religiões, por mais justos e bons que tenham sido, foram simples seres humanos: frágeis, falíveis, e mortais como todos nós. Buda morreu. Maomé morreu. Confúcio morreu. Abraão morreu. Nenhum está vivo. Nenhum está no meio dos seus seguidores.
Com Jesus não é assim: do Seu exemplo e da Sua acção, ficou bem claro para todos os crentes, e também para os não crentes que aprofundam a história e estudam os documentos, que não foi e é um simples homem igual a nós. Quem dá vista a cegos de nascença com um exíguo toque, acalma uma tempestade com um elementar sinal de mão, cura leprosos incuráveis com um pequeno gesto atencioso e ressuscita mortos com uma simples ordem imperativa, não é apenas um ser mortal ou um homem pecador. O nosso fundador é divino, eterno e imortal. Assim o viram aqueles que conviveram com Ele.
Todos os outros fundadores de religiões nasceram de um pai de uma mãe como nós todos nascemos, e morreram no termo dos seus dias como nós morremos. Com Jesus, tudo se passou de outro modo bem diferente: nascido por intervenção divina, quando chegou a Sua e a nossa hora, entregou-se às afrontas e aos insultos, às humilhações e à tortura, com uma humildade e uma paciência inacreditáveis, e levou a sua entrega até à morte voluntária e redentora, como prova do Seu grande amor por nós! E não só por nós! Ele disse aos seus discípulos: por vós e por todos! Portanto, por todas as pessoas do mundo, pela salvação de todos os filhos de Adão: de qualquer terra, de qualquer tempo, de qualquer raça, de qualquer religião.
E outra diferença fundamental existe: JESUS, O NOSSO MESTRE E FUNDADOR RESSUSCITOU! ESTÁ VIVO! PARA ALÉM DE ESTAR COM O PAI CELESTE, ESTÁ TAMBÉM CONNOSCO, OS SEUS DISCÍPULOS: NA MISSA QUE CELEBRAMOS, NA HÓSTIA QUE COMUNGAMOS, NO SACRÁRIO QUE VISITAMOS.
Nenhuma religião tem isto! As outras têm o seu Livro Sagrado, podem ter uma imagem ou a estátua do fundador, mas não o têm a ele, vivo, tão real como quando andava cá. Simplesmente porque morreram e não consta que tenham ressuscitado!
Se corrermos a biografia de Jesus, escrita por aqueles que andaram com Ele, que ouviram tudo o que Ele disse e viram quanto Ele fez, não conseguimos encontrar uma palavra ou uma acção menos própria ou menos recomendável. Quem viveu assim? Quem morreu desta maneira? Quem está vivo, depois de ter morrido? Os seus discípulos dos primeiros dias viram-nO depois de ressuscitar. Uma e outra vez. Em grupo e em multidão. E não era um espírito ou um fantasma: falou com eles; comeu até com eles.
Mas há mais.
Tendo morrido por todos os homens e mulheres do mundo, Jesus pôs a salvação ao alcance de todos! E por isso, em qualquer parte do mundo, em qualquer religião, quem procura a Deus de boa fé e com um coração sincero, segundo o que aprendeu ou lhe ensinaram, e pratica a justiça e faz o bem, é aceite por Deus e está no caminho da salvação.
Não acontecerá porém o mesmo a quem prescinde de Deus na sua vida e vive num culpado indiferentismo religioso (como se não precisasse de Deus para nada e como se Deus não existisse), esquecendo, desprezando e minimizando tudo o que aprendeu ou lhe ensinaram…e há agora tantos discípulos de Jesus que assim vivem!
Se acreditamos, como dizemos… mas prescindimos culpadamente de Deus e vivemos como se não crêssemos n’Ele ou Ele não existisse…que futuro esperamos? Prémio? Recompensa? Salvação?... Não tem lógica nem sentido racional.
Ser cristão (em vez de budista, muçulmano ou judeu) tem esta grande diferença: nós acreditamos e seguimos um Deus Vivo que nos ama, que nos mostrou o Seu amor e o amor do Pai dando a Vida por nós numa Sexta-Feira Santa, que ressuscitou ao terceiro dia no Primeiro Dia de Páscoa, que se junta a nós quando nos reunimos em Seu nome, que trilha connosco os caminhos duros da nossa existência e que continua a ensinar-nos com a Sua Palavra e a salvar-nos com os Seus Sacramentos.
Que mais nós queremos? Que mais nós precisamos?
Procuremos ser dignos de tal Senhor, e seguir tal Mestre e tal Amigo!
Páscoa Feliz para todos os leitores!

Resende, 20.04.10
Correia Duarte


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25/03/10

Do alto da Cruz... nos vemos e interpretamos

No contexto da ‘Semana Santa’ escutamos essa interpelação profunda e altíssima de Jesus: ‘quando for elevado sabereis quem Eu sou’. De facto, é quando alguém é elevado – social, política, profissional e mesmo eclesialmente – que podemos perceber quem esse/a tal é, pois do alto – qual exposição aos demais – se manifestam melhor as qualidade e até os defeitos.

