Ao Compasso do Tempo – Crónica de 25 de Novembro de 2011
Já se nota o poder em não poucas instâncias. Uma realidade é o poder. Outra, a autoridade, ou seja, o encargo entregue à responsabilidade de alguém, que, de um dia para o outro, se vê a braços com tarefas nunca imaginadas.
Através da prova prática da competência, da cultura, da sabedoria, da humildade, entre tantos sinais, comprova-se se a quinta está bem ou mal doada.
À excepção dos injustificados desempregados do país, cada um de nós tem o “poder” de uma função. E é avaliado pela forma como a administra. E emendo a mão no tocante ao que afirmei acima: mesmo um desempregado, tem um “emprego”. O de lutar contra o vazio; o de pedir contas, a quem promete e se julga poderoso.
Se alguém pensar em coroas douradas… tem de se lembrar que as há de espinhos.
Tantas corridas em direcção ao poder, traduzido em lugares, direcções, tarefas, gloríolas! E os que assistem à representação, dão-se conta de que para os próprios, era muito mais salutar não ter aceite subir ao palco. Até as vestimentas rotas não escapam ao olhar. E quem tem de os considerar superiores ou iguais, vive desconfortado, porque nunca é modelo nem estrela da manhã, quem nos “mete pena”. (sentimento este tão pouco humano). Como será possível, haver confiança, se os detentores de responsabilidades não convencem, gerando a “falta da fé”, pela desconfiança que operam.
Ninguém vence pelo simples facto de um desempenho. Em todo e qualquer campo, não se trata de vencer. Em termos de verdade e de serviço, é preciso convencer, mesmo quando se é alçado a alturas de comando, por decisões da própria vontade popular. A legalidade de um encargo é sempre sujeita ao teste das qualidades de quem o exerce.
A interrogação destes últimos dias centra-se nesta afirmação: “a crise não pode servir de pretexto para a suspensão dos três critérios fundamentais que deverão orientar a construção do futuro – a justiça, a solidariedade e o bem comum” (“vencer a crise e construir Portugal na justiça e na solidariedade” – documento da Comissão Nacional Justiça e Paz, Lisboa, 11 de Outubro de 2011, p.5).
A compaixão “sem justiça é um dos mais poderosos cúmplices do diabo” (Hannah Arendt, Escritos Judaicos).
E aos “patriotismos avulsos”, convocados em circunstâncias sempre pontuais, (como quem a não tendo estudado, vai estudando a lição, no decurso dos dias…), recordo o amor à Pátria, por parte de um português impoluto, quando em carta de 13 de Julho de 1958, sublinhava ao então Presidente do Conselho, o que se segue:
“Todos estamos de acordo em que há dois problemas fundamentais, sem cuja solução não poderá haver paz social (…). O primeiro é que os frutos do trabalho comum devem ser divididos com equidade e justiça social (…). O segundo é que (…) nunca eles estarão satisfeitos (os indivíduos ou as classes) enquanto não experimentarem (…) que são sujeito e não objecto da vida económica, social e política”.
Lisboa, 25 de Novembro de 2011
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
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