Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

29/05/09

Dos casamentos de conveniência à discriminação dos viúvos

Por estes dias foi noticiado que o Governo está a procurar investigar a ocorrência de ‘casamentos de conveniência’, isto é, a celebração de casamentos entre imigrantes com nacionais com o intuito de obterem os não europeus a legalização no espaço da União Europeia. Segundo dados do serviço de estrangeiros e fronteiras, no ano de 2008, foram detectados vários casos, tendo sido instaurados dezoito processos-crime.
Depois de vagas de emigrantes e de algumas infracções dos ‘nossos’ lá por fora, temos de enfrentar por cá os subterfúgios de certos imigrantes que se ‘aproveitam’ das nossas fragilidades legislativas e até facilidades culturais para tentarem tornear as leis e confundirem as autoridades.
Por outro lado, vemos casos bem mais aberrantes – tanto ao nível social como na vertente psicológica e até religiosamente – de pessoas que se submetem à mentira por forma a não perderem as magras pensões de viuvez – tanto feminina como na masculina – se casarem pelo registo e, sem falar ao nível religioso, pois a celebração do matrimónio católico tem implicações civis de idêntico teor.
Neste caso fica-nos a sensação de que duas metades não fazem um bocado digno de sobrevivência mínima. Conhecemos pais e mães a socorrerem os filhos com as migalhas das pensões pela morte do outro cônjuge. Conhecemos casos de perigo moral e risco de conduta envergonhada, embora (socialmente) tolerada. Conhecemos ‘famílias’ em recomposição que tal não assumem porque a miserável reforma adia a assumpção da conduta de cabeça levantada e de ânimo sereno.
* Cremos, por isso, que está na hora de reclamar do Estado/providência a resolução de casos de viúvos/as que queiram casar-se e que possam acumular a nova condição com as regalias – quantas vezes tão magras, ridículas e insuficientes – associadas às pensões de viuvez. Com efeito, há pessoas sérias que sofrem com a impossibilidade de sobreviverem sem as parcas ajudas de benefícios do Estado.
* Mesmo ao nível religioso temos de criar condições de honestidade moral, na medida em que muitas dessas pessoas vivem em estabilidade de companheiro/a, mas em situação de perigo moral, na medida em que – ao abrigo das leis da Igreja católica – não se podem aproximar condignamente da comunhão eucarística nem dos outros sacramentos. Talvez fosse conveniente – agora que se reclama a regulamentação da Concordata entre o Estado português e a Santa Sé – rever o modo de salvaguardar certos requisitos em matéria de casamento entre católicos que vivem esta situação de viúvos/as.
* Em matéria fiscal não podemos criar todas (e mais algumas) dificuldades a quem seriamente vive a vida de casamento/matrimónio e com isso verem agravados os impostos, enquanto se faz criar a sensação de que os descomprometidos – social, económica e culturalmente – são bafejados por regalias – algumas que nem pedidas foram! – quase imorais. Parece que, em época de crise, temos de saber agregar todas as migalhas e não esbanjarmos ao sabor de interesses menos claros... embora nitidamente em rota de colisão com a família.
* Quase se percebe que há interesses (mais ou menos visíveis) em esvaziar de conteúdo o núcleo familiar – constituído entorno da união de um homem com uma mulher de forma estável – para os substituir por encenações onde cada qual assume papéis de conveniência e/ou de circunstância.
Num tempo em que o individualismo ganha foros de endeusamento, torna-se urgente distinguir o essencial do secundário, a verdade da aparência... em nós mesmos, na família, na sociedade... na Europa e no mundo.

A. Sílvio Couto

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Uma reflexão necessária, talvez incómoda