Ora, do alto da Cruz de Jesus podemos ver e interpretar não só Quem Ele é como, se nos detivermos naquilo que Ele disse, penetraremos ainda mais na profundidade da sua derradeira mensagem.
Sem qualquer intuito teológico ou hermenêutico, vamos tomar as palavras de Jesus na Cruz e sugerir breves pistas para a nossa vivência cristã da Páscoa.

* Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem (Lc 23,34).
Jesus apresenta, neste momento extremo da sua vida sobre a terra, um dos maiores distintivos da sua pessoa e da sua mensagem: o perdão. Com efeito, Jesus feito perdão do Pai para nós, torna-se o mais alto sinal do perdão para todos e para cada um. Já não é uma decisão futura, o perdão reveste-se da opção presente e com incidências sobre o passado de toda a humanidade pecadora. Efectivamente, é sobre o pecado que Jesus derrama o perdão, invocado do Pai para sempre.
- Vivemos, hoje, na lógica do perdão ou da vingança?
- Procuramos sentir e acolher o perdão de Deus pelo sacramento da penitência e reconciliação ou somos dos que se dizem impecáveis?

* Hoje mesmo estarás comigo no paraíso (Lc 23,43).
O intenso e agreste diálogo da Cruz, entre os dois condenados com Jesus, termina com o pedido, aceite e promissor, de que aquele que se reconhece pecador e, portanto, necessitado do perdão e da paz, estará com Jesus no Paraíso. Jesus cumpre as promessas, pois a única limitação a esse cumprimento será a nossa incapacidade em deixarmos que Ele nos preencha mais na totalidade. À semelhança da abertura do ‘ladrão arrependido’ também nós podemos, desde já, deixar que o nosso coração se plenifique de amor pela compaixão.
- Vivemos, hoje, na dimensão da vida eterna?
- Teremos sabido apontar, com a vida, a perspectiva de Deus àqueles que nos rodeiam?

* ‘Mulher eis o teu filho’ (...) ‘Eis a tua Mãe’ (Jo 19,26).
Estamos diante de um novo diálogo sobre o palco da Cruz: Jesus, João e Maria. Esta é dada como mãe ao ‘discípulo amado’ e este recebe Maria, mãe Jesus, como sua nova mãe. A maternidade e filiação da Cruz está perpassada, simultaneamente, de comoção e de abertura ao futuro na sintonia entre os corações de Jesus e de Maria. A Mãe das Dores torna-se Senhora da Consolação, na medida em que por Ela não ficamos órfãos, mas, antes, somos recebidos com ternura amassada de angústia.
- Vivemos, hoje, conscientemente, a dimensão materna da Igreja?
- Temos sabido apontar o caminho da ternura àqueles/as que connosco vivem?

* Meu Deus, Meu Deus porque Me abandonastes? (Mt 27,46; Mc 15,34).
Este grito de Jesus, em forma de oração, é contra o abandono. Na hora suprema, Jesus recorda o salmo que, certamente, tantas vezes rezara na família de Nazaré. Temos aqui um Jesus orante, que, humanamente, retracta a amargura do sofrimento, Seu e de todos os homens... ontem e como hoje. Mas Jesus não está a abandonado. Ele pretende lembrar-nos que precisamos de nos voltar para Deus, quando nos possamos sentir em idêntica situação.
- Estamos atentos aos abandonados, mesmo sob os nossos olhos ou em nossa casa?
- Como vamos combater, positivamente, o abandono e o isolamento?

* Tenho sede (Jo 19,28).
A sede de Jesus é física e espiritual. Cansado, exposto, extenuado... Jesus dá mostras de fragilidade, suplicando por alguém que Lhe dê algo para saciar a sede. Esta revela uma certa ansiedade humana: Jesus continua a suplicar, hoje, que Lhe saciemos a sua sede de amor, de compreensão, de presença, de compaixão...
- Enquanto cristãos, temos sabido interpretar as sedes de quantos/as querem ser saciados de Jesus?
- Sentimos, correctamente, os anseios dos nossos contemporâneos, mesmo que possam rejeitar um certo tipo de Igreja?

* Tudo está consumado (Jo 19,30).
Tudo foi cumprido. Jesus completa as profecias do Antigo Testamento, sobretudo, no contexto da Sua Paixão, as que se referiam ao ‘Servo de Iavé’ (cfr. Is 42,1-9; 49, 1-6; 50,4-11; 52,13-53,12). Mais de quinhentos anos depois ‘entendem-se’ aquelas profecias e o ‘servo de Iavé’ é o próprio Filho de Deus. É desconcertante o mistério de Deus!
- Como é que lemos os sinais de Deus na nossa vida?
- Procuramos espiritualizar os acontecimentos da nossa vida, lendo-os em Deus?

* Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,46).
Expirando, Jesus dá-nos o seu Espírito, em contexto de paixão eterna. Atirado para a mais radical entrega, Jesus tudo dá, dando-se em imolação ao Pai pela humanidade ingrata e desgraçada. Vindo do Pai para Ele retorna, sem nada regatear, mas antes tudo redimindo e resgatando pela sua entrega intercessora.
- Na religiosidade que vemos – e até promovemos – saboreámos a entrega e a confiança em Deus?
- Nas etapas da nossa existência terrena, tentamos acolher as manifestações do Espírito Santo em discernimento com os outros?

À luz das palavras de Jesus na Cruz, tentemos meditar o mistério pascal do Senhor em cada tempo e lugar!

A. Sílvio Couto


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22/03/10

Viver a quaresma: A poda, as estacas, a rega e o ermitão

O abade andava triste, desanimado. Parecia-lhe que tinha feito tudo para renovar os mosteiros. Os monges não andavam menos. Poucos mantinham esperança.

Tinha feito e mandado fazer investigações históricas sobre a vida do fundador e belas palestras sobre elas. Já não havia segredos nesses escritos. Tudo ficara esclarecido com datas, autenticidade dos textos e credibilidade dos autores. Muitos dos monges tinham participado. Tinha feito tudo para adaptar a vida dos mosteiros e dos monges à sua guarda aos tempos e ambientes actuais, à vida moderna da Igreja. Tinha pago uns milhares largos a empresas para inquéritos e campanhas vocacionais. Até tinham acorrido alguns pretendentes que se iam indo embora. Alguns monges estavam contentes com a vida e as actividades, mas a maioria ia ficando desanimada e abatida. Também ia entrando mais mundanização. Uns apoiavam outros lamentavam.
Apesar de todo o esforço de renovação os monges iam envelhecendo e morrendo antes que outros professassem para os substituírem. As clausuras iam ficando sempre mais vazias e algumas já fechadas. O desânimo do abade levou-o a redobrar de oração insistente ao Senhor a pedir luz. Alguns monges, poucos, acompanhavam-no.

Tanto orou que teve um sonho: “Vai falar com o ermitão”. “Vai falar com o ermitão”.
Seria para ele? Não era ele um abade sábio? Na noite seguinte de novo a voz.Pôs-se a caminho da montanha. Sabia que lá cima vivia um velho de barbas dado à oração. Nunca tinha acreditado na sua sabedoria. Mas agora tinha que ir.

Na gruta onde o velhote de barba deveria estar não encontrou ninguém. Espreitou por todo o lado no interior da gruta e não viu nada que lhe desse indícios da competência de quem lá vivesse. Nem livros, nem os meios modernos e as técnicas. Só viu a Bíblia muito gasta e um genuflexório na capela. No horto, ao lado da entrada da gruta, viu alguém a cuidar do jardim e das árvores de fruta. Abordou-o receoso. Seria aquele o ermitão sábio, o ancião contemplativo? Não parecia mas pelo sim pelo não murmurou quase envergonhado: “posso falar-lhe? Os meus mosteiros vão mal, estão a ficar sem monges, estão a morrer. Tenho feito tudo para o renovar mas parece que não dá certo. Não me poderia dar um conselho?”.

O ancião sem desviar a atenção do seu trabalho, continuou a pôr uma estaca numa árvore por estar um pouco torta, a podar outra por ter rama demais e a regar uma terceira porque estava a murchar pela seca. Fazia tudo com muita calma; demorou tempo imenso. E o abade à espera. Por fim virou-se para o abade e disse: “pode, estaque e regue”; e voltou ao seu trabalho sem dizer mais nada.

O abade esperou, esperou, olhou para os passarinhos que por ali esvoaçavam e chilreavam, mas nem mais uma palavra ouviu do ermitão até que decidiu descer a montanha, cabisbaixo, triste, a reflectir no que ouvira. Não atinava no seu sentido.
Nessa noite sonhou com o ermitão a repetir: “poda, estaca, rega”.E pareceu-lhe ouvir bem claro: “para darem fruto o meu Pai poda as árvores, põe estacas nas defeituosas, rega as já podadas. Assim elas não dão só rama, crescem direitas e resistem aos ventos e enterram as raízes na humidade”.

Acordando do sonho, o abade teve a luz do que faltava na renovação dos mosteiros, monges e pretendentes. Era muito simples e fundamental: falta a ascese penitencial da poda, a disciplina continuada das estacas, a rega da oração e dos sacramentos frequentes. Caiu na conta de que não basta investigar e saber as fontes da espiritualidade dos fundadores. Afinal, e bateu na testa, tudo isso está em Cristo e nas suas palavras, e foi esquecido. E lembrou-se de um dito dos seus mestres: as virtudes tem-nas quem as pratica como os fundadores as viveram.

Fátima, Quaresma de 2010
Aires Gameiro




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13/03/10

Evangelização dos afectos... pelo perdão

O mais recente candidato à Presidência da República lançou uma espécie de ideia/slogan para a sua campanha, segundo o qual, Portugal devia viver mais uma ‘diplomacia dos afectos’ em ordem a aproveitar o património lusófono, que tem estado um tanto esquecido.