O grande acontecimento da vida da Igreja é a celebração da Eucaristia, ponto alto da vida comunitária, “cume e fonte da vida cristã”, como a designa o Vaticano II.
Uma preocupação conciliar foi tornar esta celebração mais digna e significativa Daí, entre outras coisas, a introdução da língua vernácula, a adaptação dos templos para que realçar o altar e o tornar visível a toda a assembleia como ponto de convergência, a qualificação do ministério de leitor, chamado a proclamar a Palavra e não apenas a lê-la, a insistência na qualidade dos cânticos, a maior participação da assembleia, a beleza e a dignidade das alfaias litúrgicas, tudo sempre marcadas pelo mesmo sentido. Mas, um grande propósito esteve em garantir uma presidência digna, pela consciência que deve ter quem preside, bispo ou presbítero, de que o faz em nome do Senhor Jesus, segundo as normas da Igreja, e nunca em nome próprio.
Assim, tudo o que diz e faz, o modo como o faz e se apresenta, deve ajudar a assembleia a reconhecer que é o Senhor quem convoca e preside, e tudo deve ser digno d’Ele. Do mesmo modo, lhe compete o dever de bem ordenar a celebração, para que ela mantenha a sua dignidade e não haja elementos estranhos que a desvirtuem ou empobreçam o sentido de um acontecimento, eminentemente sagrado comunitário.
Já se andou muito, mas há sempre caminho por fazer. Não podemos deixar de verificar que, por desatenção, rotina, influência de modelos profanos, arbitrariedades pessoais, quiçá com boa intenção mas pouco saber teológico e litúrgico, se foram introduzindo, na celebração, elementos alheios à mesma. Podemos falar de alguns: ao celebrar a Eucaristia, o importante é a assembleia dos crentes, reunida em nome do Senhor, irmãos entre si e com igual dignidade de filhos de Deus Uma assembleia a convergir para Jesus Cristo, que a convocou e a ela preside, não tendo, por isso, lugar saudações particularizadas a pessoas e entidades, mesmo religiosas, com títulos e superlativos, como se tratasse de uma sessão profana; há homilias em que a Palavra de Deus e a realidade da vida quase não têm lugar e se transformam em recados para ausentes e afirmações de saber próprio; há improvisações de momento, na linguagem e nos ritos, que empobrecem a comunicação; introduziu-se o abuso das palmas, por tudo e por nada e intervenções, à revelia do presidente; cânticos desadequados, cortejos onde a imaginação impera, leitores alheios à função de leitor, posições da assembleia, marcadas pelo gosto e pela devoção pessoal; introduzem-se, por vezes, dentro da celebração, actos alheios à liturgia, que poderão realizar-se no fim, antes da bênção; cresce o abuso dos fotógrafos amadores, que operam no templo como na rua, sem respeitar pessoas e momentos, não admitindo observações pertinentes.
As celebrações prolongam-se demasiado, rompe-se o seu equilíbrio e unidade, atropelam-se momentos importantes, queima-se tempo necessário para o silêncio…
Uma celebração eucarística não é um cabide onde cada um dependura coisas a seu gosto, nem uma assembleia com vários pelouros de gente independente. Tem presidência responsável, regras de culto público, ministérios ao serviço da assembleia. Não tem o rigor de uma cerimónia militar, mas não dispensa a ordenação correcta de um acontecimento respeitável. A Igreja quer que ela seja festiva, mas não a qualquer custo.
Não é fácil extirpar abusos. Sei isso, por experiência. Quando me vi surpreendido, já no altar, por intervenções inesperadas e, na sacristia, chamei a atenção para isso, vi reacções de desagrado. Quando, terminada a celebração quis encontrar-me com o grupo coral para dizer o que, por dever, me competia, ouvi: “O senhor manda no altar, no coro mandamos nós”. Quando pedi a um coro que escolhesse cânticos que o povo cantasse, foi-me respondido: “Na igreja só tem direito a cantar quem faz parte do coro e vem aos ensaios”. São os tais pelouros que se não foram constituindo por falta de formação e ganharam força ao verem e ouvirem o que se faz nas missas da televisão e da rádio, quando não mesmo por ali mais perto.
A celebração eucarística é sempre uma riqueza a defender, para bem do povo crente.

António Marcelino

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26/05/09

Acontecimentos claros e juízos complexos

Há manifestações frequentes, pessoais e colectivas, que são de leitura difícil, se não mesmo impossível, quando faltam a quem julga, critérios adequados à sua total compreensão. São as assim as manifestações religiosas de fé, mormente quando envolvem multidões de crentes, por vezes gente humilde e simples, mas com convicções profundas e consequentes e coragem para as afirmar.
Esta leitura, já de si complexa, aparece muitas vezes deformada pelos críticos e pela comunicação social que não vai além das aparências e se prende em aspectos limitados. Assim é com os peregrinos de Fátima, cumpridores ou não de promessas, chegados ao Santuário a pé ou de outro modo, vindos de norte e sul e dos quatro cantos do mundo.
A expressão religiosa da fé traduz-se sempre de um modo cultural e, deste modo, é uma representação limitada, provisória e relativizada. Dela emergem, porém, sentimentos respeitáveis, capazes de convocar e unir pessoas, derrubar muros interiores, abrir horizontes novos, quebrar rotinas e acordar esperanças.
Não é fácil a coragem de se afirmar hoje, publicamente, como cristão numa sociedade cada vez mais secularizada, religiosamente indiferente, que foi cortando as referências vitais com o transcendente. Pese, embora, o incómodo de alguns, a verdade é que não falta gente a afirmar a dimensão religiosa e evangélica da sua vida, e a dar razão da sua esperança com palavras convincentes, certas e sábias. E fá-lo de modo livre.
Com o propósito de ver para além do que os olhos vêem, quando tal se proporciona, gosto de caminhar por entre estes cristãos corajosos, quedo-me a admirar e a perscrutar o seu mundo interior e a tentar adivinhar o que os leva a exprimir assim a sua fé.
As peregrinações são ocasião privilegiada para tal propósito. Foi assim, há dias, com perto de vinte mil peregrinos emigrantes que trabalham em diversos países da Europa e se deslocaram a Mont-Roland, em França. De igual modo, dois dias depois, em Fátima, deixando-me envolver, silenciosamente, e contemplando a multidão que desafia, com um rosto sereno e confiante, o rigor do tempo, o cansaço da caminhada, o incómodo das cerimónias longas, a incompreensão dos críticos fáceis
As expressões populares de fé não são apenas de pessoas simples e iletradas. Também as manifestam gente culta, que guarda a fé bebida com o leite da sua mãe ou fez alguma experiência de Deus, em momento tão decisivo da vida, que não mais pode esquecer.
Dizem alguns, mesmo da Igreja, que muita gente generosa numa peregrinação, não exprime total coerência de fé na sua terra e no seu dia a dia. A coerência da fé adquire-se ao longo da vida, ante os desafios que a mesma vai pondo. A força unificadora do que se acredita e do que se vive não é obra de um momento, mas sim de uma decisão interior que se vai tornando vida no meio de incómodos e obstáculos. Neste esforço de procura de coerência e de unidade na vida, misturado de êxitos e de fracassos, vai a força que não deixa desistir, a gratidão pelo que já se conseguiu, a aceitação das contrariedades inevitáveis, o gesto discreto de solidariedade, as expressões de amor, os propósitos de bem fazer, a coragem para permanecer na comunhão eclesial.
O maior desafio que hoje se põe aos cristãos e às comunidades é o da formação que enraíza e esclarece a fé e o do testemunho que dá sentido e abertura missionária às suas vidas. É esta uma responsabilidade permanente de quem serve. Servindo, se encontra maneira de interessar quem nisso precisa de ser servido e de que vai tendo consciência.
No tempo do peregrinar na vida, Deus não é o juiz que contabiliza os resultados obtidos. É o Pai atento que incita a ir mais longe, dando a mão aos caídos, o colo aos cansados, a palavra estimulante aos que caminham sempre, levando uma cruz pesada. A gente, iletrada ou culta, com fé evangélica, desperta adormecidos e desatentos e denuncia teóricos, tardios em oferecer o seu ombro para ajudar os inúmeros feridos da vida.

António Marcelino

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Beneficiários ou vítimas do ‘rendimento mínimo’?