Partindo deste desafio assaz político/ideológico – atendendo ao proponente com conotações humanitárias de avental – consideramos uma razoável sugestão para reflectirmos em tempo de Quaresma. Com efeito, este tempo de graça – pessoal e comunitário – chama-nos a olhar a nossa condição humana diante do perdão de Deus, tanto recebido como apreciado, tendo mesmo em conta as várias matizes da vivência de Igreja em maré de procissões, de confissões e mesmo de promoções... religiosas e folclóricas.

Por estes dias o ritmo da liturgia católica vai-nos encaminhando para a reflexão das matérias que devem ser aferidas à nossa conversão, abrindo-nos ao perdão de Deus.
O perdão atinge ou manifesta, sobretudo, a dimensão afectiva da pessoa humana e mesmo do próprio Deus. Quando Jesus foi interrogado, por São Pedro, sobre quantas vezes deveria perdoar a seu irmão se ele o ofendesse (cfr. Mt 18,21-35), Jesus, depois de apresentar o desafio de perdoar ‘setenta vezes sete’, conta uma parábola sobre dois devedores, que tendo um sido perdoado não reagiu da mesma forma nem com o mesmo impacto sócio/comunitário, tendo Jesus rematado com a frase/mensagem: ‘Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão do íntimo do coração’. Parece, então, poder deduzir-se que a dimensão do perdão se refere à nossa capacidade afectiva do perdão e envolvendo o mesmo perdão na vertente afectiva (emocional, psicológica e espiritual) da pessoa humana.

Vejamos, por isso, sucintamente, algumas facetas do perdão – dado e recebido – aos outros, a nós mesmos e (até) a Deus, tendo em conta que, por vezes, nem sempre é fácil deixar penetrar Jesus nesta nossa vertente complexa – porque não racional – e um tanto difusa da nossa personalidade.

- De quantas vezes somos confrontados com atitudes contraditórias entre o que se diz e o que se faz, senão mesmo entre o que se pensa e aquilo que move os nossos comportamentos.

- Em quantas vezes o coração sente e deseja algo de muito diferente daquilo que a inteligência – minimamente elucidada e até convertida – já compreendeu com alguma clareza.

- Por quantas vezes a luta – pois de combate espiritual se trata realmente – se trava entre os valores e os critérios, enfrentando-se na consciência em vias de melhor aferição aos valores do Evangelho e aos critérios de Jesus Cristo na vida de cada dia.

Ora diante desta urgência em fazermos da nossa vida – seja qual for a idade, a vocação ou o ministério; a descoberta, a progressão ou o compromisso – uma escola para a evangelização dos afectos, temos de nos irmos questionando, continuamente, pois a etapa da nossa conversão está em contínuo processo de maturação.

* ‘Alunos’ aprendizagens na universidade do perdão
Se atendermos à complexidade de termos de aprender ao longo da nossa vida terrena e, se interpretarmos o significado do termo ‘aluno’, que nos faz passar para a abertura à luz – ‘aluno’ será ‘quem não tem luz’ – teremos um razoável percurso a viver na dimensão perdão.
. Tendo em conta que o perdão nos faz entrar na dimensão divina dos afectos humanos, iremos penetrando na complexidade do mais íntimo, profundo e (talvez) secreto de nós mesmos...
. Tendo em conta que o perdão que recebemos de Deus nos diviniza, iremos sendo tocados pela graça divina, cuja identidade é ser misericordiosa.
. Tendo em conta a necessidade de recebermos e de darmos perdão, iremos descobrindo a necessidade do perdão que liberta, que nos pacifica e que abre aos outros.

* Promotores da cultura do perdão
Quando se percebe que a vingança é mais reveladora da nossa faceta não humana e até desumana, torna-se urgente perscrutar os sinais orientadores da promoção da civilização/cultura do perdão, onde os afectos tenham sido perdoados, curados e envolvidos pelo poder do perdão de Jesus Cristo. Com efeito, mais do que termos de viver a pedagogia do pedir perdão – para os católicos na dimensão do sacramento da Penitência e Reconciliação – nós precisamos, humildemente, de deixar-nos tocar pela misericórdia divina nas várias dimensões da condição humana: pessoal e familiar, social e comunitária, profissional e eclesial, etc.
À luz da Páscoa tudo ganha novo sentido, pois nos vamos despojando do ‘homem velho’, revestindo do fermento novo a partir do coração aberto, sensível e tocado por Jesus... pelo perdão dado e recebido, recebido e dado... continuamente!

A. Sílvio Couto


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Esperança

Ai! de nós, se não fosse a doce esperança, que nos ajuda viver! Cada um lá tem a sua, quantas vezes infundada, que guarda ciosamente bem dentro do coração. E, enquanto vive na feliz expectativa, viável ou não, de realizar determinados ideais, a cruz que carrega torna-se mais leve, pois de quando em quando,refugia-se nos seus sonhos, evadindo-se à realidade, por vezes, tão amarga!...

Os pobres têm esperança de melhorar a sua situação. Ainda há pouco aquele operário, servente de pedreiro, de regresso a casa, da obra onde trabalha, parou olhando para a montra da papelaria que lhe fica no caminho. Não sabe ler nem escrever, mas lá os números conhece muito bem, e também sabe que se chamam cautelas áqueles papelinhos expostos na vitrine. Podem dar centenas de euros; o que é preciso é ter sorte...De vez em quando lá compra um, e nos dias que se antecedem à extracção, sonha com o que faria se o destino o favorecesse. Poisou no chão a maleta em que levara o almoço; bem, almoço é um modo de dizer, não poderá chamar-se almoço, ao pedaço de pão com azeitonas e ao golito de vinho que se perdera na garganta seca, que constituíra a sua refeição do meio -dia. Contou o dinheiro que ainda lhe restava. Bem, ficaria praticamente sem nada, mas tinha o suficiente para comprar um número. Essa extravagância custar-lhe-ía o sacrifício de não utilizar, durante alguns dias, qualquer meio de transporte até à obra onde trabalhava, que ficava muito distante da sua barraca. Mas seriam tantos e tão lindos os sonhos que teceria pelo caminho, que este, embora longo, tornar-se-ía curto. Entrou na loja e pediu uma fracção. Lembrou-se da mulher cheia de privações, com o corpo moído do trabalho, que tanto ralhava com ele por ter aquele fraco de jogar de vez em quando. Ah! mas se lhe aparecesse em casa com um par de arrecadas, e lhas atirasse para o regaço, dizendo: - Pega lá mulher, olha que é ouro de lei! - Então ficaria muda de epanto, e arrependida das suas censuras. Pobre Ermelinda, quando de ligara a ele, levava umas bem bonitas nas orelhas! Mas depois, vieram os filhos, as dificuldades e lá se tinham ido os brincos, que era mais preciso pão. Pagou a cautela e guardou-a muito bem dobradinha dentro da bolsa, agora quase vazia, e retomou o caminho de casa. Aquele dia fora como os outros,extremamente fatigante. Carregara baldes de cimento, de tijolos, de areia, de entulho, de pedras, eu sei lá! Ai! se a sorte o bafejasse, nunca mais se sujeitaria áquilo. Compraria o indispensável para ele, para a Ermelinda e para os três rapazes, e iria direito à aldeia onde nascera. Adquiriria um pedaço de terra, construíria ele próprio uma casinha e cuidaria do que era seu, deitando sementes à terra, e regando-a com o suor do seu rosto.
Esperança, sonhos, ilusões?! Mas enquanto esperava o que talvez jamais se realizasse, era-lhe menos duro o seu viver.

Também tem esperança a Tia, a Tia que não casou; que pela força de determinadas circustâncias, se viu obrigada a consagrar a sua existência aos irmãos mais novos e aos sobrinhos. A Tia que nunca amou nem foi amada, contudo que vigiou os amores dos outros, que ajudou a fazer os enxovais, que teve preocupações com véus de noivado. A Tia que não teve filhos, mas que ultrapassou as mães, nos seus extremos de ternura; que se inclinou sorrindo sobre nem sei quantos berços, e embalou nos seus braços, os pequeninos seres, rechonchudos e rosados, que lhe eram confiados, cantando docemente; - dorme, dorme, meu menino...Mas sentindo quantas vezes, o frio e o vazio de nenhum dos meninos que embalava, ser na verdade seu. Passaram os anos, uns após outros, sem que a tia, disso se apercebesse. Surpreenderam-na os primeiros cabelos brancos, as primeiras rugas, abrindo já, os seus longos e profundos caminhos. Então, frente ao espelho, reconhece que está velha. Recorda os sonhos da adolescência, bruscamente interrompidos, para se entregar a uma realidade cheia de rersponsabilidades e preocupações. Duas lágrimas, muito suavemente, rolam-lhe pelas faces descoloridas. Mas, apesar desses momentos de desânimo, há sempre uma hora de esperança, um instante de ilusão. Basta, por vezes, o chilrear de uma ave, um raio de sol, o azul dos céus, a doçura da Primavera. E então, a Tia, esquecida da imagem que o espelho reflecte quando nele se contempla, pensa no amor. Abandona as agulhas de "tricot". Reclina a cabeça e sonha, enquanto murmura:- Quem sabe? Quem sabe se ainda um dia...
Que a Tia viva em sonhos, o que a realidade lhe negou...