Os números estão aí: 334 mil portugueses vivem, regularmente, do subsídio de rendimento mínimo. Também por ocasião dos mais recentes conflitos no bairro da Belavista (Setúbal) foi referido que se gasta mais de um milhão de euros por mês com duzentas e setenta e cinco famílias, num total de mil pessoas... que recebem o dito ‘rendimento mínimo’.
Ora, perante estes dados – nacionais e com alguma incidência local mais ou menos próxima – quase poderemos tentar compreender que há muita gente que é, de facto, beneficiária deste ‘salário’, mas que se tem tornado uma espécie ‘profissional’ da dependência da pobreza (aceite, promovida ou até exaltada) nalguns sectores da nossa sociedade.
Por outro lado, os números do desemprego – reais, forjados ou fictícios – crescem diariamente, estando prestes a atingir a barreira do meio milhão de pessoas, numa percentagem de quase nove por cento da população activa. Também se torna assustador o número de pessoas em debilidade económica – mais de seiscentas mil – em razão da precariedade do emprego e dos salários.
Efectivamente, estamos prestes a ‘bater no fundo’ da nossa condição económica nacional, pois os dados mais fiáveis dão-nos conta de que sobrevivemos endividados em mais de cem por cento do produto interno bruto, isto é, o desfasamento entre o que produzimos e aquilo que exportamos se reduz a comprar mais do que a produção mínima.
* Ainda no recente ‘simpósio reinventar a solidariedade’ – realizado, em Lisboa, no dia 15 de Maio – se escutaram vozes e sugestões, propostas e acusações sobre a necessidade de defender a pessoa humana, nas suas mais essenciais dimensões, pois da conversão da pessoa dependem a reconversão das estruturas – desde as mais simples até às mais complexas, isto é, desde as vertentes locais até à dimensão do Estado – em ordem a vencermos esta crise, que é mais de valores do que de finanças e economias.
* Quem tenha estado de olhos abertos e de mente atenta terá percebido que as celebrações do cinquentenário do monumento – a pretensão de santuário tem ousadia, mas falta-lhe dimensão! – a Cristo Rei, nos passados dias 16 e 17 de Maio, terá visto mais uma devoção a Nossa Senhora do que um acto de louvor a Jesus Cristo; terá ficado mais admirado pela dimensão popular – de um e do outro lado do Tejo – e marcadamente envelhecida do que pela adesão das camadas mais instruídas e dos jovens anónimos... para além dos ‘nossos’ escuteiros.
* Quem olhar atentamente um certo indiferentismo para com as coisas espirituais – sobretudo as de incidência católica comunitária... de proximidade – poderá (e deverá) questionar-se sobre algum excesso de horizontalidade das propostas e pouco sobre a dimensão de abertura a Deus e aos seus sinais mais ou menos visíveis em nós e à nossa volta.
* Se tivermos coragem de nos assumirmos enquanto consumidores compulsivos, poderemos ver que muito do ‘nosso’ consumismo é promovido pelo desrespeito para com os mais necessitados: compramos mais uma peça de roupa sem repararmos em quem tem menos; esbanjamos em futilidades aquilo que faz falta para outros comerem; aderimos às coisas da última moda, quando outros vestem ou calçam o já usado...
Temos, de facto, um longo caminho a percorrer para que os nossos saldos não se confundam com o que desejam, como essencial, muitos dos nossos contemporâneos, pois a nossa cultura nem sempre se compadece com os fracos ou só os tolera se eles forem (inconscientemente) a auréola da nossa incongruência moral e cívica.
Quando todos tivermos trabalho digno, as vítimas dos subsídios serão excepção e não regra, como vemos por estes dias...

A. Sílvio Couto

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Ao Compasso do Tempo - Crónica de 22 de Maio de 2009