Para além das paredes severas e frias, de um hospital, onde reina o sofrimento, onde se perdem gemidos dolorosos, onde se vertem lágrimas difíceis de conter e se soltam profundos suspiros de tédio, também ali, embora a alguns custe a crer, a esperança, qual raio luminoso, penetra. Lá vem um medicamento que atenua o sofrimento, o sorriso confiante de um médico que exclama: - Isto é mesmo assim... Mas há-de melhorar...- Um afago de uma enfermeira que aconchega a roupa e ajeita a almofada, e a esperança muito de mansinho, abeira-se do leito do paciente e instala-se-lhe, por momentos no coração dolorido e ele pensa, cerrando os olhos cansados: - Talvez não volte a ter outra crise; talvez que de hoje em diante, comece a melhorar...Ah! se me apanho bom...Quando sair do hospital...Quantos planos para esse dia, esse dia em que lhe seja dada alta, planos que, quantas vezes, nunca virá a realizar. Mas aquela feliz expectativa, mesmo vâ, ajuda-o a sofrer.
Esperança bendita, que força misteriosa encerra! Que bálsamo milagroso contêm! Donde virá? Quem a enviará? Foi Deus que a criou, porque afinal, esperança, o que é, senão fé?!

Susana Maria Cardoso


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12/03/10

Sacerdotes pedófilos: um pânico moral

Por Massimo Introvigne (tradução e recebido de É o Carteiro)

Por que motivo se volta a falar de sacerdotes pedófilos, com acusações que remontam à Alemanha, a pessoas próximas do Papa, e talvez mesmo ao próprio Papa? A sociologia tem alguma coisa a dizer sobre isto, ou deve deixar o assunto exclusivamente ao cuidado dos jornalistas? Parece-me que a sociologia tem muito a dizer, e que não deve calar-se por receio de desagradar a algumas pessoas. Do ponto de vista do sociólogo, a actual discussão sobre os sacerdotes pedófilos constitui um exemplo típico de «pânico moral». O conceito surgiu nos anos 70 do século XX, para explicar a «hiperconstrução social» de que alguns problemas são objecto; mais precisamente, os pânicos morais foram definidos como problemas socialmente construídos, caracterizados por uma sistemática amplificação dos dados reais, quer a nível mediático, quer nas discussões políticas. Os pânicos morais têm ainda duas outras características: em primeiro lugar, problemas sociais que existem desde há várias décadas são reconstruídos, nas narrativas mediáticas e políticas, como problemas «novos», ou como problemas que foram objecto de um alegado crescimento, dramático e recente; em segundo lugar, a sua incidência é exagerada por estatísticas folclóricas que, embora não confirmadas por estudos académicos, são repetidas pelos meios de comunicação, podendo inspirar persistentes campanhas mediáticas. Por seu turno, Philip Jenkins sublinhou o papel dos «empresários morais», pessoas cujos interesses nem sempre são óbvios, na criação e na gestão destes pânicos. Os pânicos morais não fazem bem a ninguém; distorcem a percepção dos problemas, comprometendo a eficácia das medidas destinadas a resolvê-los. A uma análise mal feita não pode nunca deixar de se seguir uma intervenção mal feita.
Sejamos claros: na origem dos pânicos morais estão condições objectivas e perigos reais; os problemas não são inventados, as suas dimensões estatísticas é que são exageradas. Numa série de interessantes estudos, Philip Jenkins mostrou que a questão dos sacerdotes pedófilos é talvez o exemplo mais típico de pânico moral; com efeito, estão aqui presentes os dois elementos característicos desta situação: um dado real de partida, e um exagero deste dado por obra de ambíguos «empresários morais». Comecemos pelo dado real de partida. Há sacerdotes pedófilos. Alguns casos, repugnantes e perturbadores, foram alvo de condenações peremptórias, e os próprios acusados nunca se declararam inocentes. Estes casos – passados nos Estados Unidos, na Irlanda, na Austrália – explicam as severas palavras proferidas pelo Papa, bem como o pedido de perdão que dirigiu às vítimas. Mesmo que se tratasse apenas de dois casos – ou de um só –, seriam sempre demais; contudo, a partir do momento em que não basta pedir perdão – por muito nobre e oportuna que tal atitude seja –, sendo preciso evitar que os casos se repitam, não é indiferente saber se foram dois, ou duzentos, ou vinte mil. Como também não é irrelevante saber se os casos são mais ou menos numerosos entre os sacerdotes e os religiosos católicos do que entre outras categorias de pessoas. Os sociólogos são muitas vezes acusados de trabalhar com a frieza dos números, esquecendo que, por detrás dos números, se encontram pessoas; acontece porém que, embora insuficientes, os números são necessários, porque são o fundamento de uma análise adequada.
Para se compreender como é que, a partir de um dado tragicamente real, se passou a um estado de pânico moral, é pois necessário perguntar quantos são os sacerdotes pedófilos. Os dados mais amplos sobre esta matéria foram recolhidos nos Estados Unidos onde, em 2004, a Conferência Episcopal encomendou um estudo independente ao John Jay College de Justiça Criminal da Universidade de Nova Iorque, que não é uma universidade católica e que é unanimemente reconhecida como a mais autorizada instituição académica americana em criminologia. De acordo com este estudo, entre 1950 e 2002, 4392 sacerdotes americanos (num total de 109.000) foram acusados de manter relações sexuais com menores; destes, pouco mais de uma centena foram condenados pelos tribunais civis. O reduzido número de condenações por parte do Estado deriva de vários factores. Em alguns casos, as vítimas – efectivas ou presumidas – acusaram sacerdotes que já tinham morrido, ou cujos alegados crimes já tinham prescrito; noutros casos, a acusação e a condenação canónica não corresponde à violação de nenhuma lei civil, como acontece, por exemplo, em diversos estados americanos em que o sacerdote tenha tido relações com uma – ou mesmo com um – menor com mais de dezasseis anos que tenha consentido no acto. Mas também houve muitos casos clamorosos de sacerdotes inocentes que foram acusados, casos que se multiplicaram na década de 1990, quando alguns escritórios de advogados perceberam que podiam arrancar indemnizações milionárias na base de simples suspeitas. Os apelos à «tolerância zero» justificam-se, mas também não deve haver tolerância relativamente à calúnia de sacerdotes inocentes. Acrescento que, relativamente aos Estados Unidos, os números não mudariam de forma significativa se lhes juntássemos o período de 2002 a 2010, porque o estudo do John Jay College já fazia notar o «notável declínio» do número de casos observado no ano 2000. As novas investigações foram muito poucas, e as condenações pouquíssimas, devido às rigorosas medidas introduzidas, quer pelos bispos americanos, quer pela Santa Sé. O estudo do John Jay College afirma, como muitas vezes se lê, que 4% dos sacerdotes americanos são «pedófilos»? Nem pensar. De acordo com o referido estudo, 78,2% das acusações que já ultrapassaram a puberdade. Ter relações sexuais com uma rapariga de dezassete anos não é certamente um acto de virtude, muito menos para um sacerdote; mas também não é um acto de pedofilia. Assim, os sacerdotes acusados de pedofilia efectiva nos Estados Unidos foram 958 em cinquenta e dois anos, ou seja, dezoito por ano; as condenações foram 54, ou seja, pouco mais de uma por ano. Referem-se a menores
O número de condenações penais de sacerdotes e religiosos noutros países é semelhante ao dos Estados Unidos, ainda que não exista, relativamente a nenhum país, um estudo completo como o do John Jay College. Na Irlanda, são frequentemente citados relatórios governamentais, que definem como «endémica» a presença de abusos nos colégios e orfanatos (masculinos) geridos por algumas dioceses e ordens religiosas, e não há dúvida de que houve casos de gravíssimos abusos sexuais de menores neste país. Uma análise sistemática destes relatórios permite contudo perceber que muitas das acusações dizem respeito à utilização de meios correctivos excessivos ou violentos. O chamado Relatório Ryan, de 2009, que recorre a uma linguagem muito dura no que diz respeito à Igreja Católica, assinala, em 25.000 alunos de colégios, reformatórios e orfanatos, no período analisado, 253 acusações de abusos sexuais por parte de rapazes e 128 por parte de raparigas (e nem todas são atribuídas a sacerdotes, religiosos ou religiosas), de natureza e gravidade diversas, raramente referidas a crianças pré-púberes e que ainda mais raramente conduziram a condenações.