Ao Compasso do Tempo - Crónica de 22 de Maio de 2009

Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja

http://castrense.ecclesia.pt

A morte de João Bénard da Costa, ocorrida há dois dias, rememora factos históricos e eclesiais, anteriores e coincidentes com os da década de 60, perante os quais o autor dos “Vencidos do Catolicismo” (série de artigos publicados no “Independente”) se debruça em análise das magnas causas da efervescência desse período.
Pronunciados estertores do regime do Estado Novo são contemporâneos de grupos e levantamentos de sectores católicos, envergonhados por uma “Igreja comprometida” e disponíveis ao derrube da injustiça.
Como destaca Franco Nogueira (Salazar, vol. V, Porto, Livraria Civilização, Editora 1988, p. 68 sgs):: “Acontece, para mais, que neste mês de Maio de 1959 os meios católicos se encontram particularmente emocionados na perspectiva da breve inauguração do Monumento a Cristo-Rei (…) está lançada por todo o país a ideia de uma consagração do monumento que se pretende não só cristã como nacional (…). No Episcopado, repetem-se autênticas pressões: que o acto de consagração seja lido pelo chefe do Estado e que este compareça no pontifical de Santa Maria de Belém (…)”
Conforme acentuou o arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade Salgueiro, em carta ao Presidente Américo Tomaz: “Mas talvez, sem V. Excia ler a fórmula da consagração, talvez tudo pudesse harmonizar-se (…) se, ao findar o discurso, sem dúvida impregnado de sabor religioso, V.ª Excia ratificasse, como chefe da Nação, a consagração anteriormente lida por Sua Eminência”, concluindo: “Sob todos os aspectos, ao menos este encontro das duas autoridades mais altas de Poder religioso e civil da Nação, seria uma bênção para Portugal” (p. 69)
E em carta ao Doutor Salazar de 10 de Maio de 1959, o Cardeal Cerejeira a propósito da consagração por parte do poder político, e no caso, pelo Presidente do Conselho, relembra: “o que há de essencial é que o Senhor Preside (“sic” no original) comprometa como chefe da Nação a Nação no Acto Consagratório. Diga alguma coisa equivalente a isto: como Chefe da Nação cuja religião é católica, em nome dela, confirmo ou ratifico a Consagração feita pelos Bispos de Portugal, ou acabada de ser lida pelo Cardeal Patriarca”. (p. 70, nota 1)
O Doutor Salazar sugere (manda?) ao Presidente da República o conteúdo da fórmula consecratória, tentando destrinçar o Portugal político… do Portugal cristão. E assim se fez, após capítulos vários de contactos aparentados mas sem conúbio… (Cf. op. cit, ps 75-76)
E ainda por cima, no dia da festa, os olhos da maioria concentravam-se no bispo do Porto, de então. E, com ou sem intenção, D. António Ferreira Gomes, ainda para confusão dos gulosos meneios, apareceu de cabeça descoberta, com o halo vermelho do solidéu, mas “decepado” da triunfal mitra, dando oportunidade às mais desvairadas interpretações…
Era a agonia de um sistema, com um Cristo a abençoar Lisboa e Portugal, bem precisados de uma Luz Superior que esclarecesse a Igreja e o Estado!
Não admira que, desde então, ou seja, a partir de 1960, leigos católicos, como João Bénard da Costa e o seu “Tempo e o Modo”, levantassem cabeça contra o segmento de uma história e o “modo” falso como o poder político se comportava, arredio aos direitos humanos, urgindo a que a democracia se soerguesse como o sol.
Um dos bispos dissidentes, ordenados pelo bispo Lefebvre em 1998, de nome Bernard Tissier de Mallerais, e hoje reintegrado na comunhão eclesial, acusa o Vaticano de negar “Cristo-Rei”, por cujas razões Charles Maurras foi condenado por Pio XI.
A “tragédia conciliar”, segundo Lefebvre, consistiu na “descoroação” de Jesus Cristo, ao insistir na dimensão empenhativa da Festa Litúrgica de Cristo-Rei, como se os critérios evangélicos do serviço ao mundo constituíssem uma teia de aparato mundano e político-social, ao sujar esse serviço as mãos na criação de um mundo de liberdade, fraternidade, tolerância e pluralismo.
O “reinado” social da Justiça e da Paz não convém a certos monarcas… Segundo estes, se Cristo sancionar políticas “cristãs” de domínio e orgulho, ainda vá. Caso contrário, é melhor expulsá-Lo da cidade e atirá-lo para o exílio.
Tantas lições, factos e pessoas ligadas sob este véu diáfano da mística e do êxtase! Entre Charles Maurras e o bispo Williamson (negacionista do Holocausto) há um triste parentesco de família…
E os tempos de ontem e de hoje aparentam caracteres, tendências, pessoas e movimentos católicos, que convidam a estudo da maior actualidade.
“Reinventar a solidariedade” é um “reinado” mais verdadeiro!

Lisboa, 22 de Maio de 2009

D. Januário Torgal Mendes FerreiraBispo das Forças Armadas e Forças de Segurança

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Usa e não te prives!... Bento XVI tem razão

Passando há meses numa das ruas tortuosas do Porto, dei de caras com um enorme painel publicitário que reaparecia a cada passo, noutros sítios, mostrando preservativos de várias cores, acompanhados do slogan sugestivo que escrevi em título: USA…E NÃO TE PRIVES!

Toda a gente lembra ainda a gritaria que se ergueu contra o Papa na nossa comunicação social (falada, escrita e visionada), quando, entrevistado na sua ida à África sobre a SIDA naquele enorme e martirizado continente, sem condenar ninguém e sem proibir fosse o que fosse, disse corajosamente que a distribuição de preservativos, mesmo gratuita, só por si, não resolveu nem resolverá o problema de SIDA, que tem vindo a crescer assustadoramente e a fazer inúmeras vítimas.