As polémicas das últimas semanas, relativas à Alemanha e à Áustria, expõem uma característica típica dos pânicos morais: apresentar como «novos» factos ocorridos há muitos anos ou, como em alguns casos, conhecidos parcialmente há mais de trinta anos. O facto de eventos ocorridos em 1980 terem chegado à primeira página dos jornais apresentados como se tivessem acontecido ontem – e com particular insistência no que diz respeito à Baviera, a área geográfica de onde o Papa é originário –, e de deles resultarem violentas polémicas, com ataques concentrados, que todos os dias anunciam, em estilo gritante, novas «descobertas», mostra claramente que o pânico moral é promovido por «empresários morais» de forma organizada e sistemática. O caso que – de acordo com os títulos de alguns jornais – «envolve o Papa» é um caso de manual; refere-se a um episódio de abusos que teve lugar na Arquidiocese de Munique da Baviera e Freising, da qual era Arcebispo o actual Pontífice, e que remonta a 1980. O caso veio à luz em 1985 e foi julgado por um tribunal alemão em 1986, estabelecendo, entre outras coisas, que a decisão de instalar o sacerdote em questão na diocese não tinha sido tomada pelo Cardeal Ratzinger, nem era sequer do seu conhecimento, circunstância que não é propriamente de estranhar numa diocese grande, com uma burocracia complexa. A verdadeira questão deve ser, pois: o que leva um jornal alemão a decidir recuperar o caso, e trazê-lo à primeira página vinte e quatro anos depois?
Uma pergunta desagradável – porque o simples facto de a colocar parece uma atitude defensiva, e também não consola as vítimas –, mas importante, é a de saber se um sacerdote católico corre, pelo facto de o ser, mais riscos de vir a ser pedófilo ou de abusar sexualmente de menores do que a maioria da população, duas situações que, como se viu, não são idênticas, porque abusar de uma rapariga de dezasseis anos não é ser pedófilo. É fundamental responder a esta pergunta, para descobrir as causas do fenómeno, e portanto para poder evitá-lo. De acordo com os estudos de Philip Jenkins, comparando a Igreja Católica dos Estados Unidos com as principais denominações protestantes, a presença de pedófilos é, dependendo das denominações, duas a dez vezes superior entre os pastores protestantes. A questão é relevante, porque mostra que o problema não é o celibato, dado que, na sua maioria, os pastores protestantes são casados. No mesmo período em que uma centena de sacerdotes católicos eram condenados por abusos sexuais de menores, o número de professores de educação física e de treinadores de equipas desportivas jovens, também quase todos casados, considerados culpados do mesmo delito nos tribunais americanos atingia os seis mil. Os exemplos podem multiplicar-se, e não só nos Estados Unidos. E o principal dado a ter em conta, de acordo com os relatórios periódicos do governo americano, é o de que dois terços dos abusos sexuais a menores não são feitos por estranhos, ou por educadores – incluindo os sacerdotes católicos e os pastores protestantes –, mas por membros da família: padrastos, tios, primos, irmãos e pelos próprios pais. E existem dados semelhantes relativamente a muitos outros países. E há um dado ainda mais significativo, mesmo que politicamente incorrecto: 80% dos pedófilos são homossexuais, são homens que abusam de outros homens. E – voltando a citar Philip Jenkins – 90% dos sacerdotes católicos condenados por abusos sexuais de menores e pedofilia são homossexuais. Se a Igreja Católica tem efectivamente um problema, não é o do celibato, mas o de uma certa tolerância da homossexualidade nos seminários, que teve particular incidência nos anos 70, a época em que foi ordenada a grande maioria dos sacerdotes que foram posteriormente condenados por abusos. Um problema que Bento XVI está a corrigir com todo o vigor. De forma mais geral, o regresso à moral, à disciplina ascética, à meditação sobre a verdadeira e grandiosa natureza do sacerdócio, são os melhores antídotos contra a verdadeira tragédia que é a pedofilia; e o Ano Sacerdotal também deve ter esse objectivo.
Relativamente a 2006 – altura em a BBC emitiu o documentário de Colm O’Gorman, deputado irlandês e activista homossexual – e a 2007 – altura em que Santoro apresentou a respectiva versão italiana em Annozero –, não há, na realidade, grandes novidades, à excepção de uma crescente severidade e vigilância por parte da Igreja. Os casos dolorosos dos quais se tem falado nas últimas semanas não são todos inventados, mas sucederam há vinte ou trinta anos.
Ou talvez haja uma novidade. Como se explica esta recuperação, em 2010, de casos antigos e muitos deles já conhecidos, ao ritmo de um por dia, atacando de forma sempre mais directa o Papa, um ataque aliás paradoxal, tendo em consideração a enorme severidade, primeiro do Cardeal Ratzinger, e depois de Bento XVI, relativamente a este tema? Os «empresários morais» que organizam o pânico têm objectivos específicos, objectivos esses que se vão tornando cada vez mais claros, e que não são a protecção das crianças. A leitura de certos artigos permite compreender que – na véspera de escolhas políticas, jurídicas e mesmo eleitorais que, um pouco por toda a Europa e pelo mundo, põem em questão a administração da pílula RU486, a eutanásia, o reconhecimento das uniões homossexuais, temas em que a voz da Igreja e do Papa é quase a única que se ergue a defender a vida e a família – poderosos grupos de pressão se esforçam por desqualificar preventivamente esta voz com a acusação mais infamante, que é também, hoje em dia, a mais fácil de fazer: a acusação de favorecer ou tolerar a pedofilia. Estes grupos de pressão mais ou menos maçónicos são uma prova do sinistro poder da tecnocracia, evocado pelo mesmo Bento XVI na encíclica Caritas in Veritate e denunciado por João Paulo II na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1985 (de 08.12.1984), quando se referia aos «desígnios ocultos», a par de outros «abertamente propagandeados», «com vista a subjugar os povos a regimes em que Deus não conta». Vivemos realmente numa hora de trevas, que traz à mente a profecia de um grande pensador católico do século XIX, o piemontês Emiliano Avogadro della Motta (1798- 1865), que afirmava que das ruínas provocadas pelas ideologias laicistas nasceria uma verdadeira «demonolatria», que se manifestaria de modo especial no ataque à família e à verdadeira noção do matrimónio. Restabelecer a verdade sociológica sobre os pânicos morais relativamente aos sacerdotes e à pedofilia não permitirá travar este grupo de pressão, mas poderá constituir, pelo menos, uma pequena e devida homenagem à grandeza de um Pontífice e de uma Igreja feridos e caluniados porque se recusam a calar-se nas matérias que dizem respeito à vida e à família.
Março de 2010


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