Bento XVI acrescentou que a solução mais honesta e séria é a humanização da sexualidade e a educação das pessoas para uma sexualidade com responsabilidade e com regras.
A maior parte dos jornalistas, porém, não ouviram ou não quiseram ouvir esta segunda parte. Como vem sendo habitual, o que lhes interessou foi desacreditar a Igreja, e lançar para o ar umas atoardas sensacionais que causassem escândalo e levassem as pessoas a correr às bancas para adquirir o seu pasquim. Um ou outro jornalista (lembro apenas um artigo do Expresso de 21 de Março), em vez de discordar das palavras do Papa (no que tinha todo o direito) chegou mesmo ao insulto soez e baixo, vomitando na praça pública todo o veneno e toda o ódio que tem dentro, contra a Igreja e contra o Papa. Convenhamos, antes de mais, que o Papa também tem o direito de dizer o que pensa…ou só os jornalistas gozam de tal direito?! Que raio de pluralismo e que espécie de democracia é esta, em que só têm direito de expressar as suas ideias os que concordam connosco? O que o Papa disse de importante e fez de grande em África, não interessou aos nossos jornalistas. Só os preservativos lhes mereceram atenção. Eles lá sabem porquê.

O Papa não teve medo de dizer a verdade porque essa é a verdade. Se os preservativos resolvessem o problema, ao que se tem gasto, ao que se tem ensinado, à campanha constante e contínua que se tem vindo a fazer, já há muito não havia SIDA em África… e no mundo. Dias depois, o Director da Universidade de Harvard (Estados Unidos) e do Projecto para a Prevenção da SIDA, afirmou que “a suposta segurança do preservativo leva as pessoas que o usam, a correr mais riscos”. Numa revista americana, de renome internacional e sem qualquer ligação à Igreja Católica, escrevia-se também que “combater a SIDA distribuindo preservativos, é o mesmo que atacar um fogo deitando-lhe gasolina”.

Toda a gente sabe que há situações em que o uso do preservativo é aconselhável, e mesmo obrigatório. Nunca a Igreja censurou as pessoas que usaram o preservativo para evitar contagiar pessoas inocentes. Usar um preservativo é um mal menos grave do que infectar e levar à morte um inocente.

Já não se pode dizer o mesmo dessa generalização do preservativo em tudo quanto é sítio, incluídas as escolas, para que todos e cada um possa fazer o que quiser…quando quiser…com quem lhe apetecer...sem regras, sem respeito, sem qualquer ponta de vergonha ou sem qualquer espécie de responsabilidade.

A educação sexual que se tem vindo a fazer nas escolas europeias e portuguesas, por decisão de quem governa, não tem passado de um incitamento ao “sexo livre”…e irresponsável, e à distribuição gratuita de preservativos, o que se pode resumir no título deste artigo e no slogan dos cartazes portuenses: USA…E NÃO TE PRIVES! É assim que se alimenta o “sagrado” fogo das paixões: atirando-lhe gasolina! Gostava de saber como reagem os pais que amam os filhos (e as filhas) e não os (as) querem ver nesta promiscuidade sexual, usadas ou abusadas seja por quem for!… Já nem reagem, infelizmente! E esse é que é o grande problema! Vamo-nos habituando a tudo! Já desistimos de lutar pelos nossos ideais… e pelas nossas convicções! Este ambiente libertário que nos rodeia e estes democratas sem fé e sem moral que nos governam agora e vêm governando há muito, têm vindo a silenciar as nossas vozes…a esmagar as nossas convicções… e a sufocar os nossos valores… E nós, continuamos a escolhê-los.

É interessante sabermos que, na Inglaterra, um dos países mais avançados em tudo o que se refere a “educação sexual”, com preservativos gratuitos ao dispor de todos, à mão de semear, têm vindo a crescer assustadoramente o número de meninas engravidadas, aos milhares, algumas pré - adolescentes. É útil sabermos ainda que, há poucos dias, um miúdo de tenra idade se reconhecia já pai por ter engravidado um criança da escola, com outros a pretenderem que o filho afinal lhes pertencia, já que também eram “clientes” da referida adolescente, ela também frequentadora da “Educação Sexual” na sua escola.

Termino, informando apenas que essa Igreja Católica que tantos odeiam, criticam e perseguem (muitos até são seus filhos…nasceram-lhe inclusivamente em casa!), tem no mundo 1.200 projectos de apoio a doentes da SIDA que atingem anualmente quatro milhões e meio de pessoas! Só em África, 3 mil Padres e Religiosas, 16 mil voluntários e 15 mil funcionários empenhados na profilaxia da SIDA, em cerca de mil Hospitais, em mais de 5 mil Dispensários e em 800 Orfanatos.

Deixemo-nos de atoardas fáceis e de parangonas irresponsáveis!

Resende, 30 de Abril de 2009

Joaquim Correia Duarte (Pe.)

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